STF

Informativo nº 633 do STF

Brasília, 27 de junho a 1º de julho de 2011 Nº 633

Data (páginas internas): 3 de agosto de 2011

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões
proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente
poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

Sumário

Plenário

ADI e critérios para desempate da antigüidade dos magistrados

Serviços notariais e de registro: reorganização e concurso público -1

Serviços notariais e de registro: reorganização e concurso público -2

Serviços notariais e de registro: reorganização e concurso público -3

Serventias extrajudiciais: reorganização e ato normativo

Fundo Estadual de Atenção Secundária à Saúde e repartição de receitas

Suframa e natureza jurídica da remuneração por serviços prestados – 1

Suframa e natureza jurídica da remuneração por serviços prestados – 2

ADI e vício de iniciativa – 1

ADI e vício de iniciativa – 2

Vício de iniciativa e acréscimo a proventos

ICMS e guerra fiscal

ADI e aumento de despesa

Contagem diferenciada de tempo de serviço prestado em condições especiais

1ª Turma

Difamação e imunidade profissional de advogado

“ADI estadual” e prazo em dobro – 2

2ª Turma

Prescrição e ato infracional

Princípio do Juiz Natural: Vacância e Juiz Instrutor – 3

Dosimetria e fundamentação idônea

Prova ilícita e ausência de fundamentação

Repercussão Geral

Clipping do DJ

Transcrições

Recusa de extradição: reclamação e insindicabilidade do ato do Presidente da República (Ext 1.085 Petição avulsa/República Italiana e Rcl
11.243/República Italiana)

Inovações Legislativas

Outras Informações

Plenário

ADI e critérios para desempate da antigüidade dos magistrados

O Plenário deferiu parcialmente pedido de medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada pela Associação Nacional dos Magistrados
Estaduais – Anamages, para suspender os efeitos dos incisos III e IV do § 1º do art. 78 da LC 10/96, do Estado do Tocantins. Os dispositivos impugnados
dispõem sobre critérios de desempate da antigüidade, para promoção de magistrados daquele ente federado. Preliminarmente, reconheceu-se a legitimidade
ativa da requerente. Ressaltou-se a existência de precedentes da Corte que assentariam a ilegitimidade da mencionada associação para ajuizar demandas
relativas a controle de constitucionalidade em abstrato nos casos em que as leis questionadas tratassem de assuntos de interesse da magistratura em
âmbito nacional. Na espécie, porém, a norma adversada referir-se-ia a juízes estaduais de uma unidade federativa específica, o Tocantins. Não seria,
portanto, norma geral, de maneira a exigir representatividade. No mérito, reputou-se que, dentre os 5 critérios previstos no dispositivo questionado,
apenas 2 não teriam previsão legal na LOMAN: “tempo de serviço público no Estado” e “tempo de serviço público em geral”. Frisou-se, por
sua vez, que o STF tem permitido o critério concernente à “idade” para desempate por antigüidade, se inexistente outra alternativa, muito embora a
LOMAN não contenha, expressamente, regra nesse sentido. No ponto, o Min. Ayres Britto salientou que esse critério já fora prestigiado pela Constituição
para desempatar eleição no âmbito da Presidência da República.

ADI 4462 MC/TO, rel. Min. Cármen Lúcia, 29.6.2011. (ADI-4140)

Serviços notariais e de registro: reorganização e concurso público – 1

Por entender caracterizado ofensa aos artigos 96, II, d, e 125, § 1º, da CF, o Plenário julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação
direta, ajuizada pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil – Anoreg, para declarar a inconstitucionalidade formal da íntegra da Resolução
2/2008 — que dispõe sobre a reorganização dos serviços de notas e de registros das comarcas de entrância intermediária e final do Estado de Goiás —,
editada pelo Conselho Superior da Magistratura daquele ente federativo. Ademais, deliberou-se dotar a decisão de eficácia plena a partir do decurso de
30 dias contados da sua publicação no Diário da Justiça eletrônico, para preservar a validade jurídica de todos os atos notariais e de registros
praticados pelas serventias extrajudiciais que tiveram as atribuições eventualmente modificadas durante a vigência do ato normativo adversado. Quanto
ao pleito relativo à Resolução 4/2008 — que disciplina a realização de concurso público unificado para ingresso e remoção nas serventias notariais e
registrais estaduais —, do mencionado Conselho, confirmou-se o que manifestado na ocasião do julgamento da medida cautelar — v. Informativo 530. Desse
modo, reputou-se que não haveria, na ótica do controle concentrado de normas, qualquer inconstitucionalidade formal ou material na atividade normativa
de tribunal de justiça que viesse a estipular regras gerais e bem definidas para a promoção de concurso unificado de provimento ou de remoção de
serventias vagas no respectivo ente da Federação. Igualmente, seria isenta de vício a decisão mesma pela realização de certame quando reconhecida a
vacância de mais de 300 serventias extrajudiciais, muitas delas ocupadas, há vários anos, por respondentes interinos. Consignou-se que o reconhecimento
da inconstitucionalidade da Resolução 2/2008 em nada interferirá na validade e, por conseguinte, no prosseguimento das etapas finais do concurso
público, em andamento, destinado a prover os serviços vagos em Goiás. Além disso, considerou-se que, como ainda não fora realizada a audiência pública
de escolha de serventias pelos candidatos aprovados, também aquelas alteradas pelo ato expungido poderiam ser reinseridas no certame, isso depois de
retornarem a sua configuração original, mediante publicação de nova e atualizada lista de todos os serviços extrajudiciais vacantes. A Min. Ellen
Gracie, a respeito do citado concurso, noticiou que, em 3.3.2011, deferira liminar no MS 28375/DF (DJe de 10.3.2011), do qual é relatora, para
suspender, até julgamento final do writ, os efeitos da decisão proferida pelo Conselho Nacional de Justiça no Procedimento Administrativo
2009.1000001936-5, bem como os atos de convocação para a audiência pública.

ADI 4140/GO, rel. Min. Ellen Gracie, 29.6.2011 . (ADI-4140)

Serviços notariais e de registro: reorganização e concurso público – 2

No tocante à Resolução 2/2008, apontou-se que a Carta Magna, ao se referir a secretarias e serviços auxiliares dos tribunais e dos juízos de direito
que lhe são vinculados (CF, art. 96, I, b), trataria, exclusivamente, da estrutura interna desses órgãos judiciários, consubstanciada num
conjunto de unidades e atividades de apoio que viabilizasse a realização de todas as suas finalidades institucionais. Portanto, mera conseqüência da
autonomia administrativa assegurada ao Poder Judiciário. Enfatizou-se, inclusive, que o assunto da remuneração dos atos praticados no exercício dos
serviços notariais e registrais seria cuidado, de maneira completamente apartada, pelo art. 236 da CF (“ § 2º – Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro ”). Na análise da evolução jurisprudencial do tema, afirmou-se que matéria relativa à ordenação dessas serventias, pelo poder público estadual,
passaria ao largo da temática de serviços auxiliares dos tribunais e estaria completamente inserida na seara da organização e da divisão judiciárias,
na qual se exigiria, para toda e qualquer inovação jurídica, a edição de lei formal de iniciativa privativa dos tribunais de justiça. Na seqüência,
destacou-se que esse posicionamento harmonizar-se-ia com aquele externado pelo Plenário do STF na apreciação da ADI 2350/GO (DJU de 2.4.2004) —
concernente à introdução de modificações no Código de Organização Judiciária do Estado de Goiás. Em seguida, examinaram-se, minuciosamente, as mudanças
efetivadas por esta resolução. Observou-se, então, que — conquanto o ato impugnado mantivesse o número absoluto de cartórios existentes, antes de sua
edição, nas comarcas envolvidas — as alterações na disposição dos serviços importaram, por exemplo, em excessivas acumulações e no surgimento de
cartórios inéditos. Asseverou-se, por conseguinte, que teria ocorrido uma substancial modificação da organização judiciária daquela unidade federada
sem que fosse editada a legislação estadual pertinente. Assinalou-se, também, que, conforme verificado do cruzamento da relação completa das serventias
notariais e de registros existentes com a listagem das declaradas vagas pelo edital do concurso público, somente 68 foram expressamente dispostas na
Resolução 2/2008 e, destas, apenas 51 foram efetivamente alteradas por suas disposições.

ADI 4140/GO, rel. Min. Ellen Gracie, 29.6.2011 . (ADI-4140)

Serviços notariais e de registro: reorganização e concurso público – 3

O Min. Luiz Fux frisou que não se poderia, por meio de um mero ato administrativo, empreender a essa modificação tão substancial, que só formalmente
seria uma desacumulação, mas, na realidade, fora uma criação de novas serventias com novas competências. A Min. Cármen Lúcia destacou que se estaria a
reafirmar a impossibilidade de, por resolução, criar, recriar, desmembrar ou, em nome de qualquer dessas modalidades, transformar as serventias. O Min.
Ayres Britto acompanhou a relatora com a ressalva de não se posicionar, por enquanto, sobre o enquadramento da matéria no âmbito da organização e
divisão judiciárias. O Min. Gilmar Mendes teceu considerações. Ressaltou, dentre outras, que não entenderia, a priori, ser inconstitucional uma
lei que dispusesse sobre o tema e desse ao tribunal, segundo critérios razoáveis e com fixação de elementos objetivos, a possibilidade de eventual
atualização, remanejamento, tendo em vista as mudanças que, de fato, ocorressem no curso do tempo. O Min. Marco Aurélio aduziu não vislumbrar a
possibilidade de, sem uma mesclagem conflitante com a Constituição, admitir-se que o próprio tribunal disciplinasse a criação, em si, de cartórios.
Quanto aos serviços prestados, acentuou que observaria, não em si, o art. 27 da Lei 9.868/99, mas a teoria do servidor de fato e, dessa forma,
reputaria os serviços como válidos. Por fim, subscreveu às inteiras o voto proferido pela relatora. O Min. Celso de Mello sublinhou que a própria
relevância das funções notariais e registrais, o poder de certificação de que os tabeliães e registradores dispõem, a presunção de veracidade e de fé
pública, que milita em favor dos atos que esses agentes estatais praticam, justificariam a conclusão de que a matéria referente à ordenação das
serventias extrajudiciais subsumir-se-ia, por completo, ao plano da organização judiciária. Acrescentou que o postulado da reserva de lei formal
traduziria uma clara limitação de ordem constitucional às atividades desenvolvidas, quer pela jurisdição, quer pela administração, em qualquer que
fosse a área em que os órgãos estatais atuassem. Os Ministros Ayres Britto e Cezar Peluso, Presidente, ponderaram que o fato de não haver cargo não
descaracterizaria a existência de função. Este esclareceu, também, que, por se tratar de órgão ou órgãos, qualquer criação, modificação ou extinção
somente poderia ser operada por lei formal em sentido estrito, o que, no caso, não ocorrera. Alguns precedentes citados: RE 42998/CE (DJU de 17.8.60);
ADI 865 MC/MA (DJU de 8.4.94); ADI 1935/RO (DJU de 4.10.2002).

ADI 4140/GO, rel. Min. Ellen Gracie, 29.6.2011 . (ADI-4140)

Serventias extrajudiciais: reorganização e ato normativo

Com o mesmo fundamento acima mencionado, o Plenário deferiu pedido de medida cautelar em ação direta de in­constitucionalidade, ajuizada pela Anoreg,
para suspender a eficácia da Resolução 291/2010 — que reorganiza os serviços de notas e de registro do Estado de Pernambuco —, editada pelo respectivo
Tribunal de Justiça. Inicialmente, aludiu-se ao art. 1º do ato normativo (“
As delegações de registro e de notas do Estado de Pernambuco são reorganizadas, mediante a instituição de novas serventias notariais e de registro,
por meio de desmembramento ou de desdobramento, da alteração de atribuições das já existentes, pela anexação ou acumulação, desanexação ou
desacumulação, ou mesmo extinção, na forma do Anexo Único que integra esta resolução
”). Em seguida, salientou-se que não foram argüidos como inconstitucionais todos os dispositivos da resolução. Consignou-se que se trataria
rigorosamente da matéria adversada na ADI 4140/GO, contudo, em maior extensão. Assentou-se que a causa de pedir seria a inconstitucionalidade formal.
Anotou-se, por fim, não ter sido posto em causa um concurso que estaria em andamento para serventias vagas e que, desde que não dissesse respeito ao
ato em questão, prevaleceria a orientação firmada na ADI supra-citada.

ADI 4453 MC/PE, rel. Min. Cármen Lúcia, 29.6.2011 . (ADI-4453)

Fundo Estadual de Atenção Secundária à Saúde e repartição de receitas

O Plenário deferiu pedido de medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade, proposta pela Associação Nacional dos Municípios Produtores –
Anamup, para suspender a eficácia do inciso I do § 1º do art. 249-A da Constituição do Estado do Ceará, na redação dada pela Emenda Constitucional
71/2011; bem como do art. 1º do Decreto estadual 30.483/2011, que o regulamenta. O preceito impugnado institui o Fundo Estadual de Atenção Secundária à
Saúde, subordinado à Secretaria de Saúde daquele mesmo ente federativo, e a ele destina 15% dos recursos provenientes da repartição das receitas
tributárias repassadas aos Municípios. Inicialmente, ressaltou-se que a repartição de receitas tributárias consubstanciaria peça-chave do equilíbrio
federativo, porquanto inviável à unidade federada, sem fonte de financiamento, dar concretude aos objetivos constitucionais que lhe seriam atribuídos.
Assim, considerou-se que, à primeira vista, não haveria qual­quer margem à edição de normas pelos Estados-membros que afetassem a liberdade de
destinação das receitas municipais originárias, ainda que provenientes da arrecadação de tributos estaduais. Destacou-se, no ponto, que o poder
constituinte derivado decorrente não poderia inovar, de modo contrário ao texto constitucional federal. Vislumbrou-se, dessa forma, aparente ofensa ao
art. 160 da CF, cujas exceções não se encontrariam presentes na espécie (“
É vedada a retenção ou qualquer restrição à entrega e ao emprego dos recursos atribuídos, nesta seção, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios, neles compreendidos adicionais e acréscimos relativos a impostos. Parágrafo único. A vedação prevista neste artigo não impede a União e
os Estados de condicionarem a entrega de recursos: I – ao pagamento de seus créditos, inclusive de suas autarquias; II – ao cumprimento do disposto
no art. 198, § 2º, incisos II e III
”). Consignou-se que o Estado-membro não poderia, a pretexto de exigir a observância de meta constitucional, apropriar-se de recursos que não lhe
pertenceriam. Ademais, rechaçou-se eventual alegação no sentido de que o Estado do Ceará teria apenas regulamentado o fundo de saúde previsto no art.
77, III, e § 3º, do ADCT, porquanto deveria ser constituído com recursos do próprio ente ou, se híbrido, com a aquiescência de todos os envolvidos.
Precedentes citados: RE 572762/SC (DJe de 5.9.2008), ADI 692/GO (DJU de 1º.10.2004) e ADI 3549/GO (DJe de 31.10.2007).

ADI 4597 MC/CE, rel. Min. Marco Aurélio, 30.6.2011. (ADI-4597)

Suframa e natureza jurídica da remuneração por serviços prestados – 1

O parágrafo único do art. 24 do Decreto-lei 288/67 (“
Art 24. A SUFRAMA poderá cobrar taxas por utilização de suas instalações e emolumentos por serviços prestados a particular. Parágrafo único. As
taxas e emolumentos de que tratam êste artigo serão fixadas pelo Superintendente depois de aprovadas pêlo Conselho Técnico
”) é incompatível com a CF/88. Essa a conclusão do Plenário ao desprover recurso extraordinário, afetado pela 1ª Turma, em que a Superintendência da
Zona Franca de Manaus – Suframa impugnava acórdão que lhe impusera obrigação de restituir indébito ao fundamento de que a cobrança por ela realizada
teria natureza jurídica de taxa, e não de preço público. Alegava a recorrente ofensa aos artigos 145, II, § 2º e 150, I, da CF. Assinalou-se que a
controvérsia diria respeito à natureza jurídica do valor recolhido pela empresa recorrida a título de remuneração pela anuência aos pedidos de guias de
importação de insumos e de bens de capital, pela anuência aos pedidos de desembaraço aduaneiro e pelo controle dos internamentos na Zona Franca de
Manaus.

RE 556854/AM, rel. Min. Cármen Lúcia, 30.6.2011. (RE-556854)

Suframa e natureza jurídica da remuneração por serviços prestados – 2

De início, registrou-se que a Suframa seria uma autarquia vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, sendo responsável
pela administração das instalações e dos serviços da Zona Franca de Manaus (Decreto-lei 288/67, art. 1º). Na seqüência, asseverou-se que, ao contrário
do que sustentado, as cobranças efetuadas pela recorrente não seriam de pagamento facultativo a quem pretendesse fazer uso dos benefícios daquela zona
franca. Enfatizou-se que a atividade por ela exercida seria afeta ao Estado (Decreto-lei 288/67, art. 10), razão pela qual deveria ser cobrada por meio
de taxa. Destacou-se, por conseguinte, que a exações em comento estariam sujeitas à observância dos princípios constitucionais relativos aos tributos,
dentre eles, o postulado da legalidade, o qual dispõe que as taxas devem ser instituídas por lei e não por portarias, atos infralegais. Concluiu-se que
a Suframa não poderia, com base no referido parágrafo único do art. 24 do Decreto-lei 288/67, ter estabelecido, por meio de portarias, a cobrança
questionada, sob pena de transgressão ao princípio da legalidade tributária. Por fim, consignou-se que, atualmente, esses tributos são cobrados pela
Suframa por meio de taxas de serviços administrativos (Lei 9.960/2000, art. 1º).

RE 556854/AM, rel. Min. Cármen Lúcia, 30.6.2011. (RE-556854)

ADI e vício de iniciativa – 1

Por reputar usurpada a competência privativa do Chefe do Poder Executivo para iniciar projeto de lei que verse sobre aumento de remuneração de cargos,
funções e empregos públicos na Administração direta e autárquica (CF, art. 61, § 1º, II, a e c), o Plenário julgou procedente pedido
formulado em ação direta, ajuizada pelo Governador do Estado do Amapá, para declarar a inconstitucionalidade da Lei 740/2003, daquele ente federativo.
O mencionado diploma legal, de iniciativa parlamentar, autoriza o Chefe do Poder Executivo local a conceder Adicional de Desempenho – SUS aos
servidores em gozo de férias e/ou licença prêmio por assiduidade e/ou licença maternidade e/ou licença por motivo de doença e dá outras providências.

ADI 3176/AP, rel. Min. Cezar Peluso, 30.6.2011. (ADI-3176)

ADI e vício de iniciativa – 2

O Plenário julgou procedente pedido formulado em ação direta, proposta pelo Governador do Estado do Paraná, para declarar a inconstitucionalidade dos
artigos 9º e 10 da Lei paranaense 13.667/2002, que determina a não aplicação do limitador salarial à remuneração de servidores de determinado instituto
daquela unidade federativa. Aduziu-se que os dispositivos questionados — acrescentados por emenda da assembléia legislativa — não constariam do projeto
de lei oriundo do Poder Executivo, o que usurparia a sua competência.

ADI 2944/PR, rel. Min. Cármen Lúcia, 30.6.2011. (ADI-2944)

Vício de iniciativa e acréscimo a proventos

O Plenário julgou procedente pedido formulado em ação direta, ajuizada pelo Governador do Estado do Amazonas, para declarar a inconstitucionalidade do
art. 288 da Constituição estadual amazonense, acrescido pela Emenda Constitucional 40/2002, que concede, a servidores públicos que tenham exercido
mandato eletivo, um determinado acréscimo percentual em suas aposentadorias ou pensões. Entendeu-se que o preceito impugnado, de iniciativa
parlamentar, afrontaria a competência privativa do Chefe do Poder Executivo para dispor sobre a matéria (CF, art. 61, § 1º, II, a e c),
bem como possibilitaria que proventos de aposentadoria e pensões, por ocasião de sua concessão, pudessem exceder a remuneração do respectivo servidor
no cargo em que ocorrera a aposentação (CF, art. 40, § 2º).

ADI 3295/AM, rel. Min. Cezar Peluso, 30.6.2011. (ADI-3295)

ICMS e guerra fiscal

Por ofensa ao art. 155, § 2º, XII, g, da CF — que exige, relativamente ao ICMS, a celebração de convênio entre os Estados-membros e o Distrito
Federal para a concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais —, o Plenário julgou procedente pedido formulado em ação direta, proposta pelo
Governador do Estado de Santa Catarina, para declarar a inconstitucionalidade da Lei 11.393/2000, daquele ente da Federação. A norma adversada cancelou
notificações fiscais emitidas com base na declaração de informações econômico-fiscais – DIEF, ano base de 1998 e determinou a restituição dos valores
eventualmente recolhidos.

ADI 2345/SC, rel. Min. Cezar Peluso, 30.6.2011. (ADI-2345)

ADI e aumento de despesa

O Plenário julgou procedente pedido formulado em ação direta, ajuizada pelo Governador do Estado do Espírito Santo, para declarar a
inconstitucionalidade dos artigos 22 e 25 da Lei Complementar capixaba 176/2000, resultantes de emenda parlamentar. A norma refutada, ao reorganizar a
estrutura da Secretaria de Estado da Educação, criou 2 cargos de procurador para atuarem junto ao referido órgão, bem como mais outros 2 cargos em
comissão de assessor técnico. Asseverou-se que a mencionada emenda, além de não ter pertinência com o projeto do Executivo, implicaria, ainda, aumento
de despesa (CF, art. 63, I).

ADI 2305/ES, rel. Min. Cezar Peluso, 30.6.2011. (ADI-2305)

Contagem diferenciada de tempo de serviço prestado em condições especiais

O Plenário iniciou julgamento de agravo regimental interposto, pela União, de decisão do Min. Marco Aurélio, em mandado de injunção do qual relator. Na
ocasião, assentara o direito do impetrante à contagem diferenciada do tempo de serviço prestado em condições insalubres, com observância do sistema do
regime geral de previdência social (Lei 8.213/91, art. 57), para fins da aposentadoria de que cogita o § 4º do art. 40 da CF, cabendo ao órgão a que
integrado o exame do atendimento ao requisito “tempo de serviço”. A agravante alega usurpação da competência do Plenário, bem como sustenta a
inviabilidade de se assegurar a aludida contagem de tempo de serviço para futuro pedido de aposentadoria. O Min. Marco Aurélio desproveu o recurso.
Apontou que, dentre os critérios e requisitos especiais para a aposentadoria, estaria o direito à contagem diferenciada do tempo de serviço prestado em
atividades que prejudiquem a saúde ou a integridade física. Ponderou que, no tocante à aposentadoria especial, o Supremo tem limitado a eficácia das
decisões proferidas em mandado de injunção, ao determinar que a Administração verifique o preenchimento, em concreto e de forma individual, dos
requisitos para a inativação. Aduziu, ainda, que o entendimento firmado no julgamento do MI 795/DF (DJe de 22.5.2009) mostrar-se-ia linear, pois,
durante o tempo em que não editada a lei reguladora do direito assegurado constitucionalmente, o critério a ser levado em conta seria, na
integralidade, o da Lei 8.213/91. Assim, se os trabalhadores em geral podem ter considerado o tempo de serviço em atividade nociva à saúde, mediante
conversão (Lei 8.213/91, art. 57, § 5º), não haveria justificativa para obstaculizar o tratamento igualitário aos servidores públicos enquanto não
advier legislação específica. Após, pediu vista o Min. Luiz Fux.

MI 2140 AgR/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 1º.7.2011. (MI-2140)

Primeira Turma

Difamação e imunidade profissional de advogado

A 1ª Turma, por maioria, denegou habeas corpus em que se pleiteava o trancamento da ação penal. Na espécie, a paciente — condenada pelo crime de
difamação — teria ofendido a reputação de magistrada, desmerecendo a sua capacitação funcional, diante dos serventuários e demais pessoas presentes no
cartório da vara judicial. De início, aduziu-se que as alegações de atipicidade da conduta e de inexistência de dolo não poderiam ser apreciadas nesta
via, uma vez que, para chegar a conclusão contrária à adotada pelas instâncias ordinárias, seria necessário o reexame do conjunto fático-probatório,
não admissível nesta sede. Em seguida, ponderou-se estar diante de fato, em tese, típico, ilícito e culpável, revestido de considerável grau de
reprovabilidade. Ressaltou-se que o comportamento da paciente amoldar-se-ia, em princípio, perfeitamente à descrição legal da conduta que a norma
visaria coibir (CP, art. 139). Desse modo, afirmou-se que não haveria falar em atipicidade da conduta. Ante as circunstâncias dos autos, reputou-se,
também, que não se poderia reconhecer, de plano, a ausência do animus difamandi, identificado na sentença condenatória e no acórdão que a
confirmara. No tocante à alegação de que teria agido acobertada pela imunidade conferida aos advogados, asseverou-se que seria inaplicável à espécie a
excludente de crime (CP, art. 142), haja vista que a ofensa não teria sido irrogada em juízo, na discussão da causa. Acrescentou-se que a mencionada
excludente não abrangeria o magistrado, que não poderia ser considerado parte na relação processual, para os fins da norma. Frisou-se, também, que a
jurisprudência e a doutrina seriam pacíficas nesse sentido, na hipótese de ofensa a magistrado. O Min. Luiz Fux enfatizou que a frase proferida pela
advogada encerraria uma lesão penal bifronte. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, relator, e Dias Toffoli, que concediam a ordem. Aquele, para
assentar a atipicidade da conduta da paciente sob o ângulo penal; este, porquanto afirmava que a difamação estaria expressamente imunizada pelo § 2º do
art. 7º do Estatuto da Advocacia.

HC 104385/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, 28.6.2011 . (HC-104385)

“ADI estadual” e prazo em dobro – 2

A 1ª Turma retomou o exame de agravo regimental interposto de decisão da Min. Cármen Lúcia, em que desprovido o agravo de instrumento do qual relatora,
ao entender que, na espécie vertente, as partes não disporiam do privilégio do art. 188 do CPC. Na origem, o recurso extraordinário municipal,
inadmitido por ser intempestivo, fora deduzido de acórdão assentado em representação de inconstitucionalidade — v. Informativo 620. Após a devolução do
pedido de vista do Min. Luiz Fux, o colegiado, ao acolher proposta da relatora, deliberou afetar o julgamento ao Plenário.

AI 827810 AgR/MG, rel. Min. Cármen Lúcia, 28.6.2011 . (AI-827810)

Segunda Turma

Prescrição e ato infracional

O prazo de prescrição penal será reduzido à metade quando o autor do comportamento delituoso ou do ato infracional, ao tempo do fato, for menor de 21
anos de idade (CP, art. 115). Essa a conclusão da 2ª Turma ao conceder habeas corpus, de ofício, para reconhecer consumada a prescrição da
pretensão punitiva do Estado (CP, art. 109, III, c/c o art. 115) e declarar extinta a punibilidade do paciente pela suposta prática de ato infracional
equiparado ao crime de ameaça (CP, art. 147). No caso, salientou-se que o tribunal estadual divergira da orientação ora firmada, ao entender que o
referido art. 115 do CP não se aplicaria a menor inimputável.

HC 107200/RS, rel. Min. Celso de Mello, 28.6.2011 . (HC-107200)

Princípio do Juiz Natural: Vacância e Juiz Instrutor – 3

Em conclusão, a 2ª Turma, por maioria, denegou habeas corpus em que pleiteada, sob a alegação de ofensa ao princípio do juiz natural, a nulidade
absoluta da ação penal, a partir do primeiro despacho proferido por juiz autorizado para oficiar no feito – v. Informativo 591. Salientou-se que a
designação do juiz prolator da pronúncia, em caráter exclusivo, pelo Presidente do Tribunal do Estado do Pará, mediante portaria, estaria fundamentada
em Código Judiciário do Estado e no Regimento Interno daquele tribunal, o que não configuraria constrangimento ilegal. Ressaltou-se que a designação
objetivara suprimir uma omissão existente diante do grave fato ocorrido e da falta de juiz para assumir a Comarca de Curionópolis. Reputou-se, ainda,
que o caso demandava uma solução para o estado de inércia em que se encontrava o processo e que a designação homenagearia o devido processo legal,
assegurando uma duração razoável do processo. Por fim, não se vislumbrou qualquer indicação de parcialidade por parte do tribunal ou do magistrado
designado na condução do feito. Vencido o Min. Celso de Mello, que deferia, em parte, o pedido por considerar violado o princípio do juiz natural, em
virtude de não haver um critério previamente definido que pautasse o ato de designação por parte do Presidente do TJ/PA. E, em conseqüência, declarava
a nulidade do processo-crime em trâmite no aludido juízo — relativamente ao ora paciente — em ordem a invalidar, a partir da data de designação da
magistrada para responder pela comarca, todos os atos processuais, inclusive os de conteúdo decisório.

HC 86604/PA, rel. Min. Gilmar Mendes, 28.6.2011. (HC-86604)

Dosimetria e fundamentação idônea

A 2ª Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que se pretende a redução da pena-base fixada, em virtude da alegada falta de fundamentação
idônea para sua exacerbação. No caso, ao majorar a pena-base, o juiz considerara que
“a) os motivos que levaram à prática das infrações penais foram o egoísmo e o desejo de obter ganho fácil; b) as circunstâncias em que ocorreram as
práticas criminosas foram graves, em razão da nocividade e expressiva quantidade de droga apreendida (quase 13 kg de cocaína); e c) as
consequências são graves pelo mal causado aos consumidores”
. O Min. Gilmar Mendes, relator, con­quanto entendesse correta a conclusão do magistrado no que concerne ao motivo do crime — lucro fácil, por este não
integrar a essência do crime de tráfico de entorpecentes — concedeu, parcialmente, a ordem, para que se proceda nova individualização da pena. No
ponto, determinou que se afastasse a circunstância judicial referente ao “mal causado pelo tóxico”, por ser ínsito à conduta delituosa e estar
incorporado ao próprio tipo penal, o que impossibilitaria sua utilização como elemento hábil a proporcionar o recrudescimento da reprimenda, sob pena
de bis in idem. Após, pediu vista o Min. Ayres Britto.

HC 107532/SC, rel. Min. Gilmar Mendes, 28.6.2011 . (HC-107532)

Prova ilícita e ausência de fundamentação

São consideradas ilícitas as provas produzidas a partir da quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico, sem a devida fundamentação. Com esse
entendimento, a 2ª Turma deferiu habeas corpus para reconhecer a ilicitude das provas obtidas nesta condição e, por conseguinte,
determinar o seu desentranhamento dos autos de ação penal. Na espécie, os pacientes foram denunciados pela suposta prática de crimes contra o Sistema
Financeiro Nacional (Lei  7.492/86, artigos 11, 16 e 22, caput), lavagem de dinheiro (Lei  9.613/98, art. 1º, VI e VII ,e § 4º), e formação de
quadrilha (CP, art. 288), por promoverem evasão de divisas do país, efetuarem operação de câmbio não autorizadas, operarem instituição financeira
clandestina e, ainda, movimentarem recursos e valores paralelamente à contabilidade exigida pela legislação. Ressaltou-se que a regra seria a
inviolabilidade do sigilo das correspondências, das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas (CF, art. 5º, XII), o que visa,
em última análise, a resguardar também direito constitucional à intimidade (art. 5º, X). E, somente se justificaria a sua mitigação quando razões de
interesse público, devidamente fundamentadas por ordem judicial, demonstrassem a conveniência de sua violação para fins de promover a investigação
criminal ou instrução processual penal. No caso, o magistrado de primeiro grau não apontara fatos concretos que justificassem a real necessidade da
quebra desses sigilos, mas apenas se reportara aos argumentos deduzidos pelo Ministério Público. Asseverou-se, ademais, que a Constituição veda
expressamente, no seu art. 5º, LVI, o uso da prova obtida ilicitamente nos processos judiciais, no intuito precípuo de tutelar os direitos fundamentais
dos atingidos pela persecução penal. Por fim, não se conheceu do writ na parte em que sustentada a ilegalidade das prorrogações das
interceptações telefônicas, em razão da perda superveniente do objeto, uma vez que o tribunal de origem concedera a ordem em favor dos pacientes.

HC 96056/PE, rel. Min. Gilmar Mendes, 28.6.2011. (HC-96056)

Sessões Ordinárias Extraordinárias Julgamentos

Pleno       29.6.2011 30.6 e 1º.7.2011       41

1ª Turma 28.6.2011           —                  126

2ª Turma 28.6.2011           —                  162

R e p e r c u s s ã o  G e r a l

DJe de 27 de junho a 1º de julho de 2011

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 601.720-RJ

RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE RECÍPROCA. IPTU. IMÓVEL DE PROPRIEDADE DE ENTE PÚBLICO. CONCESSÃO DE USO. EMPRESA PRIVADA EXPLORADORA DE
ATIVIDADE ECONÔMICA COM FINS LUCRATIVOS. CONTRIBUINTE DO IMPOSTO. QUALIFICAÇÃO. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 603.580-RJ

RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PENSÃO POR MORTE. DIREITO A PARIDADE E INTEGRALIDADE. APOSENTADORIA ANTERIOR AO ADVENTO DA EC
41/2003 E FALECIMENTO APÓS A SUA PROMULGAÇÃO. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 600.851-DF

RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

EMENTA: CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. RÉU CITADO POR EDITAL. REVELIA. SUSPENSÃO DO PROCESSO E DO PRAZO PRESCRICIONAL NOS TERMOS DO ART. 366 DO
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. CONTROVÉRSIA SOBRE A EXISTÊNCIA DE LIMITAÇÃO TEMPORAL. ARTIGO 5º, XLII E XLIV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REPERCUSSÃO GERAL
RECONHECIDA.

Decisões Publicadas: 3

C l i p p i n g  d o  D J

27 de junho a 1º de julho de 2011

MED. CAUT. EM ADI N. 4.565-PI

RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA

EMENTA: CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO E DE TRANSPORTE
INTERESTADUAL E INTERMUNICIPAL. LEI 6.041/2010 DO ESTADO DO PIAUÍ. LIBERDADE DE TRÁFEGO DE BENS E PESSOAS (ARTS. 150, V E 152 DA CONSTITUIÇÃO).
DUPLICIDADE DE INCIDÊNCIA (BITRIBUTAÇÃO – ART. 155, § 2º, VII, B DA CONSTITUIÇÃO). GUERRA FISCAL VEDADA (ART. 155, § 2º, VI DA CONSTITUIÇÃO). MEDIDA
CAUTELAR DEFERIDA.

Tem densa plausibilidade o juízo de inconstitucionalidade de norma criada unilateralmente por ente federado que estabeleça tributação diferenciada de
bens provenientes de outros estados da Federação, pois: (a) Há reserva de resolução do Senado Federal para determinar as alíquotas do ICMS para
operações interestaduais; (b) O perfil constitucional do ICMS exige a ocorrência de operação de circulação de mercadorias (ou serviços) para que ocorra
a incidência e, portanto, o tributo não pode ser cobrado sobre operações apenas porque elas têm por objeto “bens”, ou nas quais fique descaracterizada
atividade mercantil-comercial; (c) No caso, a Constituição adotou como critério de partilha da competência tributária o estado de origem das
mercadorias, de modo que o deslocamento da sujeição ativa para o estado de destino depende de alteração do próprio texto constitucional (reforma
tributária). Opção política legítima que não pode ser substituída pelo Judiciário. Medida liminar concedida para suspender a eficácia prospectiva e
retrospectiva (ex tunc) da Lei estadual 6.041/2010.

*noticiado no Informativo 622

HC N. 102.556-DF

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

INVESTIGAÇÃO – POSTURA DO INVESTIGADO. Ao investigado assiste o direito de permanecer calado sem que isso possa resultar em desobediência. ACUSADO –
ASSISTÊNCIA TÉCNICA. O acusado, quer em inquérito criminal, quer em ação penal, tem o direito de fazer-se acompanhado por profissional da advocacia e
com ele comunicar-se.

ADI N. 2.906-RJ

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEGITIMIDADE E CAPACIDADE POSTULATÓRIA. Descabe confundir a legitimidade para a propositura da ação direta de
inconstitucionalidade com a capacidade postulatória. Quanto ao Governador do Estado, cuja assinatura é dispensável na inicial, tem-na o
Procurador-Geral do Estado. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE  NATUREZA DA NORMA E ALCANCE. O fato de a norma disciplinar matéria balizada não a
torna de efeito concreto. Este pressupõe a individualização. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – ATUAÇÃO DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO. Consoante
dispõe o § 3º do artigo 103 da Constituição Federal, cumpre ao Advogado-Geral da União o papel de curador da lei atacada, não lhe sendo dado, sob pena
de inobservância do múnus público, adotar posição diametralmente oposta, como se atuasse como fiscal da lei, qualidade reservada, no controle
concentrado de constitucionalidade perante o Supremo, ao Procurador-Geral da República. “GUERRA FISCAL” – PRONUNCIAMENTO DO SUPREMO – DRIBLE. Surge
inconstitucional lei do Estado que, para mitigar pronunciamento do Supremo, implica, quanto a recolhimento de tributo, dispensa de acessórios – multa e
juros da mora – e parcelamento. Inconstitucionalidade da Lei nº 3.394, de 4 de maio de 2000, regulamentada pelo Decreto nº 26.273, da mesma data, do
Estado do Rio de Janeiro.

*noticiado no Informativo 629

ADI N. 3.674-RJ

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – TRATAMENTO TRIBUTÁRIO PREFERENCIAL – AUSÊNCIA DE CONSENSO DAS UNIDADES DA FEDERAÇÃO – ADEQUAÇÃO. Mostra-se
adequada a ação direta de inconstitucionalidade quando há tratamento tributário diferenciado em lei da unidade da Federação, sem remissão a consenso
entre os demais Estados. TRIBUTO – PRINCÍPIO DA LEGALIDADE – DELEGAÇÃO AO PODER EXECUTIVO – ALÍQUOTA – IMPROPRIEDADE. Surge discrepante da Constituição
Federal lei por meio da qual se delega ao Poder Executivo fixação de alíquota de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, pouco
importando a previsão, na norma, de teto relativo à redução. PROCESSO OBJETIVO – AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – ATUAÇÃO DO ADVOGADO-GERAL DA
UNIÃO. Consoante dispõe a norma imperativa do § 3º do artigo 103 da Constituição Federal, incumbe ao Advogado-Geral da União a defesa do ato ou texto
impugnado na ação direta de inconstitucionalidade, não lhe cabendo emissão de simples parecer, a ponto de vir a concluir pela pecha de
inconstitucionalidade.

TRIBUTO – “GUERRA FISCAL”. Consubstancia “guerra fiscal” o fato de a unidade da Federação reduzir a alíquota do ICMS sem a existência de consenso,
mediante convênio, entre os demais Estados.

*noticiado no Informativo 629

HC N. 103.311-PR

RELATOR: MIN. LUIZ FUX

EMENTA: PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. LEI Nº 6.368/76, ARTIGOS 12 E 18, I. SUBSTITUIÇÃO DE PENA
PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. REQUISITOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS DO ART. 44 DO CÓDIGO PENAL PRESENTES. ESTRANGEIRO.
POSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA.

1. O Princípio da Isonomia, garantia pétrea constitucional extensível aos estrangeiros, impede que o condenado não nacional pelo crime de tráfico
ilícito de entorpecentes seja privado da concessão do benefício da substituição da pena privativa por restritiva de direitos quando atende aos
requisitos objetivos e subjetivos do art. 44 do Código Penal. (Precedentes: HC 85894, Rel. Ministro GILMAR MENDES, TRI­BUNAL PLENO, DJe 28/09/2007; HC
103068/MG, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, PRIMEIRA TURMA, DJe 21/02/2011; HC 103093/RS, Rel. Ministro GILMAR MENDES, SEGUNDA TURMA, DJe 01/10/2010; HC
89976/RJ, Rel. Ministra ELLEN GRACIE, TRIBUNAL PLENO, DJe 24/04/2009; HC 96011/RS, Rel. Ministro JOAQUIM BARBOSA, SEGUNDA TURMA, DJe 10/09/2010; HC
96923/SP, Rel. Ministro GILMAR MENDES, SEGUNDA TURMA, DJe 10/09/2010; HC 91600/RS, Rel. Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, PRIMEIRA TURMA, DJ 06/09/2007; HC
84715, Rel. Ministro JOAQUIM BARBOSA, SEGUNDA TURMA, DJ 29/06/2007).

2. O tráfico, mercê de equiparado ao crime hediondo, admite o benefício na forma da doutrina clássica do tema que assenta: “É possível a substituição
da pena privativa de liberdade no caso de crime hediondo (Lei 8.072/1990) por pena restritiva de direitos, sendo que essa substituição deve atender,
concomitantemente, aos requisitos objetivos e subjetivos listados no art. 44 do CP. O rótulo do delito como “hediondo” não figura como empecilho à
substituição, desde que cabível” (in Prado, Luiz Regis  – Comentários ao Código Penal, Revista dos Tribunais, 4ª Edição, p. 210).

3. É cediço na Corte que: “O SÚDITO ESTRANGEIRO, MESMO AQUELE SEM DOMICÍLIO NO BRASIL, TEM DIREITO A TODAS AS PRERROGATIVAS BÁSICAS QUE LHE
ASSEGUREM A PRESERVAÇÃO DO “STATUS LIBERTATIS” E QUE LHE GARANTAM A OBSERVÂNCIA, PELO PODER PÚBLICO, DA CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DO “DUE PROCESS”. –
O súdito estrangeiro, mesmo o não domiciliado no Brasil, tem plena legitimidade para impetrar o remédio constitucional do “habeas corpus”, em ordem
a tornar efetivo, nas hipóteses de persecução penal, o direito subjetivo, de que também é titular, à observância e ao integral respeito, por parte
do Estado, das prerrogativas que compõem e dão significado à cláusula do devido processo legal. – A condição jurídica de não nacional do Brasil e a
circunstância de o réu estrangeiro não possuir domicílio em nosso país não legitimam a adoção, contra tal acusado, de qualquer tratamento
arbitrário ou discrimina­tório. Precedentes (HC 94.016/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). – Impõe-se, ao Judiciário, o dever de assegurar, mesmo
ao réu estrangeiro sem domicílio no Brasil, os direitos básicos que resultam do postulado do devido processo legal, notadamente as prerrogativas
inerentes à garantia da ampla defesa, à garantia do contraditório, à igualdade entre as partes perante o juiz natural e à garantia de
imparcialidade do magistrado processante (…)”. (HC 102041/SP, Rel. Ministro Celso de Mello, SEGUNDA TURMA, DJe 20/08/2010).

4. “O legislador deixou por conta dos operadores jurídicos a tarefa de individualizar o instituto alternativo da substituição em cada caso
concreto. É preciso que se faça um juízo de valor sobre a ‘suficiência’ da resposta alternativa ao delito. Essa valoração deve ter em mira a
repressão e prevenção do delito. É sempre importante enfatizar que essa valoração deve ser objetiva e descritiva, isto é, fundamentada, para se
possibilitar o seu democrático controle” (in Gomes, Luiz Flávio – Penas e Medidas Alternativas à Prisão, Revista dos Tribunais, p.
596/597).

5. In casu, restou comprovado o direito do estrangeiro ao benefício, máxime porque (i) a ele foi fixado o regime aberto para
iniciar o cumprimento da pena; (ii) inexiste decreto de expulsão em seu desfavor; e (iii) na visão das instâncias inferiores, preenche os
requisitos do art. 44, como declarou o  Superior Tribunal de Justiça, in verbis: “Desse modo, fixada a pena-base no mínimo legal, sendo o agente primário e inexistindo circunstâncias judiciais desfavoráveis, não é legítimo agravar o regime de cumprimento da pena, a teor do
disposto no artigo 33, § 2.º, alínea c, e § 3.º do Código Penal, que dispõe que “o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4
(quatro)anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto”. Portanto, a decisão que lhe impôs o regime inicial fechado para o cumprimento da
pena há de ser reformada para adequar-se à individualização da sanção criminal, em estrita obediência ao disposto no mencionado texto legal.”

6. Parecer do parquet pela concessão da ordem.

Ordem concedida.

*noticiado no Informativo 630

ADI N. 2.376-RJ

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

PROCESSO OBJETIVO – AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – ATUAÇÃO DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO. Consoante dispõe a norma imperativa do § 3º do artigo
103 da Constituição Federal, incumbe ao Advogado-Geral da União a defesa do ato ou texto impugnado na ação direta de inconstitucionalidade, não lhe
cabendo emissão de simples parecer, a ponto de vir a concluir pela pecha de inconstitucionalidade. ICMS – BENEFÍCIO FISCAL – ISENÇÃO. Conflita com o
disposto nos artigos 150, § 6º, e 155, § 2º, inciso XII, alínea “g”, da Constituição Federal decreto concessivo de isenção, sem que precedido do
consenso das unidades da Federação.

*noticiado no Informativo 629

REFERENDO EM MED. CAUT. EM ADI N. 4.451-DF

RELATOR: MIN. AYRES BRITTO

EMENTA: MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. INCISOS II E III DO ART. 45 DA LEI 9.504/1997. 1. Situação de extrema urgência,
demandante de providência imediata, autoriza a concessão da liminar “sem a audiência dos órgãos ou das autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado” (§ 3º do art. 10 da Lei 9.868/1999), até
mesmo pelo relator, monocraticamente, ad referendum do Plenário. 2. Não cabe ao Estado, por qualquer dos seus órgãos, definir
previamente o que pode ou o que não pode ser dito por indivíduos e jornalistas. Dever de omissão que inclui a própria atividade legislativa, pois é
vedado à lei dispor sobre o núcleo duro das atividades jornalísticas, assim entendidas as coordenadas de tempo e de conteúdo da manifestação do
pensamento, da informação e da criação lato sensu. Vale dizer: não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, pouco importando o Poder estatal de que ela provenha. Isso porque
a liberdade de imprensa não é uma bolha normativa ou uma fórmula prescritiva oca. Tem conteúdo, e esse conteúdo é formado pelo rol de liberdades que se
lê a partir da cabeça do art. 220 da Constituição Federal: liberdade de “manifestação do pensamento”, liberdade de “criação”, liberdade
de “expressão”, liberdade de “informação”. Liberdades constitutivas de verdadeiros bens de personalidade, porquanto
correspondentes aos seguintes direitos que o art. 5º da nossa Constituição intitula de “Fundamentais”: a) “livre manifestação do pensamento” (inciso IV); b) “livre […] expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação” (inciso IX); c) “acesso a informação” (inciso XIV).

3. Pelo seu reconhecido condão de vitalizar por muitos modos a Constituição, tirando-a mais vezes do papel, a imprensa mantém com a democracia a
mais entranhada relação de interdependência ou retroalimentação. A presente ordem constitucional brasileira autoriza a formulação do juízo de que o
caminho mais curto entre a verdade sobre a conduta dos detentores do Poder e o co­nhecimento do público em geral é a liberdade de imprensa. A traduzir,
então, a ideia-força de que abrir mão da liberdade de imprensa é renunciar ao conhecimento geral das coisas do Poder, seja ele político, econômico,
militar ou religioso. 4. A Magna Carta Republicana destinou à imprensa o direito de controlar e revelar as coisas respeitantes à vida do Estado e da
própria sociedade. A imprensa como a mais avançada sentinela das liberdades públicas, como alternativa à explicação ou versão estatal de tudo que possa
repercutir no seio da sociedade e como garantido espaço de irrupção do pensamento crítico em qualquer situação ou contingência. Os jornalistas, a seu
turno, como o mais desanuviado olhar sobre o nosso cotidiano existencial e os recônditos do Poder, enquanto profissionais do comentário crítico.
Pensamento crítico que é parte integrante da informação plena e fidedigna. Como é parte do estilo de fazer imprensa que se convencionou chamar de humorismo (tema central destes autos). A previsível utilidade social do labor jornalístico a compensar, de muito, eventuais excessos
desse ou daquele escrito, dessa ou daquela charge ou caricatura, desse ou daquele programa. 5. Programas humorísticos, charges e modo
caricatural de pôr em circulação ideias, opiniões, frases e quadros espirituosos compõem as atividades de “imprensa”, sinônimo perfeito de “ informação jornalística” (§ 1º do art. 220). Nessa medida, gozam da plenitude de liberdade que é assegurada pela Constituição à imprensa.
Dando-se que
o exercício concreto dessa liberdade em plenitude assegura ao jornalista o direito de expender críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero,
contundente, sarcástico, irônico ou irreveren­te, especialmente contra as autoridades e aparelhos de Estado
. Respondendo, penal e civilmente, pelos abusos que cometer, e sujeitando-se ao direito de resposta a que se refere a Constituição em seu art. 5º,
inciso V. A crítica jornalística em geral, pela sua relação de inerência com o interesse público, não é aprioristicamente suscetível de censura. Isso
porque é da essência das atividades de imprensa operar como formadora de opinião pública, lócus do pensamento crítico e necessário contraponto à versão
oficial das coisas, conforme decisão majoritária do Supremo Tribunal Federal na ADPF 130. Decisão a que se pode agregar a ideia de que a locução “ humor jornalístico”  enlaça pensamento crítico, informação e criação artística. 6. A liberdade de imprensa assim abrangentemente livre não é de
sofrer constrições em período eleitoral. Ela é plena em todo o tempo, lugar e circunstâncias. Tanto em período não-eleitoral, portanto, quanto em
período de eleições gerais. Se podem as emissoras de rádio e televisão, fora do período eleitoral, produzir e veicular charges, sátiras e
programas humorísticos que envolvam partidos políticos, pré-candidatos e autoridades em geral, também podem fazê-lo no período eleitoral. Processo eleitoral não é estado de sítio (art. 139 da CF), única fase ou momento de vida coletiva que, pela sua excepcional gravidade, a
Constituição toma como fato gerador de “
restrições à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e
televisão, na forma da lei
” (inciso III do art. 139). 7. O próprio texto constitucional trata de modo diferenciado a mídia escrita e a mídia sonora ou de sons e imagens.
O rádio e a televisão, por constituírem serviços públicos, dependentes de “outorga” do Estado e prestados mediante a utilização de um bem
público (espectro de radiofrequências), têm um dever que não se estende à mídia escrita: o dever da imparcialidade ou da equidistância perante os
candidatos. Imparcialidade, porém, que não significa ausência de opinião ou de crítica jornalística. Equidistância que apenas veda às emissoras de
rádio e televisão encamparem, ou então repudiarem, essa ou aquela candidatura a cargo político-eletivo
. 8. Suspensão de eficácia do inciso II do art. 45 da Lei 9.504/1997 e, por arrastamento, dos §§ 4º e 5º do mesmo artigo, incluídos pela Lei
12.034/2009. Os dispositivos legais não se voltam, propriamente, para aquilo que o TSE vê como imperativo de imparcialidade das emissoras de rádio e
televisão. Visa a coibir um estilo peculiar de fazer imprensa: aquele que se utiliza da trucagem, da montagem ou de outros recursos de áudio e vídeo
como técnicas de expressão da crítica jornalística, em especial os programas humorísticos. 9. Suspensão de eficácia da expressão “ou difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido, coligação, a seus órgãos ou representantes”, contida no inciso III do art. 45
da Lei 9.504/1997.
Apenas se estará diante de uma conduta vedada quando a crítica ou matéria jornalísticas venham a descambar para a propaganda política, passando
nitidamente a favorecer uma das partes na disputa eleitoral. Hipótese a ser avaliada em cada caso concreto.
10. Medida cautelar concedida para suspender a eficácia do inciso II e da parte final do inciso III, ambos do art. 45 da Lei 9.504/1997, bem como, por
arrastamento, dos §§ 4º e 5º do mesmo artigo.

*noticiado no Informativo 598

ADI N. 4.457-PR

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

PROCESSO OBJETIVO – AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO – ATUAÇÃO. Consoante dispõe o § 3º do artigo 103 da Constituição
Federal, o Advogado-Geral da União atua, na ação direta de inconstitucionalidade, como curador da norma atacada. BENEFÍCIO FISCAL – CONSENSO. A
disciplina de benefício fiscal pressupõe consenso entre os Estados – artigo 155 da Carta da República.

*noticiado no Informativo 629

AG.REG. NA RCL N. 11.250-RS

RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. RECLAMAÇÃO. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ALEGAÇÃO DE EQUÍVOCO NA APLICAÇÃO DA REPERCUSSÃO GERAL
PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. INOCORRÊNCIA. AGRAVO IMPROVIDO. I – A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que não é cabível a
reclamação para corrigir eventual equívoco na aplicação da repercussão geral pela Corte de origem. II – Agravo improvido.

*noticiado no Informativo  622

RE N. 600.885-RS

RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARA INGRESSO NAS FORÇAS ARMADAS: CRITÉRIO DE LIMITE DE IDADE FIXADO EM EDITAL. REPERCUSSÃO
GERAL DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL. SUBSTITUIÇÃO DE PARADIGMA. ART. 10 DA LEI N. 6.880/1980. ART.  142, § 3º, INCISO X, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.
DECLARAÇÃO DE NÃO-RECEPÇÃO DA NORMA COM MODULAÇÃO DE EFEITOS. DESPROVIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1. Repercussão geral da matéria
constitucional reconhecida no Recurso Extraordinário n. 572.499: perda de seu objeto; substituição pelo Recurso Extraordinário n. 600.885. 2. O
art. 142, § 3º, inciso X, da Constituição da República, é expresso ao atribuir exclusivamente à lei a definição dos requisitos para o ingresso nas
Forças Armadas. 3. A Constituição brasileira determina, expressamente, os requisitos para o ingresso nas Forças Armadas, previstos em lei:
referência constitucional taxativa ao critério de idade. Descabimento de regulamentação por outra espécie normativa, ainda que por delegação legal. 4. Não foi recepcionada pela Constituição da República de 1988 a expressão “nos regulamentos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica” do
art. 10 da Lei n. 6.880/1980. 5. O princípio da segurança jurídica impõe que, mais de vinte e dois anos de vigência da Constituição, nos quais
dezenas de concursos foram realizados se observando aquela regra legal, modulem-se os efeitos da não-recepção: manutenção da validade dos limites de
idade fixados em editais e regulamentos fundados no art. 10 da Lei n. 6.880/1980 até 31 de dezembro de 2011. 6. Recurso extraordinário
desprovido, com modulação de seus efeitos.

*noticiado no Informativo 615

HC N. 104.075-SE

REDATOR P/ O ACÓRDÃO: MIN. LUIZ FUX

EMENTA: PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TORTURA. CON­DENAÇÃO. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. APLICAÇÃO
A PARTIR DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 11.719/2008. TEMPUS REGIT ACTUM. DECISÃO COMPATÍVEL COM A PROVA DOS AUTOS. DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1. A utilização do habeas corpus em substituição ao recurso extraordinário, sem qualquer excepcionalidade que permita a preterição do meio de impugnação previsto
pela Lei, configura banalização da garantia constitucional, motivo pelo qual deve ser combatida. 2. A aplicação do princípio da identidade física do
juiz no processo penal antes do advento da Lei nº 11.719/08, sob a perspectiva da instrumentalidade das formas, impunha reconhecer nulidade apenas no
caso de patente descompasso entre a decisão e as provas colhidas. (HC 74.131/MG, rel. Min. Moreira Alves, DJ de 18/10/1996) 3. In casu, a
sentença condenatória foi proferida em consonância com as provas dos autos. 4. O princípio tempus regit actum, a nortear o conflito de leis
processuais penais puras no tempo, impede a aplicação retroativa da regra que impõe a identidade física do juiz, introduzida no CPP após o advento da
sentença condenatória proferida em desfavor dos pacientes. 5. Ordem denegada.

Acórdãos Publicados: 483

Transcrições

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do Informativo STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste
espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Recusa de extradição: reclamação e insindicabilidade do ato do Presidente da República

(v. Informativo 630)

Ext 1.085 Petição avulsa/República Italiana

Rcl 11.243/República Italiana

Redator para o acórdão: Min. Luiz Fux

A presente reclamação foi proposta pela República Italiana em face de ato do Presidente da República Federativa do Brasil, com fulcro no art. 102, l,
da Constituição, para a garantia da autoridade da decisão prolatada por esta Corte na Extradição nº 1.085. Julga-se, em conjunto, Petição Avulsa nos
autos da Extradição nº 1.085, no qual se requer o relaxamento da prisão preventiva do extraditando ** e a sua imediata soltura, em cumprimento à
decisão do Presidente da República, visto que a decisão presidencial estaria em conformidade com o Tratado de Extradição entre Brasil e Itália e com o
acórdão proferido por essa Corte.

Na oportunidade do julgamento da Extradição, após declarar a nulidade do ato administrativo proferido pelo Ministro da Justiça, que concedeu ao
extraditando a condição de refugiado político, este Pretório Excelso entendeu que os crimes cometidos pelo cidadão italiano não teriam conotação
política, e, portanto, deferiu o pedido de extradição.

Devo, aqui, me abster por completo de analisar os atos delituosos que supostamente foram praticados por **. Conquanto paire razoável dúvida sobre a
participação do ora extraditando nos homicídios de Antonio Santoro, Andrea Campagna, Lino Sabbadin e Pierluigi Terregiani, entre 6 de junho de 1977 e
19 de abril de 1979, e sobre a lisura do processo criminal que deu origem ao título executivo penal que a República Italiana pretende fazer cumprir,
entendo que tais argumentos restaram preclusos quando do julgamento da Extradição nº 1.085.

Inclusive, não cumpre a esta Corte revolver todos os acórdãos que deram origem à condenação de ** na Itália para pretender agravar sua situação
jurídica, na medida em que, além da prefalada preclusão, isto importaria verdadeira utilização de prova emprestada sem a observância do Contraditório –
prova ilícita, portanto.

O caso sob análise não se refere ao passado ou futuro de um homem, mas à Soberania Nacional frente à irresignação da República Italiana.

A questão que se coloca, no momento, diz respeito à vinculação do Presidente da República à decisão do Supremo Tribunal Federal. Noutras palavras, uma
vez deferida a Extradição pelo Judiciário, estaria o Chefe do Executivo obrigado a entregar o extraditando?

Essa indagação já foi enfrentada pela Corte, em Questão de Ordem resolvida no aludido processo extradicional, onde se entendeu que “
a decisão de deferimento da extradição não vincula o Presidente da República, nos termos dos votos proferidos pelos Senhores Ministros Cármen
Lúcia, Joaquim Barbosa, Carlos Britto, Marco Aurélio e Eros Grau
” (Tribunal Pleno, 16/12/2009).

Do voto proferido pelo Ministro Eros Grau na aludida Questão de Ordem, colhe-se que Sua Excelência entendeu que “ não se trata (…) de ato discricionário, porém, de ato regrado, ato vinculado ao que dispõe o tratado”. Tal afirmação deve ser considerada à
luz do voto pronunciado pelo mesmo Ministro na questão principal da Extradição nº 1.085, onde se lê: “ O conceito de ato vinculado que o relator tomou como premissa (…) é, no entanto, excessivamente rigoroso. (…)
o conceito que se adotou de ato vinculado, excessivamente rigoroso, exclui qualquer possibilidade de interpretação/aplicação, pelo Poder Executivo,
da noção de fundado temor de perseguição
” (p. 522).

De modo mais enfático, o Min. Joaquim Barbosa afirmou: “
o Chefe de Estado pode, não obstante a decisão favorável deste Tribunal, simplesmente decidir não extraditar o estrangeiro procurado por outro país ” (p. 225). Unissonamente, registrou o Min. Marco Aurélio:

“A decisão do Supremo é constitutiva negativa no tocante à entrega, quando assentada a ilegitimidade do pedido de extradição. Se declarada a
legitimidade do pleito, abre-se salutar oportunidade ao Presidente da República não de modificar o pronunciamento judicial, mas de, à frente da
política brasileira no campo internacional, entregar, ou não, o estrangeiro” (p. 372-373)

“Mas ressalto que é cedo, muito cedo, para a abordagem da matéria em termos de definição.

Ao menos em relação ao Presidente da República, já que não o fez o Tribunal quanto ao ato do Ministro de Estado da Justiça – de refúgio –, aguardemos,
em primeiro lugar, a assunção de postura por Sua Excelência, a prática do ato, a um só tempo, de Governo e de Estado.” (p. 375)

Do cotejo dos votos em comento, resulta que a Questão de Ordem foi julgada no sentido de que o Presidente da República não está jungido à decisão do
Supremo Tribunal Federal, e, de acordo com o Min. Eros Grau, conquanto seu ato seja vinculado aos termos do Tratado, lhe resta razoável margem
interpretativa para definir se há, atualmente, fundado temor de perseguição contra o extraditando.

O Tratado a ser interpretado in casu, existente entre a República Italiana e a República Federativa do Brasil, foi internalizado pelo decreto n.
863 de 1993, e celebra, em seu art. I, o compromisso de extradição, de acordo com os casos delimitados nos arts. II, III e IV. Nestes dispositivos são
fixadas as situações autorizadoras de extradição, bem como se destacam proibições. Consta, ainda, no texto do tratado a previsão de entrega do
extraditando no prazo de 20 dias, a contar da decisão (art. XIV).

Artigo I. Cada uma das partes obriga-se a entregar à outra, mediante solicitação, segundo as normas e condições estabelecidas no presente tratado, as
pessoas que se encontrem em seu território e que sejam procuradas pelas autoridades judiciais da parte requerente, para serem submetidas a processo
penal ou para a execução de uma pena restritiva de liberdade pessoal.

Artigo II. Casos que autorizam a Extradição. 1. Será concedida a extradição por fatos que, segundo a lei de ambas as partes, constituírem crimes
puníveis com uma pena privativa de liberdade pessoal cuja duração máxima prevista for superior a um ano, ou mais grave. 2. Ademais, se a extradição for
solicitada para execução de uma pena, será necessário que o período da pena ainda por cumprir seja superior a nove meses. 3. Quando o pedido de
extradição referir-se a mais de um crime e algum ou alguns deles não atenderem às condições previstas no primeiro parágrafo, a extradição, se concedida
por um crime que preencha tais condições, poderá ser estendida também para os demais. Ademais, quando a extradição for solicitada para a execução de
penas privativas de liberdade pessoal e aplicada por crimes diversos, será concedida se o total de penas ainda por cumprir for superior a 9 meses. 4.
Em matéria de taxas, impostos, alfândega e câmbio, a extradição não poderá ser negada pelo fato da lei da parte requerida não prever o mesmo tipo de
tributo ou obrigação, ou não contemplar a mesma disciplina em matéria fiscal, alfandegária ou cambial que a lei da parte requerente.

Artigo III. Casos de Recusa da Extradição. 1. A Extradição não será concedida: a) se, pelo mesmo fato, a pessoa reclamada estiver sendo
submetida a processo penal, ou já tiver sido julgada pelas autoridades judiciárias da parte requerida; b) se, na ocasião do recebimento do pedido,
segundo a lei de uma das partes, houver ocorrido prescrição do crime ou da pena; c) se o fato pelo qual é pedida tiver sido objeto de anistia na parte
requerida, e estiver sob a jurisdição penal desta; d) se a pessoa reclamada tiver sido ou vier a ser submetida a julgamento por um tribunal de exceção
na parte requerente; e) se o fato pelo qual é pedida for considerado, pela parte requerida, crime político;
f) se a parte requerida tiver razões ponderáveis para supor que a pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição e discriminação por
motivo de raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, opinião política, condição social ou pessoal; ou que sua situação possa ser agravada por
um dos elementos antes mencionados
; g) se o fato pelo qual é pedida constituir, segundo a lei da parte requerida, crime exclusivamente militar. Para fins deste tratado, consideram-se
exclusivamente militares os crimes previstos e puníveis pela lei militar, que não constituam crimes de direito comum.

Artigo IV. Pena de Morte. A Extradição tampouco será concedida quando a infração determinante do pedido de extradição for punível com pena de morte. A
parte requerida poderá condicionar a extradição a garantia prévia, dada pela parte requerente, e tida como suficiente pela parte requerida, de que tal
pena não será imposta, e, caso já o tenha sido, não será executada.

Artigo XIV. Decisão e Entrega.  1. A parte requerida informará sem demora à parte requerente sua decisão quanto ao pedido de extradição. A recusa, mesmo parcial, deverá ser motivada. 2. Se a extradição for concedida, a parte requerida informará à parte requerente,
especificando o lugar da entrega e a data a partir da qual esta poderá ter lugar, dando também informações precisas sobre as limitações da liberdade
pessoal que a pessoa reclamada tiver sofrido em decorrência da extradição. 3. O prazo para a entrega será de 20 dias a partir da data mencionada no
parágrafo anterior. Mediante solicitação fundamentada da parte requerente, poderá ser prorrogado por mais 20 dias. 4. A decisão de concessão da
extradição perderá a eficácia se, no prazo determinado, a parte requerente não preceder à retirada do extraditando. Neste caso, este será posto em
liberdade, e a parte requerida poderá recusar-se a extraditá-lo pelo mesmo motivo.(Grifo nosso)

Consigno, no ponto, trecho do Voto do Ministro Eros Grau que demonstra sua inequívoca posição sobre o tema:

Tem-se bem claro, aí, que o Supremo Tribunal Federal autoriza, ou não, a extradição. Há de fazê-lo, para autorizar ou não autorizar a extradição,
observadas as regras do tratado e as leis. Mas quem defere ou recusa a extradição é o Presidente da República, a quem incumbe manter relações com
Estados estrangeiros (art. 84, VII, da Constituição), presentando a soberania nacional [veja-se os incisos XVIII, XIX e XX desse mesmo artigo 84].

(…) Daí que o Presidente da República está ou não obrigado a deferir extradição autorizada pelo tribunal nos termos do Tratado.

(…) Pode recusá-la em algumas hipóteses que, seguramente, fora de qualquer dúvida, não são examinadas, nem examináveis, pelo tribunal, as descritas
na alínea f do seu Artigo 3.1. Tanto é assim que o Artigo 14 1 dispõe que a recusa da extradição pela Parte requerida – e a ‘Parte requerida’, repito,
é presentada pelo Presidente da República – ‘mesmo parcial, deverá ser motivada’.

Pois esse Artigo 3.1, alínea I do tratado estabelece que a extradição não será concedida se a Parte requerida tiver razões ponderáveis para supor que
sua situação [isto é, da pessoa reclamada] ‘possa ser agravada’ – vale dizer, afetada – mercê de condição pessoal. A Parte requerida [isto é, o
Presidente da República] poderá, nessa hipótese, não conceder a extradição.

(…) Aqui se trata de requisitos de caráter puramente subjetivos da Parte requerida, de conteúdo indeterminado, que não se pode contestar. Exatamente
o que a doutrina chama de ‘conceito indeterminado’.

Nesses limites, nos termos do Tratado, o Presidente da República deferirá, ou não, a extradição autorizada pelo tribunal, sem que com isso esteja a
desafiar sua decisão.

Esse ponto é muito importante estabelecer porque o tratado é que abre a possibilidade de a extradição ser recusada, sem que isso – eu digo e insisto –
represente, da parte do Presidente da República, qualquer desafio à decisão do Tribunal.

Voto nesse sentido. O que obriga o Presidente da República é o Tratado de Extradição celebrado entre o Brasil e a Itália, aprovado pelo decreto 863/93.
Retorno ao voto de Victor Nunes Leal: ‘Mesmo que o Tribunal consinta na extradição — por ser regular o pedido —, a obrigação, do Executivo, de
efetivá-la, ‘só existe nos limites do direito convencional’.

E, nesse caso, a mim parece que o Presidente da República pode perfeitamente, sem desafiar a decisão do Supremo Tribunal, decidir no sentido do que
dispõe o art. 3º do Tratado, recusando a extradição. Depende única e exclusivamente do Presidente da República.

Verifica-se, desde logo, a existência de questão preliminar, cuja análise prévia se impõe. O art. 560 do CPC, aplicável subsidiariamente ao rito da
Reclamação, dispõe que “ Qualquer questão preliminar suscitada no julgamento será decidida antes do mérito, deste não se conhecendo se incompatível com a decisão daquela ”.

No caso em exame, o acolhimento da preliminar impede o conhecimento das questões de mérito. Antes de deliberar sobre a existência de poderes
discricionários do Presidente da República em matéria de extradição, ou mesmo se essa autoridade se manteve nos lindes da decisão proferida pelo
Colegiado anteriormente – o que seria o mérito da Reclamação –, é necessário definir se o ato do Chefe de Estado é insindicável pelo Judiciário, em
abstrato.

Caso, numa análise genérica, se entenda que o ato do Presidente da República não pode ser reexaminado por esta Corte, claro está que ele não descumpriu
qualquer determinação judicial, não sendo cabível, portanto, a Reclamação.

O art. 1º da Constituição dispõe que um dos Fundamentos do Estado Brasileiro é a sua soberania – que significa o poder político supremo dentro do
território. A soberania se projeta, no plano internacional, para as relações da República Federativa do Brasil com outros Estados Soberanos. O art. 4º
da Carta Magna completa o ideário da nação através de outro princípio fundamental, qual o de que nas suas relações internacionais o princípio
prevalente é o da independência nacional e quem tem o dever de fazê-la valer é o Presidente da República, nos termos de sua competência Constitucional,
prevista no art. 84, o qual prevê, dentre outras atribuições, a de manter relações entre os Estados estrangeiros, celebrar e denunciar tratados, etc.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

I – independência nacional;

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

VII – manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos;

VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;

Um Estado que não tem soberania não é um Estado; nele não se identifica uma nação, nem um território, senão um “campo de refugiados”. Todo Estado
almeja o reconhecimento expressivo de sua soberania, assim como as pessoas incapazes lutam pelo reconhecimento de sua capacidade.

A soberania brasileira, hoje, alcança patamares, os quais inserem a República Federativa do Brasil na constelação das nações mais desenvolvidas.
Hodiernamente se cogita da sua inserção no Conselho de Segurança das Nações Unidas; o Brasil é instado a atos solidários transnacionais, como no caso
do Haiti; atua como mediador em conflitos mundiais e é uma grande esperança do mundo. Nos dias atuais, – e, aqui, me valho do lema utilizado pela nação
economicamente mais desenvolvida no mundo, “yes we can” – nós, do Brasil, é que podemos.

A soberania, dicotomizada em interna e externa, tem na primeira a exteriorização da vontade popular (art. 14 da CRFB) através dos representantes do
povo no parlamento e no governo; na segunda, a sua expressão no plano internacional, por meio do Presidente da República.

No campo da soberania, relativamente à extradição, é assente que o ato de entrega do extraditando é exclusivo, da competência indeclinável do
Presidente da República. Isso está consagrado na Constituição, nas Leis, nos Tratados e na própria decisão do Egrégio Supremo Tribunal Federal.

Entretanto, duas questões se põem; a saber: ou o Presidente cumpre o Tratado, no uso de sua competência exclusiva, e tollitur quaestio; ou o
Presidente não cumpre o Tratado, e com isso cria uma lide entre o Estado brasileiro e o Estado italiano. Nesta última hipótese, a competência, com
absoluta segurança, não é do Supremo Tribunal Federal, que não exerce soberania internacional, máxime para impor a vontade da República Italiana ao
Chefe de Estado brasileiro – tal competência é da Corte Internacional de Haia, nos termos do art. 92 da Carta das Nações Unidas, assinada em São
Francisco em 26 de junho de 1945.

Por isso, o papel do Supremo Tribunal Federal, como órgão juridicamente existente apenas no âmbito do direito interno, é o de examinar apenas a
legalidade da extradição, é dizer, seus aspectos formais, nos termos do art. 83 da Lei 6.815/80 (“
Nenhuma extradição será concedida sem prévio pronunciamento do Plenário do Supremo Tribunal Federal sobre sua legalidade e procedência, não cabendo
recurso da decisão
”). A previsão é clara ao determinar a esta Corte tão somente o poder e o dever de analisar o pedido de extradição de acordo com os quesitos apontados
nos arts. 77 e 78 do mesmo diploma legal, além dos demais elementos previstos em tratado.

Enfaticamente, assevera o art. 84, VII, da Carta Magna que cabe ao Presidente da República “manter relações com Estados estrangeiros”. Portanto,
uma análise meritória do pedido extradicional pelo Judiciário geraria um conflito institucional, ao arrepio do aludido comando expresso da
Constituição, bem como do princípio da separação dos Poderes (art. 2º CRFB). Neste diapasão, em sede doutrinária, preleciona o Min. Gilmar Mendes, verbis: “
o procedimento adotado pela legislação brasileira quanto ao processo de extradição é o da chamada contenciosidade limitada (sistema belga), que não
contempla a discussão sobre o mérito da acusação
” (MENDES, Gilmar et alii. Curso de Direito Constitucional. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 727).

O sistema da contenciosidade limitada existe no Brasil desde a edição da Lei n. 2.416 de 1911, a primeira que estabeleceu um processo extradicional com
efetiva participação do Poder Judiciário, pois determinava que “ nenhum pedido de extradição será atendido sem prévio pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, de cuja decisão não caberá recurso” (Art. 10,
da Lei n. 2.416 de 1911). A partir deste marco, a extradição passou a contar com um processo misto e complexo, de atuação dos Poderes Executivo e
Judiciário. Os regulamentos posteriores – Decreto-Lei n. 394 de 1938, Decreto-Lei n. 941 de 1969 e a atual Lei n. 6.815 de 1980 – mantiveram a
participação do Poder Judiciário, especificamente do Supremo Tribunal Federal, mas para um “controle de legalidade” da entrega do extraditando. O
objetivo, assim, desde o princípio, era o de resguardar as garantias dos indivíduos extraditados, ou seja, um modo de proteção dos direitos humanos.

No sistema vigente, denominado “sistema belga”, a decisão do Supremo Tribunal Federal só vincula o Presidente da República quando reconhecida alguma
irregularidade no processo extradicional, de modo a impedir a remessa do extraditando ao arrepio do ordenamento jurídico. Nunca, contudo, para
determinar semelhante remessa. A explicação para a dicotomia é simples: o Judiciário deve ser o último guardião dos direitos fundamentais de um
indivíduo, seja ele nacional ou estrangeiro, mas não dos interesses políticos de Estados alienígenas, os quais devem entabular entendimentos com o
Chefe de Estado, em vez de tentar impor sua vontade através dos Tribunais internos.

O Supremo cumpre a sua parte – afere os requisitos legais e constitucionais, definindo se é possível ou não extraditar o súdito alienígena, e, em caso
afirmativo, precisamente por não dispor de soberania nacional, entrega o extraditando aos critérios internacionais do Presidente da República. Diversos
fatores, de natureza estritamente política, podem interferir na decisão soberana do Chefe de Estado. Pode ocorrer que as relações entre as Partes não
estejam harmônicas, em virtude de o outro Estado recusar as extradições solicitadas pela República Federativa do Brasil; podem concorrer, enfim,
questões outras, as quais não podem ser sindicadas pelo Supremo Tribunal Federal.

Ao julgar a extradição no sentido de que é possível a entrega do cidadão estrangeiro, por inexistirem óbices, o Pretório Excelso functus officio est – cumpre e acaba a sua função jurisdicional. Quando muito, o que se pode admitir é que, caso a Corte assente a
inextraditabilidade, por estar presente violação à Constituição – v. g., é brasileiro, o crime é político, será aplicada pena desumana –, e o
Presidente da República, contrariamente à decisão do Supremo, decida extraditar o indivíduo, seria, em tese, cabível a Reclamação.

A Lei, a jurisprudência e a doutrina não discrepam desse entendimento, que conduz ao acolhimento da preliminar de descabimento da Reclamação.

Assim entendeu esta Corte, por unanimidade, na Extradição nº 1.114, assentando que:

“O Supremo Tribunal limita-se a analisar a legalidade e a procedência do pedido de extradição (Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, art. 207;
Constituição da República, art. 102, Inc. I, alínea g; e Lei n. 6.815/80, art. 83): indeferido o pedido, deixa-se de constituir o título jurídico sem o
qual o Presidente da República não pode efetivar a extradição; se deferida, a entrega do súdito ao Estado requerente fica a critério discricionário do
Presidente da República.”

(Ext 1114, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 12/06/2008, DJe-157 DIVULG 21-08-2008 PUBLIC 22-08-2008 EMENT VOL-02329-01
PP-00011 RTJ VOL-00206-01 PP-00016 RT v. 97, n. 877, 2008, p. 487-492 LEXSTF v. 30, n. 360, 2008, p. 265-276)

Nada diverso ocorreu na Extradição nº 1.085, cujo acórdão, sucintamente, assenta, verbis: “acordam os Ministros, por maioria, deferir o pedido de extradição” e “ por maioria, reconhecer que a decisão de deferimento da extradição não vincula o Presidente da República”. Observe-se que, à luz da
principiologia constitucional, não exigiu a Corte a imediata entrega do cidadão italiano, até porque, se o fizesse, sua decisão careceria de
executoriedade.

Como a análise meritória, conforme já referido, é vedada em sede de processo de extradição, forçoso concluir que a conclusão a que chegou o Pretório
Excelso, pela inexistência de caráter político nos crimes cometidos, deve ser compreendida como mero conselho ou admoestação. Esta a conclusão
necessária em vista da já aludida falta de executoriedade do decisum, pois a Constituição, no seu artigo 84, VII, confere apenas ao Presidente
da República a prerrogativa de entregar o estrangeiro ao Estado solicitante.

Malgrado tenha este Supremo Tribunal anulado a decisão do Ministro da Justiça que concedeu refúgio político ao extraditando, não pode, agora,
substituir-se ao Chefe de Estado e determinar a remessa de ** às autoridades italianas. Uma decisão com comando semelhante, exigindo que o Presidente
da República proceda à extradição, seria tão aberrante e tão contrária aos cânones constitucionais quanto um imaginário acórdão que determinasse a
secessão de um Estado-membro. Além disso, trata-se de novo ato, de autoridade distinta, não sujeito à anulação da concessão de refúgio pelo Ministro da
Justiça, nulidade essa reconhecida – incidentalmente, é de se ressaltar – no bojo da Extradição nº 1.085.

Em face do princípio da separação dos Poderes (art. 2º CRFB), não compete ao Supremo Tribunal Federal rever o mérito de decisão do Presidente da
República, enquanto no exercício da soberania do país, tendo em vista que o texto constitucional atribui a este, e não ao Egrégio Tribunal, a função de
representação externa do país. Assim, ao se considerar os princípios da separação dos poderes e da soberania, bem como as previsões constitucionais de
competência privativa do Presidente da República (especialmente o tantas vezes citado art. 84, inciso VII), o ato presidencial objeto da presente
Reclamação é constitucional e legal.

Deveras, a decisão presidencial que negou a extradição é autêntico ato de soberania, esta definida por Marie-Joëlle Redor como o “poder que possui o Estado para impor sua vontade aos indivíduos que vivem sobre seu território” (Tradução livre do texto: “le pouvoir qu’a l’Etat d’imposer sa volonté aux individus vivant sur son territoire”. De L’Etat Legal a L’Etat de Droit. L’Evolution des
Conceptions de la Doctrine Publiciste Française. 1879-1914. Presses Universitaires d’Aix-Marseille, p. 61). O conceito clássico de soberania,
consignado no tratado de Paz de Vestfália de 1648, atrela a soberania ao Estado territorial, em caráter supremo visando a garantir a paz e a liberdade
de seus súditos. Os documentos internacionais, como a Carta da ONU e a Carta da OEA, prevêem o respeito à soberania (art. 1º, da Carta da ONU e art.
3º, alínea b, da Carta da OEA).

Ora, o ato de extraditar consiste em “
ato de vontade soberana de um Estado que entrega à justiça repressiva de outro Estado um indivíduo, por este perseguido e reclamado, como acusado
ou já condenado por determinado fato sujeito à aplicação da lei penal
” (RODRIGUES, Manuel Coelho. A Extradição no Direito Brasileiro e na Legislação Comparada. Tomo I. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1930. p. 3).
Trata-se de relação de direito internacional, promovida por intermédio dos Chefes de Estado, com base em tratados internacionais ou, na ausência
destes, através de promessas de reciprocidade. O descumprimento dessa obrigação de direito internacional gera consequências também internacionais, mas
nunca no plano interno. Desse modo, não pode o Judiciário compelir o Chefe de Estado a adotar tal ou qual posição, na medida em que não lhe cabe
interpretar uma norma de direito internacional, sem repercussões no ordenamento interno.

“[O] atendimento do pedido [extradicional]
, que significa a concessão da extradição, não é ato do Poder Judiciário e, sim, do Poder Executivo. O Supremo Tribunal Federal, a rigor, não
concede a extradição: autoriza o Poder Executivo a que o faça
” – é a lição de Gilda Russomano (A extradição no direito internacional e no direito brasileiro. 3ª Ed. São Paulo: RT, 1981. p 138-139). Este já era o
entendimento defendido por Anor Butler Maciel, na vigência da Constituição de 1946, ao tratar da natureza jurídica da decisão judiciária no processo
extradicional:

Quem concede a extradição não é o Poder Judiciário, mas sim o Poder Executivo, nos têrmos do art. 7º, uma vez que o têrmo Gôverno se refere,
obviamente, ao Poder Executivo e é o Chefe dêsse Poder quem mantém relações com os Estados estrangeiros, nos têrmos da Constituição Federal, art. 87,
nº VI.

(MACIEL, Anor Butler. Extradição Internacional. Brasília: Imprensa Nacional; 1957. p. 144)

Melhor definindo, a extradição não é ato de nenhum Poder do Estado, mas da República Federativa do Brasil, pessoa jurídica de direito público externo,
representada na pessoa de seu Chefe de Estado, o Presidente da República.

Conforme já assentado, a Constituição de 1988 estabelece que a soberania deve ser exercida, em âmbito interno, pelos três Poderes (Executivo,
Legislativo e Judiciário) e, no plano internacional, pelo Chefe de Estado.

A impossibilidade de vincular o Presidente da República à decisão do Supremo Tribunal Federal se evidencia quando recordamos que inexiste um conceito
rígido e absoluto de crime político. Na percuciente observação de Celso de Albuquerque Mello, “[é]
mais fácil dizer o que não é crime político do que definir este. (…) a discussão do que venha a ser crime político é tão ampla que se pode dizer
que só será crime político o que o STF desejar (…). A conceituação de um crime como político é, por sua vez, um ato político em si mesmo, com
toda a relatividade da política.
” (Extradição. Algumas observações. In: O Direito Internacional Contemporâneo. Org: Carmen Tiburcio; Luís Roberto Barroso. Rio de Janeiro:
Renovar, 2006. p. 222-223).

Neste ponto, à luz da lição narrada, cumpre definir a quem compete exercer o juízo de valor sobre a existência, ou não, de perseguição política em face
do referido extraditando. Por se tratar de relação eminentemente internacional, o diálogo entre os Estados requerente e requerido deve ser feito
através das autoridades que representam tais pessoas jurídicas de direito público externo. No Brasil, como é sabido, o Chefe de Estado é o Presidente
da República. Ao decidir sobre a extradição de um estrangeiro, o Presidente não age como Chefe do Poder Executivo Federal (art. 76 da CRFB), mas sim
como representante da República Federativa do Brasil.

Compete ao Presidente da República, dentro da liberdade interpretativa que decorre de suas atribuições de Chefe de Estado, para caracterizar a natureza
dos delitos, apreciar o contexto político atual e as possíveis perseguições contra o extraditando relativas ao presente, o que é permitido pelo texto
do Tratado firmado (art. III, 1, f). O Supremo Tribunal Federal, além de não dispor de competência constitucional para proceder a semelhante
exame, carece de capacidade institucional para tanto. Aplicável, aqui, a noção de “institutional capacities”, cunhada por Cass Sunstein e Adrian
Vermeule (Interpretation and Institutions. U Chicago Law & Economics, Olin Working Paper, Nº 156, 2002; U Chicago Public Law Research Paper nº 28.
Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=320245>, acesso em 27/05/2011) – o Judiciário não foi projetado constitucionalmente para tomar decisões
políticas na esfera internacional, cabendo tal papel ao Presidente da República, eleito democraticamente e com legitimidade para defender os interesses
do Estado no exterior.

Não por acaso, diretamente subordinado ao Presidente da República está o Ministério das Relações Exteriores, com profissionais capacitados para
informá-lo a respeito de todos os elementos de política internacional necessários à tomada desta sorte de decisão. Com efeito, é o Presidente da
República que se encontra com Chefes de Estados estrangeiros, que tem experiência em planejar suas decisões com base na geografia política e que,
portanto, tem maior capacidade para prever as consequências políticas das decisões do Brasil no plano internacional.

Expressamente consignou-se, quando da análise da questão principal da Extradição nº 1.085, o precedente da Extradição nº 272, o “caso Franz Paul
Stangl”, onde se entendeu que “ a efetivação, pelo governo, da entrega do extraditando, autorizada pelo Supremo Tribunal Federal, depende do Direito Internacional Convencional
(Relator(a):  Min. VICTOR NUNES, Tribunal Pleno, julgado em 07/06/1967, DJ 20-12-1967 PP-04385 EMENT VOL-00714-01 PP-00020 RTJ VOL-00043-01 PP-00168).

Não impressiona, nem constitui óbice, o fato de se ter afirmado durante os debates no julgamento da Extradição nº 1.085 que, embora a prerrogativa
caiba ao Presidente da República, o ato é vinculado aos termos do tratado. O pós-positivismo jurídico, conforme argutamente aponta Gustavo Binenbojm, “ não mais permite falar, tecnicamente, numa autêntica dicotomia entre atos vinculados e discricionários, mas, isto sim, em diferentes
graus de vinculação dos atos administrativos à juridicidade” (Uma Teoria do Direito Administrativo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 208).
Esses diferentes graus de vinculação ao ordenamento se pautam por uma escala decrescente de densidade normativa vinculativa, a saber: (i) atos
vinculados por regras; (ii) atos vinculados por conceitos jurídicos indeterminados; e (iii) atos vinculados diretamente por princípios.

O ato de extradição ora analisado situa-se na segunda escala de vinculação: a vinculação a conceitos jurídicos indeterminados – ou, na expressão do
Ministro Eros Grau, “noções”. Isso porque o artigo III, 1, f, do Tratado suprarreferido estabelece hipóteses nas quais é possível que um
Estado-parte rejeite a entrega pleiteada pelo outro, todas expressas por termos jurídicos indefinidos, os quais servirão de base para que o intérprete,
de posse de suas pré-compreensões, faça surgir a norma aplicável ao caso. Eis o teor do dispositivo:

Artigo III

Casos de Recusa da Extradição

1. A Extradição não será concedida:

[…]

f) se a parte requerida tiver razões ponderáveis para supor que a pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição e discriminação por motivo de
raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, opinião política, condição social ou pessoal; ou que sua situação possa ser agravada por um dos elementos
antes mencionados;

Precisamente neste inciso se baseou o Presidente da República para negar a entrega do indivíduo extraditando. A cláusula, mais que mera convenção entre
os Estados contratantes, é expressão do respeito suprapositivo aos direitos fundamentais dos refugiados.

Regra de vital importância na matéria consiste no chamado non-refoulement, segundo o qual é vedada a entrega do solicitante de refúgio a um
Estado quando houver ameaça de lesão aos direitos fundamentais do indivíduo. O non-refoulement é uma norma de Direito Internacional, considerada ius cogens, e está prevista no art. 33 da Convenção de Genebra de 1951, sobre o Estatuto dos Refugiados, ratificada pela República Federativa do
Brasil, verbis:

Artigo 33 – Proibição de expulsão ou de rechaço

(1) Nenhum dos Estados Contratantes expulsará ou rechaçará, de maneira alguma, um refugiado para as fronteiras dos territórios em que a sua vida ou a
sua liberdade seja ameaçada em virtude da sua raça, da sua religião, da sua nacionalidade, do grupo social a que pertence ou das suas opiniões
políticas.

A extradição, instrumento de cooperação jurídica internacional entre Estados, sofre limitação por parte do Direito dos refugiados. Hans Kelsen
doutrinava que o status jurídico concedido aos estrangeiros não pode ser inferior a um standard mínimo de civilização (Principles of
International Law. 2ª ed. New York: Halt-Rinehart and Winston, 1967. p. 366). Malgrado nenhum Estado seja obrigado a admitir a entrada de estrangeiros
em seu território, cabe-lhe zelar pela garantia dos direitos fundamentais de qualquer ser humano. O art. 5º, LII, da Constituição da República, nesta
esteira, reza que “não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião”. O fundamento dessa limitação é humanitário, e
por isso entende-se que “
na problemática dos refugiados, o interesse daquele que busca refúgio ou asilo como ser humano deve prevalecer sobre eventuais conflitos de
interesse entre Estados
” (M. SYRAN, Claudena. “The International Refugee Regime: The Historical and Contemporary Context of International Responses to Asylum Problems” In: LOESCHER, Gil. Refugges and the Asylum Dilemma in the West. Pennsylvania, The Pennsylvania State Univesity Press, 1992, p. 15).

O ato de concessão de refúgio, desta feita, não acarreta abalo nas relações internacionais com o Estado que requer a extradição. Entendendo existir “ razões ponderáveis para supor que a pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição”, qualquer dos sujeitos de Direito Internacional que
pactuaram o Tratado Extradicional pode negar a entrega do súdito da parte requerente.

Conclui-se do exposto que, ainda que se entenda que o ato do Presidente da República é vinculado aos termos do Tratado de Extradição, apenas ele, como
Chefe de Estado, dispõe de capacidade institucional para avaliar a existência dos requisitos autorizadores da não entrega, especialmente a expressão “ atos de perseguição” – trata-se de ato político-administrativo vinculado a conceitos jurídicos indeterminados. Nas palavras de Adrian Vermeule,

a revisão judicial da constitucionalidade de textos legais e os processos decisórios judiciais destinados à interpretação constitucional devem ser
realizados à luz das capacidades institucionais
” (Tradução livre do texto: “
Judicial review of statutes for constitutionality and judicial decision-procedures for constitutional interpretation must be assessed in light of
institutional capacities
”. Judging under Uncertainty: an institutional theory of legal interpretation. London: Harvard University Press, 2006. p. 230). Não é da alçada do
Judiciário envolver-se na política externa do país.

No mesmo trabalho citado alhures, o saudoso prof. Celso Mello faz um cotejo entre o sistema extradicional brasileiro e o de outros países, para, em
seguida, atribuir ao Presidente da República a palavra final sobre a remessa do cidadão estrangeiro:

“Na Inglaterra, o Poder Judiciário aprecia o mérito. O Executivo é um executor do Judiciário.

O STF apreciará a legalidade do pedido (…). Cabe ao Poder Executivo decidir da extradição ou não de um indivíduo. (…)

Ele pode recusar mesmo quando o STF tenha declarado a legalidade e a procedência do pedido . (…)

A doutrina tem afirmado que a extradição no Brasil é um ato misto, isto é, judiciário e administrativo. Entretanto, é o Executivo que tem atuação
decisiva. É preciso lembrar que a extradição está vinculada à política externa, que é da competência do Poder Executivo.”

(Op. cit. p. 226-227) (grifei)

Conclui-se, dessa maneira, que a existência de Tratado de extradição entre Brasil e Itália não faz surgir uma obrigação de direito interno, que possa
ser imposta judicialmente ao Executivo, mas apenas uma obrigação internacional, com consequências estritamente políticas para as relações entre os
Estados. Precisamente por isso, reza o art. 76 da Lei 6.815/80 que “A extradição poderá – e não ‘deverá’ – ser concedida quando o governo requerente se fundamentar em tratado”. Esse juízo de conveniência da extradição caberá, repita-se, ao Presidente
da República.

As premissas aqui utilizadas foram reproduzidas por esta Corte na Extradição nº 855 (Ministro Relator Celso de Mello, DJ de 1º.7.2006), onde se
entendeu que a decisão extradicional é conferida ao “
Presidente da República, com apoio em juízo discricionário, de caráter eminentemente político, fundado em razões de oportunidade, de conveniência
e/ou de utilidade
(…) na condição de Chefe de Estado”. Noutra oportunidade, analisando pedido de extradição fundado em Tratado entre Brasil e Argentina, o
Pretório Excelso decidiu que “caberá ao presidente da República avaliar a conveniência e a oportunidade da entrega do estrangeiro” (EXT. n. 985,
Min. Rel. Joaquim Barbosa, DJ de 18.8.2006).

No direito comparado, essa discricionariedade de entrega do extraditando – em casos recentes – foi devidamente considerada. São de referência
obrigatória, no ponto, os pedidos de extradição negados pelos Chefes de Estado da França e da Inglaterra nos célebres casos Petrella e Pinochet,
respectivamente.

No caso Pinochet, a Espanha requereu sua extradição ao Reino Unido, para ser julgado pelos delitos de tortura, conspiração com tortura, manutenção de
reféns, conspiração para tomar reféns e conspiração para cometer homicídio, todos eles perpetrados contra inimigos políticos enquanto o extraditando
ainda era Chefe de Estado do Chile, nos anos 1970 e 80, durante o chamado Plan Códor. Além disso, a Argentina requeria a extradição de Pinochet
por participação em assassinato. Em 2 de março de 2000, a Inglaterra negou o pedido de extradição de Pinochet, conquanto estivesse ele livre para
deixar o Reino Unido, em fundamentos semelhantes aos apresentados no ato presidencial em análise nestes autos: por razões de saúde, de integridade
física e mental, de humanidade, o que impossibilitaria o extraditando de suportar um julgamento (Cf. GONZÁLEZ-OLAECHEA, Javier Valle-Riestra. La
extradición y los delitos políticos. The Global Law Collection. Navarra (Espanha): Editorial Aranzadi, 2006).

Em 2008, em caso precisamente idêntico ao dos autos, o Presidente francês, Nicolas Sarkozy, negou o pedido de extradição de Marina Petrella à Itália,
com fundamento em razões humanitárias, devido ao seu débil estado de saúde e ao risco que se apresentava à sua integridade física e mental. Petrella
foi condenada em 1992 à prisão perpétua, por crimes perpetrados no mesmo período (décadas de 70 e 80). A extradição de Petrella, que era revolucionária
ao lado do ora extraditando **, dentre outros, passou, igualmente, pelo crivo jurisdicional. A Corte de Apelação de Versalhes decidiu favoravelmente à
extradição de Petrella, sendo que, seguidamente, a Corte de Cassação e o Conselho de Estado francês confirmaram a decisão. Todavia, mesmo após a
chancela jurisdicional, o Presidente da França determinou a não extradição de Petrella.

Assim, é de se repetir, a decisão de entrega do extraditando é um ato de soberania a ser exercido, em última palavra, pelo Chefe de Estado. No Brasil,
assim como em outros países, a atribuição é atrelada, historicamente, ao Presidente da República, responsável pela política internacional, pelas
relações com outros Estados soberanos.

O provimento jurisdicional que pretende a República Italiana é vedado pela Constituição, seja porque seu art. 4º, I e V, estabelece que a República
Federativa do Brasil rege-se, nas suas relações internacionais, pelos princípios da independência nacional e da igualdade entre os Estados, seja pelo
fato de, no supracitado art. 84, VII, conferir apenas ao Presidente da República a função de manter relações com Estados estrangeiros.

Ex positis , conclui-se pelo não conhecimento da Reclamação, em razão do não cabimento desta medida processual, com a consequente manutenção da decisão da
Presidência da República impgunada. Nada obstante, impõe-se o provimento da Petição Avulsa nos autos da Extradição 1.085, para deferir o pedido de
imediata liberação do extraditando, se por al não estiver preso, em razão da não subsistência de motivos para a manutenção da prisão.

É como voto.

*acórdão pendente de publicação

** nome suprimido pelo Informativo

Inovações Legislativas

27 de junho a 1º de julho de 2011

Lei nº 12.434, de 30.6.2011 – Altera a Organização Judiciária do Distrito Federal e dos Territórios, estabelecida pela Lei no 11.697, de 13 de junho de 2008. Publicada no
DOU, Seção 1, p. 2 em 1/7/2011.

Lei nº 12.433, de 29.6.2011 – Altera a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), para dispor sobre a remição de parte do tempo de execução da pena por estudo
ou por trabalho. Publicada no DOU, seção 1, p. 1-2, em 30/6/2011.

Outras Informações

4 a 29 de julho de 2011

Lei nº 12.437, de 6.7.2011 – Acrescenta parágrafo ao art. 791 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943.

Lei nº 12.435, de 6.7.2011 – Altera a Lei no 8.742, de 7 de dezembro de 1993, que dispõe sobre a organização da Assistência Social.

Lei nº 12.440, de 7.7.2011 – Acrescenta Título VII-A à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, para
instituir a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas, e altera a Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993.

Lei nº 12.441, de 11.7.2011 – Altera a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para permitir a constituição de empresa individual de responsabilidade limitada.

Lei nº 12.452, de 21.7.2011 – Altera o art. 143 da Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997, que “institui o Código de Trânsito Brasileiro”, de modo a disciplinar a habilitação de
condutores de combinações de veículos.

Lei nº 12.461, de 26.7.2011 – Altera a Lei no 10.741, de 1o de outubro de 2003, para estabelecer a notificação compulsória dos atos de violência praticados contra o
idoso atendido em serviço de saúde.

Secretaria de Documentação – SDO

Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD

CJCD@stf.jus.br

Como citar e referenciar este artigo:
STF,. Informativo nº 633 do STF. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/informativos-de-jurisprudencia/stf-informativos-de-jurisprudencia/informativo-no-633-do-stf/ Acesso em: 18 abr. 2024
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Informativo nº 908 do STF

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Informativo nº 907 do STF

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Informativo nº 894 do STF

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Informativo nº 893 do STF

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Informativo nº 892 do STF