Monografias

Socializar para ressocializar

 

 

WELLINGTON ALVES INÁCIO

 

Trabalho de Curso apresentado ao Curso de Direito da Fundação de Ensino “Eurípides Soares da Rocha”, mantenedora do Centro Universitário Eurípides de Marília – UNIVEM, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

 

Orientador:

 

Prof. ROBERTO DA FREIRIA ESTEVÃO

 

Embora tenha consciência de que não foi produzido um magnífico trabalho, mesmo porque não possuo grande capacidade de um pesquisador, como o são muitos outros estudantes com quem tive o prazer de ser colega durante o curso, bem assim não tenha me dedicado como deveria à produção, mas tendo em vista que ele fecha mais um ciclo, DEDICO esse trabalho àquelas pessoas que são ávidas por um mundo em que não haja tão tanta injustiça como é mostrada aqui, àquelas pessoas que trabalham em prol do próximo, mas não por uma recompensa daqui ou dos céus, de Deus, ou para expiar pecados dessa ou de outras vidas, mas sim àquelas que fazem pelo próximo por prazer de lhe fazer feliz.

Há muitas pessoas que assim pensam e agem. Sei que fiz muito pouco nesse sentido, seja pela falta de capacidade, falta de interesse, preocupações com outras coisas, porém este trabalho foi feito pensando em pessoas, para as quais são dirigidas todas as normas editadas, que deveriam ser aplicadas no caso concreto, porém muitas vezes não o são; ao contrário, são editadas normas em prol de interesses pessoais, bem como aquelas que pensam em pessoas muitas vezes não são aplicadas no caso concreto.

A essas pessoas dedico o meu trabalho, pois sei que será visto com bons olhos.

Isso porque uma coisa é cometer um ato que pode ser levado a uma subsunção penal quando se tem de tudo, tem dinheiro, tem “motinha” (termo usado por um menino da favela no documentário Falcão Meninos o Tráfico, utilizado na pesquisa), outra coisa é cometer um ato de roubo, latrocínio, tráfico, quando desde os 4 anos de idade foi-lhe mandado pela mãe que ficasse o dia todo pedindo esmolas nas ruas da capital paulista (Garotos do Semáforo).

Dedico esse texto às pessoas que lutam por ter um país melhor, um mundo melhor, com menos injustiça, e agem para que isso se concretize. Aos políticos que tenham visão de Estado e não de governo.

Dedico, primeiramente, para o meu filho Wellington Henrique Inácio, o qual é como se fosse o sangue que corre em minhas veias, o ar que respiro, minha mola propulsora, o que mais me estimula na vida. Ele, há pouco mais de 7 anos, impulsiona-me a vencer, a correr atrás de objetivos, a ser mais responsável. Ele que me ensina a cada dia como ser feliz, como agradecer pelos diamantes que Deus nos oferece para que lapidemos, para que cuidemos, para que ajudemos a vencer na vida, o que fazemos com todo o prazer, o maior prazer de um ser humano. A ele, para o qual procuro e sempre procurarei dar-lhe uma educação mais fraternal, mais humana, condicionando-o a tratar as pessoas sem preconceito, sem divisão. 

Dedico a minha esposa Débora, a qual, apesar de todos os contratempos da vida, principalmente de casados, me ajuda, dando o apoio necessário nesses cinco anos de faculdade, onde nos privamos de muita coisa a fim de galgar um futuro melhor. Ela que, com todo o amor e carinho, cuida do nosso filho maravilhoso, dando toda assistência de que precisa, bem como cuida também de mim, dando o apoio de que necessito e toda assistência.

Dedico a toda minha família, em especial, à minha mãe, Dona Maria, a qual sempre cuidou para que eu não me desviasse do caminho certo, quem “puxou minha orelha” quando pendia para algo errado, com quem posso conversar e entende tudo o que quero dizer. A ela, que amo muito e tenho como exemplo de caráter, de honestidade, de confiança em Deus. A ela que deu a educação correta, ainda que não tenha tido condições de pagar uma escola particular, cursos etc., mas que, com o que tinha, deu a seus filhos TUDO o que foi necessário para lhes garantir um futuro digno, honesto, honrado. Deu-me o exemplo de como caminhar na vida, com honestidade. Obrigado, mãe.

Dedico a meu pai, seu Eziquiel, o qual sempre me profetizou palavras positivas e de ânimo próspero, que sempre me apoiou e me deu a assistência necessária, ainda que carecesse intelectualmente de condições, no entanto com o que lhe foi disponibilizado, conseguiu também dar de TUDO para os seus filhos e continua assim fazendo. Lembro-me de um dia em que muitos julgavam a mim, quando ainda era um adolescente, falando que eu não teria um futuro digno pelas atitudes que tomava, o que imediatamente ele rechaçou, dizendo que meu futuro seria próspero e que teria tudo que uma pessoa bem sucedida pudesse ter. Isso ficou muito marcado e lembro como se fosse hoje. Obrigado, pai, pois, não fossem aquelas palavras, talvez pudesse ter ido para um caminho sem retorno.

 Dedico também aos colegas de turma, os quais embatem idéias correlacionadas ao tema a que me propus a estudar. Nesse contexto, em especial ao Júlio Cesar Villas, com o qual sempre discuti o assunto, tendo ele criticado positivamente o assunto tratado e minha opinião sobre o assunto, bem como por todo o apoio no decorrer do curso. Dedico ainda ao seu Luiz de Souza, Isadora Helena Ricardo Simões, Íris Alves, dentre outros tantos colegas que me ajudaram nessa caminhada de 5 anos, a qual inicia uma jornada muito mais longa.

Dedico a Dona Sueli, Coordenadora, do Sueli/Moreira Cursos e Concursos, ao Sérgio Diniz do Nascimento, Investigador na cidade de Assis, ao Luiz Augusto Nonato, Oficial de Justiça da Comarca de Marília, os quais são pessoas não ligadas diretamente ao curso de direito ou família consangüínea ou afim, mas que, apesar disso, são como se fossem da família, sendo determinantes para melhorar o meu desempenho como cidadão, como homem, sobretudo no que diz respeito aos estudos. Pessoas estas que me inspiram a ter hombridade, determinação, autoestima, disciplina nos estudos etc. 

Dedico ao meu orientador, Professor Roberto da Freiria Estevão, o qual, lá no primeiro ano, despertou-me o senso crítico sobre as normas de direito, quando questionou a sala sobre a infantilização que o Estado nos submete. A ele que aceitou e que, pacientemente, me orientou para a consecução deste trabalho.


AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, por ter me dado o milagre da vida e, por conseqüência, todos os outros maravilhosos milagres que esta nos proporciona. Agradeço a Ele por ter colocado pessoas tão especiais na minha vida, como às que são citadas na dedicatória e à frente.

Dessa forma, e por conseqüência, agradeço a todo o corpo docente dessa Instituição, que forma alunos pensantes, que me ajudaram nessa caminhada, agradeço aos mestres, aos quais, agora, tenho consciência de que deveria ter dado mais valor, aproveitado mais o que têm para ensinar.

Agradeço ao professor Freiria pela disponibilidade em aceitar e me assessorar durante o curso, em especial na produção do trabalho, em especial, no primeiro ano, quando ministrava suas aulas, levando os seus alunos a pensar, a questionar, não apenas sendo um mero comunicador de informações, enchendo a lousa de matéria, reproduzindo informações. Agradeço a ele por me fazer pensar e não apenas decorar conteúdos.

Agradeço ao Centro Universitário UNIVEM, Fundação “Eurípides Soares da Rocha” por ter me dado a oportunidade de agregar muito conhecimento e me proporcionar a possibilidade de crescer muito, e crescer muito mais após a formação.


INÁCIO, Wellington Alves. Socializar para ressocializar. 2013. 75 f. Trabalho de Curso(Bacharelado em Direito) – Centro Universitário Eurípides de Marília, Fundação de Ensino “Eurípides Soares da Rocha”, Marília, 2009.

RESUMO

A presente monografia tem como objetivo estudar a causa da falência do objetivo precipuamente pretendido da pena de prisão, qual seja, a ressocialização, haja vista que a esta é muito aplicada, mormente com o cunho de ressocializar pessoas, o que é objeto de muitos trabalhos sobre o tema. Entretanto muitos destes visam estudar tão somente a pena a ser aplicada individualmente, o que deveras restará infrutífero, haja vista que não trará resultados práticos positivos, porque a aplicação da pena de prisão traz o resultado contrário ao pretendido, o que é comprovado pelo alto índice de reincidência dos que tem privada sua liberdade. Dessa forma, tendo em vista a ineficácia dessa pena para o fim a que se destina – a ressocialização – buscou-se lograr êxito em alcançar a causa pela qual a pena de prisão não atinge sua finalidade. Para tanto foi analisado o perfil dos apenados, bem como de potenciais criminosos analisados em documentários televisivos, os quais são levados ao cárcere ulteriormente, sendo que, na sua maioria, encontram-se na marginalização. Logo, a análise dos tipos de apenados tem o condão de dar-lhes o tratamento devido, de acordo com sua condição, ao passo que – e isso é o mais importante – a classificação de criminosos em potencial é de suma importância já que seu tratamento prevenirá o crime, excluindo a aplicação da pena de prisão, que seria o ideal, vez que a socialização ou a marginalização dos indivíduos tem reflexo direto com sua ressocialização pós prisão, ainda que esta possua contradições.

Palavras-chave: Prisão. Marginalização. Ressocialização. Socialização.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.. 11

CAPÍTULO 1 – DAS ESPÉCIES DE PENAS NO BRASIL E A FORMA DE SEU CUMPRIMENTO.. 13

1.1 Das penas. 15

1.1.1 Pena privativa de liberdade. 16

1.1.2 Pena restritiva de direitos. 19

1.1.3 Medidas socioeducativas da Lei 8.069/1990 – ECA. 22

CAPÍTULO 2 – CRISE DO SISTEMA PRISIONAL. 25

2.1 Ineficácia da pena privativa de liberdade. 27

2.2 Finalidades da pena, conforme a Lei de Execução Penal28

2.2.1 Descumprimento dos direitos do preso. 29

2.3 Conseqüências drásticas do uso da pena de prisão como forma de vingança. 38

2.3.1 Paradoxo entre a pena de prisão e sua finalidade essencial, a ressocialização. 40

CAPÍTULO 3 – CLASSIFICAÇÃO DOS PRATICANTES DE CRIMES PARA FIM RECUPERACIONAL, POR JOÃO FARIAS JÚNIOR, VERSUS SUBSUNÇÃO A INFRATORES ATUAIS ANALISADOS EM DOCUMENTÁRIOS TELEVISIVOS. 44

3.1 Exógeno circunstancial45

3.2 Exógeno Mesológico. 47

3.3 Mesoendógeno e Patoendógeno. 69

CONSIDERAÇÕES FINAIS. 71

REFERÊNCIAS. 74

 

INTRODUÇÃO

O sistema carcerário brasileiro encontra-se falido como é de conhecimento de grande parte das pessoas que se destinam a estudar e encontrar meios para que essa falência seja minimizada e que realmente as penas cumpram suas funções. Superlotação, falta de estrutura, problemas sexuais, contágios por doenças, falta de assistência, são exemplos de fomento à reincidência e a inexistência de ressocialização.

Muitos estudos visam à busca de um sistema que realmente funcione que puna e transforme um criminoso num cidadão de bem, mas dificilmente é encontrado um sistema de punição que cumpra seu papel de punir e inserir uma pessoa reformada ao meio social.

A pena mais utilizada para coibir a prática de crimes e punir os infratores, é a pena privativa de liberdade, no entanto esta não vem cumprindo seu papel a contento, já que algumas estatísticas demonstram que o índice de reincidência para os que têm privada sua liberdade é alto, ao passo que aqueles que são punidos por meio de medidas alternativas têm o índice de reincidência menor. Logo, há defensores da tese de abolição da pena privativa de liberdade em favor das penas alternativas.

Por outro lado, há posturas mais flexíveis que, no entanto, não deixam de rechaçar a pena de prisão como meio de punição e ressocialização devido ao modo como é aplicada.

Por isso, o presente trabalho analisa uma forma diferente de aplicar a pena ao infrator, criada por Farias Júnior, em que ele classifica os infratores de maneira etiológica, ou seja, analisam-se as causas de o indivíduo se tornar um infrator. Tal classificação também é teleológica, já que com o resultado será definido um tratamento específico para cada tipo de delinqüente.

Dessa forma, o referido autor classifica os criminosos em exógeno circunstancial, exógeno mesológico, mesoendógeno e patoendógeno, dando para um tratamento diferenciado, segundo a sua condição, a fim de que sejam morigerados e não mais cometam crimes.

Entretanto, analisados alguns documentários televisos sobre infratores, bem como o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Sistema Carcerário no qual demonstra as características dos encarcerados no Brasil, depreendeu-se que pela classificação de Farias Júnior vislumbra a presença com maior incidência do exógeno mesológico no meio carcerário, bem como no meio dos infratores que estão nas ruas, no entanto o tratamento recebido por esses praticantes de infrações penais não é aplicado de forma morigeradora como assevera o autor Farias Júnior.

Diante disso, o trabalho foi dividido em três capítulos.

O primeiro aponta de forma resumida as espécies de pena no Brasil e a forma de seu cumprimento, onde se fala das penas privativas de liberdade, dos regimes prisionais, das progressões e regressões de regime, das penas alternativas e medidas socioeducativas aplicadas aos menores, haja vista que esta também, na prática, não deixa de ter o cunho da pena, qual seja, o de punir e ressocializar. Não se pode olvidar também que o ato infracional de roubo e o crime de roubo ferem o mesmo bem jurídico da sociedade, qual seja, o patrimônio, pois seja o ato praticado por maior ou por menor as conseqüências para a sociedade é a mesma. Não bastasse isso, esse menor irá crescer e se tornar maior; ora, se o objetivo principal é a inserção social ou ressocialização, é melhor que seja feito quando criança/adolescente.

O segundo capítulo trata da crise do sistema prisional, direcionando o estudo ao relatório da CPI do Sistema Carcerário de, haja vista que este documento é fruto de visitas e estabelecimento prisionais de todo o Brasil, em que são trazidas várias informações a respeito do descumprimento dos direitos dos presos.

O terceiro capítulo traz a classificação de infratores, segundo Farias Júnior, comparando-a aos apenados brasileiros, bem como aos potenciais criminosos futuros analisados em documentários televisos.

Logo, para consecução do presente trabalho, foi utilizado o método dedutivo cumulado com técnicas de coleta de dados.

 CAPÍTULO 1 – DAS ESPÉCIES DE PENAS NO BRASIL E A FORMA DE SEU CUMPRIMENTO 

 

Penas são punições impostas somente pelo Estado àquela pessoa que pratica alguma infração penal, cujo objetivo é retribuir o mal causado pela prática do ato ilícito, cujo fim principal seria a intimidação para que novos delitos não mais sejam praticados pela pessoa que praticou o crime ou por outras. (SOLER, 1970. v. 2, p. 342 apud MIRABETE, 2011, p. 232)

 

Tais penas possuem a característica de retribuição e tem finalidade preventiva. A retribuição contra o autor da infração penal e de prevenção para evitar novas infrações.

 

A finalidade preventiva divide-se em geral e especial. A primeira dirige-se a todas as pessoas, visando intimidar a sociedade a fim de que as pessoas nela inseridas não pratiquem infrações penais, já que sofrerão as penalidades da lei. Já a finalidade preventiva especial dirige-se especialmente ao autor do que é denominado delito, cujo fim visa corrigi-lo para que este não mais cometa infrações penais e, na maioria dos casos, em nosso sistema penal, tal delinqüente é retirado do seio da sociedade, aplicando-lhe a pena de prisão.

 

O legislador, ao editar a reforma do Código Penal em 1984 por meio da Lei 7.209/1984, estipulou tais finalidades da pena no artigo 59 do mencionado diploma, in verbis:

 

Fixação da pena

 

Art. 59 – O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: (VADE…, 2013, p. 586)

 

Essa conduta incriminada e a respectiva pena a ser aplicada, por sua vez, devem ser previamente descritas em abstrato num tipo penal para que a sociedade tenha conhecimento de que tal conduta é punível. Com isso, será atendida a finalidade preventiva da pena, com tom intimidador, sem o que o agente não poderá ser condenado à respectiva pena, conforme prevê a carta magna, no seu artigo 5º, inciso XXXIX, in verbis, (…) “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (VADE…, 2013, p. 70). Igualmente, o próprio Código Penal prevê em seu artigo 1º o mesmo texto constitucional, que nada mais é do que o princípio da legalidade, cuja inobservância impedirá a condenação do agente.

 

Outra característica importante da pena é que ela atingirá tão somente a pessoa do condenado, não podendo se estender a terceiros, garantindo assim o princípio da personalidade, plasmado no Artigo 5º, inciso XLV, primeira parte, da Constituição Federal. Tal disposição é óbvia já que o herdeiro ou legatário do falecido praticante de alguma infração penal, não poderão ser punidos pela conduta criminosa do de cujus.

 

A cada infração penal corresponde uma pena, a qual deverá ser proporcional ao dano causado, no entanto a Constituição Federal mitiga tal característica, quando em seu artigo 5º, inciso XLVI, dispõe que (…) a lei regulará a individualização da pena (VADE…, 2013, p. 70). Logo, atribui ao legislador à legitimidade de individualizar a pena, mitigando assim o princípio da proporcionalidade, pois ele poderá impor a certo tipo penal uma pena desproporcional. Sobre tal desproporcionalidade, temos o caso do crime de maus tratos contra a pessoa e maus tratos contra animais, cujas penas são desproporcionais, levando-se em conta o bem jurídico atingido em cada caso e as respectivas penas aplicáveis. Vejamos cada um desses tipos: em primeiro lugar o crime de maus tratos contra animais previsto na Lei 9.605/1998 e logo após o crime de maus tratos à pessoa, tipificado no Código Penal:

 

Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

 

Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.

 

§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.

 

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal. (VADE…, 2013, p. 1654)

 

Maus-tratos

 

Art. 136 – Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina:

 

Pena – detenção, de dois meses a um ano, ou multa.

 

§ 1º – Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:

 

Pena – reclusão, de um a quatro anos.

 

§ 2º – Se resulta a morte:

 

Pena – reclusão, de quatro a doze anos.

 

§ 3º – Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (catorze) anos.(Incluído pela Lei nº 8.069, de 1990). (VADE…, 2013, p. 596)

 

 Note-se que a pena mínima pelo crime de maus tratos contra animais é superior a maus tratos contra pessoas, logo não houve o atendimento, neste caso, ao princípio da proporcionalidade.

 

A pena ainda possui outra característica importante, qual seja, a inderrogabilidade, a qual preconiza que a sua aplicação é certa. Logo, ninguém poderá extinguir a pena por mera liberalidade, o que poderá ser feito somente quando a lei prever tal ação, como no caso, por exemplo, de legítima defesa.  (MIRABETE, 2011, p. 232)

 

Por fim, a pena deve atender o princípio da humanidade, o qual prima pelo não sofrimento ou a degradação do condenado, não podendo o Estado atingir a dignidade do condenado.  

 

Os tipos penais incriminadores podem se servir de várias modalidades de penas, cuja descrição encontra-se no Código Penal em seu artigo 32, quais sejam: privativa de liberdade, restritivas de direito e de multa. Some-se a isso a disposição constitucional, cuja carta magna é posterior ao Código Penal, e especifica melhor as modalidades de penas no seu artigo 5º, inciso XLVI, in verbis (VADE…, 2013, p. 70):

 

(…) a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

 

1.            Privação ou restrição da liberdade;

 

2.            Perda de bens; 

 

3.            Multa;

 

4.            Prestação social alternativa;

 

5.            Suspensão ou interdição de direitos;

 

A forma como serão cumpridas tais penas é disciplinada, principalmente, pela Lei 7.210/1984, a chamada Lei de Execução Penal, a qual traz várias regras e institutos no sentido de que sua aplicação tenha efeito ressocializador.

 

1.1 Das penas

 

Como já se viu são variadas as penas para o caso de cometimento de delitos, as quais serão aplicadas, conforme artigo 59 do Código Penal, pelo juiz, que:

 

(…) atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime:

 

I – as penas aplicáveis dentre as cominadas;

 

II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;

 

III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;

 

IV – a substituição da pena privativa de liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível. (VADE…, 2013, p. 586)

 

Dessa forma, para cada tipo de delito com suas circunstâncias e consequências, o juiz fixará a respectiva pena e a forma de seu cumprimento, de acordo com critérios objetivos previstos no Código Penal.

 

Assim, o magistrado aplicará a pena por meio de uma sentença judicial, após o que será executada, na forma das regras, principalmente, da Lei 7.210/1984 e outros dispositivos legais. 

 

1.1.1 Pena privativa de liberdade

 

A pena privativa de liberdade é aquela em que o condenado fica recluso em estabelecimento prisional adequado, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado (Art. 5º, XLVIII, CF). No entanto, sabe-se que na prática não é o que ocorre, pois os condenados não são selecionados segundo o tipo de delito, idade e outras características, o que contribui para que os fins principais da pena – a ressocialização e não reincidência – não sejam alcançados. Pelo contrário, os administradores dos estabelecimentos prisionais não cumprem o que determina a Lei de Execução Penal, a Constituição e outras legislações, deixando que os reclusos e detentos de graus de periculosidade diferenciados permaneçam juntos, o que contribui para a escola do crime

 

A pena privativa de liberdade foi inserida no ordenamento jurídico para substituir as penas corporais, como mutilações, aflitivas, infamantes, o que, em tese, contribuiria para uma melhora do tratamento humano, respeitando a dignidade do homem, entretanto isso não foi significativo a contento, pois sabemos que a pena de prisão também avilta o ser humano, mormente como é aplicada.

 

Para sua aplicação, a pena privativa de liberdade é subdivida em espécies: reclusão, detenção e prisão simples (para contravenções penais), de acordo com o Artigo 33, caput, e seus parágrafos, do Código Penal, e são aplicadas em regimes prisionais diferenciados e progressivos, de acordo com o mesmo diploma e Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/84).

 

O Código Penal, no seu artigo 33, caput, dispõe que há três espécies de regimes prisionais: o regime fechado, semiaberto e aberto.

 

O primeiro, e mais grave regime, em regra, é imposto para condenações que superem o montante de 8 anos; já o regime semiaberto, normalmente, é adotado para condenações cuja pena é fixada entre 4 e 8 anos; por fim, o regime aberto, salvo exceções, é adotado para condenações cuja pena é fixada abaixo de 4 anos. Tais regras são disciplinadas pelo Código Penal em seu artigo 33, §2º. 

 

O REGIME FECHADO é o mais rigoroso aplicado, cujo condenado é submetido a exame criminológico para a individualização da execução, ficando sujeito ao trabalho no período diurno e isolamento durante o período noturno (Art. 88 da Lei 7.210/1984). Disso trata o artigo 34 e § 1º, do Código Penal, no entanto tal diploma não é respeitado pelas autoridades públicas, conforme veremos mais adiante.

 

No interior do estabelecimento penal, o trabalho será obrigatório na medida de aptidões e capacidade do condenado, de acordo com o artigo 31 da LEP.

 

Conforme disposição legal no artigo 112 da Lei de Execuções Penais, Lei 7.210/84, após certo período de cumprimento de pena neste regime, o recluso poderá obter a progressão para regime menos rigoroso (regime semiaberto) quando houver o cumprimento de ao menos 1/6 da pena imposta, desde que ostente bom comportamento atestado pelo Diretor da Unidade Prisional, exceto no caso de crimes hediondos ou equiparados, o qual terá tratamento diferenciado.

 

Impende salientar que, como o regime prisional é progressivo, nunca o condenado poderá sair do regime fechado e ir para o aberto diretamente, necessitando antes provar o grau de responsabilidade que alcançou no regime semiaberto.

 

Isso, pois a progressão é um processo evolutivo, no qual o condenado passa de um regime mais rígido, mais disciplinado, para outro com menos fiscalização, menos rígido, desde que prove que esteja em condições para tanto. Essa evolução progride até o cumprimento total da pena, logo não faz sentido a saída do regime fechado diretamente para o aberto.

 

O tema é bem disciplinado pela Lei de Execuções Penais, no artigo 112, quando dispõe o seguinte:

 

Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão. (VADE…, 2013)

 

O texto legal é bem taxativo ao dizer que o preso deverá cumprir ao menos um sexto da pena no regime anterior para alcançar a dita progressão, o que veda a progressão per saltum, ou seja, a progressão do regime fechado diretamente para o aberto.

 

No entanto tal tema foi muito discutido, tendo em vista a morosidade da justiça e toda a falência do sistema carcerário, uma vez que o condenado por vezes cumpria o lapso temporal necessário para a progressão, mas seu pedido não era julgado. Dessa forma, ele cumpria, além do sexto legal para a progressão, mais um sexto da pena remanescente, pleiteando, pois, a progressão direta para o regime aberto, já que não deu causa para a demora do julgamento de seu pleito. 

 

A discussão chegou ao Superior Tribunal de Justiça, o qual editou a Súmula 491, a qual esposa que: “É inadmissível a chamada progressão per saltumde regime prisional”. (VADE…, 2013, p. 2033)

 

Já o REGIME SEMIABERTO trata-se de um regime menos rigoroso, podendo ser aplicado inicialmente, em regra, como já dito, quando a pena imposta for de 4 a 8 anos, nos termos do artigo 33, § 2º, alínea b, do Código Penal, mas também o condenado poderá alcançá-lo por meio da progressão, quando atender aos requisitos legais, nos termos do artigo 112 da Lei 7.210/1984.

 

Seu cumprimento dá-se em colônia agrícola, industrial ou similar, cujo trabalho será comum durante o período diurno, podendo ser o condenado alojado em compartimento coletivo, conforme previsão legal nos artigos 91 e 92 da Lei 7.210/1984. 

 

Tal regime visa reintegrar paulatinamente o indivíduo ao meio social, ou não privá-lo totalmente desse meio, inserindo-o no trabalho ao ar livre, com atividades gratificantes, inclusive sendo facultado o serviço externo na iniciativa privada ou manutenção em seu trabalho anterior à condenação. É admissível ainda a freqüência a cursos supletivos, profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior (Art. 35, §2º, LEP). 

 

Após certo período de cumprimento de pena neste regime, o recluso poderá obter a progressão para regime menos rigoroso, qual seja, o regime aberto, quando houver o cumprimento, em regra, de ao menos 1/6 da pena remanescente em tal regime, desde que ostente bom comportamento atestado pelo Diretor da Unidade Prisional, conforme disposição legal no artigo 112 da Lei de Execuções Penais, Lei 7.210/84.

 

O regime mais brando para cumprimento da pena privativa de liberdade é o REGIME ABERTO, em que o condenado deve se autodisciplinar, pois seria um tipo de prova de sua responsabilidade, já que ele permanecerá recolhido em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado tão somente no período noturno e nos dias de folga, quando deverá se dirigir espontaneamente ao devido local.

 

Com efeito, no período diurno deverá trabalhar, freqüentar cursos ou exercer outra atividade autorizada fora do estabelecimento e sem vigilância.

 

Caso fracasse, não cumprindo as determinações impostas ou cometendo outro delito, o apenado retornará ou regredirá para regime mais rigoroso (Art. 36, § 2º, do Código Penal).

 

Por outra banda, se não frustrar a execução, cumprirá sua pena até seu término, quando então lhe será expedido o alvará de soltura.

 

Entretanto, e isso será tratado mais adiante, praticamente não há casas de albergado em nosso país para o cumprimento de pena em tal regime, ficando o apenado desprovido de qualquer fiscalização e apoio para ser reintegrado ao meio social ao galgar o regime aberto. Vez que essa Casa deveria haver uma para cada região, com intuito de que os apenados em regime aberto assistam a palestras e cursos e sejam inseridos no meio social, ou tenham ao menos um auxílio para tanto.

 

Dessa forma, essa falta de cumprimento das leis não prejudica somente o condenado, que não é reinserido no meio social, mas também e principalmente toda sociedade, pois o apenado, na grande maioria das vezes, acaba por não ser regenerado, cometendo outros crimes ainda mais graves, quando de sua fuga (evasão) ou quando é colocado em regime aberto, livramento condicional ou terminado de cumprir sua pena. Porém, o Estado, que colaborou para a reincidência do reeducando, não é punido, pois o nosso ordenamento jurídico penal não prevê a responsabilidade penal objetiva. Se bem que no caso em apreço por vezes poderia se falar em responsabilidade penal subjetiva, já que o Estado tem plenas condições de prever que condenados poderão vir a cometer crimes se não forem ressocializados, o que é fato, basta se deparar com os índices de reincidência. Logo, pela omissão, o Estado seria coautor dos delitos praticados pelos marginalizados, embora não possa ser punido penalmente. Farias Júnior (1978, p. 121) diz o seguinte:

 

Assim ele permanece, sem nenhuma ação instrutiva, sem trabalho, sem nenhuma ação disciplinadora. Um peso formidando para o Estado e para a sociedade.

 

Quem carrega em última análise esse fardo?

 

São os membros integrados da sociedade; são também as suas vítimas; somos todos nós.

 

Assim sendo, a ausência de cumprimento da Lei de Execuções Penais é um dos fatores que leva à não consecução do objetivo social das penas (a ressocialização), sendo a falta de casas de albergado para o cumprimento da pena em regime aberto um dos exemplos.  

 

Mas não é só essa a causa da ineficácia do alcance dos objetivos das penas, como veremos adiante.

 

1.1.2 Pena restritiva de direitos

 

Haja vista a falência da pena de prisão, a qual não atende a finalidade principal da punição do infrator – que é a ressocialização -, atualmente vem aderindo adeptos à idéia de aplicação mais abrangente de substitutivos penais para a dita pena privativa de liberdade, a dita pena restritiva de direitos.

 

O Artigo 43 do Código Penal dispõe sobre quais são as penas restritivas de direito, in verbis (VADE…, 2013, p. 584):

 

Art. 43. As penas restritivas de direitos são:

 

 I – prestação pecuniária;

 

II – perda de bens e valores;

 

III – (VETADO)(Incluído pela Lei nº 9.714, de 1998)

 

IV – prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas;

 

V – interdição temporária de direitos;

 

VI – limitação de fim de semana.

 

Tais penas substituem a pena privativa de liberdade com a finalidade de que infratores com grau de periculosidade baixo não se juntem nas prisões com infratores de alta periculosidade, já que as penas restritivas de direito podem ter o condão de retribuir o mal causado e, o mais importante, de não dissocializar/marginalizar o infrator. Com isso, evita-se a prisão de um infrator, evitando-se que se torne mais nocivo à sociedade pelo seu contato com outros delinqüentes, bem como pela sua institucionalização.

 

Como já foi dito, tais institutos são aplicáveis tão somente a réus que não ofereçam periculosidade, e que possam permanecer em liberdade (MIRABETE, 2011, p. 258). Com isso, um dos objetivos é alcançado pela pena, qual seja, o fato de o infrator não se tornar uma pessoa pior, reincidente, já que não vai se juntar a infratores com grau de periculosidade elevadíssimo e ainda não vão se distanciar da sociedade, serem marginalizados. Soma-se a isso o fato de as penas restritivas de direito serem menos onerosa ao Estado.

 

Estatísticas revelam que o grau de reincidência do condenado a penas alternativas é bem menor do que os condenados à pena privativa de liberdade, bem como seu custo é muito inferior, conforme relatório da CPI do Sistema Carcerário 2008, vejamos (BRASIL, 2009, p.  481):

 

As estatísticas confirmam o acerto da adoção das penas alternativas. No Estado de São Paulo, enquanto a reincidência média do sistema penitenciário é de 47%, nas penas alternativas restringe-se a 2%. O Estado de São Paulo gasta cerca de R$ 775,00 ao mês para manter um preso em uma penitenciária, enquanto um condenado à prestação de serviços à comunidade custa em média R$ 26,00. Isso sem computar o valor do trabalho que realiza em órgãos públicos e entidades filantrópicas.

 

No entanto, não se pode olvidar que a aplicação desse tipo de pena ocorre quando o infrator cometeu pequenos delitos, quais sejam, aqueles ocorridos nas seguintes situações: “sem violência ou grave ameaça à pessoa, o réu for primário e a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e circunstâncias indicarem ser suficiente” a pena restritiva de direitos, de acordo com o artigo 44 do Código Penal Brasileiro.

 

Dessarte, não se pode afirmar que as penas alternativas seriam a solução para a criminalidade e reincidência, embora os índices de reincidência são baixíssimos, pois os infratores sujeitos a esse tipo de medida normalmente são de pessoas que possuem senso ético, não infratores de crimes graves, ou seja, são infratores ocasionais. Daí, aplicar tais medidas para infratores de tipos penais graves poderia ser um equívoco que traria maior senso de impunidade, fazendo com que os crimes aumentem de extensão.

 

Diante disso, segue um breve relato das espécies de penas restritivas de direito, cuja previsão legal encontra-se nos artigos 45 e 46 do Código Penal Brasileiro.

 

Prestação Pecuniária:

 

consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a um salário mínimo nem superior a trezentos e sessenta salários mínimos. (VADE…,2013, p. 584)

 

Perda de bens:

 

A perda de bens e valores pertencentes aos condenados dar-se-á, ressalvada a legislação especial, em favor do Fundo Penitenciário Nacional, e seu valor terá como teto – o que for maior – o montante do prejuízo causado ou do provento obtido pelo agente ou por terceiro, em conseqüência da prática do crime. Art. 45, § 3º, CPB. (VADE…, 2013, p. 584)

 

Prestação de Serviços à Comunidade:

 

A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é aplicável às condenações superiores a seis meses de privação da liberdade, consistindo na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado. Tal prestação dar-se-á em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais. Art. 46, CPB. (VADE…, 2013, p. 584)

 

Essas tarefas deverão ser prestadas de acordo com a aptidão do condenado, não podendo este ter prejudicada sua jornada de trabalho pelo cumprimento da pena. Cada hora trabalhada corresponderá a um dia de pena imposta, conforme previsão legal no artigo 46, §3º do Código Penal Brasileiro. (VADE…, 2013, p. 584-585)

 

Denota-se, pois, que o cumprimento dessa prestação alternativa não afastará o indivíduo da sociedade, mormente no que tange aos lugares onde cumprirá seus serviços, logo, a pessoa condenada a esse cumprimento de pena tem seu índice de reincidência reduzido, o que é corroborado pelas estatísticas já mencionadas..

 

Dessa maneira, continua acompanhando o desenvolvimento da sociedade, motivo por que após o cumprimento da medida, não terá o infrator problemas com sua adequação ao meio social, já que nunca dele o saiu. Em especial, a pessoa que cumpriu pena alternativa não terá o rótulo de ex-presidiário, o que facilita sua vida social.

 

  1.      

 

1.1.3 Medidas socioeducativas da Lei 8.069/1990 – ECA

 

Tal subtítulo foi inserido nesta parte, tendo em vista que as finalidades de tais medidas equiparam-se às ditas penas, quais sejam, o cunho retributivo e ressocializador, educativo. Por isso, faremos um breve relato das medidas socioeducativas, mormente a internação que é aplicada ao menor adolescente, sua eficácia e conseqüências.

 

Insta consignar que crianças são definidas como sendo aquele ser humano que possui de zero a doze anos de idade incompletos, já os adolescentes são os que possuem entre 12 e 18 anos incompletos (Art. 2º do ECA). No entanto, o ECA poderá ser aplicado excepcionalmente a pessoas com idade entre 18 e 21 anos (Art. 2º, § único).  (VADE…, 2013, p. 1027)

 

As medidas socioeducativas somente poderão ser aplicadas aos adolescentes, pois as crianças apenas receberão medidas de proteção. As medidas sócio-educativas são classificadas em advertência, obrigação de reparação do dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade, internação, conforme artigo 112 da Lei 8069/1990. (VADE…, 2013, p. 1043)

 

A advertência trata-se de uma admoestação verbal, a qual é a única que para sua aplicação não é necessária prova de autoria do fato, bastando apenas indícios suficientes de autoria e prova de materialidade, de acordo com o artigo 115 do mencionado diploma legal. (VADE…, 2013, p. 586) 

 

Já a reparação do dano pode ser feita de maneira ampla, inclusive com a restituição da coisa, no caso de ato infracional com reflexo patrimonial, conforme artigo 116 da Lei 8069/1990. (VADE…, 2013, p. 586)

 

Trabalhos forçados são vedados pelo ordenamento jurídico a qualquer pessoa, quiçá no tocante a crianças/adolescentes. Porquanto, com fulcro no artigo 117 e seu parágrafo do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/1990, a prestação de serviços à comunidade deve ter caráter educativo, cujo prazo máximo será de 6 meses, com duração máxima de 8 horas por semana, preferencialmente aos finais de semana e feriados para não prejudicar trabalho remunerado do adolescente infrator. (VADE, 2013, p. 1043)

 

Agora, a liberdade assistida é uma medida socioeducativa prevista no artigo 118 e parágrafos do mesmo Estatuto, na qual o adolescente recebe um orientador, que o assistirá em suas condutas, com quem o adolescente estabelecerá um vínculo de responsabilidade. O prazo mínimo de tal medida é de 6 meses, pois o adolescente formatará um projeto junto com seu orientador pedagógico.   (VADE…, 2013, p. 1043)

 

No sistema de semiliberdade, o adolescente tem restringida sua liberdade. Pode ser fixada inicialmente ou como forma de progressão para o meio aberto, com supedâneo no artigo 120 da mencionada legislação. (VADE…, 2013, p. 1044)

 

As regras da internação se aplicam à semiliberdade, pois esta também restringe a liberdade, logo o item seguinte é aplicável ao regime de semiliberdade.

 

Segundo o legislador, ao editar a Lei 8.069/1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente, prelecionou que a medida socioeducativa de internação deverá ser aplicada tão somente em último caso, respeitando o princípio da excepcionalidade. Bem assim, quando de sua aplicação, deverá ser efetivada em tempo mínimo, respeitando o princípio da brevidade. Tais princípios visam garantir o respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, tendo previsão legal no artigo 121 do Estatuto da Criança e do Adolescente. (VADE…, 2013, p. 1044)

 

Com efeito, ela não comporta prazo determinado como as penas para maiores, não havendo um limite mínimo e máximo, dentro do qual o juiz apurará o quantum, no entanto nenhum adolescente infrator poderá ficar internado por período superior a 3 anos, depois do qual deverá obrigatoriamente ser colocado em liberdade. Disso trata os parágrafos 2º e 3º do artigo 121 do já mencionado Estatuto. (VADE…, 2013, p. 1044)

 

Dessa forma, por ser uma medida excepcional, o artigo 122 traz o rol taxativo de hipóteses de internação (VADE…, 2013, p. 1044):

 

Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:

 

I – tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa;

 

II – por reiteração no cometimento de outras infrações graves;

 

III – por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.

 

Tal medida visa coibir a prática de ato infracional somente nos casos esposados no citado artigo, coibindo assim a violência, pois esta também é praticada por adolescentes, os quais deverão ser, na prática, punidos (retribuição do mal causado), quando atuar em desacordo com a legislação, embora a nomenclatura não seja pena, mas sim medida socioeducativa.

 

No entanto, essa internação deveria influenciar de molde a não prejudicar o desenvolvimento do adolescente, por isso este internado será avaliado semestralmente a fim de que lhe seja aferida a possível condição de substituição da medida de internação por outra menos violenta. Caso não demonstre que merece ter-lhe substituída a medida por outra menos gravosa, deverá permanecer internado pelo período máximo de 3 anos ou quando completar 21 anos de idade. Completado esse período ou a idade, o adolescente deverá ser libertado, colocado em regime de semiliberdade ou liberdade assistida, conforme previsão legal no artigo 122, §4º, do Estatuto da Criança e do Adolescente. (VADE…, 2013, p. 1044)

 

Para aplicação da medida internação, deve-se levar em conta não apenas a materialidade e autoria do delito, mas sim e principalmente a condição psicossocial do adolescente. Caso contrário, esses infratores serão os futuros criminosos e presos de nosso sistema carcerário, se conseguirem chegar a maioridade, pois muitos ficam pelo meio do caminho mortos.

 

Dessarte, conclui-se essa parte que diz respeito às penas e medidas socioeducativas, as quais têm a finalidade de retribuição do mal causado e prevenção de novos delitos ou infrações, ou seja, o cunho ressociliador.

 

Porém, as medidas adotadas e o modo como são aplicadas, impedem o seu objetivo, qual seja, prevenção de reincidência e a ressociliação. Vejamos à frente uma síntese do modo como vem sendo aplicada as medidas de punição a infratores e a prevenção de crimes, a ressociliação.    

 

 CAPÍTULO 2 – CRISE DO SISTEMA PRISIONAL

 

O sistema prisional encontra-se em crise, falido, cujas causas são inúmeras, no entanto pouco ou quase nada é feito a fim de vislumbrar uma melhoria de tal sistema – ao contrário, parece-nos que tudo é feito a fim de que a dita ressocialização não seja alcançada e que os reeducandos sejam tratados de forma miserável, deplorável, para que, quando forem soltos, voltem a cometer delitos e retornem à prisão novamente. 

 

Quando de sua soltura, saída temporária, liberdade condicional ou progressão de regime, ou seja, quando é colocado na rua, ele retorna não à sociedade, mas novamente ao mundo dos crimes, pois é isso que conhece, de onde saiu, e se especializou dentro das prisões. Daí, cria-se um círculo vicioso, crime, prisão, crime, prisão, até chegar à morte, sem a possibilidade de galgar uma vida digna.  

 

Esse tratamento desumano com os condenados, à primeira vista, emerge a idéia de que os prejudicados com isso seriam os próprios condenados, o que corrobora as afirmações simplistas e populares, pregadas na mídia e acatadas pelo povo, quais sejam: “bandido bom é bandido morto ou bandido preso; favorecimento à idéia da pena de morte, prisão perpétua, de trabalhos forçados, cruéis” etc.

 

Entretanto, a maior prejudicada com isso é a sociedade, uma vez que os condenados são colocados presos por um tempo, ao término do qual são soltos e retornam bem piores, pois não são morigerados. Logo, seus crimes de agora serão piores do que outrora, pois não conquistaram a dita ressocialização e nem poderiam alcançar, vez que há uma contradição entre pena de prisão e sua finalidade, somando-se à forma como essa sanção é aplicada, o que corrobora a intenção de reincidência e não ressocilização, mas, ao contrário, manutenção da marginalização. (FARIAS JÚNIOR, 1978, p. 121)

 

Condição mais humana no trato com os condenados ou punições mais severas, mais ou menos benefícios para os detentos, cumprimento das leis em vigor: estes são alguns itens enumerados em argumentos a fim de que a finalidade das penas seja alcançada.

 

A Lei 7.210, de 11 de julho de 1984, Lei de Execuções Penais, é a lei que regula a execução das penas e medidas de segurança, a qual foi editada após uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) no ano de 1976, onde se apurou a superlotação, criminosos de alta periculosidade cumprindo pena com infratores ocasionais, ociosidade etc., o que se denota pela leitura do item 100 da exposição de motivos da citada lei, in verbis:

 

100. É de conhecimento geral que “grande parte da população carcerária está confinada em cadeias públicas, presídios, casas de detenção e estabelecimentos análogos, onde prisioneiros de alta periculosidade convivem em celas superlotadas com criminosos ocasionais, de escassa ou nenhuma periculosidade, e pacientes de imposição penal prévia (presos provisórios ou aguardando julgamento), para quem é um mito, no caso, a presunção de inocência. Nestes ambientes de estufa, a ociosidade é a regra; a intimidade, inevitável e profunda. A deterioração do caráter, resultante da influência corruptora da subcultura criminal, o hábito da ociosidade, a alienação mental, a perda paulatina da aptidão para o trabalho, o comprometimento da saúde são conseqüências desse tipo de confinamento promíscuo, já definido alhures como ‘sementeiras de reincidências’, dados os seus efeitos criminógenos” (cf. o nosso Relatório à CPI do Sistema Penitenciário. Loc. cit., p. 2). (BRASIL, 2008, p. 470) 

 

Ocorre que, atualmente, tais atos continuam acontecendo, mas agora infringindo tal legislação, ou seja, da mesma forma que era continua, corroborando a ideia de que a edição de mais leis ou leis mais severas não resolverá o problema, mormente quando não são cumpridas. Esta e outras leis que beneficiam a sociedade deixam de ser cumpridas pelo Estado, o que poderia deixar uma pequena dúvida se ela, devidamente aplicada, resolveria o problema da criminalidade.

 

No entanto, sabemos que não se resolverá o problema da criminalidade e consequente reincidência com leis, aumento das leis, ou leis mais severas, nem tampouco com ajustamento tão somente do cumprimento das penas, respeitando todas as garantias e direitos dos presos. Esse problema de criminalidade transcende a aplicação da lei no caso concreto, em especial a lei de execução da pena, que é aplicada após o cometimento do crime, como bem assevera Toledo (1994, p. 5), dizendo o seguinte:

 

O crime é um fenômeno social complexo que não se deixa vencer totalmente por armas exclusivamente jurídico-penais. Em grave equívoco incorrem, frequentemente a opinião pública, os responsáveis pela Administração e o próprio legislador, quando supõe que, com a edição de novas leis penais, mais abrangentes ou mais severas, será possível resolver-se o problema da criminalidade crescente. Essa concepção do direito penal é falsa porque o toma como uma espécie de panacéia que logo se revela inútil diante do incremento desconcertante das cifras estatísticas criminais apesar do delírio legiferante de nossos dias.

 

Dessarte, o nosso Estado não entende dessa maneira ou finge não entender, deixando transparecer a ideia de que trata o infrator e tenta sua ressocialização, fazendo isso depois da ocorrência do delito, especialmente aplicando-lhe a pena de prisão, mas essa arma é ineficaz, especialmente da forma que é aplicada, como veremos a seguir – ao contrário, ela seria fomentadora da criminalidade, impelindo o apenado à reincidência. 

 

2.1 Ineficácia da pena privativa de liberdade

 

Em primeiro momento, impende destacar que há uma extrema contradição entre a pena de prisão – o confinamento – e a ressocialização, o principal objetivo daquela. Isso é patente à medida que não se pode alcançar a inserção ao meio social, iniciando o processo retirando o indivíduo desse meio, pois o modo de vida de um recluso com pessoas de natureza criminosa é extremamente o oposto ao meio de vida da sociedade pacífica, dos cidadãos comuns. (MIRABETE, 2011, p. 238)     

 

Recentemente houve uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito), cujo relatório foi publicado em 09 de julho de 2008 pela Sala de Comissão da Câmara dos Deputados.

 

Sua finalidade foi investigar o sistema carcerário brasileiro, com destaque para os problemas patentes de tal sistema, quais sejam, superlotação dos presídios, custos sociais e econômicos desses estabelecimentos, a permanência de encarcerados que já cumpriram a pena, a violência dentro das instituições do sistema carcerário, dentre outros, cuja instalação deu-se no dia 22/08/2007, perdurando os trabalhos até o dia 15/05/2008. (Brasil, 2009, p. 4)

 

As investigações contemplou visitas a estabelecimentos prisionais quase de todo o país, com exceção de 8 estados da federação, nos quais foram realizadas apenas audiências com os respectivos secretários. Bem assim, foram realizadas audiências públicas e reservadas com especialistas e pessoas ligadas ao tema, o que culminou com uma radiografia do sistema carcerário, trazendo algumas estatísticas e muitas informações sobre o sistema prisional brasileiro. (Brasil, 2009, p. 186)

 

Os problemas encontrados nas investigações foram semelhantes ou idênticos aos encontrados na CPI anterior desenvolvida no ano de 1976, antes da edição da Lei de Execução Penal de 1984, do que emerge a ideia de que essa Lei não resolveu a crise do sistema penitenciário brasileiro. Denota-se tal situação pela leitura do item 39 da exposição de motivos da Lei de Execução Penal, in verbis:

 

39. No Relatório da CPI do Sistema Penitenciário acentuamos que “a ação educativa individualizada ou a individualização da pena sobre a personalidade, requisito inafastável para a eficiência do tratamento penal, é obstaculizada na quase totalidade do sistema penitenciário brasileiro pela superlotação carcerária, que impede a classificação dos prisioneiros em grupo e sua conseqüente distribuição por estabelecimentos distintos, onde se concretize o tratamento adequado”… “Tem, pois, esta singularidade o que entre nós se denomina sistema penitenciário: constitui-se de uma rede de prisões destinadas ao confinamento do recluso, caracterizadas pela ausência de qualquer tipo de tratamento penal e penitenciárias entre as quais há esforços sistematizados no sentido da reeducação do delinqüente. Singularidade, esta, vincada por característica extremamente discriminatória: a minoria ínfima da população carcerária, recolhida a instituições penitenciárias, tem assistência clínica, psiquiátrica e psicológica nas diversas fases da execução da pena, tem cela individual, trabalho e estudo, pratica esportes e tem recreação. A grande maioria, porém, vive confinada em celas, sem trabalho, sem estudos, sem qualquer assistência no sentido da ressocialização” (Diário do Congresso Nacional, Suplemento ao n. 61, de 04.06.1976, p. 2). (BRASIL, 2008, p. 463)

 

Diante disso, é notório que anteriormente à vigência da Lei de Execução Penal havia certa descrença na ressocialização, haja vista que não havia certos institutos legais para o alcance da finalidade essencial da pena privativa de liberdade. Com o advento do referido diploma foram criadas várias regras para que a referida pena e outras em geral realmente cumprissem seus objetivos, mas isso não ocorreu. 

 

2.2 Finalidades da pena, conforme a Lei de Execução Penal

 

A LEP foi criada em 1984 com intuito de regular a execução das penas e medida de segurança, fazendo valer o ordenamento da sentença penal condenatória ou absolutória imprópria, a fim de realizar a proteção dos bens jurídicos e, principalmente, a reincorporação do autor à comunidade (item 14, parte final, da exposição dos motivos da LEP). Logo, tem o condão de prevenir novos delitos, reinserindo o autor do delito à comunidade. (BRASIL, 2008, p. 460)

 

Para tanto, essa legislação adota o princípio da legalidade, o qual é aplicado à execução da pena, a fim de que não haja desvios ou excessos no seu cumprimento, o que comprometeria a dignidade e humanidade do Direito Penal (Item 19 da exposição dos motivos), logo culminaria com a ineficácia da prisão (BRASIL, 2008, p. 461). No entanto tal princípio não desabilita a ineficácia de tais penas. 

 

Como já explicitado no primeiro capítulo, as penas tem a finalidade preventiva e repressiva, sendo utilizada para sua aplicação, especialmente, a Lei de Execução Penal, Lei 7.210, de 1984, a qual não vem sendo cumprida pelo Estado, fazendo com que não seja alcançado o seu principal objetivo, qual seja, minorar a prática de crimes, transformar o criminoso em não criminoso, ou seja, ressocializar. 

 

Vejamos nos subcapítulos a seguir alguns exemplos de descumprimento da Lei de Execuções Penais e suas consequências.

 

2.2.1 Descumprimento dos direitos do preso

 

A Lei 7.210/1984, Lei de Execução Penal, não é observada nos diversos estabelecimentos prisionais brasileiros, o que ajuda ainda mais para a não consecução dos objetivos finais a que essa lei se destina: a inserção do indivíduo condenado ao meio social.

 

Por esse motivo, a Câmara dos Deputados criou a Comissão Parlamentar de Inquérito já mencionada anteriormente.

 

No entanto, muitos desses problemas, que culminaram com a abertura dessa CPI, são os mesmos visualizados na CPI ocorrida em 1976, cujo relatório colaborou para a criação da Lei de Execução, como veremos mais adiante.

 

A LEP no seu artigo 10 dispõe que: A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. (VADE…, 2013, p. 1397)

 

Conforme preconiza o artigo 11 do mesmo diploma tal assistência deverá ser material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa. (VADE…, 2013, p. 1397). Mas, ao revés disso, na prática, de modo geral, não há a concessão desses benefícios, tirando toda a dignidade do condenado, o qual retornará às ruas em certo momento, logo bem pior do que saiu.  

 

No relatório da CPI do Sistema Carcerário, o relator, Deputado Domingos Dutra, menciona o seguinte (BRASIL, 2009, p. 191): o preso, ao ser encarcerado, perdeu apenas a liberdade e não a alma, a dignidade, a vida. No entanto, não é o que parece ao se deparar com as informações advindas das visitas às penitenciárias de todo o Brasil, nas quais estão patentes que o Estado trata o encarcerado como um lixo humano, expressão utilizada por Domingos Dutra (BRASIL, 2009, p. 192).

 

Tratam-se as penitenciárias do Brasil de verdadeiros criadouros de monstros humanos, ao revés de um sistema que, ao menos, tenta ressocializar pessoas. Ao contrário disso, o sistema parece induzir os que por ali passam a voltar de forma pior ao cometimento de crimes. 

 

O relatório da CPI do Sistema carcerário (BRASIL, 2009, p. 192, grifo nosso) menciona o seguinte:

 

Apesar da excelente legislação e da monumental estrutura do Estado Nacional, os presos no Brasil, em sua esmagadora maioria, recebem tratamento pior do que o concedido aos animais: como lixo humano.

 

O relato breve das diligências, as fotos que ilustram este relatório e o videoteipe, em anexo, revelam, em chocantes imagens, os crimes que o Estado Brasileiro, através de sucessivos governos, tem praticado contra os seus presos e a sociedade. Ao invés de recuperar quem se desviou da legalidade, o Estado embrutece, cria e devolve às ruas verdadeiras feras humanas.

 

Dessa forma, é notório que o Estado brasileiro prima pela não ressocialização, haja vista aplicar uma pena que dificilmente trará o condenado ao seio da sociedade, que é o caso da prisão. Não bastasse isso, o Estado, para fazer valer essa tese, não cumpre a legislação hodierna de trato com os presos, o que corrobora a política de manutenção dessas pessoas na marginalização.

 

À frente veremos alguns exemplos de descumprimento dos direitos do preso que lhes são teoricamente concedidos pela Lei de Execução Penal e conseqüências dessas políticas de ausência.

 

Sobre A CASA DE ALBERGADO, a Lei de Execução Penal, Lei 7.210/1984, prevê nos seus artigos 93 e seguintes que a casa de albergado será palco do cumprimento da pena privativa de liberdade em regime aberto, bem como da pena de limitação de final de semana. Para tanto, deverá ser instalada ao menos uma casa em cada região, a qual conterá, além dos aposentos, local adequado para cursos e palestras, bem assim instalações para serviços de fiscalização e orientação dos condenados. (VADE…, 2013, p. 1405)

 

É nessa casa que o condenado a tais medidas deverá permanecer durante a noite e nos finais de semana, caso se trate de pena privativa de liberdade ou limitação de final de semana, respectivamente.

 

No local, que deverá ser apropriado para tanto, o condenado deverá assistir a palestras e a cursos, com o fim de conscientizá-lo para que não cometa futuramente novamente delitos, o efeito preventivo.

 

De início, conforme item 110 da exposição de motivos da Lei de Execução da Pena, a experiência da prisão-albergue obteve grande receptividade no Estado de São Paulo, onde foram instaladas antes do ano de 1977 cinqüenta e nove Casas do Albergado para uma população de 2.000 sentenciados. Veja o teor do item 110 da exposição de motivos da LEP, in verbis:

 

110. A experiência da prisão-albergue obteve grande receptividade no Estado de São Paulo, quando o Secretário da Justiça, Professor Manoel Pedro Pimentel. Até o mês de outubro de 1977 já estavam instaladas 59 Casas do Albergado com uma população de 2.000 sentenciados. A propósito, o ilustre penalista iniciou uma grande campanha, “convocando as forças vivas da comunidade” (Clubes de Serviço, Lojas Maçônicas, Federações Espíritas, Igrejas Evangélicas, Igreja Católica), de maneira a ensejar uma pergunta: “por que o Estado, que já arrecada impostos para a prestação de serviços, não se encarrega da construção e manutenção das Casas do Albergado? A resposta é simples. Trata-se da necessidade de modificação da atitude da sociedade frente ao preso e da atitude do preso frente à sociedade. Estas atitudes jamais se modificarão se a sociedade não ficar conhecendo melhor o preso e este conhecendo melhor a sociedade. Não devemos esperar que o sentenciado seja o primeiro a estender a mão, por óbvias razões. O primeiro passo deve ser dado pela sociedade” (Prisões Fechadas – Prisões Abertas. São Paulo, 1978, p. 43). (BRASIL, 2008, p. 471)

 

Entretanto, atualmente, segundo dados obtidos junto ao relatório da CPI do Sistema Carcerário, o número de casas do albergado não atende à população que cumpre pena em tal regime, levando essas pessoas a cumprirem pena em suas casas, sem qualquer tipo de fiscalização, orientação, educação para não reincidirem, o que, agregado a negligência com que são tratadas na prisão, leva à sua reincidência e consequentemente à nova prisão em regime fechado, retornando ao ciclo vicioso. 

 

Atualmente, o país conta com 1701 estabelecimentos penais, sendo que desse montante apenas 45 tratam-se de casas do albergado, uma representação de apenas 2,66%. (BRASIL, p. 71). É notória, pois, a discrepância entre o teor da LEP e o que realmente ocorre, vez que a primeira determina a criação de ao menos 1 casa de albergado para cada região e o que efetivamente ocorre é 45 para todo o território nacional. Não bastasse isso, denota-se a falta de vontade política no cunho ressocializador das penas na medida em que no ano de 1977, no estado de São Paulo, foram criadas 59 casas do albergado, ao passo que, atualmente, tem-se apenas 45 em todo o país, conforme já descrito anteriormente.   

 

Dessa forma, denota-se que a prioridade é fazer com que condenados não cumpram penas em regime aberto; ao contrário, a prioridade é o regime fechado para os criminosos.

 

Conclui-se desse modo que o tratamento dado aos presos no regime fechado, sem trabalho, sem escola, somado ao abandono quando da progressão ao regime aberto, culminará certamente para o novo cometimento de delitos.

 

Já no caso de TRABALHO E ESTUDO nas prisões, dispõe o artigo 31 da Lei de Execuções Penais que o condenado à pena privativa de liberdade está obrigado a trabalhar, de acordo com suas aptidões e capacidade. No entanto, tal determinação legal não é cumprida pelo Estado, o qual deixa que o preso fique na ociosidade.

 

Dessa forma, o reeducando (expressão utilizada pela Lei de Execuções Penais) não se reeduca, pois não há atividade laborativa, o que culmina na atrofia da capacidade do indivíduo, fazendo com que, ao sair da prisão, o ex-presidiário, sem nenhuma qualificação, reincida.

 

Na prática, não há nem que se falar sobre o artigo 28 da Lei de Execução Penal, in verbis:

 

Art. 28. O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva. (VADE…, 2013, p. 1398)

 

Nem tampouco do artigo 32 do mesmo diploma, o qual preceitua que:

 

Art. 32. Na atribuição do trabalho deverão ser levadas em conta a habilitação, a condição pessoal e as necessidades futuras do preso, bem como as oportunidades oferecidas pelo mercado. (VADE…, 2013, p. 1398)

 

Na CPI do Sistema Carcerário foi constatado o seguinte no que tange ao trabalho nos estabelecimentos prisionais:

 

Contudo, a CPI constatou que essa não é a realidade da grande maioria dos estabelecimentos penais brasileiros. Dados do DEPEN informam que 82,7% dos presos não trabalham. (BRASIL, 2009, p. 249)

 

Cumpre ressaltar que tal situação não reflete apenas na situação do condenado ou da sociedade após a soltura daquele, que passará a praticar novos delitos; a contraprestação da ociosidade dos presos é imediata, pois, não trabalhando, eles não reduzem suas penas pela remição, ficando ainda mais tempo atrás das grades e consequentemente as despesas da prisão, muito altas, são repassadas para o contribuinte.

 

O relatório da CPI do sistema Carcerário (BRASIL, 2009, p. 220), acentua essa problemática ao mencionar o seguinte:

 

A falta de trabalho e de estudo repercute novamente, e de forma marcante, no direito à liberdade do preso e no bolso do contribuinte que paga a conta, uma vez que não trabalhando e nem estudando, o preso não diminui a pena, passando mais tempo atrás das grades, implicando mais despesas para o Estado.

 

Corroborando essa assertiva de falta de trabalho e condições para o seu desempenho, o Relatório de Gestão do DEPEN 2010 traz alguns dados estatísticos sobre o tema, in verbis:

 

Percentual de treinandos em qualificação profissional;

 

Em dezembro de 2010, as unidades federativas informaram que 1.670 (um mil, seiscentos e setenta) presos desempenhavam atividades educacionais, cursos técnicos, voltadas para a qualificação profissional. Este quantitativo corresponde a 0,37% da população carcerária do Brasil.

 

 Número de apenados que trabalham em oficinas próprias;

 

Em dezembro de 2010, as unidades federativas informaram que 78.794 (setenta e oito mil, setecentos e noventa e quatro) presos desempenhavam atividades de laborterapia no interior dos estabelecimentos penais. Este quantitativo corresponde a 17,68% da população carcerária do Brasil.

 

 Número de apenados que trabalham em oficinas em parceria;

 

Em dezembro de 2010, as unidades federativas informaram que 18.058 (dezoito mil e cinquenta e oito) presos desempenhavam atividades de laborterapia fora dos estabelecimentos penais. Este quantitativo corresponde a 4,05% da população carcerária do Brasil. (BRASIL, 2011, p. 26)

 

Dessa forma, denota-se a falta de interesse em que os condenados tenham chances de se recuperar, pois na ociosidade não se aprende nada e ainda perde o pouco que alguns ainda têm. Logo, o que ocorrerá quando esses condenados saírem da prisão? Será que retornam ao mercado de trabalho com toda a prática que tiveram dentro dos estabelecimentos prisionais ou será que retornam novamente ao crime, pois nada praticaram acerca de laborterapia?

 

Neste raciocínio, não bastasse a falta de trabalho nos estabelecimentos prisionais, inexiste uma política de educação que traga os condenados para os estudos, embora recentemente tenha tido vigência a Lei 12.433, de 29/06/2011, a qual alterou a Lei de Execução Penal para incluir a remição de parte do tempo de execução da pena por estudo, in verbis:

 

 Art. 126.  O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena. 

 

Artigo com redação determinada pela Lei 12.433/2011

 

§ 1o  A contagem de tempo referida no caput será feita à razão de: 

 

I – 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar – atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional – divididas, no mínimo, em 3 (três) dias; (VADE…, 2013, p. 1407, grifo nosso)

 

Insta salientar que, mesmo antes da vigência da mencionada lei, juízes já concediam a remição pelo estudo, de maneira análoga ao trabalho, entretanto a problemática não é essa, mas sim o índice de condenados estudando, o que é ínfimo, conforme se depreende do trecho do relatório da CPI do Sistema Carcerário (BRASIL, 2009, p. 230), in verbis:

 

No quadro abaixo temos um reflexo da educação dentro do sistema penitenciário. A situação é muito grave. A média nacional de presos estudando é de apenas 13,23 por cento. O pior é que o nível de ensino da população carcerária é baixo.

 

O mesmo relatório aponta esse nível baixíssimo de ensino dentre os encarcerados (BRASIL, 2009, p. 231): “De acordo com dados do DEPEN, 81,9% dos presos têm ensino fundamental incompleto”.

 

Nesta esteira, denota-se que não havendo trabalho e estudo no Sistema prisional, não há que se falar em trabalho após a soltura do condenado, uma vez que o mercado de trabalho encontra-se muito exigente com pessoas que não possuem antecedentes criminais, quiçá com ex-presidiários.

 

Por corolário, resta induvidoso que a finalidade da forma prática como são cumpridas as penas é para corroborar a idéia de não inserção do condenado ao meio social, o qual deverá permanecer na criminalidade, marginalidade, no círculo vicioso prisão, crime, até que chegue o seu fim, não deixando chances de inserção desses marginalizados ao meio social.

 

Não bastasse isso, há o caso da Superlotação das Penitenciárias, ainda que o legislador tenha previsto no artigo 88, caput, e parágrafo único, da Lei de Execuções Penais o seguinte sobre acomodações dos encarcerados (VADE…, 2013, p. 1404): que “o condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório, cujos requisitos básicos da unidade celular são salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana, bem como área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados)”.

 

Tal disposição adveio após investigações da CPI do Sistema Penitenciário de 1976, que antecedeu à edição da Lei de Execuções Penais de 1984, a qual demonstrou a situação em que os presos viviam naquela época, o que seria desumano, haja vista as conseqüências que advinham dos estabelecimentos prisionais superlotados. A exposição de motivos do citado diploma salienta o seguinte no item 97 sobre isso (BRASIL, 2008, p. 470):

 

97. Na CPI do Sistema Penitenciário salientamos que o “dramático problema da vida sexual nas prisões não se resume na prática do homossexualismo, posto que comum. Seu aspecto mais grave está no assalto sexual, vitimador dos presos vencidos pela força de um ou mais agressores em celas superpovoadas. Trata-se de conseqüência inelutável da superlotação carcerária, já que o problema praticamente desaparece nos estabelecimentos da semiliberdade, em que se faculta aos presos saídas periódicas. Sua existência torna imperiosa a adoção de cela individual” (Diário do Congresso Nacional, Suplemento ao n. 61, de 04.06.1976, p. 9).

 

Dessa maneira, denota-se que havia um amontoado de seres humanos, sujeitos a todo o tipo de violência, em especial a sexual, sujeitos à transmissão de doenças infectocontagiosas, bem como má condição psicológica do sujeito, o que culminaria com a reincidência do condenado quando voltasse às ruas – reincidência em crimes mais violentos do que os primeiros.

 

Ocorre que até agora, ano de 2013, quase 30 anos de vigência da Lei de Execuções Penais, a referida disposição legal não vem sendo cumprida, encontrando-se as penitenciárias de nosso país superlotadas ainda mais, o que continua a ocasionar todos os problemas já citados anteriormente. Abaixo segue alguns dados e comentários sobre o número de presos em contraste com o número de vagas oferecidas em alguns estabelecimentos penais, os quais foram extraídos do Relatório da CPI do Sistema Carcerário (BRASIL, 2009, p. 243-244), in verbis:

 

A superlotação é um grave problema e aflige a grande maioria dos estabelecimentos prisionais. São extremamente raras as unidades que respeitam a capacidade inaugural ou projetada.

 

O Presídio Central de Porto Alegre, que possui a capacidade para 1.565 detentos, quando da visita da Comissão Parlamentar de Inquérito contava com 4.235 presos para 80 Policiais Militares de Plantão.

 

Em São Paulo, o Centro de Detenção Provisória I, de Pinheiros, tinha 1.026 homens onde caberiam 504; em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, 1.500 estavam em espaço onde só deveriam estar 500.

 

A Colônia Agrícola de Mato Grosso do Sul, projetada para acomodar 80 presos já no regime semi-aberto, possuía 680, muitos morando debaixo de barracas e na pocilga. A cadeia pública de Contagem, em Minas Gerais, em uma de suas celas tinha 70 presos amontoados em um espaço suficiente para 12 presos.

 

Com efeito, depreende-se que é impossível a inserção ao meio social de pessoas que são tratadas dessa maneira, mormente quando a legislação não é cumprida, fazendo com que seres humanos vivam exprimidos uns aos outros, sujeitos a todo tipo de contágio, de violência, em especial o sexual. 

 

Outro exemplo de problema trazido pela ausência de celas individuais e superlotação é o caso do laranja, o qual é aquele que assume a propriedade de algum objeto ilícito encontrado pela fiscalização, como drogas, celulares, armas e similares. Pois, nos estabelecimentos prisionais aquele preso considerado mais fraco, que está devendo algo, é o que é compelido pelos outros a assumir a propriedade de algum objeto ilícito encontrado na cela, mesmo não sendo ele o verdadeiro proprietário. Isso para que o verdadeiro detentor do objeto ilícito não seja punido, haja vista ser ele considerado mais periculoso, mais forte, no sistema prisional.

 

Do assunto tem-se o seguinte parecer da CPI (BRASIL, 2009, p. 241), in verbis:

 

Esta CPI considera que o ideal seria que as celas fossem individuais, o que evitaria a violência e abusos sexuais que geralmente são praticados dentro das celas, e ainda seria um meio eficaz para uma classificação do reeducando no transcorrer do cumprimento de sua pena. Outra vantagem de suma importância diz respeito às apreensões de objetos proibidos como drogas e telefones com o real dono e não como ocorre hoje, onde objetos são apreendidos em celas superlotadas, em que o mais fraco é obrigado a ser “laranja” para encobrir os mais fortes, muitas vezes líderes de organizações. Os custos elevados das construções servem de justificativas contra a implantação das celas individuais.

 

Os indivíduos apenados, que serão inseridas no sistema penitenciário, deveriam ser, conforme item 26 da Exposição de Motivos 213/1983, da Lei 7.210/84, previamente classificadas a fim de demarcar o início da execução científica da pena privativa de liberdade e medidas de segurança. Com efeito, isso traria o conhecimento da personalidade do sentenciado, analisando também o ato cometido para que o correspondente tratamento penitenciário seja adequado, cuja inobservância levaria à ineficácia da pena, castigando apenas por um tempo o condenado, sem qualquer cunho ressociliador. (BRASIL, 2009, p. 461)

 

Isso deveria apontar para o cumprimento do princípio da individualização da pena, tratando cada condenado de forma específica, e não privando apenas a liberdade de comitentes de crimes, de modo geral, deixando-os sem qualquer tipo de tratamento, amontoando prisioneiros num espaço mínimo, o que significaria a morte desse condenado. Não a morte física, mas a morte para a sociedade, vez que essas pessoas, que em sua maioria são marginalizadas, nunca alcançarão sua inserção social dessa maneira.

 

Para tanto a LEP trouxe a figura da Comissão Técnica de Classificação com atribuições específicas para elaborar o programa de individualização e acompanhar a execução das penas privativas de liberdade e restritivas de direito, cabendo-lhes propor as progressões e regressões de regimes ou outras conversões, como privativas de liberdade em restritivas de direito. Com efeito, ela se restringirá à propositura, o que será decidido pelo juiz, em regra o da Vara das Execuções Criminais, após o parecer do membro do Parquet.

 

O condenado será classificado segundo seus antecedentes e personalidade para orientar a individualização da execução penal, conforme art. 5º da Lei 7.210/1984, Lei de Execução Penal.

 

Tal classificação não é feita apenas na fase da sentença condenatória, mas também na fase legislativa, quando o legislador, criando um tipo penal, fixa, dentre outras coisas, em abstrato, o mínimo e o máximo da pena a ser aplicada no caso concreto. Na fase judicial, o magistrado individualizará a pena, atendendo aos requisitos do Código Penal para sua aplicação. Por fim, na fase executória, o juiz das execuções criminais, tendo em vista a característica de mutação do cumprimento da pena, em especial no que tange à progressão do regime prisional, poderá conceder benefícios aos reeducandos (expressão da LEP). (NUCCI, 2011, p. 1007)

 

Dessa feita, depreendem-se que há uma indicação pormenorizada de individualização da pena, porém, na prática ocorre que os apenados são colocados todos amontoados dentro dos estabelecimentos, contaminando uns aos outros, o que sugere a ideia de que o Estado não tem interesse que essas pessoas se eduquem, socializem, galguem um futuro melhor para suas famílias, os seus descendentes. Ao contrário colocam os apenados para piorarem suas condições. O assunto é tratado na CPI do Sistema Carcerário (BRASIL, 2009, p. 276), in verbis:

 

O sistema de classificação dos presos praticamente inexiste dentro das prisões brasileiras. Resume-se na inquisição ao novo hóspede se tem algum inimigo ou a qual facção pertence. Viola claramente as Regras Mínimas que salientam que, nessa perspectiva, o regime penitenciário deve fazer apelo a todos os meios terapêuticos, educativos, morais, espirituais e outros, e a todos os meios de assistência de que pode dispor, procurando aplicá-los segundo as necessidades do tratamento individual dos delinqüentes.

 

Portanto, o sistema carcerário brasileiro não atende às disposições da Lei 7.210/84 – LEP no que tange ao espaço físico para cumprimento de penas pelos apenados, nem tampouco a individualização da pena, fazendo com que eles fiquem amontoados e misturados, o que leva à conclusão de que não há um interesse em ressocializar e sim marginalizar. 

 

Dessa feita, depreende-se que o encarcerado é tratado muito mal no sistema carcerário, logo ele não perde somente a liberdade, como o deveria, perde a dignidade, por vezes a saúde, a honra. Na verdade, os presos, que possuem direitos em abstrato, tem-nos violado quase que em sua totalidade.

 

Como já visto anteriormente, a superlotação dos estabelecimentos prisionais é a regra, o que ocasiona uma gama de outros direitos violados. Por conseqüência, resta ao ex-presidiário, quando não ocorre um milagre, quando de sua soltura ou qualquer outro benefício prisional, retornar ao mundo dos crimes, após o que retornará ao sistema prisional, como se denota pela verificação apontada no Relatório da CPI do Sistema Carcerário (BRASIL, 2009, p. 125):

 

Existem dados que revelam, por exemplo, que elevada parcela da população prisional é composta por presos reincidentes, o que aponta, dentre outras coisas, para o papel deficitário que vem sendo desempenhado nos sistemas penitenciários locais.     

 

Nesta toada, nota-se que o Estado não atende aos deveres que lhe são impostos, precipuamente pela Lei de Execuções Penais que, no seu artigo 10 e 11 disciplina o seguinte (VADE…, 2013, p. 1397):

 

Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.

 

Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso.

 

Art. 11. A assistência será:

 

I – material;

 

II – à saúde;

 

III -jurídica;

 

IV – educacional;

 

V – social;

 

VI – religiosa.

 

No citado artigo 10 do mencionado diploma é mencionado o objetivo de tal assistência, qual seja, a prevenção de novos crimes e retorno ao convívio social, sem o que se torna difícil ou até impossível essa mutação.

 

A CPI do Sistema Carcerário vislumbrou em suas investigações, o que já é de conhecimento da sociedade, que os presos são tratados como se não fossem seres humanos, submetidos a torturas físicas e psíquicas, castigos desproporcionais, castigados injustamente, como no caso dos laranjas citados anteriormente, os quais pagam por uma infração que não cometeram. No relatório da CPI do Sistema Carcerário (BRASIL, 2009, p. 193) é relatado o seguinte:

 

A CPI observou, em muitos estabelecimentos penais, tensão, medo, repressão, torturas e violência – ambiente que, em certa medida, atinge e se estende aos parentes, em especial, quando das visitas nas unidades prisionais.

 

O relator da citada CPI, Deputado Domingos Dutra no mesmo relatório mencionado, ao se referir aos apenados, diz o seguinte sobre a perda da liberdade dos encarcerados: “Independentemente dos delitos que cometeram, os presos perderam apenas a liberdade e não a alma, a dignidade e a vida”.

 

Porém, devido ao tratamento que recebem parece que o apenado não é mais um ser humano.  

 

2.3 Conseqüências drásticas do uso da pena de prisão como forma de vingança

 

A pena é uma sanção descrita em abstrato num tipo penal, cuja finalidade seria a prevenção pela intimidação: à medida que é cometida tal conduta incriminada, resta ao Estado a aplicação do direito ao caso em concreto, ou seja, houve a tipificação da conduta criminosa.

 

Para os crimes cujas penas superem o montante de 8 anos, em regra, é aplicada a pena de prisão em regime inicial fechado, conforme previsão legal no artigo Art. 33, § 2º, alínea a, do Código Penal.

 

Dessa forma, o infrator é inserido no estabelecimento prisional brasileiro, que deveria respeitar as regras, especialmente da LEP, a fim de que o objetivo da pena fosse cumprido, qual seja, a aplicação da pena de molde a restabelecer a paz social. No entanto, isso não é feito, como já ficou demonstrado anteriormente, visto que o Estado tende a desrespeitar os direitos dos presos, não lhe dando chances para uma inserção no meio social.

 

Diante disso, verifica-se que a pena de prisão é aplicada apenas como forma de vingança, pois é notório em inúmeras reportagens o discurso de familiares de vítimas de estupro, homicídios qualificados pela torpeza, roubos, latrocínios, os quais pregam que desejam justiça, e que esta seria alcançada no momento em que o infrator apodreça na cadeia. Tal assertiva é tida também pela mídia como correta, a qual apregoa o mesmo intento, e por conseqüência disso ou não, o Estado aplica a pena dessa forma, como forma de vingança, tirando além da liberdade do condenado, toda sua dignidade.

 

Aplicando dessa forma a pena de prisão, não é somente o apenado que irá sofrer as conseqüências, visto que em certo momento ele irá deixar o sistema prisional, seja por benefícios, seja por fuga ou por qualquer outro motivo. Com sua colocação nas ruas, o objetivo principal da penalidade, que é a inserção ao meio social, não é alcançado, haja vista que não há qualquer apoio ao egresso (falta casas de albergados para o cumprimento de penas em regime aberto ou similares), bem como tudo o que conheceu na prisão foram influxos deletérios, os quais fez o apenado piorar sua situação e por conseqüência aprimorar a sua coragem e artimanha na prática de crimes bem piores do que os que já cometera.

 

Dessarte, a sociedade – influenciada pela mídia – que outrora clamou por justiça, quando pediu que o infrator fosse colocado atrás das grades com todos os sofrimentos inerentes, sofre as conseqüências.

 

Agora, em liberdade, o infrator, por vezes circunstancial, com todo o ódio e rancor advindos do tratamento recebido nos estabelecimentos prisionais, tendo perdido sua dignidade, em todos os sentidos, inclusive a sexual, infectado por doenças físicas e psicológicas, bem como todos os malefícios do sistema penitenciário brasileiro, será inserido no meio social como uma pessoa?

 

Por conseqüência, conclui-se que esse indivíduo não será inserido no meio social de forma alguma, ademais será ainda mais aceito no mundo dos crimes, à margem da sociedade, a qual deverá aumentar os muros de suas casas, aplicar muito mais em sistemas de segurança, seguros de vida e de objetos. A sociedade pediu justiça e em troca recebeu injustiça, pagando uma conta que não é sua. Os absurdos colocados paulatinamente no meio social não são visualizados facilmente, mas a conseqüência dessa política de ausência do Estado é, por exemplo, visualizada em novidades como essas, expressada na obra de Barros (2004, p. 64):

 

[…] a novidade agora é a célula de sobrevivência , conhecida como quarto do pânico. Por aproximadamente R$ 250 mil, o cliente tem à disposição, dentro de casa ou no trabalho, num cômodo de 9 metros quadrados com portas e paredes blindadas, inviolável à munição usada em armas pesadas, como submetralhadoras e fuzis AR-15.

 

Por fim, fica patente que a pena de prisão, aplicada dessa forma simplista e displicente – como vingança – não atinge os objetivos a que se destinam, quais sejam reprimir e prevenir os delitos, trazendo os infratores ao meio social para que estes não mais se dediquem às práticas criminosas. Ao contrário, após cumprida a pena ou colocado na rua por qualquer meio, o apenado retorna aos crimes e consequentemente os cidadãos tem que se proteger das formas mais absurdas possíveis, como no caso da célula de sobrevivência.

 

Mas se aplicada de forma diligente, não sendo aplicada apenas como vingança, cumprindo o Estado toda legislação pertinente, respeitando os direitos dos presos, a pena de prisão cumpriria seu papel, inserindo o apenado ao meio social?

 

2.3.1 Paradoxo entre a pena de prisão e sua finalidade essencial, a ressocialização

 

A indagação do final do subtítulo anterior é pertinente, haja vista que a Lei de Execução Penal possui quase 30 anos de vigência, e já vimos anteriormente que não vem sendo cumprida a contento pelo Poder Público, como muitas outras legislações que beneficiam a sociedade, o que contribui, e muito, para que as penas não atinjam suas finalidades. Ademais, o modo como são cumpridas as penas faz com que haja um fomento à criminalidade e não sua diminuição, não tendo chance o egresso de alcançar a ressocialização.  

 

Soma-se a isso o fato de a prisão e a ressocialização possuir objetivos extremamente antagônicos, pois a primeira retira o indivíduo da sociedade, ao passo que a segunda visa inseri-lo no meio social. Logo, como inserir alguém no meio social, iniciando o procedimento com sua retirada, colocando o apenado num meio antissocial cujos valores são extremamente diferentes? Como ressocializar uma pessoa num ambiente antissocial, e com outros antissociais? Mirabete (2011, p. 238) dispõem que:

 

O sistema de penas privativa de liberdade e seu fim constituem verdadeira contradição. É praticamente impossível a ressociliação do homem que se encontra preso, quando vive em uma comunidade cujos valores são totalmente distintos daquele a que, em liberdade, deverá obedecer.

 

  

 

Quando o indivíduo é preso traduz a ideia de que ele foi retirado da sociedade porque não se encontrava harmonicamente nela inserido, caso contrário nela continuaria, pois não haveria motivos para dela ser retirado – não apresenta perigo à sociedade, portanto por que retirá-lo somente para aplicação de um castigo? Isso poderia ser feito com ele em liberdade. 

 

No entanto, caso seja necessária sua retirada da sociedade – sua prisão – tal indivíduo deverá representar um perigo tal que impeça a viabilidade de mantê-lo em liberdade, sob pena de cometer novos delitos, assolando a sociedade. Logo, esse indivíduo não estaria socializado e sim marginalizado.

 

Não bastasse isso, à pena – seja de que natureza for – é aplicada finalidades, qual seja, além da retribuição – mormente quando se fala de prisão – a inserção do indivíduo ao meio social de forma harmônica, buscando assim a prevenção de novos delitos por parte do infrator, sendo esta a principal para resultados a longo prazo e redução de problemas futuros.

 

Com efeito, a pena, para que atinja sua finalidade, não deveria ser aplicada num quantum específico arbitrado entre um limite mínimo e máximo fixado abstratamente num preceito secundário de um tipo penal, como hodiernamente ocorre, pois não se pode afirmar que após o seu cumprimento o infrator ressocializou-se e não mais será uma ameaça à sociedade. Na prática, ocorre exatamente o contrário, pois os indivíduos encarcerados normalmente voltam a cometer infrações, como já demonstrado anteriormente, há grande índice de reincidência dos que tiveram privada sua liberdade.

 

Farias Júnior, na sua obra (1978, p. 13), aduz o seguinte sobre a dita pena privativa de liberdade e seu antagonismo em face do fim a que deveria se destinar:

 

Declara ser a pena no Brasil determinada na sentença, isto é, o tempo que o condenado deve cumprir na prisão é um período certo, determinado, de acordo com a gravidade do crime, o que representa, segundo a tese defendida nas partes seguintes, um dos fatores negativos para a recuperação do delinqüente.

 

Recuperar significa expungir um mal de que um ser humano é portador. Há aí uma incoerência da lei em pretender que um indivíduo seja tratado de um mal dentro de certo tempo determinado. Ainda seria justificável se o critério para essa determinação fosse o grau de corrupção moral do indivíduo, nocividade ou periculosidade social. 

 

O tratamento dado ao apenado deveria ter o condão de ajustar suas condutas ao meio social, de molde que ele não cometa mais crimes e viva harmonicamente junto à sociedade, ou seja, transformar o infrator em não infrator, mas com o tratamento dado a eles não há que se falar em inserção ao meio social. Isso se depreende à medida que a pena de prisão aplicada não é útil para o fim a que se destina, já que sua aplicação não tem o condão de inserir ninguém ao meio social, mormente porque não se pode tratar uma pessoa de um mal, como o caso de criminosos, num tempo determinado. Soma-se a isso, o tratamento dado aos condenados no mundo penitenciário, o qual visa inviabilizar qualquer tipo de chances do apenado curar-se do mal a que é assolado, restringindo a educação, o trabalho, o lazer, e retirando-lhe toda dignidade, levando-o à reincidência, como bem assevera o relator da CPI do Sistema Carcerário (BRASIL, 2009, p. 125), in verbis:

 

Existem dados que revelam, por exemplo, que elevada parcela da população prisional é composta por presos reincidentes, o que aponta, dentre outras coisas, para o papel deficitário que vem sendo desempenhado nos sistemas penitenciários locais.

 

 Dessa forma, é notória a ineficácia da pena de prisão, tendo o seu aplicador, o Estado, lutado para que não seja disposta nenhuma chance para que a pessoa submetida a esse tipo de pena se restaure, o que só ocorre por milagres, os quais conseguem a recuperação persistente, mas estes são ínfimos, como bem assevera Farias Júnior, (BRASIL, 2009, p. 123):  

 

Mas a atuação religiosa atinge uma porcentagem pequena entre os corrompidos, mas é a única que consegue recuperação persistente.

 

Da mesma forma, no relatório da CPI do Sistema Carcerário de 2008 (BRASIL, 2009, p. 182-183), em que é relatado sobre a diligência no Presídio Hélio Gomes do Rio de Janeiro, é descrito que, embora haja uma enorme influência de igrejas, em especial Evangélicas, no Sistema Carcerário, o índice de reincidência, mesmo daqueles que se converteram é grande, inobstante não sejam dados oficiais, in verbis:

 

Também nessa carceragem, a influência das igrejas evangélicas é enorme. No momento da diligência, acontecia a celebração de cultos nos 2 pavilhões e foi com o apoio da estrutura religiosa que a CPI comunicou-se com os presos.

 

[…]

 

A CPI realizou AUDIÊNCIA PÚBLICA na Assembléia Legislativa, ouvindo autoridades, religiosos e representantes do Sindicato dos Agentes Penitenciários. A audiência teve início com o depoimento do Pastor Marcos Pereira da Silva, que ressaltou o trabalho de ressocialização que tem realizado, apresentando vários ex-presidiários recuperados, apesar dos crimes graves cometidos. Denunciou que está proibido pelo Governo de fazer pregações nos presídios. Revelou, porém, que 70% dos presos que conseguiu tirar do cárcere voltaram a delinqüir. 

 

Dessarte é patente que a pena de prisão é antagônica ao fim recuperacional, que seria seu objetivo principal, bem como o Estado visa corroborar essa ineficácia da pena privativa de liberdade, desrespeitando os direitos das pessoas encarceradas, ou seja, não dando chance alguma para que haja qualquer tipo de recuperação, inclusive com proibição de uma das únicas formas de recuperação persistente, embora de forma mínima, que é a religião, como citado acima.

 

Diante disso, se faz necessária uma mudança drástica para que haja a redução do índice de criminalidade, o que traduz a idéia de inserção de pessoas diferentes ao meio social harmônico. Logo, Farias Júnior classificou os tipos de criminosos, sugerindo um tipo de tratamento diferenciado para cada um deles. Dessa classificação do mencionado autor foi, no terceiro capítulo, realizada uma subsunção de infratores detidos, soltos e criminosos em potencial, na mesma visão desse autor.

 

 CAPÍTULO 3 – CLASSIFICAÇÃO DOS PRATICANTES DE CRIMES PARA FIM RECUPERACIONAL, POR JOÃO FARIAS JÚNIOR, VERSUS SUBSUNÇÃO A INFRATORES ATUAIS ANALISADOS EM DOCUMENTÁRIOS TELEVISIVOS

 

Na obra de Farias Júnior (1978), cujo título é Ineficácia da Pena de Prisão e o Sistema Ideal de Recuperação do Delinqüente, é realizada uma classificação do infrator para fim recuperacional, a qual levará a um sistema diferenciado de tratamento, dependendo da classificação em que se enquadrar.

 

Na obra desse autor, ele conclui que o sistema utilizado para punição, em especial a prisão como aplicada, não traz resultados práticos satisfatórios, ademais ela traz resultado contrário ao teoricamente pretendido.

  Dessa forma, a fim de trazer um sistema de recuperação satisfatório, ele classifica os infratores etiologicamente em: exógeno circunstancial, exógeno mesológico, mesoendógeno e patoendógeno. O autor ainda aduz que esta seria uma classificação teleológica, já que é finalística, porquanto o infrator é classificado em uma das quatro categorias para fim recuperacional.

 

Etiologicamente porque cada termo utilizado para a classificação do infrator advém das causas que o levaram à prática dos delitos. Logo, cada indivíduo tem estudadas essas causas e não somente os efeitos da doença de que padece, os quais são o crime e consequentemente o cumprimento da pena tão somente pelo efeito/conseqüência. Para Farias Júnior, tendo em vista as causas que o levaram ao cometimento de infrações, deve o infrator ser tratado de maneira peculiar, pois logrando êxito em encontrar a causa do problema e tratando, extinguir-se-á por conseqüência os efeitos. Exemplificando: uma pessoa que fuma tem por conseqüência mais chances de desenvolver doenças respiratórias, logo deverá ser morigerada até que pare de fumar; outro exemplo, seria de uma pessoa com sobrepeso, deverá ser morigerada a fim de que coma apenas o necessário para perder peso. Não basta tirar o cigarro e mantê-la a distância deste, ou trancar a geladeira, no caso da pessoa com sobrepeso, pois ela tentará de qualquer forma acessar os locais onde tenham o cigarro ou a comida, pois está condicionada a fumar e a comer. 

 

Dessa forma, o autor classifica etiologicamente cada indivíduo para depois teleologicamente lhe dar o respectivo tratamento. Farias Júnior, (1978, p. 111-112) retrata o seguinte:

 

Assim classifico o delinqüente em quatro tipos distintos:

 

1º – O EXÓGENO CIRCUNSTANCIAL

 

2º – O EXÓGENO MESOLÓGICO

 

3º – O MESOENDÓGENO

 

4º – O PATOENDÓGENO

 

As expressões já classificam etiologicamente o delinqüente.

 

É uma classificação ETIOLÓGICA.

 

É também uma classificação TELEOLÓGICA porque é finalística. O delinqüente é classificado em uma das quatro categorias para fim recuperacional.

 

À frente segue uma síntese de cada uma das classificações e algumas peculiaridades, segundo o autor.   

 

3.1 Exógeno circunstancial

 

Como classificação etiológica, exógeno diz-se do que provém de uma causa externa, originado do exterior do organismo, ou por fatores externos. (FERREIRA, 2002, p. 305). Dessa forma, o exógeno circunstancial é classificado como aquele indivíduo que casualmente pratica algum tipo de delito por algum motivo externo que lhes fez brotar algum sentimento, aos quais estão sujeitas todas as pessoas comuns, os cidadãos socialmente integrados ao meio social. (FARIAS JÚNIOR, 1978, p. 112)

 

Esse tipo de infrator não faz do crime um hábito, por conseqüência não representa um perigo para a sociedade. O crime foi episódio casual, para o qual se declinou em determinada circunstância de sua vida, como bem assevera Farias Júnior, ao mencionar que:

 

Não devemos nos esquecer que o homem é dotado de cinco predicados que lhe são imanentes, mesmo que deles queira se desvencilhar, não pode, porque são seus atributos.

 

São eles a IRA, o MEDO, o AMOR, o DEVER, e o IMPULSO SEXUAL. (FARIAS JÚNIOR, 1978, página 80).

 

 

 

Assim sendo, fatores externos podem fazer brotar alguns desses adjetivos no ser humano, levando-o à prática de um ato criminoso ocasionalmente, o que não deverá acontecer novamente, já que ele não se despende a práticas delituosas habituais.

 

Logo, vislumbra-se que o tratamento a ser despendido para esse tipo de infrator não poderia ser o mesmo oferecido a outro, que faz do crime seu meio de vida por exemplo, pois aquele não representa um perigo para a sociedade, não devendo, pois, ser retirado dela.  

 

O exógeno circunstancial possui senso moral e ético, vive perfeitamente em sociedade, porém uma eventualidade em sua vida o levou à prática de um crime. (FARIAS JÚNIOR, 1978, p. 112)

 

Dessa maneira, para João Farias Júnior, caso o infrator seja primário, não corrompido e não perverso, não deve sofrer privação de sua liberdade, sendo a medida adequada à sua situação o regime de PROVAÇÃO, independentemente do tipo de crime cometido (FARIAS JÚNIOR, 1978, p. 112)

 

Conforme assevera Farias Júnior, tal regime, adotado pelos Estados Unidos e Inglaterra, consiste na liberdade vigiada e controlada por determinado tempo, o qual varia segundo a gravidade do delito. (FARIAS JÚNIOR, 1978, p. 112)

 

Esse regime se mostra vantajoso à medida que ao provado será garantido, segundo Farias Júnior (1978, p. 113), o seguinte:

 

1)        continua com sua vida relativa normal, como pessoa responsável e útil;

 

2)        não rompe o elo que tem com sua atividade;

 

3)        continuando com a sua atividade, continua a perceber salário ou rendimento;

 

4)        Não rompe os elos com a família. Continua prestando assistência material e afetiva a ela. É preservada pois a unidade familiar;

 

5)        Não rompe os elos sociais, a não ser aqueles decorrentes das restrições impostas pelo juiz;

 

6)        Livra o PROVADO do estigma da prisão e de suas nefastas consequências, preservando-o, não só dos males que a prisão em si acarreta, mas de levá-lo a ser um perpétuo presidiário através do recidivismo. A prisão corrompe e estigmatiza.

 

(…)

 

7)        A última vantagem é a economia que resultará da não segregação do exógeno circunstancial.    

 

Ocorre que no Brasil, essa prática não encontra espaço, pois a pena em abstrato é aplicada de forma objetiva ao criminoso, embora se leve em conta circunstâncias judiciais para fixação da pena base (primeira fase da aplicação da pena), circunstâncias agravantes e atenuantes (segunda fase) e a terceira fase se pauta nas causas de aumento e diminuição de pena. Aplica-se a forma objetiva, pois não leva em conta as causas que levaram o indivíduo a ser um criminoso, são analisados mais os seus efeitos, exceto em alguns casos que o motivo torpe, fútil, estado de necessidade, legítima defesa, legítima defesa da honra, os quais podem aumentar, reduzir ou até absolver. No entanto esses quesitos dizem respeito tão somente ao crime praticado e não a causa que levou o indivíduo a cometer crimes.

 

Com isso, é aplicada indistintamente a pena de prisão a exógenos circunstanciais, os quais serão levados ao cárcere, quando não necessitaria de tal medida para o alcance da finalidade da pena. Essa medida, na realidade, pode fazer de um exógeno circunstancial um praticante habitual de crimes, normalmente bem piores do que aquele que o levou ao cárcere a primeira vez, pois neste local perderá seus laços familiares, seu emprego, sua vida em sociedade, passando a uma reclusão, convivendo com outras espécies de infratores, que o corromperão. Dessa forma, perderá esse tipo de infrator o senso moral e ético, sendo que quando sair da prisão, dependendo do tempo em que passar nesse local, não mais poderá viver em sociedade, passando daí para a marginalidade e consequentemente para a criminalidade sem freios, pois perdeu todo o seu senso ético no tempo que passou encarcerado, haja vista que a prisão ao revés de frear a delinqüência, estimula-a, como bem é observado por García Ramirez (1975 apud BITTENCOURT, 2004, p. 157):

 

[…] a prisão, em vez de frear a delinqüência, parece estimulá-la, convertendo-se em instrumento que oportuniza toda espécie de desumanidade. Não traz nenhum benefício ao apenado; ao contrário, possibilita toda sorte de vícios e degradações.   

 

Diante disso, o exógeno circunstancial, caso não seja tratado com os meios necessários e particulares de sua condição, consequentemente passa a ser classificado como um exógeno mesológico, pois será influenciado pelo meio em que passará a ter seu convívio e perderá o convívio social que detinha anteriormente à prisão. Classificação esta objeto do subcapítulo seguinte.

 

3.2 Exógeno Mesológico

 

Esse tipo de infrator, na classificação de Farias Júnior (1978, p. 117), é aquele corrompido eticamente, cujas causas foram os influxos maléficos que recebera, os quais se originam do ambiente em que nasceu, conviveu e convive o indivíduo.

 

Dessa forma, o exógeno mesológico não opta por ser assim, é levado a essa condição pelo meio em que vive. Farias Júnior (1978, p. 119, grifo do autor) menciona alguma das causas da criação do exógeno mesológico, in verbis:

 

Em sua gênese o homem não tem predisposição inata para a opção. O local onde nasce e as pessoas com as quais vai conviver tocam-lhe por sorte.

 

Ele pode nascer num cangaço, numa favela, num mocambo, conviver com facínoras, ladrões, vagabundos, pederastas, toxicômanos ou traficantes de tóxicos, corrompidos e corruptores; sua família pode ser desajustada ou se desajustar; a formação ou educação familiar pode ter sido falha ou totalmente errada.

 

Assim sendo, tal infrator não seria louco ou psicopata; a geração de sua condição não adveio de patologia ou teratologia, no entanto caiu nas garras do crime não por opção, mas por influxos deletérios do meio marginalizado em que nasceu e viveu, logo são de QI normal e, portanto, recuperáveis (FARIAS JÚNIOR, 1978, p. 129).

 

Portanto, como já mencionado no subcapítulo anterior um exógeno circunstancial pode facilmente transformar-se em um mesológico se for colocado numa prisão junto a exógenos mesológicos.  

 

Farias Júnior (1978, p. 118) descreve algumas causas da prática de infrações penais, mormente fomentadora do exógeno mesológico, in verbis “A fome, a miséria, o desemprego, a rejeição, o instinto de sobrevivência e outros imperativos naturais impelem o ser humano à prática de atos anti-sociais e à degenerescência moral”.

 

Logo, esse tipo de infrator cria uma visão de mundo sua, a qual é sua verdade, encontrando justificativas para seus atos ilegais, antissociais, de forma que vê como comum a prática de roubos, tráficos, furtos e até latrocínios etc., sob o argumento, na maioria das vezes, de que não lhe foi dada condição de galgar um futuro melhor para si e para família, assim sendo quando é capturado vê isso como uma injustiça, já que faz o certo, ao menos na sua visão. Farias Júnior (1978, p. 118), ao discorrer sobre o exógeno mesológico, dispõe o seguinte:

 

Quando capturado, diz que “não fez nada”, quando na realidade é um facínora temido ou um desbragado ladrão. Sente-se vítima de injustiça ou vítima da sociedade.

 

Esse tipo se condiciona ao crime. O crime é um ato de rotina.

 

(…)

 

Mas nós que estamos num plano superior, perfeitamente integrado à comunhão social, deveremos perguntar, refletir e responder o seguinte:

 

É o exógeno mesológico culpado de ser como é?

 

Não.

 

       

 

Dessa feita, o exógeno mesológico não será inserido na sociedade após a pena de prisão, como é aplicada hodiernamente, já que possui um caso peculiar, visto que não optou por essa vida, mas nela se encontra por circunstâncias externas, as quais o influenciaram negativa e maleficamente. No entanto, o pior é que ele tem a convicção de que esteja certo em suas atitudes, pois sua mente foi cauterizada pelos influxos deletérios que recebeu, condicionando-o às práticas delituosas ao revés da vida harmonicamente social. Farias Júnior (1978, p. 128) dispõe que o exógeno mesológico “É portanto recuperável, mas não no nosso sistema atual”.

 

Caso seja capturado, no sistema penal atual, pela prática de alguma infração, ocorrerá, pois, que cumprindo sua pena, fugindo ou se livrando solto, como no caso de liberdade provisória, o exógeno mesológico continuará sua vida da mesma forma que o levou a ser capturado, o que levará ao ciclo vicioso crime, prisão até que chegue o sua morte. Farias Júnior (1978, p. 120) aduz alguns comentários sobre esse raciocínio, aduzindo o seguinte sobre o tipo de infrator em comento e as conseqüências da prisão quando aplicada a ele:

 

Ele é vítima de um fatalismo inexorável, eis que recebeu a transfusão de influxos deletérios num estado de inconsciência, de impotência, de imponderabilidade e sem condição de fuga e de defesa.

 

(…)

 

De que servirá a prisão para um homem corrompido pela erosão de um meio deletério? Como irá ele sentir a pena se está destituído de conteúdo moral e se a prisão, na sistemática atual, não dispõe de meios, não possui as condições e nem esboça qualquer tentativa no sentido de inculcar-lhe tal conteúdo? Se está no meio social causa a corrosão da moralidade, causa danos e arrasta outros para o seu círculo de relação ou para a sua órbita de delitos.

 

É portanto um elemento perigoso em estado potencial, estático ou dinâmico.   

 

Após a inserção desse indivíduo no mundo carcerário, com todas as contradições, descumprimentos de leis, mazelas e influxos maléficos das instituições prisionais, bem como das instituições pós prisão, não há que se falar em reinserção social, o que é corroborado pelos altos índices de reincidência, como citado no relatório da CPI do Sistema carcerário (BRASIL, 2009, p. 280):

 

Os dados apresentados pelo DEPEN sobre a reincidência de presos não permitem que se afirme, com certeza, o percentual de recidiva no sistema carcerário brasileiro. Inexistem estatísticas oficiais sobre a taxa de reincidência.

 

Segundo apontou o Sr. Maurício Kuehne, diretor do DEPEN, enquanto se observa uma taxa de reincidência de 60% a 65% nos países do Primeiro Mundo, a taxa de recidiva penal no Brasil oscila de 70% a 85%. No caso das penas e medidas alternativas, a taxa de reincidência não ultrapassa 12%.   

 

Pelos motivos esposados, Farias Júnior (1978, p. 129) sugere um sistema de punição diferenciado para este tipo de infrator, haja vista ser ele considerado recuperável, pois este padece de conteúdo moral e ético, não se trata de um mentalmente anormal ou portador de psicopatia.

 

Nessa vereda, ele deve ser tratado de modo a alcançar essa educação e se integrar à comunhão social, pois é apto a isso, mas para alcançar esse objeto não se pode determinar um tempo certo após o qual ele estará curado, vez que impossível tal ação. Farias Júnior (1978, p. 81) critica o tempo determinado da pena aduzindo o seguinte:

 

A primeira condição a ser imposta é a queda do tempo determinado de segregação do delinqüente e a concepção de castigo. Portanto não se falará mais em PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE DETERMINADA, NEM tampouco em CASTIGO. São entraves a serem abolidos.

 

De que adianta a prisão por determinado período se já se sabe de antemão que o delinqüente vai sair pior do que entrou?

 

  Seria esse fenômeno semelhante ao tratamento de uma doença num tempo previamente determinado, porque impossível determinar um período certo em que um doente ficará na U.T.I., ao cabo do qual deverá estar saudável o doente. Sua cura dependerá de suas respostas ao tratamento recebido e dos medicamentos ministrados, ou seja, dependerá de usos de determinados meios para atingir a um fim, num tempo que será determinado pelas respostas ao tratamento. Do mesmo modo, o exógeno mesológico não será um cidadão comum após um determinado tempo de castigo, deve ele ser tratado por determinados meios para consecução da finalidade precípua da pena, que não é o castigo, mas sim a inserção no meio social, pois se assim não o for, sofrerá castigos pelo resto da vida. Sobre isso Farias Júnior (1978, p. 129) diz o seguinte:

 

No momento em que o recuperando alcançar modos ideais de pensar, de sentir e de agir, com uma personalidade completamente transformada e estiver realmente integrado na sociedade como qualquer cidadão que respeita as normas e os padrões sociais, estará terminada a missão de recuperar, em relação a este recuperando ou já recuperado.

 

Este é o FIM. Para chegar a este FIM é necessária a conjugação de determinados MEIOS. Implica numa organização racional do sistema, recursos e procedimentos para se atingir uma funcionalidade eficiente com o máximo de rendimento total e com um mínimo de recursos humanos e materiais e mínimo desperdício de tempo.

 

Assim, Farias Júnior (1978, p. 130-132) cria um sistema específico para este tipo de infrator, vejamos:

 

A ação recuperacional se processa em dez estágios, cujas passagens de um para outro são conquistadas pelo recuperando através da adesão ao processo regenerador fundado no trabalho, na educação, na disciplina, e no cumprimento de uma série grande de requisitos.

 

Para o cumprimento desse ciclo de dez estágios o Instituto deve construir dez prédios duplex, portanto um prédio para cada estágio.

 

Cada prédio duplex deve comportar trinta recuperandos.

 

Na parte térrea ficam a oficina de trabalho e o banheiro e na parte superior as celas individuais, uma dependência destinada aos professores, a biblioteca como local destinado ao material didático, um banheiro e duas salas de aula.

 

Assim, cada Instituto carrega trezentos recuperandos que vão ser tratados por equipes técnicas compostas de RECUPERADORES.

 

Cada Instituto deve desenvolver um tipo de trabalho industrial ou artesanal.

 

O Departamento Nacional dos Institutos Recuperacionais (DNIR) MANTERÁ UMA Divisão de Triagem em cada Unidade da Federação destinada a receber o delinqüente, juntamente com os documentos relativos à personalidade do mesmo, sua vida de relação com a família e com o seu meio circundante, seu grau de escolaridade, seus crimes e um resultado das peças mais importantes dos processos criminais.

 

Após receber o delinqüente, essa Divisão de Triagem o submeterá aos exames físicos, psíquicos e testes psicológicos.

 

Com todo esse material colhido o delinqüente será classificados segundo o seu grau de escolaridade, suas aptidões, seus interesses, sua propensão vocacional, sua personalidade, sua idade, seu grau de habitualidade no crime, suas perversões, e periculosidade social, e após isso, será então encaminhado a um dos Institutos.

 

Cada instituto será especializado para a ação recuperacional de um grupo de indivíduos que apresentem qualidades e características semelhantes.

 

Seria irracional e impraticável a ação recuperadora sobre um grupo em que um tivesse o curso científico e outro fosse analfabeto; um tivesse 70 anos e outro tivesse apenas 20; um com certas habilidades e outro com outras; um de alta periculosidade e outro de baixa periculosidade. Assim o grupo terá que ser mais ou menos homogêneo para facilitar a ação pedagógica e laboral de cada Instituto.

 

Os prédios serão numerados de 1 a 10 e essa numeração indica a seqüência dos estágios do primeiro ao décimo.

 

A duração do estágio depende principalmente do grau de periculosidade e de habitualidade ou condicionamento ao crime do grupo.

 

Se a folha do recuperando indica que sua estrutura psíquica está impregnada dos fatores motivadores e condicionadores do crime, que sua tendência é reincidir, que é um assaltante, um gatuno, ou um estelionatário contumaz, o tempo de duração de cada estágio tem que ser maior do que o daquele cujo espelho de sua vida social e criminal está a indicar que se encontra numa instância de baixa periculosidade. Tudo leva a pressupor que laborpsicoterapia para este é mais fácil e atingirá o objetivo em menos tempo do que para aquele de mais arraigada motivação para o crime.

 

Para um grupo de mais alta periculosidade o estágio deve ser de seis meses cada um e para o de mais periculosidade esse tempo deve baixar para dois meses, dosando-se, para os grupos intermediários, os tempos dentro desses dois limites. O primeiro estágio e o segundo deverão ser sempre de seis meses cada um. O recuperando entra para o primeiro estágio e aí vai ser submetido a um regime de máximo rigor, máxima segurança, máxima disciplina e máxima intensidade no tratamento e mínimos favores, mínimas concessões, mínimo conforto e mínimo salário.

 

Esses aspectos vão se transformando gradativamente nos estágios seguintes, chegando ao último totalmente modificados ou invertidos.

 

Esta técnica é de vital motivação para a adesão à ação recuperacional, porque se o recuperando sabe que no primeiro estágio ele percebe salário de um décimo do salário mínimo, no segundo dois décimos, no terceiro três décimos e no último dez décimos; que no primeiro estágio ele não recebe visita, mas que do segundo em diante vai aumentando a concessão até que no último não há mais restrição neste aspecto; que nos primeiros estágios terá que fazer abstinência sexual, mas que do quarto estágio em diante já poderá ter encontro conjugal, embora ainda com restrições e que no último essas restrições desaparecem; que a segurança é máxima no primeiro estágio, diminuindo gradativamente, até que no último não haverá mais segurança; que no primeiro estágio ele não tem liberdade, uma liberdade mínima, mas que, á medida que caminha para o último estágio, vai se libertando até chegar à liberdade total, e assim poderíamos enumerar uma infinidade de aspectos da dinâmica da progressão. 

 

Diante disso, denota-se que o autor João Farias Júnior a respeito do exógeno mesológico por ser influenciado pelo meio em que nasce e vive, ou seja, não é uma pessoa dotada de faculdades mentais alteradas, ele pode ser influenciado positivamente por meio de estímulos e alcance de metas para fim recuperacional. Com uma pena aplicada diferentemente de como o é atualmente, pode se vislumbrar o alcance da recuperação do indivíduo enquadrado como um exógeno mesológico, por meio da aplicação da pena, não como um castigo puro e simples, mas sim com ações morigeradoras, estipulando metas a serem cumpridas a fim de galgar benefícios, num tempo que pode ser maior ou menor, dependendo das respostas do indivíduo ao tratamento recebido e não num tempo pré determinado. 

 

O autor ainda considera que os toxicômanos e os alcoólicos devem ter o mesmo tratamento dos exógenos mesológicos, ainda que estejam enquadrados nessas categorias de infratores, no entanto os primeiros estágios devem primar pela desintoxicação.

 

Dentro desse contexto, insta salientar que Farias Júnior (1978, p. 163) dispõe o seguinte em sua obra:

 

O estabelecimento adequado para toxicômanos e alcoólicos é igual ao que foi construído para o exógeno mesológico. Neste caso os primeiros estágios se destinam à aplicação de técnicas adequadas de desintoxicação, mas de resto seguem o mesmo ritmo de progressão de tratamento.  

 

Nessa toada, entende o referido autor que os toxicômanos e alcoólicos possuem discernimento como um exógeno mesológico e por esta razão devem ser tratados da mesma forma, mas com um tratamento de desintoxicação primeiramente.

 

Ocorre que Farias Júnior escreveu seu trabalho em 1978, quando as drogas não tinham efeito tão devastador como agora: não existia o crack e outras drogas, como o oxi, bem como o acesso a quantidade extremamente superior, atualmente. Portanto, a ação de drogas nocivas, o tempo de consumo e a idade em que a pessoa inicia o uso podem transformar um exógeno mesológico num meso ou num patoendógeno, os quais serão estudados nos subtítulos seguintes.  

 

De início foi analisada uma reportagem sobre a história de alguns garotos, os quais cometeram atos infracionais e por esse motivo foram parar atrás das grades de reformatórios. Nesse item será reproduzida parte da reportagem que tem por título Pequenos Infratores[1].

 

Neste contexto serão analisadas as histórias de dois garotos mencionados no documentário para os quais foram dados nomes fictícios: Túlio e José, o primeiro com 14 e o segundo com 12 anos de idade.

 

Túlio

 

A priori, será descrita e analisada a história de Túlio. Este garoto com apenas 14 anos de idade, de cor preta, viciado em crack e outras drogas, vive nas ruas, não possui família, pois na ocasião da internação ninguém apareceu para lhe dar assistência, bem como não há menção de visitas familiares para o garoto. Ele foi apreendido, nesta ocasião, porque praticou ato infracional de roubo. Na sua defesa, disse que praticou e pratica delitos porque tem fome e vive todo sujo na rua, porquanto não gosta de fazer isso,mas o faz por necessidade.

 

O garoto Túlio aduz na reportagem que já foi apreendido em outras ocasiões e já esteve internado nos reformatórios, onde a estadia não é boa. Disse que os internos apanham muito, quando não respeitam algumas regras, muitas delas sem muito sentido, como tratar os monitores por tio e não por senhor, não andar com as mãos para trás, conversar em momentos inoportunos, qualquer coisa que um monitor não gostar é motivo para apanharem. Por conseqüência ele ameaça e diz que pode encontrar esses monitores nas ruas e ali seria diferente, pois nas ruas quem manda são eles e nesse local pode vingar-se. 

 

Dessa forma, o garoto Túlio define que não foi e não será melhorado pelo tempo que ficou e ficará apreendido no reformatório; ao contrário, declara que saiu do local pior do que entrou e novamente sairá sem aprender nada, revoltado, usando muita droga para esquecer a revolta, as injustiças que sofrera, o quanto apanhou nesse lugar. Sua missão ali serão as tentativas de fuga, pois ficará internado somente por um tempo até conseguir engordar um pouco, após o que fugirá do local.

 

Devido à prática do ato infracional roubo, o magistrado determinou sua internação por dois meses, bem como sua submissão a tratamento de desintoxicação, pois o garoto aceitou este tratamento. No entanto, como ocorreu na outra internação, o tratamento de desintoxicação não foi realizado. A internação foi mesmo somente um castigo, pois, viciado em drogas, muito provavelmente reincidirá, caso não haja o referido tratamento.

 

Disse o garoto que no pouco tempo que ficou internado já estaria revoltado, imagina em dois meses; aduziu que sairá ainda mais revoltado, “como um capeta”, roubando e usando muita droga para esquecer a revolta, pois nesse período vai apanhar muito no local.

 

No reformatório foi entrevistado Túlio e perguntado sobre amigos, tendo declarado que amigo não tem, pois na vida que leva não há isso, pois amigo é quem deveria falar coisas boas e não chamar para roubar, para bater num monitor. Isso não seria amigo.

 

Abrindo um parêntese, é mencionado na reportagem que as prisões brasileiras ficaram mundialmente famosas pela falta de estrutura e abuso de alguns agentes. Por isso um inspetor da ONU (Organização das Nações Unidas) foi a campo fazer uma pesquisa num reformatório para menores, mas estes temem denunciar, pois iriam sofrer represálias quando a equipe da ONU se fosse, aduzindo que os agentes estavam por perto quando a equipe falava com os menores para ver quem iria denunciar condutas ilegais dos agentes, intimidando os garotos.

 

No entanto, em um determinado momento, o Inspetor saiu do local em que estava a equipe e passou a andar pelo reformatório, dentro do qual, em um depósito, tendo em vista denúncia de internos, encontrou vários objetos que seriam utilizados para lhes bater na cabeça, como cabos de rodos, vassouras etc., todos quebrados. O responsável pelo estabelecimento reformatório tentou se defender, mas não o pode, tendo o Inspetor afirmado que os objetos todos quebrados não poderiam ser utilizados para limpar, mas sim para bater, como a denúncia de internos.

 

Logo, isso traduz a ideia de corroborar a não inserção de menores à sociedade, mas sim mantê-los marginalizados a fim de que estejam sempre no círculo vicioso ato infracional, internação, desinternação, marginalização. Após a maioridade, o círculo vicioso crime, prisão, soltura, marginalização. E não o que realmente importa: a inserção no meio social.

 

Retornando ao caso do menor infrator Túlio, que se encontrava internado, ocorreu que antes de decorridos os 2 meses de internação, o garoto fugiu do reformatório, mas foi novamente capturado em outro roubo com outros garotos, alguns destes aparentando ser bem mais jovens. Dessa vez, Túlio e sua turma foram sentenciados a seis meses de internação.

 

Após essa última internação, o garoto Túlio desabafa: diz que se tivesse perspectiva de futuro estaria estudando. Não estaria roubando. Disse não gostar de roubar, mas faz isso porque precisa. Caso contrário vai andar todo sujo na rua e apanhará da polícia. Diz que mora na rua e se parar de roubar, morrerá de fome.

 

José

 

Para o outro garoto foi dado o nome fictício de José. Este, com 12 anos de idade, de cor branca, com família monoparental, dotada de mãe e irmã, residia numa casa que fica em uma favela, sem rua asfaltada, sem qualquer conforto, donde fugiu há cerca de um ano e vive nas ruas, desde então.

 

Esse garoto também foi capturado por ato infracional de roubo, tendo fumado crack pouco antes do crime. Atordoado pelos efeitos da droga, respondeu às perguntas da repórter. Com ar de riso, aparência de drogado, diz que usa crack e que já faz muito tempo.

 

Após um tempo, sua mãe chega ao Fórum, onde o garoto espera a audiência com o Juiz. É a primeira vez que a mãe revê o filho desde que ele fugiu de casa há um ano. Ela havia descoberto que estava com câncer há pouco tempo. Nesse momento, os efeitos da droga já haviam passados, e o garoto se emociona com sua mãe, que chora muito e pede para que ele pare com a vida que leva. Logo, José chora muito também, por saber que sua mãe está com um grave problema de saúde e pode ter pouco tempo de vida, bem com pela sua situação.     

 

A mãe passou algumas horas com o filho até que chegou a sentença de 6 meses de internação de José pela prática de ato infracional – roubo -, e o garoto tem como destino o reformatório.

 

Com sua internação, o garoto se emociona mais uma vez, e agora dentro do reformatório, declara algumas palavras – desabafando -, chorando muito, diz que só viu sua mãe após um ano, aduzindo que pensa em sua mãe e em sua irmã todos os dias, na única família que tem. Com medo, pensa na hipótese de elas falecerem, prevendo que iria ficar sozinho, jogado na rua, mas determina que se Deus quiser isso não vai acontecer. Ele também lamenta ficar 6 meses internado sem ver a mãe, dizendo que nenhum menor gosta de ficar preso, pois fora dali é bem melhor.

 

Quase um ano após o início da internação, que seria de 6 meses, José se prepara para ser submetido a uma audiência que lhe pode dar de volta a liberdade. Com isso, ele declara que, saindo dali, vai estudar, trabalhar, ficar com a mãe, fazendo tudo que a deixará feliz, aduzindo que vai se refazer, uma mente sem droga, sem roubo, sem nada.

 

No entanto, a mãe – desconfiada – avisa, quando indagada pela repórter, que, embora ele diga que parará, que a vida que leva não dá futuro para ninguém, por isso vai estudar, trabalhar etc., embora ele diga isso, falar é fácil, mormente quando está lá dentro do reformatório, mas o que importa é quando ele estiver em liberdade, pois aqui fora tudo muda. Logo, ela pede a Deus que realmente ele pare e mude completamente.

 

Nessa toada, a sentença judicial é prolatada e o garoto colocado em liberdade, com alguns deveres a cumprir, caso contrário poderá retornar ao reformatório.

 

Infelizmente, José ficou com sua mãe por apenas dois meses, após o que voltou para as ruas e pouco depois foi novamente capturado novamente por ato infracional de roubo.

 

Classificação como exógenos mesológicos

 

Denota-se, portanto, que nos dois casos, independentemente da cor de pele do infrator, foram os dois garotos influenciados pelo meio em que vivem, ou seja, nas ruas, provando de misérias, de violência de todos os tipos, de abandono, de falta de assistência. Com isso, foram para o mundo dos crimes.

 

O garoto Túlio não teve sequer menção de sua família na reportagem. Já o garoto José possuía família, mas fugiu de casa, a qual se encontrava dentro de uma favela. Não tinha pai pelo que é demonstrado no documentário, ao menos presente, pois nada foi mencionado a seu respeito, uma vez que foi sua mãe quem participou de todos os atos de internação e desinternação de seu filho.

 

Como se pode verificar tratam-se os garotos analisados, segundo a classificação de Farias Júnior, de exógenos mesológicos, os quais são influenciados pelos meios em que nasceram e vivem. Não possuem qualquer suporte para se ver livre das influências negativas que recebem, por conseguinte são impelidos para o mundo maléfico do crime seja para saciar a fome, seja para saciar o vício, sair da miséria em que vivem.  Assim o são e dificilmente serão morigerados pelos tratamentos recebidos nos reformatórios. Dessa forma, recebem, quando da formação de sua personalidade influxos maléficos que os condicionam à vida criminosa, logo na fase adulta permanecerão como são, caso não ocorra o milagre da recuperação, que é dificultada ainda mais pelos sistemas carcerários atuais. João Farias Júnior diz o seguinte sobre os influxos deletérios recebidos pelo exógeno mesológico (1978, p. 18):

 

O certo é que, em sociedade, o indivíduo estará sujeito a receber a transfusão de influxos deletérios e, muitas vezes em fase de formação de sua personalidade, em estado de inconsciência, de impotência, de imponderabilidade e sem condição de fuga ou defesa.

 

Dessa forma surge a personalidade criminosa do indivíduo, trazida para o mundo dos crimes como um exógeno mesológico, num momento em que ele se encontra em fase de formação de personalidade, o que é de muito difícil e às vezes impossível reversão.

 

Com efeito, devido ao consumo de drogas, tais crianças podem se transformar num mesoendógeno ou patoendógeno, os quais serão objeto de estudo mais adiante nos subitens 3.2 e 3.3, dificultando ou impossibilitando assim qualquer tratamento no sentido de recuperação. 

 

Dessarte, após o cometimento de uma infração, foram capturados, tendo o magistrado proferido a sentença, a qual no caso de Túlio só foi cumprido o castigo por um tempo, pois a ação, que poderia ser morigeradora também determinada na sentença, qual seja, o tratamento de desintoxicação, não ocorreu. Apenas houve o castigo de ter-lhe privada a liberdade, o remédio para curar-lhe, ou ao menos tentar curar a causa do mal que cometeu, ou ao menos tentar, não lhe foi ministrado. Logo, corrobora a ideia de que o Estado aplica um tipo de medida (internação), a qual possui todas suas contradições como já discorrido, pois é semelhante à pena privativa de liberdade, mas não é capaz ou não tem interesse de ao menos cumpri-la da forma como tem que ser cumprida, ou seja, educando o indivíduo para não retornar ao crime, o que traz por conseqüência a ineficácia da medida, pois esta por si só já é ineficaz, mas ainda é aplicada de uma forma a fim de que não haja qualquer chance de milagres de correção e inserção social. 

 

A falta do tratamento de desintoxicação, as práticas de torturas, ainda mais por motivos fúteis, deixam os internos ainda mais revoltados, os quais saindo por qualquer meio, retornam aos crimes, à marginalidade, indo ao encontro do ciclo vicioso internação, ato infracional até chegar à maioridade e se deparar com outro ciclo vicioso prisão, crime, até à sua morte. Sem o tratamento de desintoxicação, após a internação, o garoto certamente continuará suas práticas delituosas para saciar ao menos seu vício. Após a internação, voltando às ruas, continuará nas práticas que o levaram ao reformatório, o que ocorreu.

 

É óbvio, clarividente, certo, que após a internação sem nenhum tratamento antidrogas, o viciado, com certeza, retornará às práticas criminosas para saciar seu vício. Por conseqüência, o menor se tornará um maior criminoso, que ingressará no sistema carcerário, rodando no ciclo vicioso. 

 

Mas talvez haja um modo preventivo para encarar esses problemas antes da internação dos meninos em reformatórios, pois nos grandes centros urbanos é notória a quantidade de crianças em situação de abandono como veremos no documentário analisado a seguir, o qual trata dos garotos do semáforo, os quais podem ser recuperados antes de serem internados, vez que já detectada a causa, a formação do exógeno mesológico. 

 

O segundo documentário analisado foi Garotos do Semáforo[2], o qualserá objeto de reprodução de alguns trechos, a partir daqui. Trata-se de crianças e adolescentes que pedem trocados nos cruzamentos mais movimentados da cidade de São Paulo: crianças a partir de 4 anos de idade, expostas a todo o tipo de acidentes, sol, doenças, pedofilia, vícios etc. Filhas de pais, quando os têm, sem nenhuma estrutura psíquica, material. São obrigadas a pedir para sustentar a si, a seus vícios, às mães ou a outras pessoas com mais idade (aliciadoras), vivendo sem nenhuma dignidade, aquela do art. 1º, inciso III, da Constituição Federal (VADE…, 2013, p. 67):

 

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

 

(…) III – a dignidade da pessoa humana;

 

São expostas as histórias de várias crianças que pedem nos semáforos da cidade de São Paulo. Numa rotina de 4 meses acompanhando esses garotos, houve muito o que contar sobre essas crianças na reportagem.

 

Aqui, faremos uma abordagem daqueles garotos que chamaram mais a atenção no documentário Garotos do Semáforo.

 

Wesley

 

O primeiro caso é de um garoto para o qual foi dado o nome fictício de Wesley, o qual possui apenas 13 anos de idade, não tinha parte do membro inferior esquerdo, o qual perdeu num acidente em um trem, quando pegava rabeira. Esse garoto afirmou que usa maconha, cheira cola de sapateiro, cigarro e solventes de tinta. Aduziu que já havia roubado mulheres. Encontrava-se há 4 anos morando nas ruas, longe da família, a qual reside numa favela, num barraco sem nenhuma estrutura cuja mãe já tinha 10 filhos e estava grávida de 8 meses.  Um de seus irmãos também vivia na rua. Este, drogado, disse que seu sonho era continuar na rua com seu irmão usando drogas. Os garotos disseram ter saído de casa, pois os pais lhes batiam.

 

Com sua muleta, Wesley anda pelas ruas de São Paulo à procura de esmolas, tendo destaque pela sua condição física. Mas o dinheiro que arrecadado vai para as mãos de uma traficante de drogas que atua no centro de São Paulo, de quem compra as drogas por ele mencionadas acima. O nome/apelido dessa traficante é Babi, a qual também consome as drogas que vende aos garotos e, provavelmente, teve sua infância do mesmo modo de seus clientes atuais. Claro que seu fornecedor não foi encontrado e nem mencionado na reportagem. 

 

Durante a noite, o consumo de drogas aumenta e essa traficante chamada Babi faz a distribuição a centenas de crianças numa praça da cidade de São Paulo, sob a vista de quem quiser ver. Após acabar o trabalho, ela usa a droga que sobrou.

 

Durante o dia, a rotina retorna após um sono profundo de quem utilizou muita droga à noite. Novas esmolas, novos crimes para nova consumação de drogas e assim é o cotidiano desses garotos abandonados.

 

O garoto Wesley continua sua missão de pedir esmolas nos faróis. Tendo sido perguntado sobre sua família, responde que eles estão em casa e que sabem de sua situação, mas, determinado, diz não querer voltar para casa, sob o argumento de que seus pais lhe batem e já se acostumou na rua, a usar drogas. No entanto disse temer por sua vida, pois muitas pessoas nas ruas de São Paulo já foram incendiadas enquanto dormiam.

 

A equipe de reportagem sugere ao garoto que ligue para os pais, ele concorda. Liga, ao que parece, para um telefone público, e pede para que chamem sua mãe. Esta se chama Cláudia, com quem o garoto conversa, pergunta sobre seu pai, diz estar com saudades.

 

Nessa toada, depreende-se que se trata de uma criança de 13 anos de idade que, não fossem os influxos deletérios que recebe do meio em que nasceu e vive, bem como as drogas, levaria uma vida normal, como cidadão comum, pois possui sentimentos, sonhos, sufocados pelo meio em que nasceu e vive.

 

A equipe de reportagem sugeriu que o garoto retornasse ao seu lar, ao menos para uma visita, logo o garoto concordou, desde que fossem levados presentes aos seus irmãos. No caminho para sua casa, ele relembra da escola em que estudou, dos locais que passou parte de sua infância. Chegando à casa em uma favela de São Paulo, sem qualquer conforto, em uma situação precária, é recebido por sua mãe, a qual possui 10 filhos e está grávida de 8 meses. Esta o recebe com muito carinho e afago.

 

Enquanto os repórteres conversam com a mãe do garoto, este, em diálogo paralelo ao fundo, pergunta aos irmãos se o pai ainda lhes bate.

 

A mãe, muito simples, bem emocionada, diz saber que o filho Wesley e seu irmão usam drogas nas ruas, mas ela não pode ou não consegue fazer nada a respeito.

 

Não é dito no documentário a que horas eles chegaram a essa casa, mas quando o garoto Wesley pergunta sobre o pai, a mãe disse que ele estaria no quarto. A equipe chega com o garoto a esse local, onde o pai se encontrava aparentemente dormindo.

 

Com fisionomia de um alcoólatra, ao revés de receber o filho com afago, carícias, como fez a mãe, já vai logo dando uma bronca e determinando que o filho mude de vida. Perguntado se bate nos filhos, ele nega, dizendo que nunca agrediu o filho.

 

A mãe e o pai, após conversar com o filho e com os repórteres, convidam o garoto para tomar um banho, presumindo que este ficaria em casa. Mas o garoto disse que iria pensar se ficaria ou não. Percebendo que corre o risco de ser mantido em casa e não voltar às ruas, tem o garoto Wesley uma crise de choro e não deixa que os pais o coloquem no banheiro, esperneia, grita, se joga no chão, mas os pais o seguram e ele fica em casa.

 

No decorrer da reportagem, é sabido pela equipe que o garoto ficou apenas dois dias em casa, após o que fugiu novamente para as ruas e se encontra na mesma situação de outrora.

 

Diante disso denota-se que esse garoto foi extrema e maleficamente influenciado pelo meio em que nasceu e que vive, que possui valores, emoções, sentimentos, uma criança que não é portadora de nenhuma doença mental, ao que parece, que o leve a cometer infrações. Assim o faz pura e simplesmente para manter seus vícios e sua fome. Por conseguinte, as infrações que o garoto comete hoje deverão ser maiores amanhã. 

 

Dessa forma, quando for capturado pela prática de infrações, dirá que é inocente, que nada fez, ainda que tenha praticado a maior atrocidade, como no caso de menores drogados que arrastaram e mataram um garoto no Rio de Janeiro, chamado João Hélio, cujo assunto teve grande repercussão na mídia nacional e até mesmo internacional.

 

Logo, estamos diante de um caso típico de exógeno mesológico, o qual é um infrator em potencial, que está apto a ser curado antes que pratique as atrocidades que são mostradas diariamente na mídia. Nessa toada, se faz oportuna a menção das indagações e conclusões de Von Liszt (apud MARTINS, 2006, p. 71-72):

 

(…) “Por que castigamos somente depois de ter sido praticada a delinqüência?”

 

De fato, por que somente se procura curar os homens que ficaram doentes?

 

Por que não curar também os sadios?

 

Ambas as perguntas são equivalentes. Assim como por curar chamamos a atividade do médico destinada a combater a doença, chamamos de pena unicamente à atividade do Estado, provocada pelo delito, que lesiona o delinqüente.

 

Isto não exclui, nem em um nem em outro caso, a tarefa profilática. Por que não reformar as escolas e instituições policiais em vez de castigar?

 

Nessa vereda, impende salientar que no caso em tela já se tem diagnosticada a doença, não se trata aqui de curar os sadios, como bem é feita a indagação. Já que se tem um diagnostico de câncer em fase inicial, por que não o tratar antes que tome o corpo todo e seja irradiado para fora deste contaminando, prejudicando e gerando consequências a outras pessoas? Se há vírus HIV espalhados por toda a sociedade, por que não usar o preservativo e prevenir a contaminação a doença? Por que se omite a fim de que vários sejam contaminados e irradiem as conseqüências dessas doenças para a sociedade?

 

Outro caso também cuja doença pode ser curada antes de tomar todo o corpo e irradiar para outras pessoas é este: muita atenção também foi chamada por uma criança de 4 anos que se encontrava nos semáforos a pedido de sua mãe. Nos cruzamentos da cidade de São Paulo, muito movimentados, sujeito a todo o tipo de perigo, a pedido da mãe, que fica esperando o dinheiro por perto do local em que fica o garoto. Será essa a criança um futuro juiz, promotor de justiça, deputado, senador, empresário, advogado ou será ele o futuro delinqüente que comete latrocínios, roubos, e todo o tipo de atrocidade? Será que esse é o indivíduo que o Senador Magno Malta diz não ser criança e deve perder sua menoridade quando cometer algum crime hediondo. Veja o que ele diz em uma entrevista ao jornal A Tribuna de Vitória-ES (MALTA, 2010):

 

Essa piada tem que acabar, disse o senador do PR sobre os menores infratores que usam a idade para se livrar da punição. Minha proposta é a seguinte: qualquer cidadão brasileiro que cometa crime com natureza hedionda, que perca sua menoridade e seja colocado na maioridade para pagar as penas da lei. (…) Um sujeito com 16 anos incendeia ônibus, rouba o motorista, mata taxista e fala assim: ‘Vai chamar a polícia, otário, porque eu conheço meus direitos’. Isso é o fim do mundo. Será que um homem que mata, que sequestra, que estupra é criança? Não, não é”, frisou.

 

Denota-se, pois, que, quando alcançar uma idade, esse garoto pelos influxos deletérios que recebe não deverá prosperar nos seus intentos benéficos, pois nada disso recebeu quando de sua infância. Dessa forma, o garoto em questão só pode tornar-se um exógeno mesológico, caso não haja um desvio nesse caminho maldito, sem o que não haverá que se falar em inserção social após sua internação, ou de sua prisão, quando alcançar a maioridade. Entretanto, pode se salvar essas crianças, com acolhimento, pois encontram-se abandonadas, e não com aplicação de castigos, inclusive físicos, após o cometimento de infrações, pois estas são inevitáveis devido à condição em que vivem. No entanto, os legisladores, querem cuidar dos efeitos do problema e não da causa, com intenção de aprovar leis que punam ainda mais essas crianças que nada receberam de benfeitorias. Será que isso intimidará essas crianças que nada tem ou intimidará os adultos que elas se tornarão.

 

  1.     Logo, caso logrem êxito na prática de atos que, na sua visão, são corretos, embora não o sejam, praticarão de forma habitual e rotineira, colocando até seus próprios filhos para praticarem tais atos, pois isso é o correto, na perspectiva desses indivíduos, classificados como exógenos mesológicos. É o que se depreende no documentário analisado a seguir, cujos atores vêem os grandes traficantes das favelas brasileiras como seus ídolos, pois estes lhes dão o que comer, não precisam mendigar nos faróis, nem roubar para se manter, é só trabalhar para o tráfico dentro das favelas.
  2.   Trata-se de um documentário gravado entre os anos 1998 e 2006, em que o cantor MV Bill e o produtor Celso Ataíde percorreram comunidades pobres de todo o Brasil e registraram em 90 horas de filmagem a rotina dia e noite desses jovens sem futuro, os quais trabalham no tráfico de drogas, crianças que carregam armas e morrem cedo demais. São denominados falcões. Essa parte do trabalho destina-se a reproduzir trechos do documentário Falcão Meninos do Tráfico.[3]

 

Bill, produtor desse documentário, diz que teve a ideia desse mister, tendo em vista que vive de perto a realidade desses meninos, mas sempre observou eles serem analisados por antropólogos e sociólogos, especialistas na área de segurança, os quais não vivem a realidade do mundo das favelas brasileiras. Logo, esse documentário tem o condão de mostrar essa realidade de outra perspectiva, a dos próprios jovens do tráfico, os quais sempre são colocados como o vilão de toda a tragédia, como bem asseverou Magno Malta ao mencionar a perda da menoridade para aqueles que cometerem crimes hediondos.

 

Desse modo o MV Bill aduz que o problema deve ser mostrado, pois os atores dessa desgraça talvez nem façam parte de qualquer estatística a princípio, só aparecerão nelas depois de mortas. Declara ainda que o problema deve ser analisado, pois até pode ser resolvido, mas precisa ser mostrado, pois se continuar escondido como sempre ficou, as pessoas continuarão ignorando. Ignorando quem vende droga, quem a compra, quem morre, quem mata.

 

Um dos jovens entrevistados falou sobre o crack: disse que o efeito do crack é devastador, pois acaba, deforma totalmente a pessoa; após um mês de uso, a pessoa que estava saudável fica magra, com fisionomia de uma pessoa idosa, perde os dentes. Sabem que o crack prejudica, destrói famílias, causa um caos, mas declara que é dele que ganham o dinheiro. 

 

Abaixo segue uma suma de alguns assuntos abordados no documentário:

 

A corrupção policial

 

Em outro momento, um dos jovens traficantes disse ter sido capturado pela polícia, que esta lhe bateu muito, pois foi pego com maconha e cocaína, no entanto negociou com os policiais e para eles ficou devendo R$ 500,00 (quinhentos reais) para não ser preso, o que pagará no próximo plantão quando estará a serviço novamente. Por isso o garoto foi questionado se os policiais são bons ou ruins, já que confiaram em deixar o garoto solto, sob a promessa de um pagamento posterior. Ele respondeu que aos policiais é oferecida uma quantia em dinheiro para que eles deixem o trabalho do tráfico em paz. Que há alguns policiais que são comprados com dinheiro, drogas, arma etc. Aduziram que o valor em cada plantão para os policiais é de R$ 800,00, R$ 1.000,00, há policiais que aceitam R$ 500,00, R$ 400,00 e R$ 300,00 a fim de que eles deixem os traficantes trabalharem. Por fim, declarou que não são amigos, pois se vêem algum falcão com arma, eles atiram para matar. 

 

Sobre esse assunto, um garoto disse que se o crime de tráfico de drogas acabar, a polícia também acaba, pois o tráfico de drogas é quem dá dinheiro para a polícia, pois o salário dos policiais é pequeno e o tráfico o complementa. Logo conclui que o tráfico de drogas não acabará tão cedo.

 

O fascínio por armas – o respeito

 

Um dos garotos diz que as moças vêem as armas com eles e logo ficam fascinadas querendo estar junto com o detentor dessa arma de fogo, mas se não tiver um fuzil ou uma pistola na mão não é nada, pois essas armas lhe dão o respeito.

 

O lazer do garoto traficante 

 

O mesmo garoto aduz que o seu lazer é ir para um baile, usar maconha e depois dormir com mulheres, as quais são muitas que gostam dormir com os garotos traficantes, detentores de armas.

 

O que é para eles serem favelados

 

Um dos garotos respondeu que é como não vivesse na sociedade, pois mora no morro, logo não são nada. Portanto estão ali para o que der e vier, se vier inimigos de outros morros, aeronáutica, exército, marinha, eles protegem os moradores do morro.

 

Dessa forma, os garotos traficantes ajudam os moradores da favela, dentro do possível, comprando um gás, uma bola pra uma criança, material escolar etc. Por conseguinte foi indagado se essa assistência seria pouca, já que vende a desgraça, e ajudando uma ou duas famílias a comprarem gás não haveria qualquer compensação. Respondeu que ajudam a favela, mas se eles denunciarem são mortos, independente de quem seja. Questionado se isso seria certo, respondeu que ninguém ali prejudica moradores, logo eles não podem lhes prejudicar.

 

Denunciantes dos traficantes: X-9

 

X-9, segundo o documentário, seria aquele que denuncia algum traficante em troca de dinheiro, o qual deve ser morto pelos traficantes de forma cruel, caso seja descoberto.

 

A Fábrica de drogas

 

Os garotos dizem que a droga vem de fora do país, mas não disse de que modo ela chega até eles, apenas que os amigos a trazem.

 

Um garoto da fábrica disse que ali os garotos não usam o que empacotam. Ele, por exemplo, disse não fumar, não cheirar e não beber, que é um cara que nem era para estar ali, no entanto isso é o que os governantes querem, pois eles não ligam para nada. Os garotos têm pouco estudo, outros nem estudaram, logo para trabalhar é muito difícil e além do mais são discriminados por serem favelados. Portanto, a única saída é recorrer ao tráfico para sobreviver e manter a família, logo não terão futuro, não terão nada. Sabem que a vida no tráfico é sem futuro, porém ali estão ganhando ao menos o pão e sendo bem tratados ao revés de largado.

 

Vários garotos declararam algo nessa ocasião: outro disse não ser bandido, e que está ali porque precisa ajudar na sua casa e não ver sua mãe sofrendo, mas se a polícia chegar ali o tratará como bandido, podendo até o matar, mas não é bandido. Diante disso, foi questionado sobre seus filhos, quando eles crescerem um pouco mais, qual será o seu ato para que a droga que está sendo embalada por ele não chegue até os seus filhos? Respondeu que fica meio constrangido com a pergunta, logo disse que se tiver oportunidade pretende sair dessa, mas por enquanto sua vida é essa mesmo, pois dali que advém sua sobrevivência.

 

Fiel

 

Diz-se do iniciante no crime e da pessoa que o inicia. Um fiel iniciante foi entrevistado, mas também disse não ser criminoso, embora ande no meio dos traficantes, fazendo alguns serviços, que não são considerados crime, como comprar lanche, buscar gasolina para as motos etc. Disse que bandido é só aquele que anda com arma na mão, vende a maconha, a cocaína. Os traficantes antigos aliciam garotos, que se iniciam dessa forma, após o que são contemplados com armas e passam a trabalhar efetivamente no tráfico de drogas.

 

Outro garoto que se intitula fiel foi entrevistado, sua idade não foi revelada, mas aparentava ter cerca de 10 anos de idade. Na entrevista disse que gosta de andar com bandido, pois muitas pessoas gostam de tratar mal o menor, mas quando eles iniciam na vida do crime, tudo começa a mudar, já que são respeitados. Dessa forma, disse que quando crescer quer ser bandido, pois os bandidos lhes dão dinheiro, dão-lhe assistência, em troca de alguns favores como comprar lanche, gasolina para as motos. Com isso, declarou que seu maior ídolo hoje seria o bandido que lhe dá assistência, seu fiel.

 

Um terceiro garoto entrevistado que também ajuda os bandidos, não com o tráfico, mas com favores não tipificados como crime, disse que não quer ser bandido, mas se não conseguir uma coisa melhor, um emprego, se não conseguir ajudar sua família, terá que ser bandido, o que já está quase ocorrendo.

 

Declarações e histórias de alguns garotos traficantes

 

O entrevistado diz que não aconselha nenhum menor entrar na vida do crime, pois hoje está vivo, amanhã pode estar morto. Sua mãe já possui três filhos que morreram no crime.

 

Dos menores entrevistados, é relatado que nenhum deles possui um pai presente, ou não conheceram o pai ou este é ausente. Um deles disse que tem esperança e conhecer o pai, no entanto quando pensa nele, sente-se revoltado. Outros dizem que os pais só chegavam à casa para lhes bater. De outros, o pai foi morto por policiais ou por bandidos.

 

Outra história que chamou a atenção foi de um garoto de 17 anos de idade, o qual disse que antes de entrar para o crime era membro da Igreja Universal, mas quando seu pai foi embora de casa, sua mãe faleceu e sua tia começou a lhe desprezar, ele entrou para a vida do tráfico de drogas, onde está há sete anos. Disse que o seu desejo seria ter o amor de uma mãe, de uma tia, para sentar e conversar, mas como não teve isso, a vida do crime foi seu refúgio, caso contrário não se entregaria ao tráfico de drogas. Isso ele falava, enquanto preparava um cigarro de maconha. Aduziu que se encontrava ansioso para completar 18 anos e que após isso deixaria a vida do crime, procuraria um quartel militar para se alistar, após o que procuraria emprego digno. Seu sonho era conhecer um circo, pois sua mãe prometeu levá-lo ao circo, mas não conseguiu cumprir sua promessa. A equipe de reportagem realizou seu sonho. Continuando a reportagem, o garoto disse que gostaria de ser palhaço no futuro, ou melhor, se saísse da boca naquele momento, iria procurar um curso de circo. Entretanto, um ano depois, a equipe de reportagem voltou à boca em que o garoto foi entrevistado, e encontrou o garoto, agora com 18 anos, e ele continua na mesma vida do crime, no entanto disse que só deveria resolver alguns assunto, mas até o outro dia estaria fora da boca e procuraria um trabalho, pois estava fazendo aniversário naquele dia. Disse que, saindo da boca, iria procurar sua tia, pois sente muita falta dela e de sua família. Mas não houve o desfecho dessa história.

 

Muito impactante foi conhecer a vida de um garoto, cuja idade não foi revelada, mas aparentava cerca de 11 anos de idade. Disse ser ladrão e que rouba porque ninguém lhe dá nada, diz que rouba para viver. Com o dinheiro, diz que usa drogas, maconha e cocaína. A equipe pede que ele conte sobre seu dia, mas o garoto diz que não pode contar do seu dia, pois durante o período diurno dorme, enquanto que à noite fica acordado, porque durante o dia tem muita polícia na favela. Durante a noite os policiais são subornados para não entrar na favela, e caso entre são recebidos à bala. Perguntado sobre o que faria com muito dinheiro, disse que compraria uma moto, uma casa, traria sua mãe para morar com ele, pois onde ela mora é muito ruim. Questionado sobre outras crianças que não roubam, respondeu que elas não precisam, porque tem pais com dinheiro, logo nem pensam em roubar. Foi indagado também se às vezes chora pelas condições de vida que leva. Disse que não, pois sempre está se drogando, logo não fica triste com nada, não pensa em nada, que só ri, que só tem alegria, enquanto tem dinheiro. Quando este acaba, tem que roubar novamente. Disse não estar preparado para a vida do crime, mas o que aparecer, ele faz. Disse ainda ser muito novo e ter muito para curtir na vida. Foi perguntado também se ele morrer ao participar de alguma ação criminosa, ao que respondeu que se morrer, nasce outro, ou melhor, ou pior do que ele, e se isso acontecer ele descansaria, pois essa vida é muito cruel. Infelizmente, esse garoto foi acompanhado até os 17 anos, quando morreu baleado ao tentar roubar um veículo. Ele já tinha um filho, bebezinho ainda. Já tinha sua companheira, para quem falava que sairia do crime após comprar sua casa.

 

Outros garotos também morreram durante as gravações, com outros se perdeu o contato, não se tem notícia.

 

Vários garotos traficantes sabem que a vida no crime é sem futuro, muitos declararam que o destino é cadeira de rodas, cadeia ou morte.

 

Brincadeira na favela

 

Na favela, as crianças ainda menores brincam. Mas sua brincadeira é de tráfico de drogas e de crime. Usam pedaços secos de madeira para simular que seja maconha, armas de madeira etc. Simulam a compra de drogas. As crianças querem imitar os bandidos, desde muito cedo, mas as imagens parecem muito reais. As crianças que brincam dessa forma, dizem que é somente uma brincadeira, que nada tem a ver com o tráfico de drogas. Na brincadeira, tem o suborno a policiais, os indivíduos que entregam os bandidos (X-9), os quais são mortos de forma cruel. No entanto no momento em que as crianças brincam, simulando que matavam um X-9, bem perto dali ouve-se som de tiros, seria um X-9 sendo morto por traficantes.

 

Uma mãe desesperada por seu filho

 

Na favela, uma mãe, revoltada, diz que seu filho de 3 anos incompletos já conhece o que é fuzil, o que é pó, maconha, tiro, tráfico. Diz que o filho reconhece o cheiro de maconha. Mas a mãe diz que quer mostrar a ele o que não é o tráfico, o que o mundo tem de bom para lhe oferecer.                 

 

Ao final do documentário MV Bill declara não saber ao certo o papel exato do documentário, pois solucionar não é, pois ninguém tem essa resposta, haja vista que ninguém conseguirá resolver, no entanto isso será mais um instrumento para ajudar a repensar as leis, o conceito de humanidade, pois esses problemas são ignorados pelas autoridades públicas. Mas isso tem que ser mostrado sim, não só esse, mas como outros problemas para que as pessoas discutam e até façam uma reflexão e vejam se é realmente esse o Brasil que queremos, ou a gente tem um Brasil só ou dois brasis. Parece que estão cuidado mais de um e esquecendo do outro, no entanto este está crescendo e se transformando num monstro, do qual já se perdeu o controle, e está engolindo todo mundo.

 

Diante dessa suma do documentário televiso, denota-se que os garotos sujeitam-se ao tráfico de drogas e outros crimes correlacionados, haja vista estarem inseridos no meio marginal (ao revés de social) do mundo das favelas, sendo classificados, segundo Farias Júnior (1978), como exógenos mesológicos.

 

Dessa forma, caso não morram, como ocorreu com 16 garotos do tráfico de drogas, entrevistados no documentário, perseguirão os cubículos imundos e frios do sistema carcerário brasileiro, após o que entrarão no círculo vicioso, prisão, crime, pois condicionados estão a retornar ao mundo marginalizado em que viviam ao revés de serem inseridos no meio social, até que chegue a morte, pois a faixa etária dos encarcerados brasileiros é baixa, haja vista que morrem cedo, não porque ressocializaram. Isso se depreende à medida em que é analisada a faixa etária dos reclusos do sistema carcerário nacional, explicitada por Batista (2010) “outra preocupação das autoridades é que cerca de 70% dos encarcerados são jovens de 18 a 24 anos”. 

 

Logo essa é a realidade que os falcões vivem nas favelas e por meio dela é que se transformam em monstros que matam e morrem sem nenhum critério, que traficam, roubam, cometem latrocínios. Essa é a causa dos efeitos que são sempre analisados, não chegando a uma conclusão.

 

Diante de tudo isso, denota-se que nos três documentários tratam os garotos de exógenos mesológicos, pois eles possuem sensibilidade, sentimentos, emoções, mas o senso ético e moral foram perdidos devido ao meio em que nasceram e vivem ou viveram. Logo, não há que se falar em ressocialização para esses tipos de indivíduos, que crescerão e serão presos no sistema carcerário brasileiro, ainda que todos os direitos dos presos fossem respeitados.

 

Neste último documentário analisado, denota-se que os garotos nasceram, vivem ou viveram no meio da favela, não possuem contato com outro mundo e desde pequeno são cuidados pelos traficantes. A partir de muito cedo, eles conhecem o que é maconha, cocaína, armas. Sujeitos ao abandono, pela falta de estrutura familiar, falta de dinheiro e de oportunidades, são impelidos à prática do tráfico de drogas e crimes com esse relacionado. Caem no vício muito cedo e por conseqüência não conseguem mudar de vida.

 

No primeiro documentário analisado, Pequenos Infratores, ocorre semelhantemente a mesma coisa, pois os garotos cometeram atos infracionais devido às condições em que vivem, qual seja, abandono, sem família, vivendo nas ruas, sem o pai, sem qualquer assistência da sociedade e do Estado. Dessa maneira, cometeram tais atos e são levados ao cárcere, após o que ao alcançar a maioridade continuam na mesma vida e são levados ao sistema carcerário para adultos. 

 

Na reportagem Garotos do Semáforo, trata-se de garotos que pedem nos cruzamentos, muitos deles também cometem atos infracionais. Utilizam as esmolas para saciar não somente sua fome, mas também seus vícios. À vista de todos estão ali, em abandono, mas são deixados nessa situação, logo passarão a cometer os mais terríveis delitos e por conseqüência tornar-se-ão maiores delinqüentes, mas isso não é tratado. São analisados o sistema prisional, a forma de cumprimento da pena, o Direito Penal somente após a consumação das atrocidades praticadas. Os efeitos, não as causas. 

 

Dessarte, depreende-se que, em todos os documentários analisados, tratam-se os atores de exógenos mesológicos, para os quais não foi dada qualquer assistência de maneira a afastá-los do crime, ao contrário, fomentaram-lhes e os impeliram para este mundo. Após o cometimento de infrações são condenados à prisão, com todas suas contradições e falta de cumprimento das leis, por conseqüência de tudo só tendem a reincidir. E o pior é que em 1978, quando Farias escreveu sua obra, que já se tinha notícia de que cerca de 60% dos encarcerados eram considerados exógenos mesológicos, como bem explicitado (FARIAS JÚNIOR, 1978, p. 19):

 

Enquanto o exógeno circunstancial alcança um índice de aproximadamente 30%, o exógeno mesológico chega a 60% dos delinqüentes brasileiros.

 

O maior índice desse contingente é o formado por reincidentes, chegando a beirar a casa dos 70% em determinadas áreas.

 

Com base nisso, depreende-se que apenas 10% em 1978 deveriam estar presos, com o tratamento adequado à sua condição, já que estes tratam dos mesoendógenos e patoendógenos, os quais devem receber tratamento médico (psiquiátrico e psicológico) e não as ações morigeradoras do exógeno mesológico ou o crivo da provação para exógeno circunstancial. Os 70% de exógenos mesológicos poderiam ser tratados antes das práticas dos crimes, já que são de fácil constatação, como se pode ver pelos documentários apresentados, garotos de rua, de favelas, os quais jazem na miséria, na extrema pobreza, na falta de assistência.

 

Comparando com a atualidade, pode-se dizer que a maioria dos encarcerados do sistema prisional são exógenos mesológicos, haja vista as afirmações contidas no relatório da CPI do Sistema Carcerário, o qual é uma declaração do próprio relator da CPI, Deputado Domingos Dutra que diz o seguinte: “Por onde nós andamos não encontramos colarinhos branco presos. Só encontramos presos os pobres, os lascados”. (Brasil, 2009, p. 70, grifo do autor). Abaixo seguem ainda outros dados que corroboram essa idéia, os quais são advindos do relatório da referida CPI:    

 

Em relação ao grau de instrução, 8,15% dos presos são analfabetos, 14,35% são alfabetizados, 44,76% possuem o ensino fundamental incompleto, 12,02% possuem o ensino fundamental completo, 9,36% o ensino médio incompleto, 6,81% o ensino médio completo, 0,9% o ensino superior incompleto, 0,43% o ensino superior completo, menos de 0,1% nível acima do superior completo. Não foi informada a escolaridade de 3,14%. (Brasil, 2009, p. 73)

 

[…]

 

Não existem dados indicativos do perfil carcerário brasileiro no que tange à renda, à estrutura familiar, à religião e ao tempo de encarceramento do preso provisório. (Brasil, 2009, p. 74)

 

É afirmada tal assertiva, pois, ao revés de despender recursos com as penitenciárias e todo o aparato para manter presos ociosos no sistema carcerário, dever-se-ia racionalmente investir na causa da marginalidade, inserindo esses marginais na sociedade antes que incidam em atos delituosos, que assolam a sociedade, fazendo com que esta se prive de muita coisa e gaste milhões e milhões com segurança privada.

 

Dessa maneira denota-se que os encarcerados hodiernos classificam exógenos mesológicos, levando em conta a teoria sociológica que busca explicar a gênese do crime, como bem assevera Oliveira (1992, p. 54), aduzindo que a teoria sociológica se define da seguinte forma: “Entende que as pressões e as influências do ambiente social geram o comportamento do delinqüente”.

 

Nessa senda, se os exógenos circunstanciais forem colocados dentro da prisão juntamente com o exógeno mesológico passarão a ser influenciados por estes e se transformarão em mesológicos.

 

Caso não sejam tratados os exógenos mesológicos, que eram a maioria dos criminosos em 1978 e são a maioria dos criminosos atuais, estes podem se transformar, devido ao contato com todos os tipos de drogas existentes, em mesoendógenos ou patoendógenos, os quais são objeto do subcapítulo seguinte.

 

O que ocorre atualmente é justamente o caminho a fim de perseguir a transformação dos infratores menos perigosos em mais perigosos, ou seja, a ascensão do exógeno circunstancial, passando por exógeno mesológico, mesoendógeno até chegar ao patamar de um patoendógeno.

 

3.3 Mesoendógeno e Patoendógeno

 

Tendo em vista a etiologia da palavra endógeno tem-se que seria o que é originado do interior do organismo, ou por fatores internos (FERREIRA, 2002, p. 264).

 

Assim, o autor refere-se ao mesoendógeno:

 

O MESOENDÓGENO é aquele cujo comportamento delituoso foi plasmado por dois fatores: influências malsãs do meio e distúrbios ou disfunções psicossomáticas em forma branda e ainda passível de regressão. São personalidades de conduta anômala mas que não chegam a ser doentes mentais ou psicóticas. Dependendo do rumo que tomar o tratamento é possível que uma certa percentagem venha a se recuperar.

 

O tratamento é psicológico, sociológico e psiquiátrico.

 

Desse modo, nota-se que o tratamento não deve ser realizado em sistemas prisionais, mas sim em Casa de Custódia e Tratamento e Manicômio Judiciário (FARIAS JÚNIOR, 1978, p. 162)

 

Farias Júnior aduz que esse tipo de infrator alcança quando muito 6% da população carcerária (FARIAS JÚNIOR, 1978, p. 160)

 

Aduz o autor que o trabalho para este tipo de delinqüente deve ser artesanal e sempre acompanhado de máxima cautela, já que eles não podem portar maquinários de manuseio perigoso. Tal labor denomina-se praxiterapia (FARIAS JÚNIOR, 1978, p. 159).

 

Já o patoendógeno Farias Júnior (1978, p. 163) fala o seguinte:

 

O PATOENDÓGENO é o delinqüente que sofre de perturbação estruturada da mente ou de doença mental, sendo em princípio, irrecuperável. Aqui, estão incluídos os esquizofrênicos, parafrênicos, oligofrênicos, maníacos depressivos, epiléticos e outros, que na situação atual devem ser recolhidos ao Manicômio Judiciário.

 

Dessa feita o mesoendógeno, segundo Farias Júnior (1978, 163) não atinge 4% dos sentenciados, devendo ser tentada sua cura por meio psiquiátrico e praxiterapia, visto que ínfima a percentagem de êxito na cura de tais delinqüentes.

 

 ONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Considerando tudo o que foi abordado, com mais atenção aos tipos atuais de penas aplicadas, em especial a de prisão e a forma de seu cumprimento, bem como o descumprimento das leis que dispõem sobre como esta pena deverá ser cumprida, bem assim que o cunho principal da pena é a ressocialização, conclui-se que há uma ineficácia da pena de prisão no que diz respeito ao fim precipuamente pretendido, que seria a transformação de criminosos em não criminosos, ou seja, a inserção dessas pessoas no meio social. Isso, porque não havendo a ressocialização a pena não tem nenhum sentido, ademais só haverá fomento ao crime, a tendência é que o indivíduo continue nas práticas delituosas, o que o levará novamente à prisão, criando um círculo vicioso prisão, crime até chegar sua morte, por vezes e na sua maioria prematura.  

 

Isso é corroborado pelos índices de reincidência daqueles que tem privada sua liberdade, bem como a faixa etária dos que se encontram presos, conforme já mencionado no corpo deste trabalho.

 

Dessa forma, há uma busca pelo sistema ideal de recuperação do delinqüente, o que foi objeto da obra do autor Farias Júnior, bibliografia utilizada para fundamentar esta monografia.

 

Esse autor classifica os infratores de forma etiológica, ou seja, busca enquadrá-los de acordo com a causa que os levaram a essa condição. No entanto, sua obra se atém a um tratamento aos infratores após o cometimento dos delitos, porquanto também sua classificação é finalística/teleológica, como já bem demonstrado no trabalho.

 

Ocorre que nessa obra e em outras tantas que tratam do tema não se vislumbra um enfoque ao tratamento de potenciais infratores ou àqueles que ainda não foram capturados, mas já infringiram a lei por diversas vezes, os quais cometeram e voltarão a cometer crimes até que sejam presos, ficando nesse período sem cometer delitos, após o que reincidirão quando forem soltos, do mesmo modo não há uma política intensa de prevenção de potenciais criminosos, quais sejam, aqueles que vivem negligenciados pelo Poder Público e pela Sociedade, como bem demonstrado no documentário “Garotos do Semáforo”. 

 

Os documentários analisados – “Pequenos Infratores”, “Garotos do Semáforo” e “Falcão Meninos do Tráfico” – retratam indivíduos nas condições de exógenos mesológicos, segundo a classificação de Farias Júnior.

 

No documentário “Pequenos Infratores” são relatadas histórias de crianças que, por sua condição de vida precária, cometeram delitos e agora vão para reformatórios a fim de alcançar a ressociliação.

 

Já no documentário “Garotos do Semáforo” são retratadas as mesmas histórias do documentário anterior, mas com outro enfoque, a condição de vida – se é que se pode dizer assim – de garotos que vivem nas ruas da cidade de São Paulo, mas ainda não houve capturas, não houve prisão. Garotos que usam drogas, sujeitos a todo tipo de violência nas ruas da capital paulista, sujeitos a serem violentados e violentarem, pois muitos declararam os abusos que já sofreram e as infrações que praticaram. Serão os futuros maiores criminosos, se conseguirem chegar à maioridade.

 

Por fim, o documentário “Falcão Meninos do Tráfico” retrata a história das crianças nas favelas do Brasil, tratadas com descaso, falta de assistência, passando fome, as quais são assistidas pelos traficantes das favelas, para os quais vão trabalhar por falta de opção. Esses garotos já são praticantes de crimes.

 

Em todos os documentários denota-se que se trata de infratores reais ou em potencial, os quais, após sua maioridade, continuarão na vida do crime. Vítimas do descaso, do abandono, ingressam no crime para sobreviver, mas, após sua captura são levados à prisão. Logo, essas pessoas não estão inseridas harmonicamente ao meio social, mas sim marginalizadas. Mas a elas são aplicadas a pena de prisão, com todas suas contradições, e aplicada de uma forma que impede o milagre da ressocialização.

 

A ressociliação é tratada como um milagre, haja vista que é impossível refazer o que não foi feito, é impossível rever o que não foi visto, é impossível recuperar o que não existe, é impossível reaproveitar o que não foi aproveitado.

 

Portanto, é necessária a socialização para que haja a ressocialização, uma vez que esta não existe sem aquela, mas havendo a primeira dificilmente necessitar-se-á da aplicação da segunda. Porém, em casos excepcionais, que seja necessária a ressocialização ao ser humano, poder-se-á aplicar uma pena compatível com sua condição, galgando a recuperação.

 

Entrementes, além de todas as contradições da pena de prisão, esta é aplicada, e de uma forma miserável, pois como visto não há qualquer volição no sentido de recuperar, pelo contrário a vontade é de apenas castigar da pior forma possível.

 

Assim conclui-se que não há assistência a fim de prevenir a prática de crimes, mormente com relação aos menores. Mas estes alcançarão a maioridade e, praticando delitos têm-se predeterminadas penas, mormente a de prisão, que não recuperam. Não bastasse isso, nas prisões brasileiras a legislação de execução da pena não é cumprida.

 

Ante o exposto, conclui-se que a maioria dos infratores analisados, sejam maiores ou menores de idade, deve ser classificada como exógenos mesológicos, devendo, pois, ter tratada a causa que os levaram a essa condição a fim de que não seja desencadeado o efeito de sua doença, qual seja, o crime. Com isso, poder-se-ia discutir várias formas de cumprimento de pena, mas não seria necessário, haja vista que o número de pessoas que seriam sujeitas a esse tipo de medida seria ínfimo, pois segundo depreendeu-se do pesquisado, a maioria esmagadora, em 1978 (FARIAS JÚNIOR) dos infratores apenados tratam-se de exógenos mesológicos, cuja causa pode ser tratada antes das práticas de crimes. Cerca de 30% tratam de exógenos circunstanciais que, como já mencionado, não necessitam de ter-lhe aplicada a pena de prisão. Restando apenas 10% que tratam de mesoendógenos ou patoendógenos cujo tratamento é médico. Atualmente não se tem uma estatística sobre tal situação, mesmo porque os prisioneiros não são classificados dessa maneira, nem tampouco há estatísticas sobre a condição social, econômica, familiar dos que tem privada sua liberdade, mas no bojo da pesquisa ficou demonstrado que nas visitas realizadas em Prisões de todo o Brasil pela CPI do Sistema Carcerário encontram-se presos apenas pobres, excluídos delas aqueles criminosos do “colarinho branco” como bem asseverou o relator da referida Comissão Parlamentar, Deputado Domingos Dutra, ao mencionar que É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico permanecer na cadeia”. Isso porque não houve ocorrência de criminosos ricos nos presídios.

 

Logo, conclui-se que os apenados do sistema prisional são as pessoas pobres, os favelados, os garotos do semáforo, os falcões, os não inseridos na sociedade, os que não tem escola, não tem assistência, não tem comida, não tem um teto, os filhos de alcoólatras, de drogados e drogadas, quando não são órfãos, os abandonados, os marginalizados, os quais são contaminados por todo o tipo de influxos deletérios, maléficos, por meio do ambiente em que infelizmente nascem e vivem. Eles são contaminados e ficam doentes, pois, não raramente, são atacados por esses vírus num momento em que não possuem qualquer resistência a eles, na infância e adolescência.

 

Dessa forma, conclui-se que necessário se faz socializar para ressocializar, não havendo que se falar em ressocialização enquanto não houver a socialização.

 

 REFERÊNCIAS

 

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FARIAS JÚNIOR, João. A Ineficácia da Pena de Prisão e o Sistema Ideal de Recuperação do Delinquente. Rio de Janeiro: Carioca, 1978

 

GAROTOS do Semáforo. São Paulo: SBT, 22 abr. 2010. Conexão Repórter. Disponível em: < http://www.youtube.com/watch?v=_RNvDLu0TuQ> Acesso em: 16 out. 2013

 

LISZT, Fran Von. A idéia do fim do Direito Penal. Tradução de Hiltomar Martins de Oliveira. São Paulo: Rideel, 2006 

 

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TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal, 5. ed.,  São Paulo: Saraiva, 1994;

 

VADE Mecum. 5. ed.Coordenação: Darlan Barroso; Marco Antonio Araújo Júnior. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.   

 



[1] PEQUENOS Infratores. São Paulo: Record, 21/06/2009. Repórter Record. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=qIs_DHn8tkg&list=LL6Nw3yhusmGDxAWIBMzJ34w&feature=mh_lolz> Acesso em: 16/10/2013  

[2] GAROTOS do Semáforo. São Paulo: SBT, 22/04/2010. Conexão Repórter. Disponível em: <  http://www.youtube.com/watch?v=_RNvDLu0TuQ> Acesso em: 16/10/2013  

[3] FALCÃO Meninos do Tráfico. Diretor BILL, MV; ATHAÍDE, Celso. Produtores PIO,Kenya et al. Rio de Janeiro, Central Única das Favelas, 2006. Disponível em: <  http://www.youtube.com/watch?v=yI4urSYqkog&list=PLB01390263CE7D21B> Acesso em: 16/10/2013

 

 

Inácio, Wellington Alves

 

Socializar para ressocializar/ Wellington Alves Inácio;

 

orientador: Roberto da Freiria Estevão. Marília, SP: [s.n.], 2013.

 

75f.

 

Trabalho de Curso (Graduação em Direito) – Curso de Direito, Fundação de Ensino “Eurípides Soares da Rocha”, mantenedora do Centro Universitário Eurípides de Marília –UNIVEM, Marília, 2013.

 

1. Prisão 2. Marginalização 3. Ressocialização 4. Socialização

 

 CDD: 341.543

 

 

 

 

 

 

 

Como citar e referenciar este artigo:
INÁCIO, Wellington Alves. Socializar para ressocializar. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2014. Disponível em: https://investidura.com.br/obras/monografias/socializar-para-ressocializar/ Acesso em: 28 mar. 2024