STF

Informativo nº 805 do STF

Brasília, 26 a 29 de outubro de 2015

Data de divulgação: 6 de novembro de 2015

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a publicação do acórdão no Diário da Justiça.

Sumário

Plenário

Norma penal militar e discriminação sexual

Repercussão Geral

Pedofilia e competência

RPV e juros moratórios

Ocupação e parcelamento do solo urbano: loteamentos fechados e plano diretor – 4

1ª Turma

Ato do CNJ e extensão de gratificação de servidor público

2ª Turma

Procedimento de controle administrativo e notificação pessoal

Clipping do DJe

Transcrições

Maus antecedentes e período depurador (HC 126.315/SP)

 

Plenário

Norma penal militar e discriminação sexual

As expressões “pederastia ou outro” — mencionada na rubrica enunciativa referente ao art. 235 do CPM — e “homossexual ou não” — contida no aludido dispositivo — não foram recepcionadas pela Constituição (“Pederastia ou outro ato de libidinagem – Art. 235. Praticar, ou permitir o militar que com êle se pratique ato libidinoso, homossexual ou não, em lugar sujeito a administração militar: Pena – detenção, de seis meses a um ano”). Essa a conclusão do Plenário que, por maioria, julgou parcialmente procedente pedido formulado em arguição de descumprimento de preceito fundamental proposta contra a referida norma penal. De início, o Tribunal conheceu do pedido. No ponto, considerou que os preceitos tidos como violados possuiriam caráter inequivocamente fundamental (CF, artigos 1º, III e V; 3º, I e IV; e 5º, “caput”, I, III, X e XLI). Além disso, o diploma penal militar seria anterior à Constituição, de modo que não caberia ação direta de inconstitucionalidade para questionar norma nele contida. Assim, não haveria outro meio apto a sanar a suposta lesão aos preceitos fundamentais. No mérito, o Colegiado apontou que haveria um paralelo entre as condutas do art. 233 do CP (ato obsceno) e 235 do CPM. Na norma penal comum, o bem jurídico protegido seria o poder público. Na norma penal militar, por outro lado, o bem seria a administração militar, tendo em conta a disciplina e a hierarquia, princípios estes com embasamento constitucional (CF, artigos 42 e 142). Haveria diferenças não discriminatórias entre a vida civil e a vida da caserna, marcada por valores que não seriam usualmente exigidos, de modo cogente e imperativo, aos civis. Por essa razão, a tutela penal do bem jurídico protegido pelo art. 235 do CPM deveria se manter. Acresceu, entretanto, que o aludido dispositivo, embora pudesse ser aplicado a heterossexuais e a homossexuais, homens e mulheres, teria o viés de promover discriminação em desfavor dos homossexuais, o que seria inconstitucional, haja vista a violação dos princípios da dignidade humana e da igualdade, bem assim a vedação à discriminação odiosa. Desse modo, a lei não poderia se utilizar de expressões pejorativas e discriminatórias, considerado o reconhecimento do direito à liberdade de orientação sexual como liberdade essencial do indivíduo. Vencidos os Ministros Rosa Weber e Celso de Mello, que acolhiam integralmente o pedido para declarar não recepcionado pela Constituição o art. 235 do CPM em sua integralidade.

ADPF 291/DF, rel. Min. Roberto Barroso, 28.10.2015.  (ADPF-291)

 

Repercussão Geral

Pedofilia e competência

Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes consistentes em disponibilizar ou adquirir material pornográfico envolvendo criança ou adolescente (ECA, artigos 241, 241-A e 241-B), quando praticados por meio da rede mundial de computadores. Com base nessa orientação, o Plenário, por maioria, negou provimento a recurso extraordinário em que se discutia a competência processual para julgamento de tais crimes. O Tribunal entendeu que a competência da Justiça Federal decorreria da incidência do art. 109, V, da CF (“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: … V – os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente”). Ressaltou que, no tocante à matéria objeto do recurso extraordinário, o ECA seria produto de convenção internacional, subscrita pelo Brasil, para proteger as crianças da prática nefasta e abominável de exploração de imagem na internet. O art. 241-A do ECA, com a redação dada pela Lei 11.829/2008, prevê como tipo penal oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente. Esse tipo penal decorreria do art. 3º da Convenção sobre o Direito das Crianças da Assembleia Geral da ONU, texto que teria sido promulgado no Brasil pelo Decreto 5.007/2004. O art. 3º previra que os Estados-Partes assegurariam que atos e atividades fossem integramente cobertos por suas legislações criminal ou penal. Assim, ao considerar a amplitude do acesso ao sítio virtual, no qual as imagens ilícitas teriam sido divulgadas, estaria caracterizada a internacionalidade do dano produzido ou potencial. Vencidos os Ministros Marco Aurélio (relator) e Dias Toffoli, que davam provimento ao recurso e fixavam a competência da Justiça Estadual. Assentavam que o art. 109, V, da CF deveria ser interpretado de forma estrita, ante o risco de se empolgar indevidamente a competência federal. Pontuavam que não existiria tratado, endossado pelo Brasil, que previsse a conduta como criminosa. Realçavam que a citada Convenção gerara o comprometimento do Estado brasileiro de proteger as crianças contra todas as formas de exploração e abuso sexual, mas não tipificara a conduta. Além disso, aduziam que o delito teria sido praticado no Brasil, porquanto o material veio a ser inserido em computador localizado no País, não tendo sido evidenciado o envio ao exterior. A partir dessa publicação se procedera, possivelmente, a vários acessos. Ponderavam não ser possível partir para a capacidade intuitiva, de modo a extrair conclusões em descompasso com a realidade.

RE 628624/MG, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, 28 e 29.10.2015.  (RE-628624)

RPV e juros moratórios

O Plenário iniciou o julgamento de recurso extraordinário em que se discute o cabimento de juros de mora no período compreendido entre a data da conta de liquidação e a da expedição de requisição de pequeno valor-RPV. O Ministro Marco Aurélio (relator) negou provimento ao recurso, para assentar a incidência de juros da mora no período compreendido entre a data da realização dos cálculos e a da requisição relativa ao pagamento de débito de pequeno valor. Ressaltou que o regime previsto no art. 100 da CF consubstancia sistema de liquidação de débito que não se confundiria com moratória. A requisição não operaria como se fosse pagamento, fazendo desaparecer a responsabilidade do devedor. Enquanto persistisse o quadro de inadimplemento do Estado, deveriam incidir os juros da mora. Assim, desde a citação — termo inicial firmado no título executivo — até a efetiva liquidação da RPV, os juros moratórios deveriam ser computados, a compreender o período entre a data da elaboração dos cálculos e a da requisição. Consignou que o Enunciado 17 da Súmula Vinculante não se aplicaria ao caso, porquanto não se cuidaria do período de 18 meses referido no art. 100, § 5º, da CF. Tratar-se-ia do lapso temporal compreendido entre a elaboração dos cálculos e a RPV. Além disso, o entendimento pela não incidência dos juros da mora durante o aludido prazo teria sido superado pela EC 62/2009, que incluíra o § 12 ao art. 100 da CF. Enfatizou que o sistema de precatório, a abranger as RPVs, não poderia ser confundido com moratória, razão pela qual os juros da mora deveriam incidir até o pagamento do débito. Assentada a mora da Fazenda até o efetivo pagamento do requisitório, não haveria fundamento para afastar a incidência dos juros moratórios durante o lapso temporal anterior à expedição da RPV. No plano infraconstitucional, antes da edição da aludida emenda constitucional, entrara em vigor a Lei 11.960/2009, que modificara o art. 1º-F da Lei 9.494/1997. A norma passara a prever a incidência dos juros para compensar a mora nas condenações impostas à Fazenda até o efetivo pagamento. Não haveria, portanto, fundamento constitucional ou legal a justificar o afastamento dos juros da mora enquanto persistisse a inadimplência do Estado. Ademais, não procederia alegação no sentido de que o ato voltado a complementar os juros da mora seria vedado pela regra do art. 100, § 4º, da CF, na redação da EC 37/2002. Haveria precedentes do STF a consignar a dispensa da expedição de requisitório complementar — mesmo nos casos de precatório — quando se cuidasse de erro material, inexatidão dos cálculos do precatório ou substituição, por força de lei, do índice empregado. Também seria insubsistente o argumento de que o requisitório deveria ser corrigido apenas monetariamente, ante a parte final da regra do art. 100, § 1º, da CF, na redação conferida pela EC 30/2000. O fato de o constituinte haver previsto somente a atualização monetária no momento do pagamento não teria o condão de afastar a incidência dos juros da mora. Sucede que a EC 62/2009 versaria a previsão dos juros moratórios, mantendo a redação anterior do aludido § 1º no tocante à atualização.  Após os votos dos Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber e Luiz Fux, que acompanharam o relator, pediu vista o Ministro Dias Toffoli.

RE 579431/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 29.10.2015(RE-579431)

Ocupação e parcelamento do solo urbano: loteamentos fechados e plano diretor – 4

Os Municípios com mais de 20 mil habitantes e o Distrito Federal podem legislar sobre programas e projetos específicos de ordenamento do espaço urbano por meio de leis que sejam compatíveis com as diretrizes fixadas no plano diretor. Com base nessa orientação, o Plenário, por maioria, negou provimento a recurso extraordinário em que se discutia a constitucionalidade — em face dos artigos 182, §§ 1º e 2º, da CF — da LC 710/2005 do Distrito Federal, que dispõe sobre a disciplina de projetos urbanísticos em lotes integrados por unidades autônomas e áreas comuns condominiais — v. Informativos 755 e 783. O Tribunal reputou legítima a LC 710/2005, tanto sob o aspecto formal e quanto material. Destacou que a norma impugnada estabeleceria uma forma diferenciada de ocupação e parcelamento do solo urbano em loteamentos fechados, a tratar da disciplina interna desses espaços e dos requisitos urbanísticos mínimos a serem neles observados. Mencionou que a Constituição prevê competência concorrente aos entes federativos para fixar normas gerais de urbanismo (art. 24, I e § 1º, e 30, II) e que, a par dessa competência, aos Municípios fora atribuída posição de preponderância a respeito de matérias urbanísticas. Sublinhou que a atuação municipal no planejamento da política de desenvolvimento e expansão urbana deveria ser conduzida com a aprovação, pela Câmara Municipal, de um plano diretor — obrigatório para as cidades com mais de 20.000 habitantes —, cujo conteúdo deveria sistematizar a existência física, econômica e social da cidade, de modo a servir de parâmetro para a verificação do cumprimento da função social das propriedades inseridas em perímetro urbano. Destacou que a lei geral de urbanismo vigente seria o Estatuto das Cidades (Lei 10.257/2001), que também positivara normas gerais a serem observadas na elaboração de planos diretores. No tocante à lei impugnada, aduziu que ela se diferenciaria da Lei 6.766/1979, notadamente, pela: a) possibilidade de fechamento físico e da limitação de acesso da área a ser loteada; e b) transferência, aos condôminos, dos encargos decorrentes da instalação da infraestrutura básica do projeto e dos gastos envolvidos na administração do loteamento, a exemplo do consumo de água, energia elétrica, limpeza e conservação. Consignou que a lei distrital disporia sobre padrão normativo mínimo a ser aplicado a projetos de futuros loteamentos fechados, com o objetivo de evitar situações de ocupação irregular do solo, à margem de controle pela Administração. Asseverou, ainda, que nem toda matéria urbanística relativa às formas de parcelamento, ao uso ou à ocupação do solo deveria estar inteiramente regrada no plano diretor. Enfatizou que determinados modos de aproveitamento do solo urbano, pelas suas singularidades, poderiam receber disciplina jurídica autônoma, desde que compatível com o plano diretor. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, Edson Fachin e Ricardo Lewandowski (presidente), que davam provimento ao recurso e declaravam a inconstitucionalidade da mencionada lei distrital. Pontuavam que essa lei esparsa, ao disciplinar a figura do condomínio fechado por meio de um regulamento genérico e de diretrizes gerais, teria ofendido o plano diretor.

RE 607940/DF, rel. Min. Teori Zavascki, 29.10.2015(RE-607940)

 

Primeira Turma

Ato do CNJ e extensão de gratificação de servidor público

A Primeira Turma iniciou julgamento de mandado de segurança impetrado em face de ato do CNJ, que determinara a alteração da Resolução 10/2010 do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, para que o referido ato normativo contemplasse, no rol de beneficiários da Gratificação por Condições Especiais de Trabalho – CET, determinada categoria de servidores. O Ministro Marco Aurélio (relator), ao deferir o mandado de segurança, afirmou que a alteração da Resolução 10/2010, determinada pelo CNJ, produziria o efeito de uma equiparação remuneratória, sob o fundamento de isonomia, entre atividades que, embora dotadas de algum grau de semelhança, não seriam idênticas. Não competiria àquele órgão de controle interferir em atividade reservada ao tribunal de justiça (CF, art. 99). Assim, o art. 6º da Resolução 10/2010, ao disciplinar o alcance subjetivo da gratificação em comento, teria observado o art. 1º da Lei estadual 11.919/2010. Este diploma conferira legítimo campo de avaliação quanto aos potenciais beneficiados, em atenção às funções desempenhadas e às restrições orçamentárias existentes. Portanto, a decisão impugnada, ao igualar a remuneração de categorias distintas de agentes públicos, revelaria desrespeito às balizas constitucionais relativas à atuação administrativa do CNJ. Ademais, se, conforme o Enunciado 339 da Súmula do STF, aos órgãos do Poder Judiciário seria vedado evocar o princípio da isonomia para implementar equiparação remuneratória, com maior razão não poderia fazê-lo órgão administrativo, porquanto este seria vinculado à lei (CF, artigos 37, “caput”, e 103-B, § 4º, II). O Ministro Edson Fachin, em divergência, denegou a segurança. Destacou que a Lei estadual 11.919/2010, que criara a gratificação, não teria afastado o direito dos demais servidores efetivos — à luz do seu art. 1º, “caput” — à percepção daquele benefício. Essa interpretação seria corroborada pelo fato de que o próprio tribunal de justiça, ao regulamentar a lei, estendera a outros servidores efetivos o direito à citada gratificação. Fundamentada desse modo a possibilidade de extensão da gratificação criada por lei, não haveria como, em sede de mandado de segurança — cuja dilação probatória seria limitada — infirmar essa conclusão. Assim, havendo, em tese, direito à percepção da gratificação, não haveria ilegalidade na decisão do CNJ, que reconhecera a omissão e determinara que o tribunal de justiça regulamentasse as condições pelas quais outros servidores a recebessem. Em seguida, pediu vista dos autos o Ministro Roberto Barroso.

MS 31285/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 27.10.2015(MS-31285)

 

Segunda Turma

Procedimento de controle administrativo e notificação pessoal

Reveste-se de nulidade a decisão do Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP que, em procedimento de controle administrativo (PCA) notifica o interessado por meio de edital publicado no Diário Oficial da União para restituir valores aos cofres públicos. Com base nessa orientação, a Segunda Turma concedeu a ordem em mandado de segurança impetrado por servidor para determinar a anulação do PCA a partir do momento em que deveria ter sido notificado pessoalmente, sem prejuízo da renovação dos procedimentos voltados à apuração das irregularidades a ele associadas nesse processo administrativo. Na espécie, no PCA considerara-se indevido o pagamento de gratificação de adicional de tempo de serviço sobre férias e licença-prêmio não gozadas, por caracterizar tempo de serviço ficto, além de não existir previsão legal. A Turma aduziu que referida comunicação fora feita com fundamento no art. 105 do Regimento Interno do Ministério Público (“O Relator determinará a oitiva da autoridade que praticou o ato impugnado e, por edital, dos eventuais beneficiários de seus efeitos, no prazo de quinze dias”), de conteúdo semelhante a uma disposição normativa que existia no CNJ e que o STF declarara inconstitucional. Os Ministros Dias Toffoli e Cármen Lúcia ressaltaram que decisões do CNJ contra determinações de caráter normativo geral não implicariam a necessidade de intimação pessoal de todos os atingidos, como no caso dos concursos públicos.

MS 26419/DF, rel. Min. Teori Zavascki, 27.10.2015.  (MS-26419)

 

Sessões Ordinárias Extraordinárias Julgamentos

1ª Turma 27.10.2015         —                  231

2ª Turma 27.10.2015          —                  242

C l i p p i n g  d o  D Je

26 a 29 de outubro de 2015

AG. REG. NOS EMB. DECL. NOS EMB. DIV. NO AG. REG. NO AI N. 808.405-SP

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA – ACÓRDÃO RELATIVO A AGRAVO. Acórdão decorrente de julgamento de agravo regimental, interposto contra ato de relator no exame de agravo, sem apreciação da matéria de fundo do extraordinário, não desafia embargos de divergência – inteligência do artigo 546 do Código de Processo Civil.

Ext N. 1.351-DF

RELATOR: MIN. LUIZ FUX

Ementa: Direito Internacional Público. Extradição Executória. República Federal da Alemanha. Tráfico e associação para o tráfico de entorpecentes – artigos 33 e 35, c/c artigo 40, I, todos da Lei n. 11.343/2006. Dupla tipicidade. Cidadão alemão. Exequatur de sentença proferida pela Justiça espanhola concedido pela Justiça alemã. Cumprimento da pena na Alemanha. Regularidade formal do pedido. Ausência de tratado suprida pela promessa de reciprocidade. Competência do Estado requerente. Princípio da nacionalidade. Conotação política. Inexistência. Contenciosidade limitada (art. 85, § 1º da Lei n. 6.185/1980). Nulidade do interrogatório por ausência de tradutor juramentado. Inexistência: Tradutor nomeado e compromissado pelo Juiz. Extraditando não fluente em português. Circunstância não comprometedora da validade do interrogatório: Compreensão plena dos fatos imputados. Propósito de acionar o Tribunal Europeu dos Direitos dos Homens para desconstituir a sentença condenatória. Ausência de comprovação de decisão concessiva de efeito suspensivo da execução da pena. Inexistência de prescrição em ambos os ordenamentos jurídicos. Questionamento a respeito da prisão preventiva para extradição. Inviabilidade: condição de procedibilidade do pedido. Residência permanente no Brasil e filho brasileiro: circunstâncias não impeditivas da extradição (Súmula 421/STF). Extradição Deferida.

1. A extradição pressupõe o cumprimento dos requisitos legais extraídos por interpretação a contrario sensu do art. 77 da Lei nº 6.815/80; vale dizer, defere-se o pleito se o caso sub examine não se enquadrar em nenhum dos incisos do referido dispositivo e restarem observadas as disposições do tratado específico.

2. A  promessa de reciprocidade torna indiferente a ausência de tratado, não impedindo a extradição.

3. Os elementos de convicção embasadores da condenação são insuscetíveis de análise pelo Supremo Tribunal Federal, cuja competência, a teor do artigo 85, § 1º, da Lei n. 6.815/1980, restringe-se ao exame da identidade da pessoa reclamada, defeito de forma dos documentos ou ilegalidade da extradição (Ext 1009, rel. Min. Sepúlveda Pertence).

4. A ausência de tradutor juramentado resta suprida com a nomeação de tradutor não detentor dessa qualificação que firmou o compromisso de  traduzir com veracidade e autenticidade as perguntas e respostas, sendo certo ainda que, na linha do parecer ministerial, “a circunstância de o extraditando não ser plenamente fluente em português não chegou a comprometer a validade do interrogatório, ficando claro que ele, coadjuvado pelo intérprete, teve plena compreensão dos fatos que lhe são imputados”.

5. A representação junto ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem para desconstituir a sentença condenatória é irrelevante para o julgamento do pedido de extradição, mercê de a defesa não ter colacionado nos autos comprovação de eventual efeito suspensivo da execução da pena concedido por qualquer organismo internacional.

6. Os crimes de tráfico e associação para o tráfico de entorpecentes não prescreveram segundo os ordenamentos jurídicos alemão e espanhol, uma vez que a pena restou fixada, de modo conglobado, em 10 (dez) anos e o artigo 79, ns. 1-3 e 6, do Código Penal alemão prevê prazo prescricional de 20 (vinte) anos. O art. 133 do Código Penal espanhol estipula, por sua vez, o prazo de 15 (quinze) anos; logo, transitada em julgado a sentença em 06/11/2009, marco inicial da prescrição, resta evidente sua inocorrência.

7. A prescrição da pretensão executória também não ocorreu nos termos da legislação brasileira, porquanto apesar de o artigo 119 do Código Penal dispor, no caso de concurso de crimes, que a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um deles, isoladamente, a jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que seja considerada a pena conglobada, uma vez que “viável não se torna formar um terceiro sistema, conjugando as duas leis que, em regra, obedecem a princípios diferentes, para adotar um híbrido e com ele solver a tese da prescrição” (Ext 267/Iugoslávia). Desse modo, tendo em conta o prazo prescricional de 16 (dezesseis) no que tange à pena superior a 8 (oito) anos e não excedente a 12 (doze) anos (art. 109, II, do CP), o trânsito em julgado da sentença, ocorrido em 06/11/2009, e a causa interruptiva da prescrição, caracterizada pela prisão preventiva para extradição, efetivada em 11/07/2014, a  ausência da extinção da pretensão executória afigura-se patente, sendo certo ainda que, se fosse considerada a pena mínima de 5 (cinco) anos, isoladamente, para os crimes  de tráfico e de associação para o tráfico, a prescrição também não teria ocorrido, por força do art. 109, III, do Código Penal, uma vez que consoante o referido diploma o prazo prescricional para a pena superior a 4 (quatro) anos e não excedente a 8 (oito) anos é de 12 (doze) anos.

8. A prisão preventiva para extradição constitui condição de procedibilidade do processo extradicional (Ext 579-QO, Rel. Min. Celso de Mello), tendo, a propósito, pronunciamento do Supremo Tribunal Federal no sentido da constitucionalidade do art. 84, parágrafo único, da Lei n. 6.815/1980, in litteris: “A prisão perdurará até o julgamento final do Supremo Tribunal Federal, não sendo admitidas a liberdade vigiada, a prisão domiciliar, nem a prisão albergue” (Ext 785-QO, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 06/10/2001).

9. A residência permanente no país e o filho brasileiro, dependente econômico do extraditando, não constituem causas impeditivas da extradição, consoante Súmula 421/STF.

10. Os delitos de tráfico e associação para o tráfico de entorpecentes não expressam, a toda evidência, conotação política.

11. In casu:

(i) o extraditando foi condenado, em 30/07/2008, pela Justiça espanhola, à pena de 10 (dez) anos de de reclusão, advindo o trânsito em julgado em 06/11/2009;

(ii) a Justiça alemã concedeu exequatur à sentença espanhola, a fim de que o extraditando, alemão, cumpra a pena em seu país, competente para a execução em face do princípio da nacionalidade;

(iii) os autos estão instruídos com informações seguras a respeito do local, data, natureza e circunstâncias dos fatos criminosos, identidade do extraditando e cópia dos textos legais sobre os crimes, as penas e os prazos prescricionais, estando satisfeitos os requisitos do art. 80 da Lei n. 6.815/80; e

(iv) apesar de a sentença ter sido proferida pela Justiça da Espanha, a Alemanha é competente para a execução da pena em razão do exequatur que concedera à sentença estrangeira e, principalmente, em virtude do princípio da nacionalidade, uma vez que se trata de cidadão alemão.

12. O Estado requerente deverá firmar o compromisso de descontar da pena o tempo de prisão do extraditando no território brasileiro para fins de extradição (Ext 1211/REPÚBLICA PORTUGUESA, rel. Min. Ellen Gracie, Pleno, DJ de 24/3/2011; Ext 1214/EUA, rel. Min. Ellen Gracie, Pleno, DJ 6/5/2011; Ext 1226/Reino da Espanha, rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJ de 1/9/2011); aliás, como previsto na promessa de reciprocidade.

13. Pedido de extradição deferido.

RMS N. 30.548-DF

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

ANISTIA – SERVIÇO PÚBLICO – RETORNO – REGIME. O retorno do servidor à Administração Pública, à prestação de serviços, faz-se observada a situação jurídica originária, descabendo transmudar o regime da Consolidação das Leis do Trabalho em especial – inteligência das Leis nº 8.878/94 e 8.212/90.

*noticiado no Informativo 799

Inq N. 3.601-SP

RELATOR: MIN. LUIZ FUX

Ementa: INQUÉRITO. PENAL. CRIME DE FALSIDADE IDEOLÓGICA EM PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAL. PREJUDICIAL: PRESCRIÇÃO PELA PENA EM ABSTRATO. INOCORRÊNCIA. NATUREZA PÚBLICA, E NÃO PRIVADA, DO DOCUMENTO. PRECEDENTES. OMISSÃO DE INFORMAÇÃO COM FIM DE ALTERAR A VERDADE SOBRE FATO JURIDICAMENTE RELEVANTE. NARRATIVA FÁTICA OBEDIENTE AO DISPOSTO NO ART. 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. DEMONSTRAÇÃO MÍNIMA DA PRÁTICA DA CONDUTA E DO ESPECIAL FIM DE AGIR. EXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA O INÍCIO DA AÇÃO PENAL. DENÚNCIA RECEBIDA.

1. O crime de falsidade ideológica, quando incidente sobre prestação de contas eleitoral, é apenado com reclusão, de um a cinco anos, e multa, por se tratar de documento de natureza pública.

2. O candidato e o administrador financeiro da campanha são os responsáveis legais pela veracidade das informações, nos termos dos artigos 20 e 21 da Lei 9.504/97.

3. A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal assentou o entendimento de que jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, “a responsabilidade na prestação de contas das despesas realizadas com a campanha cabe ao candidato, pouco importando que outrem haja intermediado as relações jurídicas” (Inq. 3345/DF, Primeira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 12/08/2014, unânime).

4. In casu, os nomes dos dois acusados constam do documento de prestação de contas objeto da acusação, razão pela qual ambos respondem pela prática, em tese, do crime de falsum.

5. A aplicação do método fenomenológico e ontológico ao Direito penal levou à substituição do conceito causal por um conceito final de ação, cujo ponto de partida é a consideração de que o que o comportamento humano possui de específico não é a causalidade, mas a finalidade (isto é, o conduzir-se intencionalmente a uma meta previamente eleita), porque as forças da natureza também operam causalmente. Só a ação humana é ‘vidente’ (vê para onde tende a finalidade perseguida), ao contrário dos demais processos naturais, que atuam de modo ‘cego’. A ação humana se caracteriza, pois, por ser ‘exercício de atividade final (PUIG, 2007, p. 156/157). Consequentemente, verificada a prática de uma conduta por um indivíduo capaz (imputável), presume-se que ele a tenha praticado consciente e voluntariamente.

6. De modo excepcional, o comportamento humano pode derivar de culpa, que afasta o dolo. Culpa, segundo conceitua a doutrina, é a inobservância do dever de cuidado manifestada numa conduta produtora de um resultado não querido, objetivamente previsível (BITENCOURT, CONDE, 2000, p. 199).

7. In casu, a omissão narrada na exordial teria envolvido pagamento de despesas da campanha por uma empresa da família do candidato acusado, empresa esta que teria sido empregada também em supostos crimes contra a Administração Pública.

8. Assim, a inicial acusatória apresentou argumentação suficiente para demonstrar não somente a materialidade delitiva como, também, a presença do elemento subjetivo da conduta.

9. A justa causa revela-se demonstrada quando se analisam os documentos fiscais emitidos pela prestadora de serviços, inscrições que os vinculam diretamente à campanha eleitoral do acusado, elemento a que se somam os montantes omitidos, no total de 21% dos recursos declarados na prestação de contas.

10. Denúncia recebida contra os acusados PAULO SALIM MALUF e SÉRGIO STEFANELLI GOMES. 

Acórdãos Publicados: 389

Transcrições

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do InformativoSTF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

 

Maus antecedentes e período depurador (Transcrições)

(v. Informativo 799)

HC 126.315/SP*

RELATOR: Ministro Gilmar Mendes

EMENTA: Habeas corpus. 2. Tráfico de entorpecentes. Condenação. 3. Aumento da pena-base. Não aplicação da causa de diminuição do § 4º do art. 33, da Lei 11.343/06. 4. Período depurador de 5 anos estabelecido pelo art. 64, I, do CP. Maus antecedentes não caracterizados. Decorridos mais de 5 anos desde a extinção da pena da condenação anterior (CP, art. 64, I), não é possível alargar a interpretação de modo a permitir o reconhecimento dos maus antecedentes. Aplicação do princípio da razoabilidade, proporcionalidade e dignidade da pessoa humana. 5. Direito ao esquecimento. 6. Fixação do regime prisional inicial fechado com base na vedação da Lei 8.072/90. Inconstitucionalidade. 7. Ordem concedida.

RELATÓRIO: Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado pela Defensoria Pública da União, em favor de **, em face de acórdão emanado da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que negou provimento ao Agravo Regimental no REsp 1.396.731/SP.

O paciente foi preso em flagrante em 8.10.2010, porquanto teria consigo, para consumo de terceiros, 32 (trinta e duas) porções de cocaína e 50 (cinquenta) porções de crack, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, além da quantia de R$ 211,00 (duzentos e onze reais).

Após as diligências investigativas, foi denunciado pela suposta prática do delito tipificado no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006.

Em 28.12.2010, a denúncia foi recebida pelo Juízo da 1ª Vara da Comarca de Aparecida/SP.

As informações referentes à vida pregressa do paciente constam no eDOC 3, p. 24-52.

Transcorrida a instrução criminal, sobreveio condenação na qual o então réu recebeu a reprimenda de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e o pagamento de 583 dias-multa.

Interposta apelação defensiva no TJ/SP, esta foi parcialmente provida, tendo sido redimensionada a pena para 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, com manutenção do regime inicial fechado para cumprimento da pena, e o pagamento de 250 dias-multa, afastando-se a circunstância desfavorável referente aos maus antecedentes, com fixação da pena-base no mínimo legal e aplicação da causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, no patamar de 1/2. Confiram-se os termos da ementa:

“TÓXICO – Crime de tráfico – Quadro probatório que se mostra seguro e coeso para evidenciar autoria e materialidade do delito – Inexistência de dúvida que justifica o decreto condenatório – Impossibilidade de desclassificação para o crime de posse de drogas para uso pessoal (art. 28 da Lei nº 11.343/06) – Condenação mantida – Dosimetria da pena – Não reconhecimento de maus antecedentes – Decurso do período depurador (art. 64, I, CP) – Fixação da pena-base no mínimo legal – Acusado que preenche todos os requisitos exigidos para aplicação da causa de diminuição (art. 33, § 4º) – Quantidade e variedade do tóxico que justifica a fixação do redutor na fração intermediária – Regime inicial fechado que decorre de expressa previsão legal – Recurso parcialmente provido”. (eDOC 4, p. 23).

Daí, a interposição de recurso especial pelo Ministério Público do Estado de São Paulo. O apelo especial foi admitido pelo Tribunal estadual e provido, monocraticamente, pelo Superior Tribunal de Justiça, determinando-se o restabelecimento da sentença proferida pelo Juízo de primeiro grau, tendo em vista a efetiva existência de maus antecedentes.

Interposto agravo regimental pela defesa, a Sexta Turma do STJ negou-lhe provimento, nos termos da seguinte ementa:

“PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME DE TRÁFICO. DECURSO DE LAPSO TEMPORAL SUPERIOR A CINCO ANOS ENTRE O TÉRMINO DA CONDENAÇÃO ANTERIOR E A DATA DO NOVO CRIME. RECONHECIMENTO DE MAUS ANTECEDENTES. POSSIBILIDADE. – É firme neste Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que as condenações anteriores transitadas em julgado, alcançadas pelo prazo de 5 anos de que cuida o art. 64, inciso I, do Código Penal, constituem fundamento idôneo para justificar a exasperação da pena-base, ao passo que, embora esse período afaste os efeitos da reincidência, não o faz quanto aos maus antecedentes. Precedentes.

– Agravo regimental desprovido”.

Nesta Corte, a defesa argumenta que condenações anteriores transitadas em julgado, alcançadas pelo prazo depurador de 5 anos, que já não mais geram efeitos negativos da reincidência, também não podem configurar maus antecedentes, sob pena de se atribuírem efeitos perpétuos às condenações.

Aduz que o entendimento da Primeira Turma (HC 119.200/PR) é no sentido de não poderem ser consideradas maus antecedentes condenações anteriores cujas penas foram extintas há mais de cinco anos.

Questiona também a fixação de regime fechado para cumprimento de pena, considerando que as penas fixadas tanto em primeiro grau (5 anos e 6 meses) quanto no Tribunal de origem (2 anos e 6 meses), segundo os critérios do art. 33, § 2º, do CP, demonstram a necessidade de se fixar o regime inicial diverso do fechado.

Após a apreciação pelo Ministro Presidente desta Corte, com base no art. 13 do RI/STF, a impetração veio a minha apreciação.

A Procuradoria-Geral da República opinou pelo não conhecimento do writ e, se conhecido, pela denegação da ordem.

Em 4.3.2015, indeferi a liminar.

É o relatório.

VOTO: Conforme relatado, a defesa impetrou o presente habeas corpus buscando o reconhecimento de que as condenações transitadas em julgado alcançadas pelo prazo de cinco anos de que cuida o inciso I do artigo 64 do Código Penal não constituem fundamento idôneo à exasperação da pena-base a título de maus antecedentes. Dessa forma, pretende a Defensoria Pública o restabelecimento da decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para que seja reduzida a pena-base do ora paciente e alterado regime prisional inicial de cumprimento da reprimenda, atualmente fixado no fechado.

O Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao REsp n. 1.396.731/SP, ao acolher a tese do Ministério Público segundo a qual, transcorrido o período depurativo do art. 64, inciso I, do CP, não podem as condenações anteriores ser consideradas para reincidência, mas legitimam, por outro lado, exasperação da pena-base como configuradoras de maus antecedentes. Como consequência de tal entendimento, a pena-base, antes fixada no mínimo legal, foi restabelecida em 5 anos e 10 meses de reclusão e assim tornada definitiva, porquanto vedada a aplicação da privilegiadora do § 4º do artigo 33 da Lei de Drogas, ante o afastamento da primariedade.

Desde logo, entendo assistir razão à defesa.

Impende ressaltar, por oportuno, que a celeuma em debate teve repercussão geral reconhecida (RE nº 593.818-RG/SC, de relatoria do min. Roberto Barroso), não havendo, ainda, pronunciamento definitivo desta Corte.

Tecidas as considerações pertinentes, mister se faz analisar a preleção do art. 64, inciso I, do Código Penal, in verbis:

“Para efeito de reincidência: I – não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação.”

Extrai-se da leitura do dispositivo transcrito que o período depurador de cinco anos tem aptidão de nulificar a reincidência, de forma que não possa mais influenciar no quantum de pena do réu e em nenhum de seus desdobramentos.

Com efeito, é assente que a ratio legis consiste em apagar da vida do indivíduo os erros do passado, considerando que já houve o devido cumprimento da punição, sendo inadmissível que se atribua à condenação o status de perpetuidade, sob pena de violação aos princípios constitucionais e legais, sobretudo o da ressocialização da pena.

A Constituição Federal veda expressamente, na alínea b do inciso XLVII do artigo 5º, as penas de caráter perpétuo. Tal dispositivo suscita questão acerca da proporcionalidade da pena e de seus efeitos para além da reprimenda corporal propriamente dita.

Ora, a possibilidade de sopesarem-se negativamente antecedentes criminais, sem qualquer limitação temporal ad aeternum, em verdade, é pena de caráter perpétuo mal revestida de legalidade.

Como bem apontado por Luiz Luisi em conferência proferida no Seminário Internacional “O Tribunal Internacional e a Constituição Brasileira”, promovido pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal em 30.9.99, as penas de caráter perpétuo têm sido proibidas em diversos textos constitucionais, inclusive em países da própria América Latina. Nas palavras do professor:

“(…) No Brasil, a proibição das penas perpétuas – pode-se afirmar – é já uma tradição constitucional.

A primeira das nossas Constituições Federais a proibir a pena de prisão perpétua foi a de 16 de julho de 1934. (…)”

Especificamente quanto à proibição constitucional das penas de caráter perpétuo é preciso ressaltar a sua inserção no título dos direitos e garantias individuais. É de se enfatizar que não se trata de um princípio, mas de uma verdadeira regra, embora esta se embase em um princípio. É necessário relevar que no caput do art. 5º, da Constituição vigente, no qual estão enumerados os direitos e deveres individuais e coletivos, está consagrada a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

É óbvio que consagrada constitucionalmente a inviolabilidade da liberdade, a sua privação e restrição há de ter caráter excepcional, notoriamente quando presentes exigências de proteção de outros direitos invioláveis, ou seja, da vida, da propriedade e da segurança. A tutela desses bens impõe, quando gravemente ofendidos, e as outras sanções que se revelem impotentes, o sacrifício da liberdade. Mas é logicamente evidente que a possibilidade de supressão total de liberdade, ou seja, a supressão perpétua de liberdade implica negar a sua inviolabilidade. Não é concebível a inviolabilidade da liberdade sem que se impeça a possibilidade de sua integral eliminação. Proibir, pois, as penas perpétuas, como o faz expressamente a nossa Constituição, é um consectário necessário do princípio, também constitucional, da inviolabilidade da liberdade.

Acresce, ainda, que o princípio da humanidade permeia a Constituição brasileira vigente. A sua presença é evidente em uma série de incisos do art. 5º. Basta lembrar que são disposições constitucionais ser assegurado aos presos a integridade física e moral, a proibição de pena de trabalhos forçados, as cruéis, e outras similares. Destarte a proibição de penas perpétuas é um corolário da orientação humanitária ordenada pela Constituição, como princípio orientador da legislação penal.

Nessa perspectiva, por meio de cotejo das regras basilares de hermenêutica, constata-se que, se houve o objetivo primordial de afastar a pena perpétua, reintegrando o apenado no seio da sociedade, com maior razão deve-se aplicar tal raciocínio aos maus antecedentes.

Advirto, outrossim, que o agravamento da pena-base com fundamento em condenações transitadas em julgado há mais de cinco anos não encontra previsão na legislação, tampouco em nossa Carta Maior, tratando-se de analogia in malam partem, método de integração vedado no ordenamento jurídico. É que, em verdade, assiste ao indivíduo o “direito ao esquecimento”, ou “direito de ser deixado em paz”, alcunhado, no direito norte-americano de “the right to be let alone”.

O direito ao esquecimento, a despeito de inúmeras vozes contrárias, também encontra respaldo na seara penal, enquadrando-se como direito fundamental implícito, corolário da vedação à adoção de pena de caráter perpétuo e dos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da proporcionalidade e da razoabilidade.

Manifestei-me nesse sentido, ainda em maio de 2013, quando relatei o HC nº 110.191/RJ, DJe 6.5.13. Em seguida, o entendimento foi adotado na Primeira Turma, em março de 2014, quando do julgamento do HC nº 118.977/DF, da relatoria do ministro Dias Toffoli, a saber:

Recurso ordinário em habeas corpus. Processual Penal. Interposição contra julgado em que colegiado do Superior Tribunal de Justiça não conheceu da impetração, ao fundamento de ser substitutivo de recurso ordinário cabível. Constrangimento ilegal não evidenciado. Entendimento que encampa a jurisprudência da Primeira Turma da Corte. Precedente. Dosimetria. Fixação da pena-base acima do mínimo legal em decorrência de maus antecedentes. Condenações transitadas em julgado há mais de cinco anos. Pretensão à aplicação do disposto no inciso I do art. 64 do Código Penal. Penas ainda não extintas. Constrangimento ilegal inexistente. Recurso não provido. 1. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça quanto ao cabimento do habeas corpus encampou a jurisprudência da Primeira Turma da Corte no sentido da inadmissibilidade do habeas corpus que tenha por objetivo substituir o recurso ordinário (HC nº 109.956/PR, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJe de 11/9/12), o que resultou no seu não conhecimento. 2. Quando o paciente não pode ser considerado reincidente, diante do transcurso de lapso temporal superior a cinco anos, conforme previsto no art. 64, I, do Código Penal, a existência de condenações anteriores não caracteriza maus antecedentes. Precedentes. 3. No caso as condenações anteriores consideradas pelas instâncias ordinárias para fins de valoração negativa dos antecedentes criminais do ora paciente ainda não se encontram extintas. 4. Recurso não provido. (Destaquei).

Dessa forma, entendo que, decorridos mais de cinco anos desde a extinção da pena da condenação anterior (CP, art. 64, I), não é possível alargar a interpretação de modo a permitir o reconhecimento dos maus antecedentes.

Emerge daí que a pena-base deve adstringir-se ao piso legal, porquanto não há nenhuma circunstância judicial passível de justificar a majoração, cabível, em consequência, a aplicação da causa de diminuição consubstanciada no art. 33, § 4º da Lei 11.343/06, nos moldes do acórdão proferido pelo TJSP.

E no que concerne ao regime prisional inicial para cumprimento de pena, entendo que o pedido também merece prosperar.

O magistrado do primeiro grau fixou o regime inicial fechado para cumprimento da pena apenas com fundamento na Lei 8.072/90 e na gravidade abstrata do delito. Por oportuno, colho trecho da decisão:

“O regime inicial de cumprimento de pena deve ser o fechado, ressaltando-se que o tráfico é delito grave, equiparado a hediondo, demonstrando periculosidade acentuada por parte do agente. Pelo mesmo motivo, presentes os requisitos da custódia cautelar, não poderá recorrer em liberdade. Recomende-se o réu na prisão em que se encontra recolhido. Transitada em julgado, lance-se o nome do réu no rol dos culpados. “(eDOC 3, p. 130).

Ocorre que, em sessão realizada em 27.6.2012 (DJe 17.12.2013), o Plenário, ao analisar o HC 111.840/ES, de relatoria do ministro Dias Toffoli, por maioria, declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, com a redação dada pela Lei 11.464/2007. Desse modo, ficou superada a obrigatoriedade de início do cumprimento de pena no regime fechado aos condenados por crimes hediondos ou a eles equiparados.

Entender de forma diversa implica, necessariamente, malferir o princípio da individualização da pena, consignado na Constituição Federal.

Não se pode olvidar que, embora seja vedada a imposição de regra fixa ao regime prisional nos crimes hediondos, admite-se a definição de regime mais gravoso, desde que se apreciem elementos concretos e individualizados, aptos a demonstrar a necessidade de maior rigor da medida privativa de liberdade do indivíduo.

No caso, nem o juiz, nem o Tribunal paulista realizaram qualquer análise da situação concreta. Ao revés, fundamentaram o regime mais severo tão somente no dispositivo legal eivado do vício da inconstitucionalidade.

Ante o exposto, voto no sentido de conceder a ordem para restabelecer a decisão proferida pelo TJ/SP na Apelação n. 0005243-89.2010.8.26.0028, no que diz respeito à quantidade de pena aplicada.

Determino, ainda, ao Tribunal de origem que, afastando o disposto no art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, proceda a nova fixação do regime inicial de cumprimento de pena, segundo os critérios previstos no art. 33, §§ 2º e 3º do CP.

É como voto.

*acordão publicado no Dje de 24.9.2015

**nomes suprimidos pelo Informativo

Secretaria de Documentação – SDO

Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD

 CJCD@stf.jus.br

Como citar e referenciar este artigo:
STF,. Informativo nº 805 do STF. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2015. Disponível em: https://investidura.com.br/informativos-de-jurisprudencia/stf-informativos-de-jurisprudencia/informativo-no-805-do-stf/ Acesso em: 29 mar. 2024
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