STF

Informativo nº 774 do STF

Brasília, 9 a 13 de fevereiro de 2015 Nº 774

Data de divulgação: 27 de fevereiro de 2015

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

Sumário

Plenário

Vinculação a salário-mínimo e criação de órgão

Poder Judiciário: teto estadual e isonomia – 1

Poder Judiciário: teto estadual e isonomia – 2

Revisão de remuneração de servidores públicos e iniciativa legislativa

Emenda parlamentar e vício formal

ADI: aumento de vencimentos e efeitos financeiros – 2

ADI: aumento de vencimentos e efeitos financeiros – 3

Licença prévia para julgamento de governador em crime de responsabilidade e crime comum – 1

Licença prévia para julgamento de governador em crime de responsabilidade e crime comum – 2

Licença prévia para julgamento de governador em crime de responsabilidade e crime comum – 3

Representação estudantil: competência privativa da União e autonomia universitária – 1

Representação estudantil: competência privativa da União e autonomia universitária – 2

Agrotóxico: lei estadual e competência privativa da União – 1

Agrotóxico: lei estadual e competência privativa da União – 2

Energia elétrica e competência para legislar

1ª Turma

Litispendência e trancamento de ação penal

Crime de deserção e prescrição da pretensão punitiva estatal

Art. 478, I, do CPP e leitura de sentença prolatada em desfavor de corréu

Recurso exclusivo da defesa e circunstância fática não reconhecida em primeiro grau

2ª Turma

Princípio da consunção na justiça militar

Repercussão Geral

Clipping do DJe

Transcrições

Renitente esbulho e terra tradicionalmente ocupada por índios (ARE 803.462-AgR/MS)

 

Plenário

Vinculação a salário mínimo e criação de órgão

O Plenário concedeu medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade para dar interpretação conforme a Constituição aos artigos 5º, c, 9º, e, 14 e 17 da Lei 1.598/2011 do Estado do Amapá, que institui o programa “Renda para Viver Melhor” no âmbito da Administração direta do Executivo estadual. A referida norma prevê o pagamento de metade do valor de um salário mínimo às famílias que se encontrem em situação de pobreza e extrema pobreza, consoante critérios de enquadramento nela definidos. A norma impugnada, de iniciativa parlamentar, também cria o “Conselho Gestor” do programa. A Corte, no tocante à interpretação conforme, assentou que as alusões ao salário mínimo deveriam ser entendidas como a revelarem o valor vigente na data da publicação da lei questionada, vedada qualquer vinculação futura por força do inciso IV do art. 7º da CF. Nesse ponto, a referência ao salário mínimo contida na norma de regência do benefício haveria de ser considerada como a fixar, na data da edição da lei, certo valor. A partir desse montante referencial, passaria a ser corrigido segundo fator diverso do mencionado salário. Asseverou ainda que, ao criar o Conselho Gestor, vinculado à Secretaria de Estado da Inclusão e Mobilização Social, a disciplinar-lhe as atribuições, a composição e o posicionamento na estrutura administrativa estadual, teria afrontado, à primeira vista, a competência do Poder Executivo, a incorrer em inconstitucionalidade formal. ADI 4726 MC/AP, rel. Min. Marco Aurélio, 11.2.2015.

Poder Judiciário: teto estadual e isonomia – 1

O Plenário, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 2º e 3º da Lei 11.905/2010 do Estado da Bahia [“Art. 2º A remuneração dos servidores públicos ocupantes de cargos, funções e empregos no âmbito do Poder Judiciário do Estado da Bahia, e os proventos, pensões e outras espécies remuneratórias, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o valor de R$ 22.000,00 (vinte e dois mil reais). Art. 3º O subsídio fixado no art. 1º e o valor estabelecido no art. 2º desta Lei somente poderão ser alterados por Lei específica, de iniciativa do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia”]. O Colegiado frisou que a Constituição, ao tratar de teto e subteto de vencimentos, teria estabelecido certa sistemática. No que se refere ao subteto dos servidores, haveria duas possibilidades: a) de acordo com o art. 37, XI, da CF, haveria o teto geral, válido para a União, ou seja, o subsídio de Ministro do STF. Esse mesmo dispositivo estabeleceria o teto por entidade federativa, Municípios e Estados-membros, portanto. No âmbito dos Estados-membros, o art. 37, XI, preconizaria a possibilidade de subtetos por Poder. Desse modo, no âmbito do Executivo, seria o do governador; no âmbito do Legislativo, o de deputado; no âmbito do Judiciário, o de desembargador; e b) de acordo com o § 12 do art. 37 da CF, haveria, no âmbito dos Estados-membros, um teto único para os Poderes, representado pelo subsídio de desembargador. Portanto, ou o subteto seria fixado de acordo com o respectivo Poder, ou seria único. Isso significaria que, para os servidores do Judiciário, em qualquer caso, o teto seria o subsídio de desembargador. No caso concreto, a Constituição local optara pela sistemática do § 12, e a lei impugnada, por sua vez, fugiria desse parâmetro, bem assim estabeleceria um teto, o que somente poderia ser feito mediante emenda constitucional estadual. Além disso, o diploma quebraria a isonomia, porque fixaria um teto apenas para os servidores do Judiciário, a exclui-lo dos demais Poderes. O Ministro Luiz Fux acrescentou que o subteto fixado na lei teria sido implementado explicitamente para evitar que o reajuste do subsídio dos magistrados implicasse aumento exacerbado da remuneração dos demais servidores integrantes do mesmo Poder, o que evidenciaria a inconstitucionalidade.

ADI 4900/DF, rel. orig. Min. Teori Zavascki, red. p/ o acórdão Min. Roberto Barroso, 11.2.2015. (ADI-4900)

Poder Judiciário: teto estadual e isonomia – 2

Vencido o Ministro Teori Zavascki (relator), que julgava o pedido parcialmente procedente, para conferir interpretação conforme a Constituição ao art. 2º da Lei estadual 11.905/2010, de forma a excluir da sua incidência os magistrados vinculados ao tribunal de justiça local. Entendia que a criação de um subteto no âmbito do Poder Judiciário estadual teria sido pensada para satisfazer a necessidade de ajustar os gastos ao limite preconizado pela legislação de responsabilidade fiscal. A Constituição não possuiria restrição explícita à autonomia dos entes federados para o estabelecimento de tetos remuneratórios inferiores aos previstos no art. 37, XI, da CF. Além disso, considerava que a garantia da irredutibilidade de vencimentos não comprometeria o diploma adversado quanto à sua validade em abstrato, pois não haveria afronta a direito adquirido ou direito a reajustes posteriores a serem reconhecidos na ação. Somente sua aplicação em concreto poderia revelar eventuais inconstitucionalidades, que deveriam ser resolvidas por meio das vias processuais adequadas para o resguardo do direito subjetivo de possíveis afetados. Ademais, o subteto estabelecido deveria excluir os magistrados, em atendimento ao art. 93, V, da CF. Por fim, o Plenário não modulou os efeitos da decisão — proposta realizada pelo Ministro Roberto Barroso, para que a declaração de inconstitucionalidade só produzisse efeitos a partir da data do julgamento — tendo em vista que não houve oito votos nesse sentido.

ADI 4900/DF, rel. orig. Min. Teori Zavascki, red. p/ o acórdão Min. Roberto Barroso, 11.2.2015. (ADI-4900)

Revisão de remuneração de servidores públicos e iniciativa legislativa

É inconstitucional o dispositivo de Constituição estadual que disponha sobre a revisão concomitante e automática de valores incorporados à remuneração de servidores públicos em razão do exercício de função ou mandato quando reajustada a remuneração atinente à função ou ao cargo paradigma, matéria cuja iniciativa de projeto é reservada ao Governador. Com base nesse entendimento, o Plenário julgou procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade do art. 89, § 6º, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro (“O valor incorporado a qualquer título pelo servidor ativo ou inativo, como direito pessoal, pelo exercício de funções de confiança ou de mandato, será revisto na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração do cargo que lhe deu causa”).

ADI 3848/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, 11.2.2015. (ADI-3848)

Emenda parlamentar e vício formal

O Plenário confirmou medida cautelar (noticiada no Informativo 182) e julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada em face da parte final do art. 1º e do art. 2º da LC 10.845/1996 do Estado do Rio Grande do Sul, que dispõe sobre a remuneração de vantagens no serviço público estadual. Na espécie, a norma impugnada fora acrescida, por meio de emenda parlamentar, da expressão “ressalvados os direitos dos servidores com concessão superior antecedente a 1º de agosto de 1996”. A Corte apontou que a essência das normas sob exame seria exatamente a mesma incluída na mensagem encaminhada à Assembleia Legislativa pelo então governador. Portanto, o dispositivo não se revestiria de nenhuma inconstitucionalidade. No caso, se emenda de origem parlamentar, malgrado a diversidade da redação, tivesse conteúdo normativo idêntico à proposta do Executivo, a sua aprovação não invadiria a iniciativa reservada ao governador.

ADI 2063 MC/RS, Min. Gilmar Mendes, 11.2.2015. (ADI-2063)

ADI: aumento de vencimentos e efeitos financeiros – 2

O Plenário retomou julgamento de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada em face das Leis 1.866/2007 e 1.868/2007 do Estado do Tocantins, que tornaram sem efeito o aumento dos valores dos vencimentos dos servidores públicos estaduais anteriormente concedido pelas Leis tocantinenses 1.855/2007 e 1.861/2007 — v. Informativo 590. Em voto-vista, o Ministro Dias Toffoli acompanhou o voto da Ministra Cármen Lúcia (relatora) para conhecer em parte da ação, apenas no tocante aos artigos 2º, da Lei 1.866/2007; e 2º, da Lei 1.868/2007. No mérito, em divergência, julgou o pedido improcedente. Analisou que a questão debatida diria respeito a saber se o aumento remuneratório fora incorporado ou não ao patrimônio jurídico dos servidores beneficiados. Para tanto, seria necessário verificar o momento em que as normas revogadas passariam a vigorar e a produzir efeitos. De acordo com essas normas, a entrada em vigor dos novos valores remuneratórios ocorreria em 1º.1.2008. Assim, embora constasse em outros dispositivos das Leis 1.855/2007 e 1.861/2007 a expressão padrão de entrada em vigor da norma na data de sua publicação, fora estabelecido caso especial de vigência para esses dispositivos alterados. Não se trataria de mera postergação dos efeitos financeiros decorrentes da aplicação da lei, mas de adiamento da própria vigência das normas. Portanto, como as leis alteradoras, ora impugnadas, teriam sido publicadas em 20.12.2007, as modificações perpetradas teriam sido feitas no período de “vacatio legis” das previsões de aumento remuneratório. Explicou que, de acordo com o art. 1º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), salvo disposição contrária, a lei começaria a vigorar em todo o país 45 dias depois de oficialmente publicada. Desse modo, ainda que promulgado e publicado o ato normativo, se estivesse em curso o prazo de “vacatio legis”, a norma não poderia ser aplicada, pois sem aptidão para ser eficaz. No caso, o aumento da remuneração dos servidores sequer chegara a viger, pois as modificações perpetradas posteriormente teriam sido feitas dentro desse prazo. Assim, a exigibilidade de cumprimento das normas mais antigas sequer existiria, porque revogados os dispositivos antes de sua vigência. O aumento remuneratório não tivera eficácia jurídico-patrimonial, sequer fora incorporado ao patrimônio jurídico dos servidores. Nesse sentido, a atestação de eventual direito adquirido dependeria da existência de norma incidente ou que tivesse incidido em algum momento, o que não seria o caso.

ADI 4013/TO, rel. Min. Cármen Lúcia, 11.2.2015. (ADI-4013)

ADI: aumento de vencimentos e efeitos financeiros – 3

O Ministro Roberto Barroso, ao acompanhar a divergência, equacionou que seria necessário perquirir se o direito ao aumento remuneratório fora adquirido no momento da vigência ou da eficácia da norma revogada. Entendeu que os efeitos se produziriam somente a partir de 1º.1.2008, sem que se pudesse falar em direito adquirido antes da eficácia. No caso, eventual direito a acréscimo na remuneração apenas seria consumado se os servidores já tivessem recebido o aumento, o que não ocorrera. O Ministro Teori Zavascki, ao votar nesse mesmo sentido, ressaltou que a questão principal diria respeito a examinar a cláusula constitucional que limita o poder do legislador, restrito à observância do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada. De acordo com a LINDB, no que diz respeito a direito adquirido, haveria duas situações: a) a que considera direito adquirido aquele que pode ser exercido, ainda que esse exercício não tenha havido; e b) a que trata dos direitos cujo exercício está condicionado. Eles são existentes, diferentes, portanto, de mera expectativa de direito, em que não há sequer a existência do direito. No caso, os servidores adquiririam direito a aumento remuneratório, em janeiro de 2008, somente quando houvesse prestação de serviço naquele mês. Antes disso haveria promessa de vencimento, regime estatutário a prever aumento futuro, e não haveria direito à manutenção desse estatuto. Assim, o direito adquirido suporia a ocorrência de elemento fático componente do fato gerador. Enquanto não houvesse fato gerador, seria possível falar apenas em expectativa de direito. Existiria regime jurídico, mas não direito subjetivo. Por isso, a jurisprudência da Corte permitiria a modificação legislativa enquanto não implementado o suporte fático necessário para a incidência da norma. Após o voto do Ministro Ricardo Lewandowski (Presidente), que também julgou o pedido improcedente, o julgamento foi suspenso.

ADI 4013/TO, rel. Min. Cármen Lúcia, 11.2.2015. (ADI-4013)

Licença prévia para julgamento de governador em crime de responsabilidade e crime comum – 1

Por violar a competência privativa da União, o Estado-membro não pode dispor sobre crime de responsabilidade. No entanto, durante a fase inicial de tramitação de processo por crime de responsabilidade instaurado contra governador, a Constituição estadual deve obedecer à sistemática disposta na legislação federal. Assim, é constitucional norma prevista em Constituição estadual que preveja a necessidade de autorização prévia da Assembleia Legislativa para que sejam iniciadas ações por crimes comuns e de responsabilidade eventualmente dirigidas contra o governador de Estado. Com base nesse entendimento, o Plenário, em julgamento conjunto e por maioria, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados em ações diretas para declarar a inconstitucionalidade das expressões “processar e julgar o Governador … nos crimes de responsabilidade” e “ou perante a própria Assembleia Legislativa, nos crimes de responsabilidade” previstas, respectivamente, nos artigos 54 e 89 da Constituição do Estado do Paraná. Declarou também a inconstitucionalidade do inciso XVI do art. 29, e da expressão “ou perante a Assembleia Legislativa, nos crimes de responsabilidade”, contida no art. 67, ambos da Constituição do Estado de Rondônia, bem como ainconstitucionalidade do inciso XXI do art. 56, e da segunda parte do art. 93, ambos da Constituição do Estado do Espírito Santo. A Corte rememorou que a Constituição Estadual deveria seguir rigorosamente os termos da legislação federal sobre crimes de responsabilidade, por imposição das normas dos artigos 22, I, e 85, da CF, que reservariam a competência para dispor sobre matéria penal e processual penal à União. Ademais, não seria possível interpretar literalmente os dispositivos atacados de modo a concluir que o julgamento de mérito das imputações por crimes de responsabilidade dirigidas contra o governador de Estado teria sido atribuído ao discernimento da Assembleia Legislativa local, e não do Tribunal Especial previsto no art. 78, § 3º, da Lei 1.079/1950. Esse tipo de exegese ofenderia os artigos 22, I, e 85, da CF.

ADI 4791/PR, rel. Min. Teori Zavascki, 12.2.2015.(ADI-4791)

ADI 4800/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, 12.2.2015. (ADI-4800)

ADI 4792/ES, rel. Min. Cármen Lúcia, 12.2.2015. (ADI-4792)

Licença prévia para julgamento de governador em crime de responsabilidade e crime comum – 2

Por outro lado, o Colegiado reconheceu a constitucionalidade das normas das Constituições estaduais que exigiriam a aprovação de dois terços dos membros da Assembleia Legislativa como requisito indispensável — a denominada licença prévia — para se admitir a acusação nas ações por crimes comuns e de responsabilidade, eventualmente dirigidas contra o governador do Estado. Consignou que o condicionamento da abertura de processo acusatório ao beneplácito da Assembleia Legislativa, antes de constituir uma regalia antirrepublicana deferida em favor da pessoa do governador, serviria à preservação da normalidade institucional das funções do Executivo e à salvaguarda da autonomia política do Estado-membro, que haveria de sancionar, pelo voto de seus representantes, medida de drásticas consequências para a vida pública local. Salientou que a exigência de licença para o processamento de governador não traria prejuízo para o exercício da jurisdição, porque, enquanto não autorizado o prosseguimento da ação punitiva, ficaria suspenso o transcurso do prazo prescricional contra a autoridade investigada cujo marco interruptivo contaria da data do despacho que solicitasse a anuência do Poder Legislativo para a instauração do processo, e não da data da efetiva manifestação. O controle político exercido pelas Assembleias Legislativas sobre a admissibilidade das acusações endereçadas contra governadores não conferiria aos parlamentos locais a autoridade para decidir sobre atos constritivos acessórios à investigação penal, entre eles as prisões cautelares. Todavia, a supressão da exigência de autorização das respectivas Casas parlamentares para a formalização de processos contra deputados e senadores (CF, art. 51, I), materializada pela EC 35/2001, não alterara o regime de responsabilização dos governadores de Estado. Isso encontraria justificativa no fato de que — diferentemente do que ocorreria com o afastamento de um governador de Estado, que tem valor crucial para a continuidade de programas de governo locais — a suspensão funcional de um parlamentar seria uma ocorrência absolutamente menos expressiva para o pleno funcionamento do Poder Legislativo.

ADI 4791/PR, rel. Min. Teori Zavascki, 12.2.2015.(ADI-4791)

ADI 4800/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, 12.2.2015. (ADI-4800)

ADI 4792/ES, rel. Min. Cármen Lúcia, 12.2.2015. (ADI-4792)

Licença prévia para julgamento de governador em crime de responsabilidade e crime comum – 3

Vencido o Ministro Marco Aurélio, que julgava improcedente o pedido formulado em relação à atribuição da Assembleia quanto aos crimes de responsabilidade, e procedente para afastar a necessidade de licença para fins de persecução criminal contra governador nos crimes comuns. Pontuava que a Constituição estadual poderia reger a matéria pertinente a crime de responsabilidade. Afastava a possibilidade de se cogitar do Tribunal Especial, previsto no art. 78, § 3º, da Lei 1.079/1950, que seria tribunal de exceção, porque não fora criado em norma jurídica, mas estaria apenas previsto sem se ter, inclusive, indicação da composição. Esse Tribunal Especial seria incompatível com o inciso XXXVI do art. 5º da CF, que vedaria juízo ou tribunal de exceção. No que se refere aos crimes comuns, reputava que os artigos 51, I, e 86, da CF, deveriam ser interpretados restritivamente, especialmente porque o texto seria expresso ao tratar do Presidente da República, de modo que não se poderia estender a governador e muito menos a prefeito. Destacava que a competência do STJ para julgar governador de Estado não estaria condicionada a aprovação de licença prévia como se poderia observar do art. 105 da CF. Sublinhava, ademais, que, mantida essa licença, haveria transgressão à Constituição Federal e estaria colocado, em segundo plano, o primado do Judiciário, pois somente haveria persecução criminal por crime comum de governador se ele não tivesse bancada na Casa Legislativa.

ADI 4791/PR, rel. Min. Teori Zavascki, 12.2.2015.(ADI-4791)

ADI 4800/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, 12.2.2015. (ADI-4800)

ADI 4792/ES, rel. Min. Cármen Lúcia, 12.2.2015. (ADI-4792)

Representação estudantil: competência privativa da União e autonomia universitária – 1

O Plenário iniciou julgamento de ação direta ajuizada em face da Lei 14.808/2005 do Estado do Paraná (“Art. 1º. É assegurada, nos estabelecimentos de ensino superior, públicos e privados, a livre organização dos Centros Acadêmicos, Diretórios Acadêmicos e Diretórios Centrais dos Estudantes, para representar os interesses e expressar os pleitos dos alunos. Art. 2º. É de competência exclusiva dos estudantes a definição das formas, dos critérios, dos estatutos e demais questões referentes à organização dos Centros Acadêmicos, Diretórios Acadêmicos e Diretórios Centrais dos Estudantes. Art. 3º. Os estabelecimentos de ensino a que se refere o artigo 1º da presente lei deverão garantir espaços, em suas dependências, para a divulgação e instalações para os Centros Acadêmicos, Diretórios Acadêmicos e Diretórios Centrais Estudantis, além de garantir: I – a livre divulgação dos jornais e outras publicações dos Centros Acadêmicos, Diretórios Acadêmicos e do Diretório Central dos Estudantes, bem como de suas Entidades Estudantis Estaduais e Nacionais; II – a participação dos Centros Acadêmicos, Diretórios Acadêmicos e do Diretório Central dos Estudantes nos Conselhos Fiscais e Consultivos das instituições de ensino; III – aos Centros Acadêmicos, Diretórios Acadêmicos e do Diretório Central dos Estudantes o acesso à metodologia da elaboração das planilhas de custos das instituições de ensino; IV – o acesso dos representantes das entidades estudantis às salas de aula e demais espaços de circulação dos estudantes, respeitando-se o bom senso. Art. 4º. Os espaços aos quais se refere o artigo anterior, deverão ser cedidos, preferencialmente, no prédio correspondente ao curso que o órgão estudantil representa, um para cada curso, em local que permita fácil acesso do aluno ao Centro Acadêmico de seu curso. Art. 5º. No caso de descumprimento das disposições desta lei, os estabelecimentos particulares de ensino superior estarão sujeitos à aplicação de multa, a ser fixada entre R$ 5.000,00 e R$ 50.000,00, corrigidos anualmente a partir da publicação desta lei. Parágrafo único. A multa prevista no caput será cobrada mensalmente, até o total cumprimento dos dispositivos previstos neste diploma legal. Art. 6º. Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação”).

ADI 3757/PR, rel. Min. Dias Toffoli, 12.2.2015. (ADI-3757)

Representação estudantil: competência privativa da União e autonomia universitária – 2

O Ministro Dias Toffoli (relator) julgou procedente o pedido formulado para declarar a inconstitucio­nalidade, na íntegra, da mencionada norma. Afirmou que as previsões contidas na legislação atacada atenta­riam contra a competência legislativa privativa da União relativamente ao direito civil e contra a autonomia conferida às entidades de ensino superior (CF, art. 207). Frisou que os artigos 1º e 2º da norma impugnada tratariam da liberdade de organização e da forma de constituição dos órgãos de representação estudantil, cujo conteúdo, nitidamente, seria de direito associativo, sub-ramo do direito civil, cuja regulação seria de competência privativa da União, na forma do art. 22, I, da CF. Por essa razão, reconheceu a inconstituciona­lidade formal desses dispositivos. Por outro lado, observou que os artigos 3º e 4º do mesmo diploma legal padeceriam de inconstitucionalidade material. Ao assegurar às entidades de representação estudantil direito de alocação nos prédios dos estabelecimentos de ensino superior, a lei teria ofendido a autonomia adminis­trativa e financeira das instituições de ensino. Em consequência, geraria impacto nos orçamentos públicos ou nos custos operacionais dos entes privados, na medida em que a manutenção dos referidos espaços constitui­ria ônus, o qual não seria repartido com o órgão de representação. Ademais, a obrigação de participação de toda e qualquer representação estudantil na composição dos conselhos acadêmicos também promoveria invasão da autonomia universitária, fosse pelo fato de importar em intromissão indevida na gestão adminis­trativa da entidade, fosse pela quebra da autonomia didático-científica, quando da análise de posturas peda­gógicas. Além disso, seria imprópria a garantia da livre divulgação dos informes da entidade e do acesso indiscriminado dos representantes estudantis às salas de aula, já que essa situação, se levada ao extremo, acabaria por inviabilizar o exercício do poder organizacional de que disporia a universidade sobre suas ins­talações, bem como sobre a própria atividade letiva, que poderia ser prejudicada. Por fim, declarou a in­constitucionalidade do art. 5º por arrastamento, haja vista sua dependência em relação aos demais dispositi­vos. Em seguida, pediu vista o Ministro Roberto Barroso.

ADI 3757/PR, rel. Min. Dias Toffoli, 12.2.2015. (ADI-3757)

Agrotóxico: lei estadual e competência privativa da União – 1

Por reputar usurpada a competência privativa da União para legislar sobre comércio exterior (CF, art. 22, VIII), o Plenário julgou procedente pedido formulado em ação direita para declarar a inconstitucionalidade da Lei 12.427/2006 do Estado do Rio Grande do Sul (“Art. 1º – Fica proibida a comercialização, a estocagem e o trânsito de arroz, trigo, feijão, cebola, cevada e aveia e seus derivados importados de outros países, para consumo e comercialização no Estado do Rio Grande do Sul, que não tenham sido submetidos à análise de resíduos químicos de agrotóxicos ou de princípios ativos usados, também, na industrialização dos referidos produtos. § 1º – Compreende-se como agrotóxicos o definido conforme a legislação federal. § 2º – O certificado ou laudo técnico será o documento hábil para atestar a realização da inspeção de que trata o ‘caput’, de forma a evitar a presença de toxinas prejudiciais à saúde humana. Art. 2º – Fica obrigatória a pesagem de veículo que ingresse ou trafegue no âmbito do território do Estado, transportando os produtos, aos quais se refere o art. 1º desta Lei, destinados à comercialização em estabelecimento ou ao consumidor final, no Estado do Rio Grande do Sul. Parágrafo único. Quando da pesagem, será obrigatória a apresentação da documentação fiscal exigida, bem como do documento de que trata o § 2º do art. 1º desta Lei”).

ADI 3813/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 12.2.2015. (ADI-3813)

Agrotóxico: lei estadual e competência privativa da União – 2

O Colegiado consignou que competiria à União a definição dos requisitos para o ingresso de produtos estrangeiros no País, visto se tratar de típica questão de comércio exterior (CF, art. 22, VIII). Recordou que, de acordo com a exposição de motivos da mencionada lei, a proibição em questão teria objetivo claro de evitar que a população gaúcha consumisse produtos contaminados por agrotóxicos que, pela legislação federal, seriam de uso proibido no País, por serem nocivos à saúde, mas que teriam uso regular na Argentina e no Uruguai. Entretanto, em que pese a relevância das preocupações do Poder Legislativo gaúcho, a lei não esconderia o propósito de criar requisitos especiais ao ingresso naquele Estado-membro de produtos agrícolas provindos do exterior. Ao fazê-lo, a lei, por consequência lógica, restringiria a entrada desses produtos não apenas no Rio Grande do Sul, mas em todo o País. Frisou que não seria possível compreender a matéria como pertencente ao âmbito legislativo concorrente dos Estados-membros, sob o argumento de tratar-se de legislação concernente à proteção da saúde dos consumidores (CF, art. 24, V e XII, §§ 1º e 2º). Ainda que se tratasse de questão, sob certo ponto de vista, de competência concorrente (consumo e proteção à saúde), predominariam, na hipótese, os limites da competência privativa da União para legislar sobre comércio exterior e interestadual. No caso, a norma impugnada, ao criar um certificado estadual para os produtos agrícolas, de modo a permitir que as próprias autoridades estaduais fiscalizassem a existência de resíduos de agrotóxicos, teria invadido competência que seria própria das autoridades federais.

ADI 3813/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 12.2.2015. (ADI-3813)

Energia elétrica e competência para legislar

As competências para legislar sobre energia elétrica e para definir os termos da exploração do serviço de seu fornecimento, inclusive sob regime de concessão, cabem privativamente à União (CF, artigos 21, XII, b; 22, IV e 175). Com base nesse entendimento, o Plenário julgou procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei 12.635/2005 do Estado de São Paulo (“Art. 2º Os postes de sustentação à rede elétrica, que estejam causando transtornos ou impedimentos aos proprietários e aos compromissários compradores de terrenos, serão removidos, sem qualquer ônus para os interessados, desde que não tenham sofrido remoção anterior”). A Corte, em questão de ordem, por entender não haver necessidade de acréscimos instrutórios mais aprofundados, converteu o exame da cautelar em julgamento de mérito. Apontou que a norma questionada, ao criar para as empresas obrigação significativamente onerosa, a ser prestada em hipóteses de conteúdo vago (“que estejam causando transtornos ou impedimentos”), para o proveito de interesses individuais dos proprietários de terrenos, teria se imiscuído nos termos da relação contratual estabelecida entre o poder federal e as concessionárias que exploram o serviço de fornecimento de energia elétrica no Estado-membro.

ADI 4925/SP, rel. Min. Teori Zavascki, 12.2.2015. (ADI-4925)

 

Primeira Turma

Litispendência e trancamento de ação penal

A 1ª Turma iniciou julgamento de recurso ordinário em “habeas corpus” em que se pleiteia o reconhecimento de litispendência em relação a duas ações penais a que responde o ora recorrente, com o consequente trancamento da segunda ação penal, posteriormente ajuizada, supostamente a apurar os mesmos fatos da primeira. No caso, o recorrente fora denunciado, em dezembro de 2004, pela prática, dentre outros delitos, do crime de lavagem de dinheiro, nos termos do art. 1º, V, § 4º, da Lei 9.613/1998, em sua redação originária. Posteriormente, em novembro de 2007, houvera nova denúncia, desta vez exclusivamente pela prática do crime do art. 1º, V e VII, da mesma lei. O STJ determinara, então, o trancamento da primeira ação penal, apenas no que se refere ao delito de lavagem de dinheiro, dado que, configurada a litispendência, os fatos narrados na segunda ação seriam mais abrangentes. O Ministro Dias Toffoli (relator) negou provimento ao recurso. Ao reafirmar o que decidido na EL 3/SE (DJU de 1º.7.2005), destacou que, constatada a litispendência, não deveria ser levado em conta o critério cronológico de sua instauração para estabelecer qual das ações penais deveria ser extinta, mas sim o critério da extensão dos fatos imputados. Desta feita, somente seria viável o pretendido trancamento da segunda ação penal se os fatos nela retratados fossem rigorosamente os mesmos. Porém, no caso, os fatos não seriam idênticos e haveria abrangência maior da segunda ação. O Ministro Luiz Fux ponderou que o reconhecimento da litispendência parcial — no caso, a continência — poderia ensejar repercussão para a defesa, na medida em que, caso anulado o marco interruptivo referente ao recebimento da primeira denúncia, postergar-se-ia o início da contagem do prazo da prescrição para o momento do recebimento da segunda denúncia. Em seguida, pediu vista dos autos o Ministro Roberto Barroso.

RHC 117462/RJ, rel. Min. Dias Toffoli, 10.2.2015. (RHC-117462)

Crime de deserção e prescrição da pretensão punitiva estatal

A 1ª Turma, por maioria, denegou a ordem em “habeas corpus” no qual se pedia o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva estatal em ação penal a que responde o ora paciente pela prática do crime de deserção, com a consequente declaração de inconstitucionalidade do art. 132 do CPM. De início, o Colegiado rejeitou questão de ordem suscitada pelo Ministro Marco Aurélio no sentido do deslocamento do “writ” ao Plenário, reafirmado o quanto decidido no RE 422.349/RS (acórdão pendente de publicação — v. Informativo 772) e no RE 361.829 ED/RJ (DJe de 19.3.2010). No mérito, a Turma apontou que a jurisprudência do STF seria no sentido de que o crime de deserção seria de natureza permanente, cessada a conduta delitiva somente no momento da captura ou da apresentação voluntária do agente. Na espécie, como o paciente se encontraria foragido, não haveria que se falar em início do curso do prazo prescricional, nos termos do art. 125, § 2º, c, do CPM, inexistente, portanto, a alegada ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal. Ademais, o diploma penal castrense apresentaria dois critérios de prescrição no crime de deserção: a) o primeiro — geral — seria destinado ao agente que, apesar de ter incorrido no referido delito, foi reincorporado ao serviço militar. Nesse caso, incidiria a regra do art. 125 do CPM, em que a prescrição em abstrato se regula pelo máximo da pena privativa de liberdade aplicada ao crime praticado; e b) o segundo critério — especial — seria aplicado exclusivamente ao trânsfuga, o desertor que não foi capturado e nem se apresentou à corporação. Para essas hipóteses, a extinção da punibilidade observaria o art. 132 do CPM (“No crime de deserção, embora decorrido o prazo da prescrição, esta só extingue a punibilidade quando o desertor atinge a idade de quarenta e cinco anos, e, se oficial, a de sessenta”), cuja inconstitucionalidade é apontada no caso em comento. Entretanto, o que se pretenderia com a declaração de inconstitucionalidade deste último dispositivo seria inverter sua lógica, porquanto o art. 132 do CPM constituiria garantia à defesa, por impedir a imprescritibilidade do crime permanente de deserção em relação ao trânsfuga. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que concedia a ordem por entender inconstitucional o art. 132 do CPM. Afirmava que a referida norma tornaria praticamente imprescritível a pretensão punitiva estatal para o crime de deserção.

HC 112005/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 10.2.2015. (HC-112005)

Art. 478, I, do CPP e leitura de sentença prolatada em desfavor de corréu

A leitura, pelo Ministério Público, da sentença condenatória de corréu proferida em julgamento anterior não gera nulidade de sessão de julgamento pelo conselho de sentença. Com base nesse entendimento, a 1ª Turma negou provimento a recurso ordinário em “habeas corpus” em que discutida a nulidade da sentença condenatória proferida pelo tribunal do júri. Apontava o recorrente que o Ministério Público teria impingido aos jurados o argumento de autoridade, em afronta ao CPP (“Art. 478. Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências: I – à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado;”). A Turma observou que, embora o STJ não tivesse conhecido do “habeas corpus”, analisara a questão de fundo e, por isso, não estaria caracterizada a supressão de instância. No mérito, asseverou que o art. 478, I, do CPP vedaria que, nos debates, as partes fizessem referência a decisões de pronúncia e às decisões posteriores que julgassem admissível a acusação como argumento de autoridade para prejudicar ou beneficiar o acusado. Apontou que a proibição legal não se estenderia a eventual sentença condenatória de corréu no mesmo processo. Destacou, ainda, a ausência de comprovação de que o documento, de fato, teria sido empregado como argumento de autoridade e do prejuízo insanável à defesa.

RHC 118006/SP, rel. Min. Dias Toffoli, 10.2.2015. (RHC-118006)

Recurso exclusivo da defesa e circunstância fática não reconhecida em primeiro grau

Não caracteriza “reformatio in pejus” a decisão de tribunal de justiça que, ao julgar recurso de apelação exclusivo da defesa, mantém a reprimenda aplicada pelo magistrado de primeiro grau, porém, com fundamentos diversos daqueles adotados na sentença. Esse o entendimento da 1ª Turma que, em conclusão de julgamento e por maioria, negou provimento a recurso ordinário em “habeas corpus” por ausência de constrangimento ilegal ou abuso de poder a ferir direito do recorrente. Na espécie, a defesa alegava que o tribunal “a quo” teria promovido indevida inovação de fundamentação ao agregar motivo — personalidade voltada para o crime — que não fora invocado pelo juízo de origem para exasperar a pena-base em dez meses. A Turma asseverou que o tribunal local apenas procedera à correta qualificação de elemento equivocadamente considerado pelo magistrado de primeira instância, na fixação da pena-base, como resultante da conduta social do agente, que deveria ter se inserido na avaliação de sua personalidade. Observou que o fato de o juízo de primeiro grau haver afirmado não existirem elementos que permitissem a avaliação negativa da personalidade do agente, e, ainda assim, analisá-los sob prisma diverso, não impediria que se reconhecesse o equívoco dessa mensuração. Dessa forma, ao proceder à correta classificação entre as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, não significaria suplementação da fundamentação adotada. Pontuou que, no caso, o que se haveria de definir seria a amplitude do efeito devolutivo próprio do recurso de apelação. Frisou que a apelação examinara o tema colocado pela defesa — dosimetria da pena — e, nesse ponto, o tribunal poderia concluir e reexaminar a matéria, conforme o fizera. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Luiz Fux, que davam provimento ao recurso. O Ministro Marco Aurélio aduzia que não se poderia utilizar de recurso da defesa para se corrigir o pronunciamento da primeira instância, ainda que a pena tivesse sido mantida no mesmo patamar. Destacava que, precluso o recurso para o Ministério Público, não poderia o Estado-acusador obter vantagem a partir do recurso da defesa.

RHC 119149/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 10.2.2015. (RHC-119149)

 

Segunda Turma

Princípio da consunção na justiça militar

É cabível o trancamento da ação penal militar instaurada em desfavor de réu, pelo crime de abandono de posto, por ter sido apenas crime-meio para alcançar o delito-fim de deserção, posteriormente arquivado. Com base nesse entendimento, a 2ª Turma deu provimento a recurso ordinário em “habeas corpus” para trancar a ação penal militar instaurada contra o recorrente. No caso, além de denunciado pelo crime de abandono de posto, contra ele fora instaurada instrução provisória de deserção (CPM, art. 187). Posteriormente, fora licenciado perante a organização militar por ter sido considerado incapaz em inspeção de saúde, razão pela qual o expediente referente à deserção fora arquivado. A Turma destacou que o motivo de ambos os delitos teria sido o mesmo. Dessa forma, o abandono de lugar de serviço, no caso, teria composto a linha de desdobramento da ofensa maior ao bem jurídico: deserção. Demonstrado que a intenção do recorrente era desertar, inexistiria justa causa para o prosseguimento da ação penal de abandono de posto. Asseverou não estar caracterizado concurso material de crimes (duas ações autônomas), a incidir, na hipótese, o fenômeno da absorção de um crime por outro.

RHC 125112/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, 10.2.2014. (RHC-125112)

 

Sessões Ordinárias Extraordinárias Julgamentos

1ª Turma 10.2.2013           —                  337

2ª Turma 10.2.2013           —                  113

R e p e r c u s s ã o  G e r a l

DJe de 9 a 13 de fevereiro de 2013

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 827.538-MG

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

POLÍTICA PÚBLICA – MEIO AMBIENTE – SERVIÇOS E INSTALAÇÕES DE ENERGIA ELÉTRICA – APROVEITAMENTO ENERGÉTICO DOS CURSOS DE ÁGUA – LEI Nº 12.503, DE 1997, DO ESTADO DE MINAS GERAIS – COMPETÊNCIA LEGISLATIVA – ARTIGOS 21, INCISO XII, ALÍNEA “B”, E 22, INCISO IV E PARÁGRAFO ÚNICO, DA CARTA DA REPÚBLICA – RECURSO EXTRAORDINÁRIO – REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA. Possui repercussão geral a controvérsia acerca da constitucionalidade, sob o ângulo da competência legislativa – se privativa da União, prevista no inciso IV do artigo 22 da Carta Federal, ou a concorrente, versado o meio ambiente, estabelecida no artigo 23, inciso VI, da Constituição –, de norma estadual mediante a qual foi adotada política pública dirigida a compelir concessionária de geração de energia elétrica a promover investimentos, com recursos identificados como parcela da receita que aufere, voltados à proteção e à preservação de mananciais hídricos.

Decisões Publicadas: 1

C l i p p i n g  d o  D Je

9 a 13 de fevereiro de 2013

ADI N. 2.616-PR

RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI

EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. Emenda nº 10/2001 à Constituição do Estado do Paraná. Inconstitucionalidade formal. Vício de iniciativa.

1. Ação direta proposta em face da Emenda Constitucional nº 10/2001 à Constituição do Estado do Paraná, a qual cria um novo órgão de polícia, a “Polícia Científica”.

2. Vício de iniciativa em relação à integralidade da Emenda Constitucional nº 10/2001, uma vez que, ao disciplinar o funcionamento de um órgão administrativo de perícia, dever-se-ia ter observado a reserva de iniciativa do chefe do Poder Executivo prevista no art. 61, § 1º, II, e, da CF/88. Precedentes: ADI nº 3.644/RJ, ADI nº 4.154/MT, ADI nº 3.930/RO, ADI nº 858/RJ, ADI nº 1.746/SP-MC.

3. Ação direta julgada procedente.

*noticiado no Informativo 768

RE N. 477.323-RS

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS – BASE DE INCIDÊNCIA REDUZIDA – SISTEMA OPCIONAL. Sendo opcional o sistema a envolver base do tributo reduzida, não se tem violência ao princípio da não cumulatividade no que considerado o crédito de forma proporcional.

*noticiado no Informativo 763

Acórdãos Publicados: 470

Transcrições

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do InformativoSTF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

 

Renitente esbulho e terra tradicionalmente ocupada por índios (Transcrições)

(v. Informativo 771)

ARE 803.462-AgR/MS*

RELATOR: Ministro Teori Zavascki

Ementa: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. TERRA INDÍGENA “LIMÃO VERDE”. ÁREA TRADICIONALMENTE OCUPADA PELOS ÍNDIOS (ART. 231, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). MARCO TEMPORAL. PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NÃO CUMPRIMENTO. RENITENTE ESBULHO PERPETRADO POR NÃO ÍNDIOS: NÃO CONFIGURAÇÃO.

1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Pet 3.388, Rel. Min. CARLOS BRITTO, DJe de 1º/7/2010, estabeleceu como marco temporal de ocupação da terra pelos índios, para efeito de reconhecimento como terra indígena, a data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.

2. Conforme entendimento consubstanciado na Súmula 650/STF, o conceito de “terras tradicionalmente ocupadas pelos índios” não abrange aquelas que eram possuídas pelos nativos no passado remoto. Precedente: RMS 29.087, Rel. p/ acórdão Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe de 14/10/2014.

3. Renitente esbulho não pode ser confundido com ocupação passada ou com desocupação forçada, ocorrida no passado. Há de haver, para configuração de esbulho, situação de efetivo conflito possessório que, mesmo iniciado no passado, ainda persista até o marco demarcatório temporal atual (vale dizer, a data da promulgação da Constituição de 1988), conflito que se materializa por circunstâncias de fato ou, pelo menos, por uma controvérsia possessória judicializada.

4. Agravo regimental a que se dá provimento.

RELATÓRIO: Trata-se de agravo regimental contra decisão que, em demanda em que se discute a respeito da natureza indígena de área de terras situada no Município de Aquidauana, Estado do Mato Grosso do Sul (Fazenda Santa Bárbara), conheceu de agravo para negar seguimento a recurso extraordinário aos fundamentos de que (a) a Súmula 650/STF não se aplica ao presente caso, por tratar-se de hipótese diversa; (b) “embora o marco temporal de ocupação de um determinado espaço geográfico por determinada etnia aborígene, para fins de reconhecimento de que se trata de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, seja a data da promulgação da Carta Magna (5 de outubro de 1988), o renitente esbulho por parte de não índios não é hábil a descaracterizar a tradicionalidade da posse nativa” (fl. 3086); (c) dissentir das conclusões do acórdão recorrido demandaria o reexame de fatos e provas, providência vedada pela Súmula 279/STF.

Sustenta a parte agravante, em suma, que (a) na verdade, o entendimento da Súmula 650/STF foi firmado no julgamento do RE 219.983, caso idêntico ao presente, em que se assentou que apenas as terras atualmente ocupadas por índios pertencem à União; (b) o Tribunal Regional Federal da 3ª Região considerou existente o renitente esbulho com base em “três súplicas formalizadas apenas por dois índios Terena, setenta anos depois de a Fazenda Santa Bárbara ser titulada, em 1914, pelo então Estado de Mato Grosso” (fl. 3100); (c) “em nenhuma dessas reclamações há menção de que os proprietários da Fazenda Santa Bárbara esbulharam a posse deles ou vice-versa” (fl. 3100); (d) “são pedidos genéricos com o fito de expandir os lindes da Aldeia Limão Verde, feitos em torno de quatro décadas depois da pretensa saída dos indígenas das terras em litígio (…)” (fl. 3100); (e) não se pretende o reexame de provas, mas apenas “que o Supremo Tribunal Federal esclareça se bastam essas três reclamações genéricas formuladas por dois índios para a expansão da Aldeia Limão Verde para caracterizar o ‘renitente esbulho’ do qual se falou no julgamento do caso Raposa Serra do Sol” (fl. 3101).

Em memoriais, alega a parte agravante que (a) para que se caracterize o “renitente esbulho”, necessário se faz que haja a espoliação persistente, que reaja às investidas da tribo desapossada; (b) sem que essa insistente contraposição se estenda até a data da promulgação da Constituição Federal, não há ofensa ao direito dos índios; (c) a ocorrência de “renitente esbulho” só foi reconhecida pela Relatora, visto que o Revisor e o Vogal com ela não concordaram; (d) a perícia oficial, em momento algum, constata a existência de “renitente esbulho”, mas apenas de um esbulho, ocorrido em 1953, sem fazer referência a qualquer revide indígena; (e) assim, ainda que os índios tenham sido impedidos de utilizar as áreas litigiosas após 1953, jamais reclamaram ou protestaram contra a situação.

Em parecer, a Procuradoria-Geral da República manifestou-se pelo desprovimento do agravo regimental.

É o relatório.

VOTO: 1. A controvérsia foi relatada pela decisão agravada nos seguintes termos:

1. Trata-se de agravo contra decisão que inadmitiu recurso extraordinário interposto em ação declaratória. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região decidiu, em suma, que (a) “ainda que os índios tenham perdido a posse por longos anos, têm indiscutível direito de postular sua restituição, desde que ela decorra de tradicional (antiga, imemorial) ocupação” (fl. 2824); (b) “a perícia encontrou elementos materiais e imateriais que caracterizam a área como de ocupação Terena, desde período anterior ao requerimento/titulação dessas terras por particulares” (fl. 2830 – verso); (c) inaplicável a Súmula 650/STF ao caso, visto que “não consta que a área objeto desta ação seja área de extinto aldeamento indígena, ou seja, não consta tenham os indígenas deixado de ocupá-la algum dia, por vontade própria e em passado remoto, ali retornando após o decurso de tempo suficiente para justificar o título de domínio defendido pelo autor nestes autos” (fl. 2831); (d) “restando comprovado, nos autos, o renitente esbulho praticado pelos não índios, inaplicável à espécie, o marco temporal aludido na PET 3388 e Súmula 650 do Supremo Tribunal Federal” (fl. 2832).

No recurso extraordinário, a parte recorrente aponta, com base no art. 102, III, “a”, da Constituição Federal, violação ao art. 231 da CF/88, pois, (a) segundo a firme jurisprudência do STF, para que seja considerada tradicional, a posse indígena deve ser verificada na data em que promulgada a Carta Magna; (b) não houve esbulho renitente por parte do recorrente, visto que a convivência com os índios Terena foi pacífica desde 1950 até 1996, quando iniciado o processo de demarcação da Aldeia Limão Verde; (c) o Tribunal de origem concluiu pela existência de “eventual prática de esbulho” apenas com base em três reclamações genéricas elaboradas pelos índios Terena em 1982, 1984 e 1989, nenhuma das quais se referia diretamente à Fazenda Santa Bárbara.

Em contrarrazões, os recorridos postulam, preliminarmente, o não conhecimento do recurso, em razão da (a) ausência de prequestionamento; (b) fundamentação deficiente; (c) ofensa constitucional reflexa; (d) não demonstração da repercussão geral da matéria; (e) necessidade de reexame probatório. No mérito, pedem o desprovimento do recurso.

A Procuradoria-Geral da República opinou pelo desprovimento do agravo, ao entendimento de que o provimento do recurso extraordinário demandaria o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, o que é vedado pela Súmula 279/STF.

2. A decisão agravada enfatizou a presença do óbice da Súmula 279/STF a impedir o conhecimento do recurso extraordinário. Todavia, as razões de agravo e, sobretudo, os aprofundados votos proferidos no julgamento, nesta Turma, em 16/9/2014, do RMS 29.087, em que ficou designado o Ministro Gilmar Mendes para redigir o acórdão, conduzem a uma conclusão diferente quanto a esse ponto. Realmente, sem necessidade de invocação de outros fatos que não os expressamente indicados no acórdão recorrido, é possível formular um juízo seguro a respeito do tema constitucional posto no recurso extraordinário. Assim, superado esse óbice e considerada a relevância da matéria, trago a questão desde logo à consideração do Colegiado.

3. Ao julgar a Pet 3.388 (Rel. Min. CARLOS BRITTO, DJe de 1/7/2010), o Plenário desta Corte assentou que o art. 231, § 1º, da CF/88 estabeleceu, como marco temporal para reconhecimento à demarcação como de natureza indígena de “terras tradicionalmente ocupadas pelos índios”, a data da promulgação da Carta Constitucional, ou seja, 5 de outubro de 1988. Assim, não se incluem nesse o conceito de terras indígenas aquelas ocupadas por eles no passado e nem as que venham a ser ocupadas no futuro. Confira-se:

I – o marco temporal da ocupação. Aqui, é preciso ver que a nossa Lei Maior trabalhou com data certa: a data da promulgação dela própria (5 de outubro de 1988) como insubstituível referencial para o reconhecimento, aos índios, “dos direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupam”. Terras que tradicionalmente ocupam, atente-se, e não aquelas que venham a ocupar. Tampouco as terras já ocupadas em outras épocas, mas sem continuidade suficiente para alcançar o marco objetivo do dia 5 de outubro de 1988. Marco objetivo que reflete o decidido propósito constitucional de colocar uma pá de cal nas intermináveis discussões sobre qualquer outra referência temporal de ocupação de área indígena. Mesmo que essa referência estivesse grafada na Constituição anterior. É exprimir: a data de verificação do fato em si da ocupação fundiária é o dia 5 de outubro de 1988, e nenhum outro. Com o que se evita, a um só tempo: a) a fraude da subitânea proliferação de aldeias, inclusive mediante o recrutamento de índios de outras regiões do Brasil, quando não de outros países vizinhos, sob o único propósito de artificializar a expansão dos lindes da demarcação; b) a violência da expulsão de índios para descaracterizar a tradicionalidade da posse das suas terras, à data da vigente Constituição. Numa palavra, o entrar em vigor da nova Lei Fundamental Brasileira é a chapa radiográfica da questão indígena nesse delicado tema da ocupação das terras a demarcar pela União para a posse permanente e usufruto exclusivo dessa ou daquela etnia aborígine. (…)

Ressalvou-se, é certo, que não descaracterizaria a tradicionalidade da posse nativa eventual situação de “esbulho renitente” cometido por não índios . Veja-se:

(…) Afinal, se, à época do seu descobrimento, o Brasil foi por inteiro das populações indígenas, o fato é que o processo de colonização se deu também pela miscigenação racial e retração de tais populações aborígines. Retração que deve ser contemporaneamente espontânea, pois ali onde a reocupação das terras indígenas, ao tempo da promulgação da Lei Maior de 1988, somente não ocorreu por efeito do renitente esbulho por parte dos não-índios, é claro que o caso já não será de perda da tradicionalidade da posse nativa. Será de violação aos direitos originários que assistem aos índios, reparável tanto pela via administrativa quanto jurisdicional. (…)

4. Ora, no caso, tanto o voto vencedor, quanto o voto vencido do acórdão recorrido permitem concluir que a última ocupação indígena na área objeto da presente demanda (Fazenda Santa Bárbara), deixou de existir desde, pelo menos, o ano de 1953, data em que os últimos índios teriam sido expulsos da região. Portanto, é certo que não havia ocupação indígena em outubro de 1988.

Argumenta, porém, o voto vencedor, que, “ainda que os índios tenham perdido a posse por longos anos, têm indiscutível direito de postular sua restituição, desde que ela decorra de tradicional (antiga, imemorial) ocupação” (fls. 2824). Esse entendimento, todavia, não se mostra compatível com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, conforme já afirmado, é pacífica no sentido de que o conceito de “terras tradicionalmente ocupadas pelos índios” não abrange aquelas que eram ocupadas pelos nativos no passado. Nesse sentido é a própria Súmula 650/STF: “os incisos I e XI do art. 20 da Constituição Federal não alcançam terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto”. Foi também nesse sentido o recente julgado da Segunda Turma em caso análogo ao presente, acima referido, em que foi reafirmado o marco temporal fixado na Pet 3.388:

DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS. O MARCO REFERENCIAL DA OCUPAÇÃO É A PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DAS SALVAGUARDAS INSTITUCIONAIS. PRECEDENTES. 1. A configuração de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, nos termos do art. 231, § 1º, da Constituição Federal, já foi pacificada pelo Supremo Tribunal Federal, com a edição da Súmula 650, que dispõe: os incisos I e XI do art. 20 da Constituição Federal não alcançam terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto. 2. A data da promulgação da Constituição Federal (5.10.1988) é referencial insubstituível do marco temporal para verificação da existência da comunidade indígena, bem como da efetiva e formal ocupação fundiária pelos índios (RE 219.983, DJ 17.9.1999; Pet. 3.388, DJe 24.9.2009). 3. Processo demarcatório de terras indígenas deve observar as salvaguardas institucionais definidas pelo Supremo Tribunal Federal na Pet 3.388 (Raposa Serra do Sol). 4. No caso, laudo da FUNAI indica que, há mais de setenta anos, não existe comunidade indígena e, portanto, posse indígena na área contestada. Na hipótese de a União entender ser conveniente a desapropriação das terras em questão, deverá seguir procedimento específico, com o pagamento de justa e prévia indenização ao seu legítimo proprietário. 5. Recurso ordinário provido para conceder a segurança. (RMS 29.087, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Rel. p/ acórdão Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe de 14/10/2014)

Nesse aresto, a controvérsia foi decidida pelo Min. Gilmar Mendes nos seguintes termos:

Após precisa análise, verifico que o relatório de identificação e delimitação da terra indígena Guyraroká, elaborado pela FUNAI, indica que a população Kaiowá residiu na terra reivindicada até o início da década de 1940 e que, “a partir dessa época, as pressões dos fazendeiros que começam a comprar as terras na região tornaram inviável a permanência de índios no local” (fl. 26).

Nos termos do laudo, que deu base à edição da Portaria 3.219, objeto da presente demanda:

“Os Kaiowá só deixaram a terra devido às pressões que receberam dos colonizadores que conseguiram os primeiros títulos de terras na região. A ocupação da terra pelas fazendas desarticulou a vida comunitária dos Kaiowá, mas mesmo assim muitas famílias lograram permanecer no local, trabalhando como peões para os fazendeiros. Essa estratégia de permanência na terra foi praticada até início da década de 1980, quando as últimas famílias foram obrigadas a deixar o local.” (fl. 30).

Vê-se, pois, que o laudo da FUNAI indica que há mais de setenta anos não existe comunidade indígena e, portanto, posse indígena.

O acórdão do Superior Tribunal de Justiça reitera que “a comunidade Kaiowá encontra-se na área a ser demarcada desde os anos de 1750-1760, tendo sido desapossados de suas terras nos anos 40 por pressão dos fazendeiros”, mas que alguns permaneceram na região “trabalhando nas fazendas, cultivando costumes dos seus ancestrais e mantendo laços com a terra”. Nos termos da decisão do STJ, esse fato seria suficiente para legitimar a demarcação pretendida.

Se esse critério pudesse ser adotado, muito provavelmente teríamos de aceitar a demarcação de terras nas áreas onde estão situados os antigos aldeamentos indígenas em grandes cidades do Brasil, especialmente na região Norte e na Amazônia.

Diferente desse entendimento, a configuração de terras “tradicionalmente ocupadas” pelos índios, nos termos do art. 231, § 1º, da Constituição Federal, já foi pacificada pelo Supremo Tribunal Federal, com a edição da Súmula 650, que dispõe:‘os incisos I e XI do art. 20 da Constituição Federal não alcançam terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto.’.

No RE 219.983, precedente dessa Súmula, o Min. Nelson Jobim destacou, em relação ao reconhecimento de terras indígenas, que:

“Há um dado fático necessário: estarem os índios na posse da área. É um dado efetivo em que se leva em conta o conceito objetivo de haver a posse. É preciso deixar claro, também, que a palavra ‘tradicionalmente’ não é posse imemorial, é a forma de possuir; não é a posse no sentido da comunidade branca, mas, sim, da comunidade indígena. Quer dizer, o conceito de posse é o conceito tradicional indígena, mas há um requisito fático e histórico da atualidade dessa posse, possuída de forma tradicional.” (RE 219.983, julg. em 9.12.1998).

Mesmo preceito foi seguido no julgamento do caso Raposa Serra do Sol, em 19 de março de 2009. Na Pet. 3.388, o Supremo Tribunal Federal estipulou uma série de fundamentos e salvaguardas institucionais relativos à demarcação de terras indígenas. Trata-se de orientações não apenas direcionados a esse caso específico, mas a todos os processos sobre mesmo tema.

Importante foi a reafirmação de marcos do processo demarcatório, a começar pelo marco temporal da ocupação. O objetivo principal dessa delimitação foi procurar dar fim a disputas infindáveis sobre terras, entre índios e fazendeiros, muitas das quais, como sabemos, bastante violentas.

Deixou-se claro, portanto, que o referencial insubstituível para o reconhecimento aos índios dos “direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, é a data da promulgação da Constituição Federal, isto é, 5 de outubro de 1988.

(…)

Em complemento ao marco temporal, há o marco da tradicionalidade da ocupação. Não basta que a ocupação fundiária seja coincidente com o dia e o ano da promulgação, é preciso haver um tipo “qualificadamente tradicional de perdurabilidade da ocupação indígena, no sentido entre anímico e psíquico de que viver em determinadas terras é tanto pertencer a elas quanto elas pertencerem a eles, os índios.” (voto Min. Ayres Britto, Pet. 3.388).

Nota-se, com isso, que o segundo marco é complementar ao primeiro. Apenas se a terra estiver sendo ocupada por índios na data da promulgação da Constituição Federal é que se verifica a segunda questão, ou seja, a efetiva relação dos índios com a terra que ocupam. Ao contrário, se os índios não estiverem ocupando as terras em 5 de outubro de 1988, não é necessário aferir-se o segundo marco.

A decisão impugnada pelo presente recurso ordinário chegou a mencionar a Pet 3.388 e, inclusive, transcreveu trechos relativos à definição dos marcos temporal e tradicional, nela delimitados. Realizou, contudo, equivocada interpretação da jurisprudência desta Casa.

Como visto, há mais de setenta anos não existe comunidade indígena na região reivindicada. Isto é, em 5 de outubro de 1988, marco objetivo insubstituível para o reconhecimento aos índios dos “direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, essas terras não eram habitadas por comunidade indígena há quase meio século!

O marco temporal relaciona-se com a existência da comunidade e a efetiva e formal ocupação fundiária. Caso contrário, em nada adiantaria o estabelecimento de tais limites, que não serviriam para evitar a ocorrência de conflitos fundiários. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, repita-se, não compreende a palavra “tradicionalmente” como posse imemorial.

Esse entendimento, como se vê, infirma a orientação da corrente vencedora do acórdão recorrido, que, ante o mero fato de os índios Terena terem ocupado a Fazenda Santa Bárbara no passado, considerou legítima a demarcação daquela área como terra indígena, não obstante a inexistência de efetiva ocupação em 1988.

5. Restaria, como fundamento de legitimação de ato demarcatório, averiguar a existência do que, no julgamento da Pet 3.388, se denominou de “esbulho renitente”. O voto vencedor do julgado atacado considerou presente a ocorrência desse esbulho nos seguintes termos:

Na hipótese, restou incontroverso que, à época da promulgação da Constituição Federal de 1988, os índios da etnia Terena não estavam na posse da área reivindicada, posteriormente demarcada e homologada pelo Decreto Presidencial.

Importa saber, portanto, se dela foram os índios desalojados em virtude de renitente esbulho praticado por não índios. Acerca desta questão, o laudo pericial explica exatamente como os silvícolas foram desalojados do local onde viviam. (fl.1100):

“Como indicamos nos itens 2.1 e 2.2, e depois nos itens 4.1 e 4.2 deste laudo, o processo de colonização da região da bacia do Aquidauana se intensifica especialmente depois do término da Guerra do Paraguai. Na região em questão, existiam diversos aldeamentos indígenas, como Ipegue na planície e o Piranhinha nos morros, como são registrados nos documentos já citados, pelo menos desde 1865-66. A partir de 1892 inicia-se um processo de colonização conduzido por um grupo de coronéis (apesar de que antes da aquisição de terras por esse grupo, já existiam posseiros na região, como é o caso de João Dias Cordeiro) por meio da constituição vila de Aquidauana e de propriedades rurais e urbanas. Pelos documentos localizados, a partir de 1895 em diante inicia-se um processo de titulação em terras localizadas entre o Córrego João Dias, o Morro do Amparo e o Aquidauana que se choca com as terras de ocupação indígena em diversos pontos. Isso caracteriza um choque entre o poder local e a economia agropecuária e a sociedade Terena. Esse choque de interesses sobre as terras e os recursos ambientais está registrado nos diversos documentos analisados e citados no laudo, e resultará na titulação das terras para o município em 1928 e depois na criação da Colônia XV de Agosto em 1959, incidentes na área depois identificada como indígena. Assim, consolida-se o processo ocupação nos territórios em questão. Com relação às terras da fazenda Santa Bárbara, podemos indicar que existiu ocupação indígena (no sentido de uso para habitação) até o ano de 1953, quando em meio ao processo de demarcação houve a expulsão dos índios da área, mas a ocupação (como uso de recursos naturais e ambientais) permanece até os dias de hoje, uma vez que os índios praticam a caça e coleta na serra.” (grifei).

Além disso, o MM. Juiz sentenciante constatou na inspeção judicial que, a partir do ano de 1953, os índios, não por vontade própria, ficaram impedidos de utilizar as terras da área litigiosa. Confira-se o seguinte trecho da r. sentença:

“Por ocasião da inspeção que realizei na área em litígio constatei que a Fazenda Santa Bárbara tem divisa bem definida com as terras indígenas. Além da divisa natural, representada pelo paredão da Serra de Amambaí, tornando difícil o acesso entre as glebas, existem cercas em todo o perímetro da fazenda. Essas cercas remontam à época que antecedeu a passagem do agrimensor Camilo Boni (1953).” – (fls. 2417)

Diante disso, restando comprovado, nos autos, o renitente esbulho praticado pelos não índios, inaplicável à espécie, o marco temporal aludido na PET 3388 e Súmula 650 do Supremo Tribunal Federal.

Ademais, não vislumbro como afastar as conclusões do laudo oficial, considerando que nem mesmo os argumentos que foram deduzidos pelo assistente técnico do autor conseguiram desconstituir a conclusão a que chegou o perito judicial, de reconhecida idoneidade e competência. (fl. 2831/2832)

O que se tem nessa argumentação, bem se percebe, é a constatação de que, no passado, as terras questionadas foram efetivamente ocupadas pelos índios, fato que é indiscutível. Todavia, renitente esbulho não pode ser confundido com ocupação passada ou com desocupação forçada, ocorrida no passado. Há de haver, para configuração de esbulho, situação de efetivo conflito possessório que, mesmo iniciado no passado, ainda persista até o marco demarcatório temporal atual (vale dizer, na data da promulgação da Constituição de 1988), conflito que se materializa por circunstâncias de fato ou, pelo menos, por uma controvérsia possessória judicializada.

Também não pode servir como comprovação de “esbulho renitente” a sustentação desenvolvida no voto vista proferido no julgamento do acórdão recorrido, no sentido de que os índios Terena pleitearam junto a órgãos públicos, desde o começo do Século XX, a demarcação das terras do chamado Limão Verde, nas quais se inclui a Fazenda Santa Bárbara. Destacou-se, nesse propósito, (a) a missiva enviada em 1966 ao Serviço de Proteção ao Índio; (b) o requerimento apresentado em 1970 por um vereador Terena à Câmara Municipal, cuja aprovação foi comunicada ao Presidente da Funai, através de ofício, naquele mesmo ano; e (c) cartas enviadas em 1982 e 1984, pelo Cacique Amâncio Gabriel, à Presidência da Funai. Essas manifestações formais, esparsas ao longo de várias décadas, podem representar um anseio de uma futura demarcação ou de ocupação da área; não, porém, a existência de uma efetiva situação de esbulho possessório atual. Nesse aspecto, cumpre registrar o que atestou o voto vencido do aresto impugnado:

Desde a desocupação na década de 1950, o grupo tribal Terenas não reivindica direta ou indiretamente a área. A tolerância que se sucedeu ao esbulho praticado pelos membros da sociedade nacional comprometeu o liame entre a fazenda e os usos, costumes, tradições da comunidade e originou uma situação fática que veio a ser legitimada pela Constituição Federal de 1988 (fl. 2914)

Dessa forma, sendo incontroverso que as últimas ocupações indígenas na Fazenda Santa Bárbara ocorreram em 1953 e não se constatando, nas décadas seguintes, situação de disputa possessória, fática ou judicializada, ou de outra especie de inconformismo que pudesse caracterizar a presença de não índios como efetivo “esbulho renitente”, a conclusão que se impõe é a de que o indispensável requisito do marco temporal da ocupação indígena, fixado por esta Corte no julgamento da Pet 3.388 não foi cumprido no presente caso.

6. Diante do exposto, dou provimento ao agravo regimental e conheço do agravo para dar provimento ao recurso extraordinário, julgando procedente o pedido. Ficam invertidos os ônus de sucumbência. É o voto.

*decisão publicada no DJe de 12.2.2015.

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Como citar e referenciar este artigo:
STF,. Informativo nº 774 do STF. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2015. Disponível em: https://investidura.com.br/informativos-de-jurisprudencia/stf-informativos-de-jurisprudencia/informativo-no-774-do-stf/ Acesso em: 25 abr. 2024
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