STF

Informativo nº 878 do STF

Brasília, 18 a 22 de setembro de 2017 Nº 878

Data de divulgação: 27 de setembro de 2017

Este Informativo, elaborado com base em notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a publicação do acórdão no Diário da Justiça.

Sumário

Plenário

Art. 86 da CF: apreciação das teses da defesa e necessidade de aguardar juízo de admissibilidade da Câmara dos Deputados

Ensino religioso nas escolas públicas – 2

Repercussão Geral

Condenação contra a Fazenda Pública e índices de correção monetária – 4

1ª Turma

Pedido de desclassificação e “emendatio libelli”

Prazo decadencial e direito de representação 

Incidência de segunda deserção e extinção do processo

2ª Turma

Excesso de prazo no julgamento de ação penal

Clipping da Repercussão Geral

 

Plenário

DIREITO PROCESSUAL PENAL – AÇÃO PENAL

Art. 86 da CF: apreciação das teses da defesa e necessidade de aguardar juízo de admissibilidade da Câmara dos Deputados

O Plenário, por maioria, resolveu questão de ordem — em inquérito que apura supostos delitos de obstrução de justiça e organização criminosa praticados pelo presidente da República — no sentido de que o juízo político de admissibilidade exercido pela Câmara dos Deputados [CF, art. 86, “caput” (1)] precede a análise jurídica pelo STF para conhecer e julgar qualquer questão ou matéria defensiva suscitada pelo denunciado.

A Corte decidiu, ainda, que a possibilidade de rescisão ou de revisão, total ou parcial, de acordo de colaboração premiada, devidamente reconhecido pelo Poder Judiciário, em decorrência de descumprimento de deveres assumidos pelo colaborador, não propicia conhecer e julgar alegação de imprestabilidade das provas, porque a rescisão ou revisão tem efeitos somente entre as partes, não atingindo a esfera jurídica de terceiros.

No caso, fatos alegadamente delituosos vieram à tona por meio de acordos de colaboração premiada celebrados entre o Ministério Público Federal e integrantes de grupo empresarial. Entretanto, diante de indícios de omissão de informação no acordo de delação premiada, a PGR abriu investigação para apurar supostas irregularidades na celebração do acordo. A defesa, então, alegou que as provas produzidas estavam maculadas e requereu a sustação da denúncia.

O Tribunal afirmou que, somente após a autorização da Câmara dos Deputados, é que se pode dar sequência à persecução penal no âmbito do STF. Essa conclusão ressai cristalina quando se atenta para a redação do art. 86, § 1º, I (1), da CF, o qual determina o afastamento do Presidente da República das suas funções se recebida a denúncia ou a queixa-crime pelo STF.

A realização de um juízo de admissibilidade positivo por parte do STF, prévio ao da Câmara dos Deputados, implicaria admitir que a CF tivesse imposto ao presidente da República enfrentar o juízo predominantemente político, a ser realizado pela Câmara dos Deputados, fora do exercício de suas funções.

Essa concepção teria o condão de aniquilar o próprio escopo protetivo da Presidência da República buscado pela Constituição ao submeter a acusação por crime comum a um juízo prévio, predominantemente político, a ser realizado pelos deputados federais.

Afinal, condicionando o processamento do Presidente da República à autorização da Câmara dos Deputados, tem a CF, justamente, a finalidade de proteger a soberania do voto popular, impondo que, quem fora eleito pelo sufrágio, só seja afastado do exercício de seu mandato com a autorização dos representantes do próprio povo.

Essa é a razão, também, pela qual a CF elegeu a Câmara dos Deputados para realizar esse juízo político, eis que se trata da Casa do Congresso Nacional tradicionalmente associada à representação do povo.

Assim, somente após a autorização da Câmara dos Deputados, o STF determinará, nos termos do art. 4º da Lei 8.038/1990(2), a notificação do denunciado para, no prazo de 15 dias, apresentar sua resposta à acusação.

Não cabendo ao STF proferir juízo de admissibilidade sobre denúncia oferecida contra o presidente da República antes da autorização da Câmara dos Deputados, igualmente não cabe proferir juízo antecipado a respeito de eventuais teses defensivas, cuja ambiência própria é o momento previsto no art. 4º da Lei 8.038/1990, o qual prevê a apresentação de resposta à acusação após o oferecimento da denúncia.

A discussão sobre o valor probatório dos elementos de convicção, ou mesmo a respeito da validade desses elementos que eventualmente embasarem a denúncia, constitui matéria afeta à configuração da justa causa, uma das condições da ação penal, cuja constatação ou não se dará por ocasião do juízo de admissibilidade a ser levado a efeito pelo Plenário do STF, após eventual autorização da Câmara dos Deputados.

O ministro Dias Toffoli ressaltou que, teoricamente, o relator, antes de encaminhar a denúncia ao Congresso Nacional, pode trazê-la ao Plenário para a sua rejeição, quando não estiverem presentes pressupostos processuais, quando houver carência da ação ou quando não houver justa causa.

Vencido o ministro Gilmar Mendes, que resolveu a questão de ordem no sentido de devolver os autos à PGR para que esta limite a imputação dos atos do presidente aos fatos relativos ao seu mandato. O ministro se manifestou, ainda, no sentido da possibilidade de se suspender o envio da acusação à Câmara dos Deputados, até a conclusão das investigações sobre a participação de membros do Ministério Público nos fatos narrados em gravação apresentada pelos investigados.

(1) CF: “Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade. § 1º O Presidente ficará suspenso de suas funções: I – nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal; II – nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal. § 2º Se, decorrido o prazo de cento e oitenta dias, o julgamento não estiver concluído, cessará o afastamento do Presidente, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo. § 3º Enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas infrações comuns, o Presidente da República não estará sujeito a prisão. § 4º O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”.

(2) Lei 8.038/1990: “Art. 4º. Apresentada a denúncia ou a queixa ao Tribunal, far-se-á a notificação do acusado para oferecer resposta no prazo de quinze dias”.

Inq 4483 QO/DF, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 20 e 21.9.2017. (Inq-4483)

1ª Parte:

2ª Parte:

3ª Parte:

DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO – SERVIÇOS

Ensino religioso nas escolas públicas – 2

O plenário retomou o julgamento de ação direta na qual se discute o ensino religioso nas escolas públicas do país (Informativo 875).

O ministro Gilmar Mendes acompanhou a divergência e votou pela improcedência do pedido formulado na ação para conferir interpretação conforme à CF do art. 33, “caput”, e §§ 1º e 2º (1), da Lei 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB), e do art. 11, § 1º (2), do acordo Brasil-Santa Sé aprovado por meio do Decreto Legislativo 698/2009 e promulgado por meio do Decreto 7.107/2010.

 Pontuou que neutralidade estatal não é o mesmo que indiferença. Afirmou que, ainda que o Estado seja laico, a religião foi e continua sendo importante para a formação da sociedade brasileira.

Asseverou que a proposta de ensino não confessional retira o sentido da norma constitucional. Nesse contexto, o ensino religioso passa a ser filosofia e sociologia das religiões e deixa de representar o ensino religioso tal como está no texto constitucional.

O ministro Dias Toffoli também acompanhou a divergência. Afirmou que a separação entre o Estado brasileiro e a Igreja não é uma separação absoluta. Apontou que a neutralidade diante das religiões que a laicidade estatal impõe encontra ressalvas em razão de preceitos constantes na própria Constituição Federal [CF, arts. 5, VI, VII e VIII (3), art. 19, I (4), 150, VI, “b” (5), 210, §1º (6) e 213(7)].

Asseverou que o modelo de laicidade adotado no Brasil compreende uma abstenção do Estado, pois impede que o poder público favoreça corporações religiosas, prejudique indivíduos em razão de suas convicções ou impeça a liberdade de expressão religiosa. Entretanto, abrange também, por expressa previsão constitucional, condutas positivas do poder público para assegurar a liberdade religiosa. Nesse contexto, afirmou que a previsão de ensino religioso nas escolas públicas configura uma atuação positiva do Estado e demonstra a relevância que a CF conferiu à educação e ao ensino religioso na formação do indivíduo.

Em seguida, pontuou que o art. 210, §1º, da CF, ao prever a oferta do ensino religioso na modalidade facultativa, resguarda, de um lado, o desejo dos que querem se aprofundar em determinada fé, e de outro, o desejo dos que não querem se sujeitar a determinados dogmas e preceitos. Por essa razão, a procedência da presente ação direta acarretaria verdadeira mutação constitucional do sentido da norma, sem os pressupostos que embasam o processo de alteração informal do texto constitucional.

Entendeu que a solução para garantir o legítimo direito constitucional de quem não adota crença ou de quem professa religiões minoritárias não pode acarretar a exclusão dos que adotam crenças dominantes do âmbito de proteção da norma. Explicou que, quando se está diante de uma proteção constitucional ou legal deficiente, seja por um defeito na sua redação ou por uma falha em sua aplicação, a solução consentânea com o princípio da dignidade da pessoa humana não se dá pela exclusão dos protegidos, mas pela inclusão dos excluídos.

Assim, concluiu que o ensino religioso confessional pode ser praticado de forma plural dentro das escolas públicas. Para tanto, a sociedade civil deve ser chamada para definir quais os credos que devem ser ofertados, respeitando-se, sempre, a facultatividade da matrícula.

O ministro Ricardo Lewandowski também votou pela improcedência do pedido. Afirmou que a Constituição brasileira conta com parâmetros precisos para garantir o direito integral dos alunos de escolas públicas em relação ao ensino religioso, seja ele confessional ou interconfessional. Pontuou que a facultatividade desse tipo de ensino é salvaguarda suficiente para o respeito ao pluralismo democrático e à liberdade de crença dos alunos e de seus pais.

Explicou que o conceito de laicidade se embasa nos critérios de tolerância, igualdade e liberdade religiosa. Por fim, salientou que esse princípio constitucional é voltado à proteção das minorias que, graças à separação entre Estado e Igreja, não podem ser obrigadas a se submeter aos preceitos da religião majoritária.

Em seguida, o julgamento foi suspenso.

(1) LDB: “Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. § 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores. § 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso”.

(2) Acordo Brasil-Santa Sé: “Art. 11. A República Federativa do Brasil, em observância ao direito de liberdade religiosa, da diversidade cultural e da pluralidade confessional do País, respeita a importância do ensino religioso em vista da formação integral da pessoa. §1º. O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação”.

(3) CF: “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; VII – é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva; VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;”.

(4) CF: “Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.

(5) CF: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios VI – instituir impostos sobre: (…) b) templos de qualquer culto”.

(6) CF: “Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais. § 1º O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental”.

(7) CF: “Art. 213. Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que: I – comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação; II – assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades”.

ADI 4439/DF, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 21.9.2017. (ADI 4439)

1ª Parte:

2ª Parte:

 

Repercussão Geral

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO-LIQUIDAÇÃO/CUMPRIMENTO/EXECUÇÃO

                                                            

Condenação contra a Fazenda Pública e índices de correção monetária – 4

O art. 1º-F da Lei 9.494/1997 (1), com a redação dada pela Lei 11.960/2009, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia [CF, art. 5º, “caput” (2)]; quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997 com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009.

O art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade [CF, art. 5º, XXII (3)], uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina. 

Com base nessas orientações, o Plenário, em conclusão de julgamento e por maioria, deu parcial provimento a recurso extraordinário em que discutida a validade da utilização dos índices oficiais de remuneração básica da caderneta de poupança para a correção monetária e a fixação de juros moratórios incidentes sobre condenações impostas à Fazenda Pública, conforme determina o art. 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/2009.

Na espécie, o ora recorrido ajuizou ação ordinária em face do INSS com pedido de concessão do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da CF (4). O juízo de primeiro grau, então, julgou procedente o pedido e determinou que o INSS instituísse, em favor do autor, benefício de prestação continuada, na forma do art. 20 da Lei 8.742/1993 – LOAS (5). O pagamento das prestações vencidas deveria ser acrescido de correção monetária pelo IPCA, a partir de cada parcela, e juros de mora de acordo com o índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança. Interposta apelação pela autarquia previdenciária, a sentença foi mantida. (Informativos 811 e 833).

O Colegiado assentou a natureza assistencial da relação jurídica em exame (caráter não-tributário); manteve a concessão de benefício de prestação continuada (LOAS, art. 20) ao ora recorrido, atualizado monetariamente segundo o IPCA-E desde a data fixada na sentença; e fixou os juros moratórios segundo a remuneração da caderneta de poupança, na forma do art. 1º-F da Lei 9.494/1997 com a redação dada pela Lei 11.960/2009. 

O Tribunal destacou, inicialmente, que as decisões proferidas pelo STF na ADI 4.357/DF (DJe de 26.9.2014) e na ADI 4.425/DF (DJe de 19.12.2013) não fulminaram por completo o art. 1º-F da Lei 9.494/1997, na redação dada pela Lei 11.960/2009. Nesses julgados foi declarada a inconstitucionalidade da correção monetária pela TR apenas quanto ao intervalo de tempo compreendido entre a inscrição do crédito em precatório e o efetivo pagamento. Isso porque a norma constitucional impugnada nas ADIs [CF, art. 100, § 12, incluído pela EC 62/2009 (6)] referia-se apenas à atualização do precatório e não à atualização da condenação após a conclusão da fase de conhecimento.

 A redação do art. 1º-F da Lei 9.494/1997, como fixada pela Lei 11.960/2009, é, porém, mais ampla, englobando tanto a atualização de precatórios quanto a atualização da própria condenação. Não há, contudo, qualquer motivo para aplicar critérios distintos de correção monetária de precatórios e de condenações judiciais da Fazenda Pública.

A finalidade básica da correção monetária é preservar o poder aquisitivo da moeda diante da sua desvalorização nominal provocada pela inflação. Esse estreito nexo entre correção monetária e inflação exige, por imperativo de adequação lógica, que os instrumentos destinados a realizar a primeira sejam capazes de capturar a segunda. Índices de correção monetária devem ser, ao menos em tese, aptos a refletir a variação de preços que caracteriza o fenômeno inflacionário, o que somente é possível se consubstanciarem autênticos índices de preços. Os índices criados especialmente para captar o fenômeno inflacionário são sempre obtidos em momentos posteriores ao período de referência e guardam, por definição, estreito vínculo com a variação de preços na economia.

Assim, no caso, está em discussão o direito fundamental de propriedade do cidadão (CF, art. 5º, XXII) e a restrição que lhe foi imposta pelo legislador ordinário ao fixar critério específico para a correção judicial das condenações da Fazenda Pública (Lei 9.494/1997, art. 1º-F). Essa restrição é real na medida em que a remuneração da caderneta de poupança não guarda pertinência com a variação de preços na economia, sendo manifesta e abstratamente incapaz de mensurar a variação do poder aquisitivo da moeda. Nenhum dos componentes da remuneração da caderneta de poupança guarda relação com a variação de preços de determinado período de tempo, como disciplinado pelo art. 12 da Lei 8.177/1991 (7).

 Desse modo, a remuneração da caderneta de poupança prevista no art. 1º-F da Lei 9.494/1997, na redação dada pela Lei 11.960/2009, não consubstancia índice constitucionalmente válido de correção monetária das condenações impostas à Fazenda Pública.

Vencidos, em parte, os ministros Teori Zavascki, Dias Toffoli, Cármen Lúcia (Presidente) e Gilmar Mendes, que deram provimento total ao recurso.

Vencido, também, o ministro Marco Aurélio, que negou provimento ao recurso.

(1) Lei 9.494/1997: “Art. 1º-F. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança”.

(2) CF: “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”.

(3) CF: “Art. 5º (…) XXII – é garantido o direito de propriedade”.

(4) CF: “Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei”.

(5) Lei 8.742/1993: “Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família”.

(6) CF: “Art. 100 (…) § 12. A partir da promulgação desta Emenda Constitucional, a atualização de valores de requisitórios, após sua expedição, até o efetivo pagamento, independentemente de sua natureza, será feita pelo índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança, e, para fins de compensação da mora, incidirão juros simples no mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança, ficando excluída a incidência de juros compensatórios”.   

(7) Lei 8.177/1991: Art. 12. Em cada período de rendimento, os depósitos de poupança serão remunerados: I – como remuneração básica, por taxa correspondente à acumulação das TRD, no período transcorrido entre o dia do último crédito de rendimento, inclusive, e o dia do crédito de rendimento, exclusive; II – como remuneração adicional, por juros de:  a) 0,5% (cinco décimos por cento) ao mês, enquanto a meta da taxa Selic ao ano, definida pelo Banco Central do Brasil, for superior a 8,5% (oito inteiros e cinco décimos por cento); b) 70% (setenta por cento) da meta da taxa Selic ao ano, definida pelo Banco Central do Brasil, mensalizada, vigente na data de início do período de rendimento, nos demais casos. § 1° A remuneração será calculada sobre o menor saldo apresentado em cada período de rendimento. § 2° Para os efeitos do disposto neste artigo, considera-se período de rendimento: I – para os depósitos de pessoas físicas e entidades sem fins lucrativos, o mês corrido, a partir da data de aniversário da conta de depósito de poupança; II – para os demais depósitos, o trimestre corrido a partir da data de aniversário da conta de depósito de poupança. § 3° A data de aniversário da conta de depósito de poupança será o dia do mês de sua abertura, considerando-se a data de aniversário das contas abertas nos dias 29, 30 e 31 como o dia 1° do mês seguinte. § 4° O crédito dos rendimentos será efetuado: I – mensalmente, na data de aniversário da conta, para os depósitos de pessoa física e de entidades sem fins lucrativos; e II – trimestralmente, na data de aniversário no último mês do trimestre, para os demais depósitos”.

RE 870947/SE, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 20.9.2017. (RE-870947) 

 

Primeira Turma

DIREITO PROCESSUAL PENAL – AÇÃO PENAL

Pedido de desclassificação e “emendatio libelli”

A Primeira Turma, por maioria, indeferiu a ordem em “habeas corpus” no qual se alegava nulidade do processo, por ausência de defesa técnica, e incoerência entre decisão do juiz presidente e entendimento do júri.

O paciente foi pronunciado inicialmente por crime de homicídio qualificado, tendo a defesa lançado a tese de desclassificação para o crime de rixa com resultado morte. Ao promover a quesitação, o juiz presidente questionou o júri primeiramente acerca da prática de homicídio, tendo-se constatado concorrência do acusado para o resultado morte. Em seguida, entendeu-se praticado crime menos grave, a rixa. Feitas tais indagações, o juiz prosseguiu à quesitação de qualificadoras do crime de homicídio e condenou o réu por dois crimes, homicídio e rixa, esse último já prescrito. 

Sustentava a defesa ter havido prejuízo ao réu, à medida que a tese defensiva se converteu em nova acusação, sem oportunidade de defesa. Além disso, afirmava ter sido ultrapassado o limite da pronúncia, em que constava apenas um crime, e ignorado o entendimento do conselho de sentença de que o réu teria cometido crime menos grave, implicando contrariedade aos princípios do tribunal do júri, especialmente o da plenitude da defesa.

A Turma, apesar de admitir a erronia do Juiz Presidente quanto à explicação e à ordem adequada dos questionamentos, compreendeu a quesitação de crimes autônomos, em concurso material, evidenciando “emendatio libelli”, nos termos do art. 383 (1) do Código de Processo Penal (CPP). Pontuou, ainda, a inexistência de prejuízo à defesa, haja vista a prescrição do crime de rixa acrescido posteriormente à acusação.

Vencido o ministro Marco Aurélio (relator), que concedeu a ordem. Entendeu a inobservância da organicidade do direito a partir da quesitação de qualificadoras do homicídio após a conclusão dos jurados quanto à prática de crime menos grave e consequente procedência do pedido de desclassificação.

(1) CPP: “Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave”.

HC 122875/PE, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 19.9.2017. (HC-122875)

DIREITO PROCESSUAL PENAL – AÇÃO PENAL

Prazo decadencial e direito de representação 

A Primeira Turma iniciou julgamento de “habeas corpus” em que solicitada a extinção de processo criminal por ofensa ao devido processo legal, em razão de cerceamento de defesa e desconsideração do prazo decadencial do direito de representação.

 A denúncia do paciente por crime de atentado violento ao pudor foi realizada mais de cinco anos após a ocorrência do delito. Iniciada a ação, determinou-se prisão cautelar do acusado, a qual foi afastada decorrido período superior a um ano, e negou-se requerimento de oitiva de testemunhas.

A defesa aduz que o acusado não teve seus direitos assegurados no que se refere ao prazo decadencial da ação e ao direito de defesa, e relata ofensa ao devido processo legal.

 O ministro Marco Aurélio (relator) concedeu a ordem para declarar extinto o processo-crime ante a decadência. Assentou aplicação da condição de procedibilidade observada na Lei 12.015/2009, que alterou o disposto no art. 225 (1) do Código Penal (CP), haja vista a denúncia ter sido feita em 2012, quando o novo dispositivo, mais benéfico ao réu, já estava em vigor. Nesse sentido, o direito de representação da vítima teria decaído seis meses após o fato delituoso, não sendo possível a instauração do processo. O ministro entendeu, ainda, transgressão às garantias constitucionais e ao devido processo legal, quanto ao indeferimento do pedido de oitiva de testemunha e à presunção de culpabilidade, votando pelo deferimento da ordem.

Em seguida, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista.

(1) CP: “Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública condicionada à representação”.

HC 125360/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 19.9.2017. (HC-125360)

DIREITO PENAL – CRIMES PREVISTOS NA LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE

Incidência de segunda deserção e extinção do processo

A Primeira Turma iniciou julgamento de “habeas corpus” em que se requer a extinção do processo por crime militar de deserção, pela superveniência de uma segunda deserção. No caso, o paciente desertara, e, com a instituição do processo, desertou novamente, o que ensejaria, conforme pugna a impetrante, a extinção do processo, visto que ausente condição de procedibilidade, qual seja, a condição de militar. 

O ministro Luiz Fux (relator) deferiu a ordem por entender que o “status” de militar é pressuposto de desenvolvimento regular do processo, e como houve deserção e o paciente não mais ostenta a qualidade de militar, é cabível a extinção da ação penal.

Por outro lado, o ministro Alexandre de Moraes denegou a ordem com o fundamento de que a segunda deserção não tem força de decretar a extinção de punibilidade da primeira, por falta de procedibilidade, sob pena de incentivo à segunda deserção, visto que, nesta, os efeitos incidiriam apenas em si, e não em relação à primeira. Além do mais, entendeu ser válido o curso do processo, pois o paciente integrava o exército quando se iniciou a ação penal.

Em seguida, o ministro Roberto Barroso pediu vista dos autos.

HC 142932/RS, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 19.9.2017. (HC-142932)

 

Segunda Turma

DIREITO PROCESSUAL PENAL – PRISÃO PREVENTIVA

Excesso de prazo no julgamento de ação penal

A segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, deferiu a ordem em “habeas corpus” para determinar a soltura do paciente, ante o excesso de prazo da prisão cautelar a ele imposta.

No caso, ele foi preso preventivamente pela suposta prática de delitos previstos na Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas).

O impetrante alegou excesso de prazo na conclusão da instrução, sem contribuição da defesa para tanto.

A Turma declarou que houve flagrante excesso de prazo na segregação cautelar que se decretou, porquanto já se passaram mais de quatro anos desde a prisão preventiva do paciente, sem haver, sequer, audiência de interrogatório. Asseverou evidente o retardamento injustificado no julgamento da ação penal, configurando, nesse caso, hipótese de situação anômala capaz de comprometer a efetividade do processo. 

HC 141583/RN, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 19.9.2017. (HC-141583)

 

Sessões Ordinárias Extraordinárias Julgamentos   Julgamentos por meio eletrônico*

             

1ª Turma 19.09.2017         —                  57                                  84

               

2ª Turma 19.09.2017          —                  21                                  62

* Emenda Regimental 51/2016-STF. Sessão virtual 15 a 21 de setembro de 2017.

Clipping da R e p e r c u s s ã o  G e r a l

DJe de 18 a 22 de setembro de 2017

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 1.063.187-SC

RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI

Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. TRIBUTÁRIO. IRPJ. CSLL. JUROS DE MORA. TAXA SELIC. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI FEDERAL POR TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL.

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 1.038.507-PA

RELATOR: MIN. EDSON FACHIN

Ementa: PEQUENA PROPRIEDADE RURAL. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. ART. 5º, XXVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

Decisões Publicadas: 2  

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Como citar e referenciar este artigo:
STF,. Informativo nº 878 do STF. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2018. Disponível em: https://investidura.com.br/informativos-de-jurisprudencia/stf-informativos-de-jurisprudencia/informativo-no-878-do-stf/ Acesso em: 19 mar. 2024
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Informativo nº 908 do STF

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Informativo nº 894 do STF

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Informativo nº 893 do STF

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Informativo nº 892 do STF