STF

Informativo nº 848 do STF

Brasília, 21 a 25 de novembro de 2016

Data de divulgação: 6 de dezembro de 2016

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a publicação do acórdão no Diário da Justiça.

Sumário

Plenário

Execução de pena de multa e titularidade

Amianto e competência legislativa concorrente – 14

Federalismo fiscal e omissão legislativa

Ultra-atividade das convenções e acordos coletivos de trabalho e CF/1988

1ª Turma

Cabimento de reclamação e Enunciado 10 da Súmula Vinculante

2ª Turma

Reclamação e contagem de prazo

Repasse de duodécimos e frustração na realização da receita orçamentária

“Habeas corpus” e razoável duração do processo

Repercussão Geral

Clipping do DJe

Transcrições

Repartição de receitas – Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (ACO 2939 MC/PE)

Inovações Legislativas

Outras Informações

 

Plenário

Execução de pena de multa e titularidade

O Plenário iniciou o julgamento de questão de ordem em ação penal na qual se discute a titularidade para a execução da pena de multa fixada em julgamento condenatório pelo STF.

O ministro Roberto Barroso (relator), ao resolver a questão de ordem, assentou que: a) o Ministério Público é o órgão legitimado para promover a execução da pena de multa, perante a Vara de Execução Criminal, observado o procedimento descrito pelos arts. 164 e seguintes da Lei de Execução Penal; b) caso o titular da ação penal, devidamente intimado, não proponha a execução da multa no prazo de noventa dias, o Juiz da execução criminal dará ciência do feito ao órgão competente da Fazenda Pública (federal ou estadual, conforme o caso) para a respectiva cobrança na própria Vara de Execução Fiscal, com a observância do rito da Lei 6.830/1980; e c) é necessário dar interpretação conforme à Constituição ao art. 51 do CP  para explicitar que a expressão “aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição” não exclui a legitimação prioritária do Ministério Público para a cobrança da multa na Vara de Execução Penal.

No entendimento do ministro, embora a multa penal constitua dívida de valor, possui caráter de sanção criminal. Assim, o Ministério Público é legítimo, prioritariamente, para executá-la, até mesmo pelo fato de a postura do apenado com relação ao cumprimento da sanção pecuniária interferir no gozo dos benefícios a serem usufruídos no curso da execução penal. Todavia, a multa também pode ser cobrada pela Fazenda, em caráter subsidiário e em face da demora do órgão acusador.

O ministro Dias Toffoli, ao acompanhar o relator, frisou que a pendência de pagamento da pena de multa, ou sua cominação isolada nas sentenças criminais transitadas em julgado, tem o condão de manter ou ensejar a suspensão dos direitos políticos (CF, art. 15, III).

Em divergência, o ministro Marco Aurélio considerou que a legitimação para a cobrança da multa é exclusiva da Fazenda. Entendeu não ter a sanção uma conotação penal, mas de dívida de valor. Seu não pagamento não pode implicar regressão de regime, ou seja, inadmissível prisão por dívida.

Em seguida, o ministro Edson Fachin pediu vista dos autos.

AP 470 QO-décima segunda/MG, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 23.11.2016. (AP-470)

Amianto e competência legislativa concorrente – 14

O Plenário retomou o julgamento de ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas contra a Lei 11.643/2001 do Estado do Rio Grande do Sul e a Lei 12.684/2007 do Estado de São Paulo. Na presente sessão, a Corte apregoou outras duas ações para julgamento conjunto: uma arguição por descumprimento de preceito fundamental (ADPF) contra a Lei 13.113/2001 e o Decreto 41.788/2002, ambos do Município de São Paulo, e uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) que ataca a Lei 12.589/2004 do Estado de Pernambuco. Os diplomas impugnados proíbem o uso, a comercialização e a produção de produtos à base de amianto/asbesto naquelas unidades federativas — v. Informativos 407 e 686.

O ministro Edson Fachin julgou improcedentes os pedidos formulados na ADPF, de sua relatoria, e nas três ADIs.

Inicialmente, afastou a alegação de inconstitucionalidade formal. Entendeu que a distribuição de competência entre os diversos entes federativos, à luz do federalismo cooperativo inaugurado expressamente pela Constituição de 1988, não se satisfaz apenas com o princípio informador da predominância de interesses.  Diante da existência de situações como a dos presentes autos, a regra de circunscrever-se à territorialidade não resolve de forma plena a solução do conflito existente entre normas, pois é preciso eleger, entre os entes envolvidos, qual circunscrição prevalecerá.

O ministro ressaltou que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem optado por concentrar no ente federal as principais competências federativas, mas que é necessário explorar o alcance do federalismo cooperativo insculpido na Constituição de 1988, a fim de enfrentar os problemas de aplicação que emergem do pluralismo que forma o Estado e a sociedade brasileira.

Considerou que a resolução estaria no princípio da subsidiariedade — segundo o qual o poder sobre determinada matéria deve ser exercido pelo nível governamental que possa fazê-lo de forma mais apropriada e eficiente — e dos dois critérios que permitem a sua aplicação, que são a presunção contra a preempção (“presumption against pre-emption”) e a clareza de que a legislação sobre o tema deve ser editada de modo amplo, geral e uniforme pela União, afastando de forma clara qualquer potencialidade legiferante em sentido diverso (“clear statement rule”).

Explicou que, ao se sustentar a existência do princípio da subsidiariedade no federalismo brasileiro, seria possível retomar a aplicação formulada, entre outros, nos tratados da União Europeia para o contexto nacional. Não porque seria lícito à Corte realizar um transplante de normas ou um “constitutional borrowing” sem mediações, mas porque, na medida em que a experiência comparada faz uso de um princípio geral do direito, também no Brasil seria possível aplicá-lo.

Nesse sentido, o aspecto formal do princípio da subsidiariedade seria destinado sobretudo aos poderes legislativos, pois exige que sejam fornecidas razões, se possíveis quantitativas, para demonstrar que a legislação deve ser editada de modo uniforme pelo ente maior. Essa procedimentalização, por sua vez, transmudaria o enfoque a ser dado pelo Poder Judiciário. Em vez de investigar qual competência o ente detém, se deveria perquirir como o ente deve exercê-la.

Ainda segundo o ministro Edson Fachin, a subsidiariedade seria complementada pela proporcionalidade. De acordo com a primeira, o ente político maior deve deixar para o menor tudo aquilo que este puder fazer com maior economia e eficácia. Já de acordo com a segunda, é preciso sempre respeitar uma rigorosa adequação entre meios e fins. A proporcionalidade poderia ser utilizada, portanto, como teste de razoabilidade para soluções de problemas envolvendo competência de nítida orientação constitucional. O teste de razoabilidade, por sua vez, exigiria o exame das razões que levaram o legislador a adotar determinado regulamento. Consistiria, portanto, em avaliar se as razões necessárias para a conclusão a que chegou foram levadas em conta ou se optou por motivos que não poderiam ter sido considerados. Interpretando, pois, os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade nesses termos, seria possível, então, superar o conteúdo meramente formal do princípio e reconhecer um aspecto material, consubstanciado numa presunção de autonomia em favor dos entes menores (“presumption against pre-emption”), para a edição de leis que resguardem seus interesses.

A aplicação desse entendimento às competências concorrentes poderia ser extremamente vantajosa para melhor delimitar qual o sentido dos termos geral, residual, local, complementar e suplementar. No entanto, no caso dos autos, a discussão envolveria, ainda, uma disputa de sentido desses conceitos quando se opõem às competências expressas da União, dos Estados e dos Municípios. Nessas hipóteses, seria necessário não apenas que a legislação federal se abstivesse de intervir desproporcionalmente nas competências locais, como também que, no exercício das competências concorrentes, a interferência das legislações locais na regulamentação federal não desnaturasse a restrição ou a autorização claramente indicada.

Relativamente à aplicação do princípio da subsidiariedade ao caso dos autos, o ministro afirmou que, embora a competência para a produção, o consumo, a proteção do meio ambiente e a proteção e defesa da saúde seja concorrente, seria inconstitucional que o efeito da legislação geral editada pela União pudesse aniquilar totalmente as competências dos Estados e dos Municípios. Apenas se a legislação federal dispusesse, de forma clara e cogente — indicando as razões pelas quais é o ente federal o mais bem preparado para fazê-lo —, que os Estados e Municípios sobre ela não poderiam legislar, seria possível afastar a competência desses entes para impor restrições ao uso do amianto/asbesto. Entretanto, esse não seria este o caso dos autos.

Destacou que a União, ao editar a norma geral (Lei 9.055/1995), estabeleceu, no art. 1º, vedação expressa à utilização de vários tipos de amianto que alcança todo o território nacional, enquanto, no art. 2º, previu a possibilidade de extração, industrialização, utilização e comercialização apenas do amianto da espécie crisotila. Contra essa vedação específica não caberia aos Estados, ao Distrito Federal ou aos Municípios legislar de forma a permitir o que havia sido vedado de forma expressa e efetiva, não havendo espaço para a incidência do princípio da subsidiariedade. Entretanto, no que diz respeito à regra geral permissiva da Lei 9.055/1995, tanto a atuação legislativa municipal quanto a estadual teriam ocorrido de forma consentânea com a ordem jurídica constitucional e em seus estritos limites; ou seja, no art. 2º, a Lei 9.055/1995 teria estabelecido a permissão como regra geral, não vedando a imposição de restrições.

Tendo isso em conta, observou que, nos casos analisados, os Estados teriam legislado no exercício de sua competência concorrente de proteção e defesa da saúde. O Município de São Paulo, por sua vez, mediante uma escolha política ínsita à ambiência municipal, por definir e delimitar como se daria o seu desenvolvimento econômico no campo da construção civil, teria agido à luz do nítido interesse local e da suplementação da legislação federal de regência. Acrescentou que o Município, ao defender a constitucionalidade da lei, evocou o princípio da precaução e o disposto no art. 225, § 3º, da Constituição Federal, e afirmou que o Poder Público deve agir com extrema cautela sempre que a saúde pública e a qualidade ambiental puderem ser afetadas por obra, empreendimento ou produto nocivo ao meio ambiente.

Em suma, por não existir afastamento claro da competência legislativa dos entes menores pela legislação federal que rege a matéria, seriam constitucionais as leis estaduais e a lei municipal impugnadas que, em matéria de competência concorrente (art. 24, XII, da Constituição Federal) e em matéria de competência local, comum e suplementar (art. 30, I e II, da Constituição Federal), respectivamente, regulamentam de forma mais restritiva a norma geral diante do âmbito de atuação permitido por ela.

O ministro Fachin afastou, ainda, a alegação de inconstitucionalidade material, por ofensa ao princípio da livre iniciativa, haja vista que a restrição contida nas leis impugnadas estaria amparada pela proteção à saúde e ao meio ambiente. Seu fundamento teria assento na competência concorrente dos Estados e na competência local, supletiva e comum dos Municípios e também em expressa previsão constante da Convenção 162 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Por fim, rejeitou, de igual modo, a assertiva no sentido de não existir risco à saúde e de bastar, para a proteção dos trabalhadores que utilizam o amianto/asbesto, a exigência do uso de equipamentos de segurança no trabalho, conforme determinação da OIT. Observou que essa solução contrariaria o princípio da precaução, de fundamental importância para a ordem constitucional.

Em seguida, o ministro Dias Toffoli pediu vista dos autos.

ADI 3356/PE, rel. Min. Eros Grau, julgamento em 23.11.2016. (ADI-3356)

ADI 3357/RS, rel. Min. Ayres Britto,  julgamento em 23.11.2016. (ADI-3357)

ADI 3937/SP, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 23.11.2016. (ADI-3937)

ADPF 109/SP, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 23.11.2016. (ADPF-109)

Federalismo fiscal e omissão legislativa

O Plenário iniciou o julgamento de ação direta de inconstitucionalidade por omissão ajuizada em face de alegada omissão legislativa, por parte do Congresso Nacional, no tocante à edição da lei complementar prevista no art. 91 do ADCT, incluído pela EC 42/2003 (“Art. 91. A União entregará aos Estados e ao Distrito Federal o montante definido em lei complementar, de acordo com critérios, prazos e condições nela determinados, podendo considerar as exportações para o exterior de produtos primários e semi-elaborados, a relação entre as exportações e as importações, os créditos decorrentes de aquisições destinadas ao ativo permanente e a efetiva manutenção e aproveitamento do crédito do imposto a que se refere o art. 155, § 2º, X, “a”).

O ministro Gilmar Mendes (relator) julgou o pedido procedente. Declarou que há mora por parte do Congresso Nacional em editar a aludida lei complementar e estabeleceu o limite de doze meses para que a omissão seja sanada.

Ressaltou que, na hipótese de o mencionado prazo transcorrer “in albis”, caberá ao Tribunal de Contas da União (TCU): a) fixar o valor total a ser repassado aos Estados-Membros e ao Distrito Federal, considerando os critérios dispostos no art. 91 do ADCT para fixação do montante a ser transferido anualmente relativo às exportações de produtos primários e semielaborados, à relação entre as exportações e as importações, aos créditos decorrentes de aquisições destinadas ao ativo permanente e à efetiva manutenção e aproveitamento do crédito do imposto a que se refere o art. 155, § 2º, X, “a”, da CF; e b) calcular o valor das quotas a que cada ente terá direito, considerando os entendimentos entre os Estados-Membros e o Distrito Federal realizados no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).

Considerou atendidos os requisitos da legitimidade ativa e da pertinência temática. Nos termos da jurisprudência da Corte, é necessário haver pertinência entre o objeto da ação e a defesa do interesse em causa. No caso dos governadores, a legitimidade está condicionada à repercussão do ato normativo impugnado nas atividades de interesse dos Estados-Membros, como na hipótese em debate.

No mérito, entendeu que o tema envolve autonomia financeira e partilha de recursos tributários. Embora o texto original da Constituição tivesse promovido esforços para descentralizar as receitas, a União, por meio das contribuições (cuja receita não é compartilhada com os demais entes), conseguiu reverter o quadro de partilha, concentrando em seu poder a maior parte dos recursos tributários arrecadados. A partir do Plano Real, houve incremento da participação das receitas de contribuições no total de receitas correntes da União, sem o respectivo incremento na participação das receitas tributárias. Assim, se, por um lado, o constituinte desenhou um quadro fiscal fortemente descentralizado quanto aos impostos, por outro, deixou nas mãos da União, livres de qualquer partilha de arrecadação, outra espécie tributária: as contribuições, especialmente as sociais.

Nesse contexto, a edição da EC 42/2003 traduziu um esforço de desoneração de exportações, com impacto nas finanças estaduais. Por consequência, acabou por elevar ao plano constitucional tanto a tentativa de desoneração da LC 87/1996 quanto a obrigatoriedade de repasses mensais a cargo da União. Além disso, as exportações brasileiras foram completamente removidas do campo de incidência do ICMS. Criou-se, portanto, uma imunidade constitucional, em prejuízo de uma fonte de receita pública estadual.

Se, por um lado, a modificação prestigia e incentiva as exportações, em prol de toda a Federação, por outro, a nova regra traz consequências severas sobretudo para quem se dedica à exportação de produtos primários. Por isso, para compensar a perda de arrecadação imposta pela EC 42/2003, estabeleceu-se, no art. 91 do ADCT, uma fórmula de transferência constitucional obrigatória da União em favor dos Estados-Membros e do Distrito Federal. Esse mecanismo, em tese, poderia representar importante instrumento de federalismo cooperativo, de sorte a atenuar os impactos financeiros decorrentes da desoneração promovida pela EC 42/2003 nas contas estaduais. Entretanto, a lei complementar prevista no art. 91 do ADCT nunca foi editada e, até hoje, a regra do § 3º desse dispositivo continua sendo aplicada.

O relator assinalou, também, que existe um dever constitucional de legislar, previsto no art. 91 do ADCT, e uma omissão legislativa que perdura por mais de dez anos. Isso traz consequências econômicas relevantes, especialmente em relação a determinados Estados-Membros.

Além disso, embora falte a lei complementar exigida pela Constituição, a legislação em vigor traz critérios provisórios para os repasses. Isso, entretanto, não basta para afastar a omissão em debate. Ao contrário, o sentido de provisoriedade do § 2º do art. 91 do ADCT só confirma a lacuna legislativa e não tem o condão de convalidá-la. Está, portanto, configurado o estado de inconstitucionalidade por omissão, em razão de mora do Poder legislativo.

O relator considerou necessário, ainda, adotar solução no sentido de, decorrido “in albis” o prazo de doze meses estipulado para que o Legislativo saneie a omissão, caber ao TCU, enquanto não sobrevier lei complementar, a competência para definir anualmente o montante a ser transferido, na forma do art. 91 do ADCT, considerando os critérios ali dispostos. Quanto à repartição entre os diversos entes federados, propôs que fosse feita nas condições estabelecidas pelo Confaz, de modo que a distribuição de recursos considere o ICMS desonerado nas exportações de produtos primários e semielaborados e os créditos de ICMS decorrentes de aquisições destinadas ao ativo permanente.

Por fim, explicou que o TCU é a instituição mais adequada para cumprir temporariamente essa incumbência (CF, art. 161, parágrafo único). Ademais, é o órgão escolhido pelo legislador para o cálculo da participação de cada Estado-Membro ou do Distrito Federal na repartição da receita tributária a que se refere o art. 159, II, da CF. Caberá, assim, aos Estados-Membros e ao Distrito Federal proceder na forma do § 4º do art. 91 do ADCT, de modo a apresentar à União, nos termos das instruções baixadas pelo Ministério da Fazenda, as informações relativas ao imposto de que trata o art. 155, II, da CF, declaradas pelos contribuintes que realizarem operações ou prestações com destino ao exterior, a fim de subsidiar o TCU na fixação do montante a ser transferido, bem como das quotas a que terão direito os entes federados. Advindo a lei complementar, cessa a competência da Corte de Contas, conferida de forma precária e excepcional.

O ministro Marco Aurélio, por sua vez, acompanhou o relator em parte, para somente assentar a mora do Legislativo na matéria. Não assinalou prazo para a edição de lei complementar, cabível apenas na hipótese de autoridade administrativa (CF, art. 103, § 2º). Além disso, reputou que o TCU não pode substituir o Congresso Nacional, omisso quanto à edição da norma.

O ministro Teori Zavascki acompanhou o relator quanto à mora e à fixação de prazo para sanar a omissão. Entretanto, ressaltou a impossibilidade de substituir a norma provisória do art. 91 do ADCT por outra também precária, criada pelo STF e executada pelo TCU. Se, eventualmente, o Legislativo extrapolasse o prazo de doze meses, aí sim caberia ao STF deliberar a respeito.

Após os votos dos ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Dias Toffoli, que acompanharam o relator, o julgamento foi suspenso.

ADO 25/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 23 e 24.11.2016. (ADO-25)

Ultra-atividade das convenções e acordos coletivos de trabalho e CF/1988

A Corte iniciou o julgamento de ações diretas de inconstitucionalidade nas quais se questiona a constitucionalidade do art. 19 da Medida Provisória 1.950-62/2000, na parte em que revoga os §§ 1º e 2º do art. 1º da Lei 8.542/1992. A norma impugnada, que dispõe sobre medidas complementares ao Plano Real, estabelece: “Art. 19. Revogam-se os §§ 1º e 2º do art. 947 do Código Civil, os §§ 1º e 2º do art. 1º da Lei n. 8.542, de 23 de dezembro de 1992, e o art. 14 da Lei n. 8.177, de 1º de março de 1991.” Nos §§ 1º e 2º do art. 1º da Lei 8.542/1992 havia a seguinte previsão: “Art. 1º-A política nacional de salários, respeitado o princípio da irredutibilidade, tem por fundamento a livre negociação coletiva e reger-se-á pelas normas estabelecidas nesta lei. § 1º As cláusulas dos acordos, convenções ou contratos coletivos de trabalho integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser reduzidas ou suprimidas por posterior acordo, convenção ou contrato coletivo de trabalho. § 2º As condições de trabalho, bem como as cláusulas salariais, inclusive os aumentos reais, ganhos de produtividade do trabalho e pisos salariais proporcionais à extensão e à complexidade do trabalho, serão fixados em contrato, convenção ou acordo coletivo de trabalho, laudo arbitral ou sentença normativa, observados, dentre outros fatores, a produtividade e a lucratividade do setor ou da empresa.”

A ministra Cármen Lúcia (relatora) reconheceu a parcial perda de objeto das ações diretas e julgou improcedentes os pedidos remanescentes.

Verificou, inicialmente, não ter sido demonstrado, por meio de argumentação e fundamentação específica — conforme exigido pelo art. 3º da Lei 9.868/1999 e pela jurisprudência da Corte —, como a revogação dos §§ 1º e 2º do art. 1º da Lei 8.542/1992 teria afrontado o disposto no art. 5º, XXXVII, da CF. Assim, não há como se conhecer da menção feita ao dispositivo constitucional paradigmático, ante a carência de argumentos e de fundamentação específica.

Além disso, reconheceu que, em virtude da conversão da Medida Provisória 1.950-62/2000 na Lei 10.192/2001, estaria prejudicada a análise sobre o atendimento dos pressupostos de admissibilidade daquela espécie legislativa. Segundo a relatora, o Congresso Nacional deu a última palavra quanto à conveniência e oportunidade do ato, bem como quanto ao atendimento dos interesses e valores da sociedade. Nesses termos, a conversão da medida provisória em lei significa a absorção de seu conteúdo, que, segundo o Legislativo, dotou-se de mérito suficiente para se tornar uma nova lei, conforme entendimento jurisprudencial (ADI 1.721/DF, DJU de 29.6.2007).

Quanto à alegação de descumprimento dos incisos VI e XXVI do art. 7º da CF, a ministra rememorou que a Corte, ao indeferir a medida cautelar requerida na ADI 2.081 MC/DF (DJU de 6.12.2002), com objeto similar ao destas ações diretas, reconheceu o caráter infraconstitucional da controvérsia surgida pela impugnação de medida provisória que se limita a revogar norma de legislação ordinária.

Consignou, conforme manifestação apresentada pela AGU, que somente seria possível afirmar a inconstitucionalidade da norma revogadora se, cumulativamente, a norma constitucional invocada como parâmetro de controle de constitucionalidade carecesse de eficácia plena; a norma revogada efetivamente consubstanciasse regulamentação da norma constitucional invocada; a revogação implicasse a eliminação total de regulamentação constitucional de modo a comprometer, em absoluto, a sua mínima eficácia, o que não ocorreria se com a revogação passasse a operar disciplina diversa ou se a revogação fosse acompanhada da adoção de disciplina distinta da matéria em verdadeira substituição ou alteração da conformação do instituto; ou, ainda, se a norma revogada oferecesse a exata, específica e exclusiva disciplina reclamada pelo texto constitucional, o que implicaria que a nova disciplina da matéria seria contrária ao texto constitucional.

Também ressaltou não prevalecer o argumento de terem sido excluídos direitos dos trabalhadores adquiridos em pactos coletivos. Para a relatora, permanecem hígidas no ordenamento jurídico brasileiro as normas constitucionais assecuratórias do direito à irredutibilidade do salário, salvo o disposto em contrário em convenção ou acordo coletivo (art. 7º, VI, da CF/1988), e do reconhecimento das convenções e dos acordos coletivos de trabalho como instrumentos válidos e plenamente eficazes para a criação de obrigações entre as partes contratantes (art. 7º, XXVI, da CF).

Asseverou, ademais, que as normas postas nos incisos VI e XXVI do art. 7º não são de eficácia limitada, cuja aplicação efetiva e positiva depende da atividade de órgãos governamentais, especificamente do legislador ordinário. São institutos que fixam princípios norteadores das relações empregatícias e nessa condição vinculam, a um só tempo, os empregadores, os empregados, os órgãos de representação coletiva e o próprio legislador nacional, que poderá atuar com o fim de aprimorar as garantias e os institutos nelas reconhecidos, nada mais que isso. Nessa medida, a revogação das normas dos §§ 1º e 2º do art. 1º da Lei 8.542/1992 não causa ruptura do princípio da irredutibilidade dos salários dos trabalhadores, nem impede que eventuais reduções possam ser objeto de convenção ou acordo coletivo (art. 7º, VI, da CF), tampouco diminui a importância das convenções e dos acordos coletivos de trabalho como fonte autônoma do direito do trabalho (art. 7º, XXVI, da CF).

Assentou que a principal razão do questionamento apresentado na presente ação direta decorre da suposta revogação do “anteparo natural às pressões negociais patronais excluindo os trabalhadores de direitos em pactos coletivos”. Esse entendimento resulta da presunção de que seria exigida pela Constituição a ultra-atividade das convenções e dos acordos coletivos, ou seja, sua aplicação para além de seu prazo de vigência e até que viesse a ser revogada por instrumento congênere. Tal presunção, no entanto, não encontra uniformidade na doutrina ou na jurisprudência. Conforme evidenciado pela AGU, a controvérsia exclusivamente doutrinária relativa à ultra-atividade das convenções não assume status constitucional, nem indica uma flagrante contrariedade à Constituição.

Ponderou, por fim, que os incisos VI e XXVI do art. 7º da CF não disciplinam a vigência e a eficácia das convenções e dos acordos coletivos de trabalho. A conformação desses institutos é de competência do legislador ordinário, que deverá, à luz das demais normas constitucionais, eleger as políticas legislativas capazes de viabilizar a concretização dos direitos dos trabalhadores.   

O ministro Edson Fachin, ao divergir da relatora, julgou procedentes os pedidos formulados nas ações diretas, declarando a inconstitucionalidade do art. 18 da Lei 10.192/2001. Observou que a Corte, ainda sob a égide da Constituição Federal de 1967 e da Emenda Constitucional 1/1969, reconheceu expressamente a ultra-atividade da norma coletiva. Após, já sob a égide da Constituição de 1988, O Supremo Tribunal Federal adotou entendimento no sentido de que a questão não alcançava estatura constitucional, o que permite concluir, de forma implícita, que prevaleceria a interpretação atribuída pela Justiça especializada. Afirmou, ainda, que a Lei 8.542/1992 é mais adequada ao contexto constitucional de 1988, do que a medida provisória de 1995, convertida em lei em 2001. Pontuou, por fim, que trazer à vigência normas que deixam expressamente consignado, no ordenamento jurídico positivo infraconstitucional brasileiro, aquilo que, por força suficiente e autônoma de densidade normativa, está previsto no inciso XXVI do art. 7º e no § 2º do art. 114 da CF, constitui-se num dever de coerência desta Suprema Corte com sua missão de guardiã da Constituição.

O ministro Roberto Barroso, por sua vez, acompanhou a relatora. Ressaltou o caráter infraconstitucional da controvérsia. Destacou, ademais, que a cláusula de ultra-atividade desfavorece o empregado, na medida em que pode desestimular o reconhecimento de vantagens temporárias em acordos e convenções coletivas pelos empregadores.

Para o ministro Teori Zavascki, que também acompanhou a relatora, não se pode afirmar que todas as cláusulas de um acordo ou convenção coletiva têm ultra-atividade necessária. Essa conclusão, em vez de prestigiar a força desses acordos ou dessas convenções, na verdade, opera em sentido oposto, porque limita ou elimina a possibilidade de se estabelecerem cláusulas que digam respeito a situações de caráter efêmero ou temporário. Ademais, a lei revogadora veio no âmbito de um plano econômico e, ao que tudo indica, visou a ajustar as convenções coletivas então vigentes a um novo regime salarial e de correção monetária estabelecida no Plano Real. O ministro rememorou, ainda, não haver direito adquirido a regime jurídico.

O ministro Marco Aurélio, em conformidade com a relatora, julgou improcedentes os pedidos formulados. Consignou, em suma, que a ultra-atividade das convenções e acordos coletivos não está assegurada na Constituição Federal.

Em seguida, a ministra Rosa Weber pediu vista dos autos.

ADI 2200/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 24.11.2016. (ADI-2200)

ADI 2288/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 24.11.2016. (ADI-2288)

 

Primeira Turma

Cabimento de reclamação e Enunciado 10 da Súmula Vinculante

Reclamação constitucional fundada em afronta ao Enunciado 10 da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal [“Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, art. 97) a decisão de órgão fracionário de Tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte”] não pode ser usada como sucedâneo de recurso ou de ação própria que analise a constitucionalidade de normas que foram objeto de interpretação idônea e legítima pelas autoridades jurídicas competentes.

Com base nesse entendimento, a Primeira Turma, por maioria, negou provimento a agravo regimental em que se discutia o cabimento de reclamação, por violação ao referido verbete sumular, em razão de o acórdão reclamado ter afastado o art. 25, § 1º, da Lei 8.987/1995 (“§ 1º Sem prejuízo da responsabilidade a que se refere este artigo, a concessionária poderá contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido, bem como a implementação de projetos associados”).

No caso, o tribunal de origem – ao interpretar decisão da Corte proferida na ADPF 46 firmando entendimento de persistir o monopólio postal conferido à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) – assentou que a reclamante, concessionária de energia elétrica, não poderia efetuar a contratação de empresa terceirizada para a entrega de fatura referente à leitura dos medidores de energia.

A Turma, por sua vez, consignou não ser possível analisar na reclamação se a restrição imposta pela decisão reclamada, na qual se afirmava “legal e constitucional a atividade de emitir faturas e fazer com que cheguem no tempo e no prazo nas mãos dos usuários”, foi uma declaração de inconstitucionalidade parcial implícita do disposto no art. 25, §1º, da Lei 8.987/1995. Afinal, isso extrapola o objeto daquela ação.

Ressaltou que o entendimento prevalecente na Suprema Corte é o de que não afronta o Enunciado 10 da Súmula Vinculante, nem a regra do art. 97 da Constituição Federal, o ato da autoridade judiciária que deixa de aplicar a norma infraconstitucional por entender não haver subsunção aos fatos ou, ainda, que a incidência normativa seja resolvida mediante a sua mesma interpretação, sem potencial ofensa direta à Constituição.

No caso da presente reclamação, interpretou-se a legislação infraconstitucional respectiva (Lei 8.987/1995), à luz da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 46, sem qualquer indício de declaração de inconstitucionalidade da referida norma. Além de a questão posta já se encontrar judicializada em sede de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida, dúvida razoável acerca da interpretação das normas infraconstitucionais não é hipótese de cabimento de reclamação.

Vencidos os ministros Roberto Barroso e Marco Aurélio, os quais davam provimento ao agravo regimental. No caso, sublinhavam ter havido vulneração ao referido enunciado sumular e ter a decisão reclamada deixado de aplicar a Lei 8.987/1995, o que negaria vigência a esse dispositivo sem declará-lo inconstitucional. Além disso, o ministro Roberto Barroso acentuava que a terceirização, tanto por força de lei, como pela jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, seria plenamente admissível.

Rcl 24284/SP, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 22.11.2016. (Rcl-24284)

 

Segunda Turma

Reclamação e contagem de prazo

A Segunda Turma deliberou afetar ao Plenário o julgamento de agravo regimental em que se discute a incidência do disposto no art. 798 do Código de Processo Penal no âmbito da reclamação constitucional, ante a existência de regramento específico quanto à contagem de prazos processuais (art. 219, “caput”, do novo Código de Processo Civil).

Rcl 23045 ED-AgR/SP, rel. Min. Teori Zavascki, julgamento em 22.11.2016. (Rcl-23045)

Repasse de duodécimos e frustração na realização da receita orçamentária

A Segunda Turma deferiu parcialmente medida liminar em mandado de segurança impetrado contra ato omissivo. No caso, houve atraso no repasse dos recursos correspondentes às dotações orçamentárias destinadas ao Poder Judiciário do Rio de Janeiro.

O Colegiado assegurou ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) o direito de receber, até o dia vinte de cada mês, em duodécimos, os recursos correspondentes às dotações orçamentárias. Facultou ao Poder Executivo proceder ao desconto uniforme de 19,6% da receita corrente líquida prevista na lei orçamentária em sua própria receita e na dos demais Poderes e órgãos autônomos, ressalvada, além da possibilidade de eventual compensação futura, a revisão desse provimento cautelar caso não se demonstre o decesso na arrecadação nem no percentual projetado de 19,6% em dezembro/2016.

Na espécie, o impetrante alegava que o art. 168 da Constituição Federal (CF) estabelece o dever de repasse, pelo Poder Executivo, dos recursos financeiros previstos em lei orçamentária regularmente aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro — no caso, a Lei Orçamentária Anual estadual 7.210/2016 (LOA) — ao Poder Judiciário, obrigatoriamente, em duodécimos, até o vigésimo dia de cada mês. Entendia que a omissão do Poder Executivo caracterizaria violação do postulado da separação de Poderes, em razão de indevida interferência do governador do Estado na autonomia administrativa e financeira do TJRJ. Requeria, dessa forma, a concessão da medida liminar pleiteada, para garantir o repasse integral de seu duodécimo orçamentário até o vigésimo dia de cada mês, nos termos do previsto no mencionado dispositivo constitucional.

A autoridade impetrada, ao prestar informações, postulava a incidência dos Enunciados 269 e 271 da Súmula do Supremo Tribunal Federal (STF), para obstar o conhecimento da presente ação mandamental quanto ao pedido de repasse da parcela relativa ao mês de outubro até o dia vinte desse mesmo mês. Sustentava, ainda, que o descumprimento da data prevista no art. 168 da Constituição Federal, para o repasse das dotações orçamentárias em duodécimos, não configuraria ofensa à autonomia financeira do Poder Judiciário (CF, art. 99), pois não decorreria de resistência injustificada do Poder Executivo, mas de frustração na realização do orçamento do Estado. Defendia não haver impedimento legal para utilização de recursos do Fundo Especial do Tribunal de Justiça (FETJ) para pagamento de despesas de pessoal e custeio do TJRJ.

Prevaleceu o voto do ministro Dias Toffoli (relator). Para ele, a competência originária relativamente ao conhecimento do “writ” é do STF, porque todos os magistrados vinculados ao TJRJ possuem interesse econômico no julgamento do feito (CF, art. 102, I, “n”). Consignou, ademais, que o TJRJ, embora destituído de personalidade jurídica, detém legitimidade autônoma para ajuizar o presente mandado de segurança em defesa de sua autonomia institucional, estando, no caso, regularmente representado por advogado não vinculado aos quadros da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro, em razão da natureza do direito pleiteado, nos termos da jurisprudência do STF. Entendeu, ainda, que as Súmulas 269 e 271 da Suprema Corte não incidem na espécie.

Quanto ao mérito, ao reconhecer a complexidade da controvérsia, consignou que a resolução do litígio demanda diálogo entre Poderes e órgãos autônomos. Assim, é possível alcançar solução conciliatória para o quadro fático revelado pelas dificuldades declaradas pelo Estado do Rio de Janeiro em suas finanças, agravadas pela queda da arrecadação prevista para o orçamento de 2016. Além disso, o julgamento da medida cautelar não afasta a possibilidade de posterior audiência de conciliação entre as partes. 

No tocante à alegação do Estado-Membro de que não há impedimento legal para a utilização de recursos do FETJ para pagamento de salários dos servidores e magistrados, o relator ponderou ser inviável sua utilização para tal fim e para o custeio do TJRJ, nos termos do disposto no art. 2º da Lei estadual 2.524/1996 (“É vedada a aplicação da receita do Fundo Especial em despesas de pessoal”). Destacou, também, que a receita do FETJ origina-se, predominantemente, do pagamento de custas pelas partes que demandam no TJRJ e não são beneficiárias de gratuidade de Justiça, cuja destinação é exclusiva para custeio dos serviços afetos às atividades específicas do Poder Judiciário (CF, art. 98, § 2º). O relator afastou, em juízo liminar, a pretensão do Estado-Membro de compensar os duodécimos faltantes da receita orçamentária do TJRJ prevista para o exercício de 2016 com recursos do FETJ.

Assentou que o direito prescrito no art. 168 da CF instrumentaliza o postulado da separação de Poderes, impedindo a sujeição dos demais Poderes e órgãos autônomos da República a arbítrios e ilegalidades perpetradas no âmbito do Executivo.

Ponderou que a Corte, ao conceder medida liminar em caso semelhante (MS 31.671/RN, DJe de 30.10.2012), passou a avaliar a necessidade de se adequar a previsão orçamentária à receita efetivamente arrecadada, para fins de definição do direito ao repasse dos duodécimos aos demais Poderes e órgãos autônomos, sob o risco de se chegar a um impasse na execução orçamentária.

Pontuou, ainda, que a lei orçamentária, no momento de sua elaboração, declara uma expectativa do montante a ser realizado a título de receita, que pode ou não vir a acontecer no exercício financeiro de referência, sendo o Poder Executivo responsável por proceder à arrecadação, conforme a política pública se desenvolva. Por essa razão, a Lei Complementar 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF) instituiu o dever de cada um dos Poderes, por ato próprio, proceder aos ajustes necessários, com limitação da despesa, ante a frustração de receitas (art. 9º da LRF). Diante disso, o ministro ressaltou que, conforme debates travados no julgamento de mérito do MS 31.671/RN (suspenso em razão de pedido de vista), no âmbito federal, os contingenciamentos de receita e empenho operam em ambiente de diálogo entre o Poder Executivo — que sinaliza o montante de frustração da receita — e os demais Poderes e órgãos autônomos da República. No exercício da autonomia administrativa, tais instituições devem promover os cortes necessários em suas despesas, para adequarem as metas fiscais de sua responsabilidade aos limites constitucionais e legais autorizados e conforme a conveniência e a oportunidade.

Reconheceu, no entanto, que esse ambiente de diálogo pode encontrar dificuldades no caso de algum Poder ou órgão autônomo se recusar a realizar essa autolimitação. Isso ocorreria em razão da suspensão, por força de cautelar proferida no julgamento da ADI 2.238/DF (DJe de 17.8.2007), da eficácia do § 3º do art. 9º da LRF, que prescreve a possibilidade de o Poder Executivo, por ato unilateral, estipular medida de austeridade nas esferas dos demais Poderes e órgãos autônomos. O que informa o julgamento da medida cautelar deferida nos autos da ADI 2.238/DF, no ponto, é a impossibilidade de se legitimar a atuação do Poder Executivo como julgador e executor de sua própria decisão.

Segundo o relator, a Corte, ao deferir medida liminar no MS 31.671/RN, não pretendeu legitimar a atuação unilateral do Poder Executivo na constrição de recurso financeiro repassado ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN). Aliás, no caso do citado precedente, o contingenciamento foi admitido mediante decisão judicial, ressalvada a possibilidade de eventual compensação futura.

Diante do déficit orçamentário, estimado em 19,6%, o Estado do Rio de Janeiro promulgou a Lei 7.483/2016, na qual reconheceu o estado de calamidade financeira declarado pelo Decreto 45.692/2016, bem como citou os esforços empreendidos pelo TJRJ, a fim de demonstrar seu compromisso com o alcance da regularidade fiscal e com a desoneração dos cofres públicos. Entendeu, contudo, que as medidas adotadas pelo TJRJ não se confundem com as de autolimitação previstas no art. 9º, “caput”, da LRF, no sentido de se limitarem as despesas previstas, para fins de adequação ao percentual da receita efetivamente arrecadada no exercício financeiro de 2016.

Assentou, por fim, a inviabilidade de avaliação, em sede de mandado de segurança, da regularidade dos atos de governo e gestão praticados no Poder Executivo do Estado do Rio de Janeiro. Tais ações podem e devem ser submetidas a julgamento pelos órgãos competentes, não sendo a exigência de repasse integral dos duodécimos o meio adequado para se proceder à sanção de eventual ilegalidade, pois, nesse contexto, o real prejudicado acaba por ser o cidadão. Com razão, entretanto, a justificativa do TJRJ de que não se pode legitimar o cronograma orçamentário fixado pelo Executivo, em desrespeito ao art. 168 da CF. Afinal, retira a previsibilidade da disponibilização de recursos aos demais Poderes, subtraindo-lhes condições de gerir suas próprias finanças, considerada a frustração de receita, conforme sua conveniência e oportunidade.

Entendeu que o repasse duodecimal deve ocorrer até o dia vinte de cada mês, nos termos do disposto no art. 168 da CF, de modo a garantir o autogoverno do Poder Judiciário — que não se sujeita à programação financeira e ao fluxo de arrecadação do Poder Executivo —, tendo em vista ser o repasse uma ordem de distribuição prioritária de satisfação de dotação orçamentária (MS 21.450/MT, DJU de 5.6.1992). 

O ministro Teori Zavascki acompanhou o relator. Asseverou que, em momentos de grave crise econômica, como os que vivem praticamente todos os Estados da Federação, devem ser asseguradas a autonomia e a igualdade entre os Poderes. Consignou que não faz sentido, em uma situação de acentuado déficit orçamentário — em que a realização do orçamento é muito inferior ao previsto —, que um determinado Poder ou órgão autônomo tenha seu duodécimo calculado com base em previsão de receita não realizada, em detrimento da participação de outros órgãos e Poderes. Concluiu que a base de cálculo dos duodécimos deve observar, além da participação percentual proporcional, o valor real de efetivo desempenho orçamentário e não o valor fictício previsto na lei orçamentária.

Para o ministro Ricardo Lewandowski, que também acompanhou o relator, havendo frustração de receita, o ônus deve ser compartilhado de forma isonômica entre todos os Poderes.

MS 34489-MC/RJ, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 22.11.2016. (MS-34489)

“Habeas corpus” e razoável duração do processo

A Segunda Turma concedeu a ordem em “habeas corpus” no qual se pretendia atribuir celeridade ao julgamento do mérito de REsp no STJ. 

A defesa alegava que a demora no julgamento do recurso violaria o princípio do devido processo legal, que pressupõe a célere prestação jurisdicional, sobretudo quando o bem jurídico em questão é a liberdade do cidadão e da justiça efetiva ou celeridade processual.

O Colegiado assentou que, em regra, o grande volume de trabalho do STJ permite flexibilizar, em alguma medida, o princípio constitucional da razoável duração do processo.

No caso, contudo, a demora demasiada para o julgamento do recurso, em razão do elevado número de substituição de relatores — no total de cinco substituições —, configura negativa de prestação jurisdicional e flagrante constrangimento ilegal sofrido pelo paciente. Tal circunstância justifica a concessão da ordem para determinar que o STJ julgue o recurso imediatamente.

HC 136435/PR, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 22.11.2016. (HC-136435)

 

Sessões Ordinárias Extraordinárias Julgamentos   Julgamentos por meio eletrônico*

1ª Turma 22.11.2016         —                   18                              154

2ª Turma 22.11.2016         —                   33                              75

* Emenda Regimental 51/2016-STF. Sessão virtual de 18 a 24 de novembro de 2016.

R e p e r c u s s ã o  G e r a l

DJe de 21 a 25 de novembro de 2016

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 820.823-DF

RELATOR: MIN. LUIZ FUX

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ASSOCIAÇÃO. PEDIDO DE RETIRADA. CONDICIONAMENTO À QUITAÇÃO DE DÍVIDAS E MULTAS. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO À LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO. ARTIGO 5º, XX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. TRANSCENDÊNCIA DE INTERESSES. RECONHECIDA A EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 966.177-RS

RELATOR: MIN. LUIZ FUX

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONTRAVENÇÃO PENAL. ARTIGO 50 DO DECRETO-LEI 3.688/1941. JOGO DE AZAR. RECEPÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. TIPICIDADE DA CONDUTA AFASTADA PELO TRIBUNAL A QUO FUNDADO NOS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS DA LIVRE INICIATIVA E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS. ARTIGOS 1º, IV, 5º, XLI, E 170 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. QUESTÃO RELEVANTE DO PONTO DE VISTA ECONÔMICO, POLÍTICO, SOCIAL E JURÍDICO. TRANSCENDÊNCIA DE INTERESSES. RECONHECIDA A EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.

REPERCUSSÃO GERAL EM ARE N. 964.246-SP

RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI

Ementa: CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). ACÓRDÃO PENAL CONDENATÓRIO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. JURISPRUDÊNCIA REAFIRMADA.

1. Em regime de repercussão geral, fica reafirmada a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal.

2. Recurso extraordinário a que se nega provimento, com o reconhecimento da repercussão geral do tema e a reafirmação da jurisprudência sobre a matéria.

Decisões Publicadas: 3

C l i p p i n g  d o  D Je

21 a 25 de novembro de 2016

AG. REG. NO RECURSO ORD. EM MS N. 32.811-DF

RELATOR: MIN. LUIZ FUX

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. AGENTE PENITENCIÁRIO FEDERAL. PORTARIA DE INSTAURAÇÃO DO PAD. COMPETÊNCIA DA AUTORIDADE DO ÓRGÃO EM QUE OCORREU A INFRAÇÃO. NOMEAÇÃO DOS INTEGRANTES DA COMISSÃO PROCESSANTE APÓS A OCORRÊNCIA DO ILÍCITO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. REQUERIMENTO DE PRODUÇÃO DE PROVAS. INDEFERIMENTO FUNDAMENTADO. PREVISÃO LEGAL. ILIQUIDEZ DOS FATOS. IMPOSSIBILIDADE DE REVOLVIMENTO DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INVIABILIDADE DO WRIT. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. O art. 141, I, da Lei 8.112/1990, em consonância com o art. 84, XXV, da Lei Fundamental, predica que o Presidente da República é a autoridade competente para aplicar a penalidade de demissão a servidor vinculado ao Poder Executivo, sendo constitucional, nos termos do art. 84, parágrafo único, da Constituição, e do art. 1º, I, do Decreto 3.035/1999, a delegação aos Ministros de Estado e ao Advogado-Geral da União. Precedentes: RE 633009 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe 27-09-2011; RMS 24194, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 07-10-2011; MS 25518, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, DJ 10-08-2006, dentre outros.

2. In casu, a delegação de competência para a aplicação da sanção de demissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade de servidor restou incólume, na medida em que a imposição da penalidade máxima decorreu de ato do Ministro de Estado da Justiça.

3. A Portaria Inaugural do Processo Administrativo Disciplinar foi determinada pelo Diretor-Geral do Departamento Penitenciário Federal, que possui competência para instaurar o procedimento próprio para apurar faltas cometidas pelos seus subordinados, nos termos do art. 51, inciso XIV, do Regimento Interno do DEPEN, e art. 143 da Lei 8.112/1990.

4. O art. 149 da Lei 8.112/90 não veda a possibilidade da autoridade competente para a instauração de procedimento disciplinar convocar servidores oriundos de outro órgão, diverso da lotação dos acusados, para a composição da Comissão Processante. Deveras, impõe, somente, que o presidente indicado pela autoridade competente ocupe “cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado”, e que os membros sejam servidores estáveis, sem qualquer vínculo de parentesco ou afinidade com o acusado, o que não restou comprovado, no caso.

5. A inteligência do art. 142, I, da Lei 8.112/1990 reclama que o prazo prescricional da ação disciplinar é de 5 (cinco) anos quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão.

6. A despeito do encerramento do primeiro processo administrativo, o fato é que, do dia em que a autoridade competente tomou ciência das condutas imputadas ao impetrante até a instauração do segundo processo administrativo disciplinar, não transcorreu o quinquênio previsto no artigo 142, I, da Lei 8.112/90.

7. A conduta  imputada ao impetrante se insere na previsão contida no inciso IX do art. 132 da Lei 8.112/90, na medida em que restou apurado no processo administrativo que o servidor revelou, indevidamente, vídeos sigilosos aos quais teve acesso apenas em razão do exercício do cargo de agente penitenciário federal.

8. A Comissão Processante tem o poder de indeferir a produção de provas impertinentes à apuração dos fatos, com supedâneo no art. 156, § 1º, da Lei 8.112/1990.

9. A oitiva de testemunha em lugar diverso daquele em que os acusados residem não acarretou, no caso concreto, prejuízo à defesa, mormente por ter sido notificada cinco dias antes da audiência, de forma a conferir a possibilidade de exercer seu direito de participar da produção da prova, tendo sido, ainda, nomeado defensor ad hoc, ante a ausência de manifestação.

10. O mandado de segurança não se revela via adequada para avaliar em profundidade o acervo fático-probatório dos autos, especialmente no que se refere à oitiva das testemunhas, a acareação entre os acusados, a reinquirição de testemunhas e a expedição de ofício solicitando cópia dos depoimentos produzidos em processo criminal.

11. Agravo regimental a que se NEGA PROVIMENTO.

AG. REG. NO ARE N. 967.055-AC

RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. TEMAS 339, 660 E 706.   ADMINISTRATIVO. LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL 67/1999. DOCÊNCIA EM TURMAS COM ALUNOS PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS. GRATIFICAÇÃO. PERCENTUAL.   IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL LOCAL E DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULAS 279 E 280 DO STF. AUSÊNCIA DE OFENSA CONSTITUCIONAL DIRETA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. AUSÊNCIA. HONORÁRIOS NÃO FIXADOS PELA ORIGEM. MAJORAÇÃO DESCABIDA.  AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO, COM APLICAÇÃO DA MULTA.

I – O Supremo Tribunal Federal definiu que a violação dos princípios do contraditório, da ampla defesa, dos limites da coisa julgada e do devido processo legal, quando implicarem em exame de legislação infraconstitucional, é matéria sem repercussão geral (Tema 660 – ARE 748.371 RG).

II – O acórdão impugnado pelo recurso extraordinário não ofendeu o art. 93, IX, da Constituição, na interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar o Tema 339 (AI 791.292 QO-RG) da repercussão geral.

III- Inexistência de repercussão geral da controvérsia acerca do direito ao recebimento de gratificação de atividade de ensino especial por professores que lecionam disciplinas em turmas que possuem um ou alguns alunos portadores de necessidades educativas especiais (Tema 706 – ARE 794.364-RG).

IV – Para divergir da conclusão adotada pelo acórdão recorrido, seria necessário o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos e a realização de nova interpretação da legislação infraconstitucional local aplicável à espécie (Lei Complementar Estadual 67/1999), circunstâncias que tornam inviável o recurso, nos termos das Súmulas 279 e 280 do STF. Precedentes.

V- O exame pelo Poder Judiciário de ato administrativo tido por ilegal ou abusivo não viola o princípio da separação dos poderes

VI- Nos termos do art. 85, § 11, do CPC, deixo de majorar os honorários recursais, uma vez que não foram fixados pelo juízo de origem.

VII- Agravo regimental a que se nega provimento, com aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC.

AG. REG. NO ARE N. 977.190-MG

RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. REPERCUSSÃO GERAL. SISTEMÁTICA. APLICAÇÃO. DIREITO À SAÚDE.  FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. ALTO CUSTO. AUSÊNCIA DE DISCUSSÃO. PENDÊNCIA DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO PARADIGMA. IRRELEVÂNCIA. JULGAMENTO IMEDIATO DA CAUSA. AUSÊNCIA DE MEDICAMENTO NA LISTA DO SUS. DESCONSIDERAÇÃO ANTE A AVALIAÇÃO MÉDICA. SÚMULA 279/STF. AGRAVO IMPROVIDO.

I – O custo dos medicamentos não foi objeto de discussão do acórdão recorrido, o que desautoriza a aplicação do Tema 6 da repercussão geral – RE 566.471-RG/RN, Rel. Min. Marco Aurélio, ante a ausência de identidade das premissas fáticas.

II – O acórdão recorrido está em consonância com o que foi decidido no Tema 793 da repercussão geral, RE 855.178-RG/SE, Rel. Min. Luiz Fux, decisão de mérito, no sentido de que “o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados”.

III – A existência de decisão de mérito julgada sob a sistemática da repercussão geral autoriza o julgamento imediato de causas que versarem sobre o mesmo tema, independente do trânsito em julgado do paradigma. Precedentes.

IV – A lista do SUS não é o parâmetro único a ser considerado na avaliação da necessidade do fornecimento de um medicamento de um caso concreto, que depende da avaliação médica. No ponto, para se chegar a conclusão contrária à adotada pelo Juízo de origem, necessário seria o reexame do conjunto fático-probatório, o que inviabiliza o extraordinário. Súmula 279. Precedente.

V – Verba honorária mantida ante o atingimento do limite legal do art. 85, § 11º combinado com o § 2º e o § 3º, do mesmo artigo do CPC.

VI – Agravo regimental a que se nega provimento, com aplicação da multa art. 1.021, § 4º, do CPC.

AG. REG. NO ARE N. 924.240-BA

RELATORA: MIN. ROSA WEBER

EMENTA: DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE COLETIVO.  MIGRAÇÃO. EXCLUSÃO DE DEPENDENTE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO CPC/1973. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS.  REELABORAÇÃO DA MOLDURA FÁTICA CONSTANTE DO ACÓRDÃO REGIONAL. EVENTUAL OFENSA REFLEXA NÃO VIABILIZA O MANEJO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ART. 102 DA LEI MAIOR. AGRAVO MANEJADO SOB A VIGÊNCIA DO CPC/1973.

1. A controvérsia, a teor do já asseverado na decisão guerreada, não alcança estatura constitucional. Não há falar em afronta aos preceitos constitucionais indicados nas razões recursais. Compreensão diversa demandaria a análise da legislação infraconstitucional encampada na decisão da Corte de origem, a tornar oblíqua e reflexa eventual ofensa à Constituição, insuscetível, como tal, de viabilizar o conhecimento do recurso extraordinário. Desatendida a exigência do art. 102, III, “a”, da Lei Maior, nos termos da remansosa jurisprudência desta Suprema Corte.

2. Compreensão diversa exigiria a reelaboração da moldura fática delineada no acórdão da origem, bem como o reexame da interpretação conferida a cláusulas contratuais, procedimentos vedados em sede extraordinária. Aplicação das Súmulas nº 279 e nº 454/STF: “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário” e “Simples interpretação de cláusulas contratuais não dá lugar a recurso extraordinário”.

3. As razões do agravo regimental não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada.

4. Agravo regimental conhecido e não provido.

AG. REG. NA AC N. 3.957-DF

RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI

Ementa: AGRAVOS REGIMENTAIS. PROCESSO PENAL. SEQUESTRO DE BENS E VALORES. ART. 4º DA LEI 9.613/1998 C/C ARTS. 125 E 126 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E ART. 91, § 1º E 2º, DO CÓDIGO PENAL. EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS VEEMENTES DA PROVENIÊNCIA ILÍCITA DOS BENS. ELEMENTOS INDICIÁRIOS REVELADORES DE SOFISTICADO ESQUEMA DE LAVAGEM DE DINHEIRO ENVOLVENDO O INVESTIGADO E EMPRESAS A ELE VINCULADAS. NECESSIDADE E ADEQUAÇÃO DA MEDIDA CONSTRITIVA DEMONSTRADAS. AGRAVOS REGIMENTAIS A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. O art. 4º, caput, da Lei 9.613/1998, na redação da Lei 12.683/2012 – aplicável desde logo, nos termos do art. 2º do Código de Processo Penal (RHC 115563, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe de 28.3.2014) – dispõe que “o juiz […], havendo indícios suficientes de infração penal, poderá decretar medidas assecuratórias de bens, direitos, ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes previstos nesta Lei ou das infrações penais antecedentes”. O § 4º do referido dispositivo permite, também, a decretação de medidas assecuratórias “sobre bens, direitos ou valores para reparação do dano decorrente da infração penal antecedente ou da prevista nesta Lei ou para pagamento de prestação pecuniária, multa e custas”.

2. O sequestro, previsto no Código de Processo Penal, tem como objeto os produtos diretos ou indiretos do crime, sejam eles bens imóveis ou bens móveis não suscetíveis de apreensão, bastando que haja indícios, desde que veementes, da proveniência ilícita dos bens.

3. No caso, o Ministério Público indica, por meio de elementos indiciários colhidos ao longo das investigações (documentos, depoimentos, extratos bancários, relatórios de inteligência financeira, informações fiscais, entre outros), o recebimento pelo investigado de, ao menos, 26 (vinte e seis) milhões de reais, por meio de sofisticado esquema de lavagem de dinheiro, envolvendo diversas pessoas físicas e empresas a ele vinculadas.

4. Conforme destacado pelo Procurador-Geral da República, “a estratégia adotada pelo parlamentar investigado e já denunciado, inclusive através de suas empresas ora agravantes, era vocacionada de maneira consciente, justamente para dificultar a origem ilícita dos valores. Assim sendo, urge que o sequestro recaia (e seja mantido) sobre bens equivalentes aos montantes recebidos, pois não será possível encontrar – até mesmo porque o dinheiro ‘não possui digital’, conforme comumente se afirma – os valores recebidos”.

5. Não há desproporcionalidade ou irrazoabilidade no deferimento da medida constritiva, uma vez que, “a contemporaneidade da aquisição dos ditos bens com a imputada prática de atos delituosos, os quais, segundo consta, envolveram elevadas somas de dinheiro. Circunstância bastante para autorizar a presunção de que se esta diante de produto da ilicitude” (Inq 705-AgR, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, Tribunal Pleno, DJ. 20.10.1995). 

6. Agravos regimentais a que se nega provimento.

Acórdãos Publicados: 606

Transcrições

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do InformativoSTF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

 

Repartição de receitas – Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) (Transcrições)

ACO 2939 MC/PE*

RELATOR: Ministra Rosa Weber

Vistos etc.

1. Trata-se de ação cível originária ajuizada pelo Estado de Pernambuco em desfavor da União, em que se pleiteia a repartição de receitas obtidas a partir da incidência do art. 8º da Lei nº 13.254/16, que disciplinou o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT).

2. Sustenta-se na inicial que a referida Lei inicialmente dispõe, em seu art. 6º, que os valores arrecadados com a cobrança de imposto de renda à alíquota de 15% serão repartidos com Estados e Municípios, nos termos do art. 159, I, da Constituição Federal. Porém, a mesma divisão não está sendo respeitada (em razão de veto a dispositivo de natureza semelhante) em relação à multa cobrada com base no artigo 8º, prevendo este alíquota de 100% sobre o valor estipulado no artigo 6º. Essa discrepância estaria a provocar impacto negativo profundo no Fundo de Participação dos Estados.

3. Diante desse quadro, o autor alega ocorrer violação da “regra da intangibilidade das transferências constitucionais devidas aos entes periféricos da Federação (art. 160, caput, CF)”, da “norma constitucional que comete à Lei Complementar Federal a definição dos critérios de entrega e rateio das transferências constitucionais devidas aos Estados-membros (art. 161, II, CF)”, e da “Lei Complementar nº 62/1990 (sic), em seu art. 1º, § 1º, no quanto determina a inclusão na base de cálculo do FPE dos adicionais, multas e juros moratórios incidentes sobre o Imposto de Renda, na forma do art. 159, I, a, da CF” (inicial, fl. 4).

4. Após tecer considerações a respeito da competência deste Supremo Tribunal Federal para exame da lide, pugnando pelo reconhecimento de real conflito federativo na hipótese, discorre a inicial a respeito do modelo de repartição de receitas tributárias, aspecto do federalismo fiscal traduzido pelo artigo 159, I, da Constituição Federal, que prevê a distribuição do produto da arrecadação do imposto de renda e do imposto sobre produtos industrializados, na forma que especifica. Defende haver a Lei nº 13.254/16 instituído um regime especial de tributação, do qual resultou, contudo, desinteligência a respeito da destinação da multa arrecadada com base no artigo 8º, diante de controvérsia a respeito da natureza jurídica dessa exigência.

5. A respeito dessa questão, na inicial adota-se perspectiva segundo a qual cabe apenas à Lei Complementar disciplinar as regras sobre entrega e critérios de rateio dos recursos destinados ao Fundo de Participação dos Estados. A Lei nº 13.254/16, contudo, é lei ordinária. A Lei Complementar nº 62/89, que estipula tais regras, prevê, em seu art. 1º, parágrafo único, fazer parte da base de cálculo das transferências, além do montante dos impostos, os respectivos adicionais, juros e multa moratória. Daí a premissa da pretensão deduzida: “Concluindo-se pela natureza moratória da multa prevista no art. 8º da Lei 13.254/2016, ou, por outro lado, sendo ela um mero e específico adicional do imposto, será de rigor concluir-se pela necessidade de sua inclusão na base de cálculo do FPE” (inicial, fl. 10).

6. O autor sustenta, em resumo, ser evidentemente moratória a multa do artigo 8º da Lei nº 13.254/16, pois não se conceberia que “alguém receba uma multa punitiva exatamente por ter atendido a um comando legal, isto é, ter aderido ao regime de regularização cambial e fiscal previsto na lei” (inicial, fl. 11). A adesão dos contribuintes ao RERCT é facultativa, levando à incoerência da aplicação de multa punitiva pelo exercício de uma opção. Concluem as razões expostas, assim, que “não sendo, portanto, ‘multa punitiva’, somente poderá ser multa moratória” (inicial, fl. 11).

7. A partir de tais elementos, pleiteia a concessão de tutela liminar, destacando o perigo de dano decorrente da supressão de recursos essenciais à manutenção dos serviços públicos estaduais.

8. Os pedidos estão assim deduzidos:

“a) Liminarmente, seja concedida a ordem judicial determinando a inclusão do montante arrecadado pela União, a título de multa, tal como previsto no art. 8º da Lei nº 13.254/16, na base de cálculo das transferências constitucionais previstas no art. 159, I, da CF/88 (Fundo de Participação dos Estados) (…);

d) Por sentença, seja confirmada a ordem liminar e determinada, em definitivo, a inclusão – na base de cálculo do Fundo de Participação dos Estados – os valores percebidos a título de multa, prevista no art. 8º da Lei nº 13.254/16, em obediência ao disposto nos arts. 159, I e 160 da CF/88, bem como no art. 1º, parágrafo único da LC nº 62/90 (…);

e) A condenação da Ré no pagamento de todos os valores devidos ao Estado de Pernambuco em razão da não inclusão, na base de cálculo do FPE, do montante da multa recolhida com fundamento no art. 8º da Lei nº 13.254/16, observados os critérios e percentuais de rateio previstos na norma de regência (Lei Complementar nº 62/90 – Lei Complementar nº 143/2013);

f) A condenação da União nos ônus usuais de sucumbência processual” (inicial, fl. 14).

9. Por meio da Petição nº 63.015/2016 (doc. 4), o autor reitera a urgência para concessão do provimento antecipatório, ao argumento de que os valores destinados ao Fundo de Participação (incluídos, aqui, os referentes à arrecadação da Lei nº 12.254/16) devem ser creditados no dia dez do corrente mês e ano, nos termos de calendário firmado por meio da Portaria nº 726/2015, e em cumprimento ao artigo 4º da Lei Complementar nº 62/89. Ultrapassado esse prazo, sustenta-se na Petição haver risco de esvaziamento do pedido concernente à obrigação de fazer. Pleiteia, então, subsidiariamente, concessão de tutela provisória de urgência para “determinar à União que deposite em juízo (…) os valores que seriam devidos aos Estados, como garantia da antecipação do provimento jurisdicional, resguardando-se o resultado útil do feito” (doc. 5, fl. 3).

11. Os Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Roraima e Tocantins, além do Distrito Federal, requereram admissão como amici curiae, destacando a presença dos requisitos previstos no artigo 138 do Código de Processo Civil, notadamente a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes (que são autores de ação semelhante). Reforçam, a seguir, os argumentos expostos pela inicial e reiteram os pedidos deduzidos, inclusive o de acautelamento pelo depósito judicial do montante correspondente aos Estados, se procedente ao final o pedido de mérito.

É o relatório.

Decido.

1. Postergo a análise do pedido de intervenção dos amici curiae para momento oportuno, especialmente diante da informação, por eles prestada, de que seriam autores em ações próprias de mesmo objeto.

2. A adoção de um Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) pelo Brasil se insere em contexto mais amplo, referente à realização recente de diversos tratados bilaterais com países usualmente destinatários de recursos financeiros, assim como da iminente adoção, em 2018, de sistema patrocinado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que possibilita troca de informações financeiras de modo eficiente entre países (Common Reporting Standard).

3. O incremento da eficiência fiscalizatória dá ensejo ao estabelecimento de normas especiais destinadas à regularização de recursos mantidos no exterior. A Lei nº 13.254/16 possibilita a extinção da punibilidade criminal de vários crimes relacionados (como sonegação fiscal, evasão de divisas, falsidade ideológica, falsificação de documento e operação de câmbio não autorizada), ao permitir que o contribuinte declare o montante possuído em 31.12.2014, a ser considerado acréscimo patrimonial obtido nessa data, sobre o qual incide uma alíquota de 15% de imposto de renda (art. 6º) e uma multa de 100% sobre seu valor (art. 8º). Além das consequências penais, o art. 6º, § 4º, da Lei nº 13.254/16 também prevê consequências tributárias, pois o recolhimento do imposto de renda e da multa proporcionam “a remissão dos créditos tributários decorrentes do descumprimento de obrigações tributárias e a redução de 100% (cem por cento) das multas de mora, de ofício ou isoladas e dos encargos legais diretamente relacionados a esses bens e direitos (…)”, excluindo ainda “a multa pela não entrega completa e tempestiva da declaração de capitais brasileiros no exterior, (…) as penalidades aplicadas pela Comissão de Valores Imobiliários ou outras entidades regulatórias” e outras penalidades. Na mesma linha, diz o § 6º do mesmo artigo que “A opção pelo RERCT dispensa o pagamento de acréscimos moratórios incidentes sobre o imposto de que trata o caput”.

4. A repartição dos recursos oriundos da exigência da multa do art. 8º, nos mesmos termos previstos para as receitas do imposto de renda, fez parte das discussões legislativas, constando da Redação Final do Projeto de Lei nº 2960-D de 2015. Aprovado o texto, porém, houve veto da Presidência da República ao ponto. A razão desse veto aposto ao § 1º do art. 8º, que na Lei originariamente aprovada previa a divisão desses recursos, está assim consubstanciada:

“Em razão da natureza jurídica da multa devida em decorrência da adesão ao Regime, sua destinação não deve ser necessariamente a mesma conferida à arrecadação do imposto de renda”.

5. Como resultado, o artigo 8º da Lei nº 13.254/16 entrou em vigência com o seguinte teor:

“Art. 8º. Sobre o valor do imposto apurado na forma do art. 6º incidirá multa de 100% (cem por cento).

§ 1º. (VETADO)”.

Nada diz a lei, portanto, sobre a natureza jurídica da multa que impõe; apenas comina a forma de cálculo.

6. A seu turno, estipula o artigo 161, II, da CF:

“Art. 161. Cabe à lei complementar:

(…)

II – estabelecer normas sobre a entrega dos recursos de que trata o art. 159, especialmente sobre os critérios de rateio dos fundos previstos em seu inciso I, objetivando promover o equilíbrio sócio-econômico entre Estados e entre Municípios” (…);

Com base nesse dispositivo, o Estado peticionante sustenta que a Lei Complementar em questão, LC nº 62/89, prevê:

“Art. 1º. O cálculo, a entrega e o controle das liberações dos recursos do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal – FPE e do Fundo de Participação dos Municípios – FPM, de que tratam as alíneas a e b do inciso I do art. 159 da Constituição, far-se-ão nos termos desta Lei Complementar, consoante o disposto nos incisos II e III do art. 161 da Constituição.

Parágrafo único. Para fins do disposto neste artigo, integrarão a base de cálculo das transferências, além do montante dos impostos nele referidos, inclusive os extintos por compensação ou dação, os respectivos adicionais, juros e multa moratória, cobrados administrativa ou judicialmente, com a correspondente atualização monetária paga”.

Não parece haver dúvida, diante do preceito transcrito, de que a multa moratória ordinariamente prevista na legislação do imposto de renda faz parte do montante a ser distribuído aos Fundos de Participação, nos termos do art. 159, I, da Constituição. Cinge-se a questão, portanto, em saber se essa multa do art. 8º da Lei nº 13.254/16, cuja natureza não é definida expressamente pela legislação, consiste na multa moratória incidente sobre o atraso no pagamento do imposto de renda, ou a ela se equipara.

7. Há, potencialmente, vários tipos de multa tributária. Assim, a multa moratória é a que incide sobre “(…) o descumprimento da chamada obrigação principal (não ter pago o tributo ou tê-lo feito a menor ou a destempo)”, enquanto que as multas isoladas são as que “apenam o descumprimento das obrigações ditas acessórias” (COELHO, Sacha Calmon Navarro. In: Comentários ao Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25.10.1966). Coord.: NASCIMENTO, Carlos Valder. Rio de Janeiro: Forense, 5ª edição, 2000, p. 318).

No âmbito do Supremo Tribunal Federal, recentemente se discorreu sobre o tema em precedente relatado pelo Ministro Roberto Barroso (AI nº 727.872 AgR/RS, 1ª Turma, DJe de 18.5.2015), nos seguintes termos:

“11. No direito tributário, existem basicamente três tipos de multas: as moratórias, as punitivas isoladas e as punitivas acompanhadas do lançamento de ofício. As multas moratórias são devidas em decorrência da impontualidade injustificada no adimplemento da obrigação tributária. As multas punitivas visam coibir o descumprimento às previsões da legislação tributária. Se o ilícito é relativo a um dever instrumental, sem que ocorra repercussão no montante do tributo devido, diz-se isolada a multa. No caso dos tributos sujeitos a homologação, a constatação de uma violação geralmente vem acompanhada da supressão de pelo menos uma parcela do tributo devido. Nesse caso, aplica-se a multa e promove-se o lançamento do valor devido de ofício. Esta é a multa mais comum, aplicada nos casos de sonegação.

12. Com base nas considerações expostas, constato que o fato de o princípio do não confisco ter um conteúdo aberto permite que se proceda a uma dosimetria quanto a sua incidência em correlação com as diversas espécies de multa. As multas moratórias possuem como aspecto pedagógico o desestímulo ao atraso. As multas punitivas, por sua vez, revelam um caráter mais gravoso, mostrando-se como verdadeiras reprimendas. Não é razoável punir em igual medida o desestímulo e a reprimenda”.

8. A questão é sensível porque. Neste juízo perfunctório, que se realiza apenas para evitar o alegado perecimento de direito diante da invocada premência na repartição ou não dos recursos controversos, aparenta dizer respeito à delimitação de ao menos dois temas de primeira grandeza constitucional: competência para instituir e cobrar o tributo por um lado, e direito à repartição dos valores arrecadados, de outro.

O problema versado a respeito da Lei nº 13.254/16 é, nitidamente, de distribuição de receitas. Os dados fático-jurídicos que servem de substrato à questão indicam que houve a edição de lei específica pelo ente competente (a União), e que certa quantidade de recursos financeiros (cerca de cinquenta bilhões de reais, segundo as notícias de imprensa) foi arrecadada.

9. A discriminação de rendas pelo produto da arrecadação, que se dá na forma de transferências intergovernamentais, permite a seguinte classificação:

“Quanto à natureza, podem ser, de um lado, obrigatórias ou constitucionais e, de outro, discricionárias ou voluntárias. Quanto à forma de transferência, podem ser diretas, ou seja, sem qualquer intermediação, e indiretas, efetuadas por meio de fundos. Por derradeiro, dividem-se, ainda, quanto ao destino, em vinculadas e não vinculadas, conforme a obrigatoriedade da entidade beneficiária de aplica-la ou não a um fim específico” (DI PIETRO, Juliano. Repartição das Receitas Tributárias: a repartição do produto da arrecadação. As transferências intergovernamentais. In: CONTI, José Mauricio (org.). Federalismo Fiscal. Barueri: Manole, 2004, pp. 67-100, p. 71).

O mesmo autor, após analisar individualmente os diversos dispositivos da Constituição Federal que tratam de repartição de receitas, afirma que:

“O art. 159 estabelece transferências intergovernamentais obrigatórias, diretas e indiretas, vinculadas e não-vinculadas, com regulamentação prevista em lei complementar” (Ob. cit., p. 76).

A partir do que deduzido na inicial, é de se afirmar que o interesse dos Estados, baseado especificamente no art. 159, I, da CF, se refere a repasse obrigatório (porque derivado de mandamento constitucional), indireto (porque realizado meio de Fundo de Participação) e não-vinculado (porque a Constituição Federal não determina uma aplicação específica dos recursos).

10. A técnica de repartição de receitas, que consubstancia modalidade de distribuição vertical de rendas, é fator inerente ao federalismo brasileiro, pois é inescapável a constatação

“(…) de que nem todos os Estados-membros e Municípios – os quais se pretenderia tornar autônomos – são capazes de produzir em seus lindes riqueza suficiente para dela extrair, sem auxílio externo, matéria tributável em montante compatível às atribuições constitucionais que lhes tenham sido conferidas” (LOBO, Rogério Leite. Federalismo Fiscal Brasileiro: discriminação das rendas tributárias e centralidade normativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 82).

Um aspecto que se torna fundamental, diante da importância dos repasses entre entes federativos (que nem sempre possuem competências tributárias em necessária correspondência às obrigações de prestação de serviços) é a da “intangibilidade dos recursos”, ou seja, “às regras assecuratórias da entrega integral e incondicionada dos montantes às unidades federativas beneficiadas” (LOBO, Rogério Leite. Ob. Cit., p. 153).

11. Nesse sentido se manifestou recentemente este Supremo Tribunal Federal, ao julgar, em repercussão geral, o RE nº 572.762/SC, Pleno, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 05.9.2008, assim ementado:

“CONSTITUCIONAL. ICMS. REPARTIÇÃO DE RENDAS TRIBUTÁRIAS. PRODEC. PROGRAMA DE INCENTIVO FISCAL DE SANTA CATARINA. RETENÇÃO, PELO ESTADO, DE PARTE DA PARCELA PERTENCENTE AOS MUNICÍPIOS. INCONSTITUCIONALIDADE. RE DESPROVIDO. I – A parcela do imposto estadual sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, a que se refere o art. 158, IV, da Carta Magna pertence de pleno direito aos Municípios. II – O repasse da quota constitucionalmente devida aos Municípios não pode sujeitar-se à condição prevista em programa de benefício fiscal de âmbito estadual. III – Limitação que configura indevida interferência do Estado no sistema constitucional de repartição de receitas tributárias. IV – Recurso extraordinário desprovido”.

Diz o art. 158, IV, para efeitos de comparação: “Art. 158. Pertencem aos Municípios: (…) IV – vinte e cinco por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação”.

Nesse precedente, analisou-se caso em que o Estado de Santa Catarina instituiu programa de incentivo fiscal por meio do qual as empresas recolhiam ICMS, mas o Estado devolvia grande parte do tributo a elas, como incentivo produtivo. Portanto, o imposto era recolhido e depois restituído, postergando-se sua arrecadação definitiva para outro período. Como ficou assentado nos votos então proferidos, tal metodologia significava alterar a base de cálculo do ICMS por vias transversas, pois a regulamentação do incentivo fiscal proporcionava um “efeito colateral” sobre o volume da arrecadação, a partir da devolução de certo montante recolhido.

Este STF reconheceu que uma norma, mesmo sem dispor diretamente sobre um tributo, pode alterar sua arrecadação total e, com isso, prejudicar outro ente da Federação. Deu-se por violado o art. 158, IV, da CF, notadamente porque esse dispositivo – como aliás o art. 159, I, que pertine diretamente à atual controvérsia – determina a divisão do “produto da arrecadação”.

Outro caso recente é o RE nº 705.423/SE, que está afetado em repercussão geral, mas ainda não teve julgamento de mérito. A ementa da repercussão geral é a seguinte:

“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. REPARTIÇÃO DE RECEITAS TRIBUTÁRIAS. IR E IPI. FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS. ART. 159, I, b e d, DA CF. CÁLCULO. EXCLUSÃO DOS BENEFÍCIOS, INCENTIVOSE ISENÇÕES FISCAIS CONCEDIDOS PELA UNIÃO. REPERCUSSÃO ECONÔMICA, JURÍDICA E POLÍTICA. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL”.

A controvérsia, neste caso, aborda argumento segundo o qual a concessão de benefícios ou isenções fiscais pelo ente tributante indiretamente provoca redução do valor arrecadado e, com isso, gera diminuição do repasse aos entes beneficiários da repartição de receitas. Nesse sentido, a pretensão se volta ao entendimento de que os efeitos financeiros desse tipo de decisão tributária, com impacto prático na arrecadação final, deveriam operar apenas sobre a parcela retida pelo ente tributante, enquanto que, para fins de distribuição constitucional, deveria ser considerado o valor que teria sido recolhido, caso a isenção (por exemplo) não existisse.

Pretensão de semelhante natureza – qual seja, referente ao impacto de benefícios e isenções dadas pelo ente tributante sobre os valores arrecadados e posteriormente repartidos – está sendo conduzida no RE nº 705.423/SE, relatado pelo Ministro Edson Fachin, igualmente sob a sistemática da repercussão geral.

Destaco, ainda, voto-vista por mim proferido em 12.3.2015, ao julgar procedente pedido deduzido na ACO nº 758, de relatoria do Ministro Marco Aurélio. Em tal julgamento, ainda não concluído, esta Suprema Corte se debruça sobre pedido de recálculo dos repasses do Fundo de Participação dos Estados – FPE – desde abril de 1999, em virtude das deduções, nos valores recolhidos a título de Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas, das contribuições do Programa de Integração Nacional – PIN – e do Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e do Nordeste – PROTERRA, com o pagamento das diferenças decorrentes.

Após tecer apanhado histórico desses programas e da evolução legislativa pertinente, consignei cuidarem os arts. 157 a 162 da Constituição Federal de disposições de Direito Financeiro, na medida em que “regulam a partilha de recursos angariados com a cobrança de tributos, e não a tributação propriamente dita”, muito embora disso não decorra “uma separação estanque entre o Direito Tributário e o Direito Financeiro”, em casos dessa natureza. Firmada a controvérsia, como se verifica, de certo modo, também na presente hipótese, em torno da interpretação do alcance da expressão “produto da arrecadação”, concluí, naquela assentada, que “o princípio federativo, cláusula pétrea do texto constitucional (art. 60, § 4º, I), impõe que se adicionem à receita líquida, para fins de determinação do produto da arrecadação a ser partilhado, os incentivos fiscais consistentes na dedução, do próprio imposto a pagar, de valores destinados a órgãos, fundos ou despesas federais, notadamente daqueles que contrastam com a proibição constitucional da vinculação da receita de impostos (art. 167, IV, da CF)”, pois “se o legislador não pode vincular a receita de impostos diretamente a órgão, fundo ou despesa, é evidente que não está autorizado a fazê-lo de modo indireto, sobretudo quando a forma eleita para a afetação indireta implica prejuízo a outros entes políticos”.

12. A discussão, porém, possui aspectos inovadores, diante das circunstâncias especiais em que se encontra proposta. O RERCT é iniciativa pioneira, com contornos jurídicos especiais. Trata-se, a rigor, de uma opção concedida ao contribuinte, descaracterizado o caráter impositivo da incidência de seu regramento, premissa que há de ser considerada com cuidado. Essas constatações indicam, inclusive, a necessidade de oportuna manifestação do Plenário desta Suprema Corte, diante das destacadas peculiaridades com que o tema se apresenta. Em face de tais fatores determinei, na conexa ACO nº 2.931, concomitantemente à citação, a oitiva da ré a respeito da pretensão antecipatória do direito pleiteado. A presente decisão não representa alteração de entendimento a esse respeito. Dá-se, exclusivamente, em razão da alegada premência na distribuição de recursos ao Fundo de Participação dos Estados, a ser realizada nesta data, segundo informações prestadas pelo autor.

Diante do exposto, defiro, em juízo de mera delibação, o pedido subsidiário deduzido na Petição nº 63.015/2016 (doc. 4), no sentido de determinar o depósito, em conta judicial à disposição deste juízo, do valor correspondente do Fundo de Participação dos Estados relativo ao autor, incidente sobre a multa a que se refere o art. 8º da Lei nº 13.254/16.

Comunique-se, com urgência, para cumprimento imediato, o teor da presente decisão, cuja cópia deverá ser encaminhada à Advocacia-Geral da União.

Na mesma oportunidade, CITE-SE a União para contestar o feito, no prazo de 30 (trinta) dias (artigos 183 e 335 do Novo Código de Processo Civil, c/c art. 247, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).

Publique-se. Intimem-se.

Brasília, 10 de novembro de 2016.

Ministra Rosa Weber

Relatora

*decisão publicada no DJe em 16.11.2016

Inovações Legislativas

21 a 25 de novembro de 2016

Medida Provisória nº 752, de 24.11.2016  – Dispõe sobre diretrizes gerais para a prorrogação e a relicitação dos contratos de parceria que especifica e dá outras providências. Publicado no DOU, Seção 1, Edição nº 226, p. 1, em 25.11.2016.

Lei nº 13.363, de 25.11.2016 – Altera a Lei no 8.906, de 4 de julho de 1994, e a Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), para estipular direitos e garantias para a advogada gestante, lactante, adotante ou que der à luz e para o advogado que se tornar pai. Publicado no DOU, Seção 1, Edição nº 227, p. 1, em 28.11.2016.

Outras Informações

21 a 25 de novembro de 2016

Decreto nº 8.908, de 22.11.2016 Promulga o Protocolo Complementar para o Desenvolvimento Conjunto do CBERS – 4A entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Popular da China ao Acordo Quadro entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Popular da China sobre Cooperação em Aplicações Pacíficas de Ciência e Tecnologia do Espaço Exterior, firmado em Brasília, em 19 de maio de 2015. Publicado no DOU, Seção 1, Edição nº 224, p. 10, em 23.11.2016.

Secretaria de Documentação – SDO

Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD

 CJCD@stf.jus.br

Como citar e referenciar este artigo:
STF,. Informativo nº 848 do STF. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2016. Disponível em: https://investidura.com.br/informativos-de-jurisprudencia/stf-informativos-de-jurisprudencia/informativo-no-848-do-stf/ Acesso em: 25 abr. 2024
STF

Informativo nº 908 do STF

STF

Informativo nº 907 do STF

STF

Informativo nº 894 do STF

STF

Informativo nº 893 do STF

STF

Informativo nº 892 do STF