Teoria Constitucional

Agravo de Instrumento. Ação Civil Pública. Natureza da liminar. Princípios da publicidade e da motivação das decisões. Rito adotado.

Agravo de Instrumento. Ação Civil Pública. Natureza da liminar. Princípios da publicidade e da motivação das decisões. Rito adotado.

 

 

Fernando Machado da Silva Lima*

 

 

 

EGRÉGIA XXXXXX  CÂMARA CÍVEL ISOLADA

PROCESSO : N° XXXXXXXX

AGRAVO DE INSTRUMENTO

AGRAVANTE: XXXXXXXX

AGRAVANTE: XXXXXXXXXX

AGRAVADO : COMPANHIA DE SANEAMENTO DO PARÁ – COSANPA

RELATORA : EXMA. DESA. XXXXXXX

PROCURADORA DE JUSTIÇA : XXXXXXXXXXX

 

 

 

 

Ilustre Desembargadora Relatora :

 

 

 

 Trata o presente do Recurso de Agravo de Instrumento interposto por XXXXXXX e XXXXXXXXX contra  a decisão interlocutória proferida pelo MM. Juiz de Direito da   Xª Vara da Comarca de Tucuruí-Pa, nos Autos da Ação Civil Pública com  pedido de liminar em que é Autora a Companhia de Saneamento do Pará (COSANPA).

 

 

 

Em síntese, os Autos informam  que :

 

1 – O Sr. XXXXXXX e sua esposa, XXXXXX, interpuseram Agravo contra decisão do MM. Juiz de Direito da Xª Vara da Comarca de Tucuruí/Pa, que deferiu o pedido de liminar contido nos Autos da Ação Civil Pública, ajuizada com o fito de reparar possíveis danos causados ao meio ambiente, bem como de cessar atividades extrativistas realizadas próximo à área de abastecimento de água do Município de Tucuruí/PA. Os Agravantes, preliminarmente, levantam a existência de vícios formais, além da inadmissibilidade da fundamentação, referente à decisão em tela. Falam os Agravantes que a decisão que concedeu o pedido de liminar está em desacordo com o disposto no inciso IX do art. 93 da Constituição Federal de 1988, que determina que todas as decisões devem ser fundamentadas e tornadas públicas, sob pena de nulidade. Argumentam outrossim que o rito legal para a salientada Ação é o sumário, e não o cautelar, escolhido pelo juiz, não obstante  a Autora ter pedido o procedimento ordinário. Por último, sustentam os Agravantes a ausência dos requisitos necessários para a concessão de liminar, quais sejam, o fumus boni juris e o periculum in mora, haja vista a ausência de elementos comprobatórios idôneos que demonstrem a agressão ambiental da área. Juntam documentos.

 

2 – A Agravada, conforme Certidão inserida às fls. 70, não apresentou Contra-Razões.

 

3 – A MM. Juíza de Direito da Xª Vara da Comarca de Tucuruí/Pa, Dra. XXXXXXXXXXX, às fls. 52, prestou informações, fazendo um breve relatório do processo.

 

 

É o Relatório. Esta Procuradoria passa a opinar:

 

A primeira análise a ser feita, refere-se à decisão que concedeu a liminar, ora agravada. Para que se chegue a uma conclusão sobre a nulidade ou não de tal ato, é imperioso  realizar um estudo sobre a medida liminar. Em relação à sua natureza, sem dúvida alguma configura-se como decisão interlocutória, proferida pelo juiz e que decide uma questão incidental surgida no bojo do processo. Fala Luiz Orione Neto:

 

É assertiva encontradiça na doutrina a de que o ato judicial que resolve dar concessão ou denegação do mandado liminar é, sem dúvida, ato decisório, uma vez que dá solução a uma questão mediante aplicação de regras jurídicas a determinada situação de fato.

 

Tendo em vista que a preliminar configura um pronunciamento provisório no curso da lide, conclui-se que a decisão que aprecia a liminar deve ser classificada, indubitavelmente, como interlocutória. (Luiz Orine Neto – Liminar no processo civil e legislação processual civil extravagante)      

 

É certo que o inciso IX do art. 93 da Constituição Federal de 1988, estabeleceu dois princípios voltados para as atividades do Poder Judiciário, quais sejam, o da publicidade e o da motivação das decisões. Sobre isso, ensina o Ilustre José Afonso da  Silva:

 

Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença , em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados , ou somente a estes (José Afonso da Silva – Curso de Direito Constitucional Positivo)

 

Dessa forma, pelo princípio da motivação, todas as decisões deverão ser fundamentadas, sob pena de serem anuladas. Toda norma que for  de encontro a esse mandamento será considerada inconstitucional. Pois bem, relacionado a isso está o art. 165 do Código de Processo Civil:

 

Art. 165. As sentenças e acórdãos serão proferidos com observância do disposto no art. 458; as demais decisões serão fundamentadas ainda que de modo conciso.

 

 Percebe-se que a segunda parte do aludido preceito legal faz alusão às decisões interlocutórias, afirmando que as mesmas deverão ser fundamentadas, ao menos de forma concisa. Sobre isso ensinam os eminentes juristas Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery:

 

As decisões interlocutórias e os despachos podem ser exteriorizados por meio de fundamentação concisa, que significa fundamentação breve, sucinta. O juiz não está autorizado a decidir sem fundamentação ( CF art. 93, IX). Concisão e brevidade não significam ausência de fundamentação. (Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade – Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Civil Extravagante em Vigor)

 

 

         A Jurisprudência tem posição pacífica sobre a necessidade de fundamentação das decisões judiciais:

 

Ementa: Processo Civil e Tributário. Apreensão e perdimento de bens importados ilegalmente. Falta de fundamentação da sentença.

I – A teor dos arts. 313, 165 e 458, II, do CPC, e art. 93, IX, da Constituição Federal, deve o juiz, ao decidir a causa, fundamentar a decisão, apresentando as razões do seu convencimento.

II – Recurso provido para anular a sentença, a fim de que outra seja proferida, devidamente fundamentada. (TRF – 2ª Região. AC 95.02.00722/RJ. Rel. Juiz Clélio Erthal. 1ª Turma. Decisão: 02/10/95. DJ 2 de 05/12/95, p. 84, 174.

Nulidade. Falta de fundamentação.

É nula a decisão proferida sem qualquer fundamentação (TRF – 4º, 3º T., Ag 406832-RS, rel. Juiz Silvio Dobrowolski, j. 17.9.1991. DJU 30.10.1991, p. 27141)

 

 

 

Mais especificamente em relação às decisões interlocutórias:

 

 

Decisão interlocutória não fundamentada

É nula, pois o princípio da fundamentação possui assento constitucional (RF 306/200)

 Pormenorizando ainda mais, agora em relação a decisão interlocutória que concede pedido de liminar:

 MS. Liminar

É nula a decisão não fundamentada que concede liminar em MS, devendo essa nulidade ser proclamada de ofício. (RJTJSP 130/340)

 

         Aliás, sobre a necessidade de fundamentação da decisão interlocutória que concede liminar, recorre-se mais uma vez ao ensinamento do professor Luiz Orione Neto:

 

Malgrado a obrigatoriedade da motivação das decisões judiciais, o que se tem percebido em alguns casos é a falta de fundamentação das decisões concessivas ou denegatórias de liminar, em antecipação da tutela, em mandado de segurança, cautelares, possessórias e ações civis públicas. Assim, a locução, assaz encontradiça no foro presentes os pressupostos legais “ concedo a liminar” ,ou, por outra, “ ausentes os pressupostos legais denego a liminar”, são exemplos de mau uso em que incorrem alguns juizes e tribunais.

 

Fundamentar significa o juiz explicitar as razões de fato e de direito, que o convenceram a decidir a questão daquela maneira.

 

Por outro lado, conforme já deixou assentado o egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, em V. acórdão subscrito pelos ilustres desembargadores Milton Armando Pompeu de Barros, Shelma Lombardi de Kato e Leão Neto do Carmo: “ A decisão concessiva de medida liminar pode ser concisa, mas deverá ser fundamentada”. Com efeito, as liminares, por serem decisões interlocutórias, podem ser fundamentadas de modo conciso, ex vi da parte final do art. 165, CPC.

 

Concisão, entretanto – como adverte Antônio Janyr Dall´Agnol Junior   – “ não significa dispensa de fundamentação”. Uma decisão concisa é aquela que tem uma fundamentação breve, com elementos imprescindíveis ao seu  embasamento. Não se deve confundir – na segura observação de João Baptista Monteiro,“ fundamentação”  com “ falta de fundamentação”  (Luiz Orione Neto – Liminar no Processo Civil e Legislação Processual Civil Extravagante).

 

Decerto, se a decisão judicial não estiver devidamente motivada, ou, no caso de decisão interlocutória, esta não estiver ao menos fundamentada de forma concisa, ocorrerá  a nulidade do ato. Agora, a que espécie de nulidade se refere o inciso IX do art. 93 da Lex Legum?

 

Segundo a  Jurisprudência:

 

 A motivação das decisões judiciais, mesmo interlocutórias e homologatórias, é garantia inerente ao estado de direito. O jurisdicionado, quer pessoa física ou jurídica de direito público, tem o direito de conhecer a fundamentação das decisões proferidas contra si ou a seu favor, em juízo. Não tem validade decisão imotivada proferida pelo Poder Judiciário. (AC. un. da 2º T. do TRF da 5º R. de 11.10. 1994, na Ap 59.057-PB, rel. Juiz José Delgado; JSTJ/TRFs 76/434)

 

         Ora, de acordo com a jurisprudência, a decisão imotivada vai de encontro ao estado de direito, ferindo destarte o interesse público. Sobre as espécies de nulidades processuais, ensina Cesar Montenegro:

 

O ato processual nulo e o anulável são assim considerados tomando como base a predominância maior ou menor do interesse público. Se a predominância é do interesse público e existe a violação, o ato processual é absolutamente nulo, nulidade insanável, devendo o juiz declará-la de ofício, podendo qualquer das partes, se não houver a declaração de ofício, invocá-la (Cesar Montenegro – Dicionário de Prática Processual Civil)

 

Sendo assim, o ato judicial carente de fundamentação gera uma nulidade absoluta, insanável, já que  viola interesse público.

 

         Diante do que foi dito, conclui-se que a decisão proferida pelo MM. Juiz da Xª Vara Cível da Comarca de Tucuruí/Pa que concedeu o pedido de liminar inserido na Exordial da Ação Civil Pública (Autos: 306/96) ajuizada pela Companhia de saneamento do Pará – COSANPA é nula, em razão de não preencher o requisito constitucional da motivação, ferindo destarte interesse público.

 

         Em relação ao segundo ponto, qual seja, a discordância sobre a forma de procedimento a ser adotada para a aludida ação, recorre-se ao ensinamento do jurista Rodolfo de Camargo Mancurso:

 

 

O STF afirmou a tese de que a ação de rito sumaríssimo processada como ordinária, pelo juiz, sem oposição das partes, não acarreta nulidade do processo (RTJ 86/716; CF. RTJ 86/881, 1ª. Col., opinião do Min. Relator) Nesse sentido: RJTJSP 41/204; JTA 43/185. No particular, é de interesse transcrever as conclusões   alcançadas nos últimos                “ Encontros Nacionais dos Tribunais de Alçada”: V. ENTA, conclusão aprovada por 15 votos a favor, um contra e duas abstenções:

 

a)      Inexiste, para as partes ou para o juiz, a faculdade de substituir o procedimento sumaríssimo pelo ordinário, submetendo a causa a este quando a lei prescrever aquele;

 

b)      Contudo, a erronia do rito não induz à invalidade do processo, devendo-se aproveitar todos os atos realizados;

 

c)        Relativamente aos atos processuais ainda não consumados no momento em que se constata a inadequação do rito, deve ser o procedimento sumaríssimo adotado, nada importando o estágio e o grau de jurisdição em que se acha o feito. VI ENTA, concl. 51, aprovada por unanimidade: “ o procedimento não fica à escolha da parte, devendo o juiz determinar a convenção quando possível. Contudo, em se tratando de causa na qual o procedimento ordinário (CPC, arts. 244 e 250, Parágrafo Único)” . Do que é dado dessumir dessa resenha, tem-se que :

 

a)    A regra é que não há discricionariedade na escolha do rito, que deve ser feita ope legis;

 

b)    Todavia, incidem na espécie certos princípios como o da instrumentalidade das formas; o do aproveitamento máximo dos atos processuais já realizados; o utile per inutile non utiatur;  o pas de nullité sans grief, que em conjunto, recomendam se possa aproveitar o processo, com a devida retificação do rito. Até porque não se cuida , na espécie, de nulidade cominada (CPC, art. 244) (Rodolfo de Camargo Mancurso – Ação Civil Pública) ( o grifo é nosso)

 

 

Jurisprudência:

 

Se o autor intentou ação de procedimento sumaríssimo, quando cabível o ordinário, deve haver adaptação do processo a este, com aproveitamento dos atos praticados (RJTJSP 98/309)

 

Em relação à ação cautelar versus liminar, falam Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery:

 

Medida Liminar (art. 12 da Lei n.º 7.347/85)

 

Não há necessidade de ajuizar-se ação cautelar, antecedente de ação principal, para pleitear a liminar, com evidente desperdício do tempo e atividade jurisdicional. O pedido de concessão de liminar pode ser cumulado na Petição Inicial de ACP de conhecimento, cautelar ou de execução ( Nelson Nery Junior e Rosa Andrade Nery – Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Civil e Extravagante em Vigor.

 

Destarte, é correto o entendimento que manda conservar os atos processuais já realizados, quando o rito adotado não for o estabelecido em lei, em razão principalmente do princípio da instrumentalidade das formas e da economia processual. Quanto ao pedido de liminar, este pode ser feito, independentemente da espécie de ação.

 

         Por último, ressalta-se que o sistema adotado pelo Brasil é o da persuasão racional, e não o da íntima convicção do juiz. Assim, o magistrado deverá demonstrar os caminhos que o levaram a chegar à sua decisão, seja a que extingue o processo (sentença), seja a que resolve apenas uma questão incidental (decisão interlocutória).

 

EX POSITIS, esta Procuradoria de Justiça se manifesta pelo acolhimento do Agravo, haja vista que a decisão interlocutória, que concedeu o pedido de liminar, violou o princípio constitucional da motivação dos atos judiciais, porque nem ao menos apresentou uma fundamentação concisa, pertinente à existência do fumus boni juris e do periculum in mora.

 

É O PARECER.

 

Belém,      outubro de 1999.

 

 

Procuradora de Justiça

 

 

 

 

* Professor de Direito Constitucional da Unama

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Como citar e referenciar este artigo:
LIMA, Fernando Machado da Silva. Agravo de Instrumento. Ação Civil Pública. Natureza da liminar. Princípios da publicidade e da motivação das decisões. Rito adotado.. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/estudodecaso/teoria-constitucional/agravo-de-instrumento-acao-civil-publica-natureza-da-liminar-principios-da-publicidade-e-da-motivacao-das-decisoes-rito-adotado/ Acesso em: 18 mar. 2024