Direito Civil

Apelação Cível. Ação de Investigação de Paternidade cumulada com Pedido de Alimentos. Exame hematológico. Recusa. Ônus da prova. Prova testemunhal

Apelação Cível. Ação de Investigação de Paternidade cumulada com Pedido de Alimentos. Exame hematológico. Recusa. Ônus da prova. Prova testemunhal

 

 

Fernando Machado da Silva Lima*

 

 

EGRÉGIA XXXXXXXX CÂMARA CÍVEL ISOLADA

 

                    PROCESSO :  XXXXXXXXX

 

RECURSO:       APELAÇÃO CÍVEL        

 

APELANTE: XXXXXXXXX

 

APELADOS: XXXXXXXXXXXX E XXXXXXXXX

 

                    RELATORA:  EXMA.  DESA.  XXXXXXXXXX

 

PROCURADORA DE JUSTIÇA: XXXXXXXXXXXXXXXXX

 

 

 

 

 

Ilustre Desembargadora  Relatora:

 

 

 

Trata o presente do recurso de Apelação interposto por XXXXXXXXXXX, nos Autos da Ação de Investigação de Paternidade cumulada com Pedido de Alimentos, promovida por XXXXXXXXXXXXX, representada por sua mãe XXXXXXXXXXXXX.

 

 

 

 

 

Em síntese, os autos informam que:

 

 

 

         1. A Ação de Investigação de Paternidade foi ajuizada em 29.09.87. A Sra. XXXXXXXX,  ora Apelada, diz que manteve relação de namoro com o Suplicado, ora Apelante, durante aproximadamente um ano, ficando gestante da menor XXXXX, que nasceu no dia 06.11.81. Diz que o Suplicado terminou o namoro e se negou a reconhecer a paternidade. Diz que o Suplicado tem condições, porque é comerciante, mas nunca lhe deu pensão. Requer seja arbitrada pensão alimentícia provisória. Junta documentos.

 

 

 

         2. O Suplicado contesta, às fls. 9-11. Diz que conheceu a Suplicante em um bar, para onde convergem os homens de Santo Antonio do Tauá à procura de diversão. Diz que XXXXXXXX viajou para o Sul do País, em fevereiro ou março de 1981. Diz que em novembro, soube do nascimento de um filho, que não poderia portanto ser seu. Diz mais que não é comerciante, mas prestador de serviços e nada possui. Diz que nem mesmo sabe se a menor é filha de XXXXXXX. Diz que também passa por dificuldades. Cita o art. 363 do Código Civil Brasileiro. Diz que não houve constância no relacionamento, nem relacionamento sexual exclusivo. Diz que a prova testemunhal é frágil. Diz que somente o resultado hematológico poderá provar o alegado. Pede o exame pelo sistema HLA.

 

 

 

         3. Em Contra-Razões, às fls. 14-15, diz a Suplicante que nada do alegado é verdadeiro, que nunca viajou para o Sul e que manteve relações somente com o Suplicado, que é comerciante em boa situação financeira. Diz ainda que o exame de sangue pode ser falho.

 

 

 

         4- Após mais de seis anos, a Mma. Juíza, no Despacho de fls. 17, determinou a intimação do requerido para apresentar provas,  mas expediu mandado (fls. 18) de citação para que XXXXXXXXXXXX contestasse a Ação.

 

 

 

         5. Às fl. 19, o Suplicado, ora Apelante, ratifica o que disse em sua Contestação. Diz que o exame de sangue tem elevado índice de acerto. Solicita o depoimento das testemunhas que arrola.

 

 

 

         6. Às fls. 20, Despacho da Mma. Juíza, deferindo as provas requeridas pelas partes e designando data para audiência.

 

 

 

         7. Termo de Audiência, às fls. 23-24. A Suplicante diz que em maio de 81, quando soube que estava grávida, com medo da reação de sua mãe, fugiu para o Rio Grande do Sul e que sua filha XXXXXX nasceu em 06 de novembro de 81. Diz que uns dois meses depois, voltou a se relacionar com o Suplicado, e nasceu o menor XXXXXX. Diz que procurou a Justiça em Santo Antonio do Tauá, mas como o processo veio para a Comarca da Vigia, deixou que ficasse parado. Que o Requerido não quis registrar a menor, porque era casado. Ouvido o Requerido, disse que conheceu a Requerente em um bar, que sabia que ela tinha um relacionamento com um tal de Osmar. Que nenhum dos filhos da Requerente é seu e que não tinha relações sexuais com a Requerente. Que a própria Requerente dizia que o pai das crianças residia no Rio Grande do Sul. A seguir, foram ouvidas as testemunhas. A primeira, foi favorável à Requerente e a segunda, não soube informar se o filho é do Requerido.

 

 

 

         8. Às fls. 28-36, foi apresentado o Memorial em favor de XXXXXXXXXXXX.

 

 

 

         9. A seguir, diversas peças, no sentido de que fosse realizado o exame de DNA. Às fls. 53-55, vem o Requerido dizer que o pai da menor possivelmente reside no RGS . Citou jurisprudência do STF, no sentido de que não pode ser obrigado a submeter-se ao exame. Disse que o investigado deveria ser o Sr. XXXXXXXXXXXXXXX.

 

 

 

         10. Às fls. 58-59, manifestação da Requerida, dizendo que está sendo desobedecida ordem judicial e que o exame agilizaria o processo.

 

 

 

         11. Ouvido o MP (fls. 61) disse que existem nos Autos suficientes provas da paternidade, e que o exame seria até inútil.

 

 

 

         12. A Mma. Juíza, em Despacho de fls. 62, deu ao Requerido uma última chance para fazer o referido exame.

 

 

 

         13. Às fls. 65-67, mais uma manifestação do requerido, procurando repor a verdade.

 

 

 

         14. Instalada a Comarca de Santo Antonio do Tauá, foi requerido o prosseguimento do feito naquela Comarca e a Mma. Juíza despachou, às fls. 73-74. Disse que não podia julgar, em face das violações às regras do CPC, porque o processo entrou na fase de oferecimento de memoriais, sem que estivesse concluída a prova testemunhal. Chamou o processo à ordem.

 

 

 

15. A testemunha XXXXXXXXXX foi ouvida, às fls. 81. Foram apresentados os Memoriais de fls. 85-88 e 89-92.

 

 

 

16. O MP se manifestou, às fls. 93-95, pela improcedência, em face da insuficiência de provas.

 

 

 

         17. A MM.a Juíza decidiu, às fls. 97-115. Relatou o processo. Citou o art. 363 do Código Civil. Citou o art. 282 do Código de Processo Civil. Juntou doutrina sobre causa petendi. Disse que a petição inicial não pode ser, no caso, considerada inepta. Discutiu doutrinariamente concubinato e união estável. Enquadrou o caso no art. 363, II, do Código Civil. Passou a examinar os pressupostos necessários. Entendeu que as provas indiciárias revelam que ocorreram as relações sexuais. Citou os depoimentos de duas testemunhas da Sra. XXXXXXX e o da própria testemunha da defesa, para corroborar seu entendimento. A seguir, passou a examinar o requisito da coincidência das relações sexuais com a concepção. Citou os arts. 338 e 340 do Código Civil. Citou jurisprudência. Citou os depoimentos da própria Sra. XXXXXXXXXX, do requerido e de uma das testemunhas arroladas, para mostrar as contradições em relação ao mês da viagem da Sra. XXXXXX para o Rio Grande do Sul. Disse que, considerando as declarações do próprio Requerido, o nascimento da Investigante ocorreu dentro dos dez meses subseqüentes ao rompimento da relação, militando assim em seu favor a presunção do art. 338, II, do Código Civil. Disse que ficou provado que a mãe da Investigante já estava grávida do Requerido, quando viajou. Finalmente, passou a examinar o terceiro requisito, da honestidade da mulher, à época da concepção. Disse que a alegação do Requerido, da exceptio plurium concubentium, não ficou provada. Citou doutrina. Lembrou que o Investigado se mostrou refratário à realização do exame de DNA, o que gera a presunção de ser verdadeira a paternidade que lhe é imputada. Citou jurisprudência. Julgou procedente a ação. Fixou a verba alimentar em um salário mínimo.

 

 

 

         18. O Requerido apelou, às fls. 121-139. Recapitulou os fatos. Contestou as declarações da mãe da Requerente e disse que soube durante a Audiência, em 18.04.95, da existência de XXXXXXXXXXXX. Disse que a testemunha da Apelada afirmou com segurança que a viagem para o Rio Grande do Sul ocorreu em janeiro e que, assim, se a criança nasceu em novembro, seria uma gestação de onze meses. Procurou justificar o fato de não se ter submetido ao exame. Sobre a Sentença, o Requerido afirmou que nunca disse que manteve relações sexuais com a mãe da Investigante. Disse que a prova sobre o comportamento da mãe da Investigante está no fato de ter viajado com um homem para o Rio Grande do Sul. Citou o art. 363 do Código Civil. Disse que não existem provas do concubinato e que a Mma. Juíza contrariou a opinião do Ministério Público. Disse que a Mma. Juíza não poderia empregar a analogia, porque o Código Civil não é omisso, mas claro e objetivo, ao tratar da filiação legítima (arts. 337 a 351) e do reconhecimento de filhos ilegítimos (arts. 355 a 367). Disse que não ficou comprovada a paternidade. Diz que a prova trazida aos Autos é constituída por duas testemunhas, uma apenas informante. Citou doutrina. Citou o art. 333 do Código de Processo Civil. Citou o art. 131 do CPC. Citou jurisprudência. Lembrou que o MP considerou as provas insuficientes. Levantou ainda preliminar de inconstitucionalidade, por cerceamento de defesa.

 

 

 

19. A Mma. Juíza determinou, no despacho de fls. 140, que a Sra. Escrevente certificasse a data em que foi protocolada a petição de vista dos Autos. Certidão às fls. 141.

 

 

 

         20. Pelo Despacho de fls. 142, a Apelação foi recebida apenas no efeito devolutivo.

 

 

 

         21. A Apelada ofereceu Contra-Razões, às fls. 147-156. Examinou a Sentença. Juntou jurisprudência e doutrina. Disse que a r. Sentença apelada é perfeita e preencheu os requisitos do art. 458, I, II e III do CPC.

 

 

 

         22. O MP se manifestou, às fls. 158-166. Disse que a Sentença deve ser mantida. Disse que a Dra. XXXXXXXXXXX, digna Promotora de Justiça da Comarca de Vigia, demonstrou seu posicionamento. A seguir, examinou, item por item, a sentença. A respeito da preliminar de intempestividade, disse que os Autos estavam com vistas para a representante do MP, em 19.02.98, e devolvidos em 26.02.98, uma quinta-feira, após o feriado de carnaval, portanto dentro do prazo legal, e que não houve prejuízo para o Recorrente, que poderia ter peticionado em Juízo por uma dilação de prazo. Disse ainda que a menina é muito parecida com o Apelante, o que é um subsídio probatório de valor.

 

 

 

         23. Redistribuído o Processo à Primeira Câmara Cível Isolada, veio a esta Procuradoria, para exame e parecer.

 

 

 

 

 

É o relatório. Esta Procuradoria passa a opinar:

 

 

 

 

 

 A respeito dos casos em que é cabível  a investigação de paternidade ensina o eminente jurista Silvio Rodrigues:

 

 

 

O Código de 1916 admite a investigação de paternidade em quatro hipóteses:

 

 

 

I.        em caso de concubinato, ao tempo da concepção, da mãe do investigante, com o investigado;

 

II.              em caso de rapto da mãe do investigante, pelo suposto pai, coincidente com a época da concepção;

 

III.           em caso de se comprovarem relações sexuais entre a mãe do investigante e o pretendido pai, à época da concepção; e finalmente

 

IV.          em caso de existir escrito daquele a quem se atribui a paternidade, reconhecendo-a expressamente.

 

 

 

Algumas legislações consignam maior número de casos em que se permite a investigação da paternidade. Mas a enorme amplitude da terceira hipótese consignada na lei do Brasil, facultando o sucesso da ação investigatória desde que comprovada a existência de meras e mesmos fortuitas relações à época da concepção, mostra a liberdade, talvez excessiva, do legislador brasileiro e supre aqueles casos por ele não consignados e existentes em outras legislações ( Silvio Rodrigues – Direito Civil, v. 6) ( o grifo é nosso)

 

 

 

Na hipótese vertente, a menor investigante, devidamente representada por sua mãe, conta em seu benefício com força probatória suficiente para a demonstração da existência de relações sexuais entre  sua mãe e o pretendido pai, à época de sua concepção. As aludidas provas são de duas naturezas (testemunhais e indiciárias, sendo esta última uma prova indireta), haja vista que o investigado se recusou a realizar o exame HLA, bem como o de DNA (provas periciais).

 

 

 

A prova testemunhal, principalmente em determinadas situações (recusa do exame hematológico), possui grande relevância no processo de investigação de paternidade, conforme demonstra a Jurisprudência:

 

 

 

ALIMENTOS – Mérito – Não sendo o teste de DNA obrigatório, se as provas testemunhais, confirmam a paternidade e, se à época da concepção, coincide com as relações sexuais havidas entre o casal, há que se obrigar ao pai pagar os alimentos ao filho (TJSC – ap. 37.942 – 3º CC –Rel. Des. Cid Pedroso – j. 12.5.92)

 

 

 

RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE ATRAVÉS DE PROVAS TESTEMUNHAIS E CERTIDÃO DE BATISMO – Diante da recusa do varão em fazer exames hematológicos, pode a paternidade ser reconhecida se, através de provas testemunhais e de certidão de batismo, houver forte indício de relacionamento exclusivo entre o suposto pai e a mãe no período do nascimento do filho. ( TJRS – Ap. 593.1134.661 – 7º CC – Rel. Des. Carlos Teixeira Giorgis – j. 22.6.94) ( o grifo é nosso)

 

 

 

 

 

A testemunha XXXXXXXXXXXXXX  assim declara:

 

 

 

Que conheceu o requerido porque estava sempre perto da Requerente, pois, os dois se gostavam tendo desse relacionamento engravidado e quando a mãe da Requerente soube, a mesma viajou para o Estado do Rio Grande do Sul e só retornou na época que já estava para descansar; Que quando a criança nasceu o casal voltou a namorar e novamente engravidou de um menino que é muito parecido com o Requerido; …. (sic)

 

 

 

Excertamos  do depoimento da testemunha XXXXXXXXXXXXXXX o seguinte trecho:

 

 

 

Que por volta do ano de 1978 tomou conhecimento do relacionamento entre  Requerente e Requerida quando viu os dois juntos na localidade de Bacuri, em Santo Antônio do Tauá, ….. Que por umas três vezes viu o casal se encontrar  ( sic)

 

 

 

Por último, o da testemunha XXXXXXXXXXX:

 

 

 

Que a depoente sempre via a representante legal da menor ora requerente em companhia do ora requerido; Que na época da concepção  a representante legal da menor requerente  estava namorando com o ora requerido; Que o relacionamento havido com a representante legal da menor era público, Que a representante legal da menor costumava sair com o requerido; Que na época em que a Sra. XXXXXXXXXXXXXXX engravidou da menor ora requerente só estava se  relacionando com o ora requerido; Que o requerido não deu qualquer ajuda econômica para a representante legal da menor durante o parto, que depois da menor nascer,, o requerido passou a auxiliar no seu sustento, dando leite, massa  para mingau e coisa e depois de um certo tempo o requerido deixou de contribuir para o sustento da menor… (sic)

 

 

 

 

 

         Decerto, o acima exposto é perfeitamente aplicável à prova indiciária, porque em determinados casos (como o da recusa do suposto pai em realizar o exame pericial), a salientada espécie probatória é de extrema relevância para a composição da lide. A Jurisprudência se manifesta nesse sentido:

 

 

 

PROVA INDIRETA – Possibilidade – Embora a paternidade possa ser provada por meio de ­indícios e presunções, estes hão de ser, neste caso, abundantes e veementes. (TJSP – Ap. 53.813-1 – 4º CC – Rel. Des. Alves Braga – j.7.3.85)

 

 

 

EXAME HEMATOLÓGICO – Concepção – Se a concepção do investigante coincidiu com a relação existente entre a sua mãe e o investigado e se os supostos irmãos recusam-se a fazer o exame hematológico, há que se confirmar a paternidade por serem, tais fatores, fortes  indícios de veracidade de tal alegação. (TJRS – Ap. 593.112.618 – 7º CC – Rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis – j.11.5.94.

 

 

 

 

 

NULIDADE DE SENTENÇA – Prova hematológica – Ausência. Tendo sido a decisão proferida com base na análise de todos os argumentos expostos no processo e verificada a existência de fortes indícios que levam à confirmação de paternidade, não há que se falar em nulidade da sentença  que determinou o citado reconhecimento, mesmo não havendo prova hematológica. (TJRS – Ap. 592.104.004 – 7º CC – Rel. Des. Jasson Ayres Torres j.26.5.93) ( o grifo é nosso)

 

 

 

 

 

 Sobre os indícios, ensina o brilhante professor Moacyr Amaral Santos:

 

 

 

 

 

     O fato conhecido, como causa ou efeito de outro, está a indicar este outro. Dada a existência daquele fato, certo é que outro existiu, ou existe, provavelmente o fato desconhecido que se pretende conhecer e provar. O botão de um casaco, encontrado junto ao cofre arrombado, caiu da roupa de alguém, muito provavelmente do casaco do arrombador. O fato conhecido, no caso aquele botão, indica outro: diz-se que é indício de outro, que se pretende provar.

 

 

 

     Mas, por si só, no estado potencial, o indício não tem qualquer valor. O botão, caído junto ao cofre arrombado, não exprime, por si só, coisa alguma, visto que não tem função de fornecer a prova de um outro fato qualquer. Entretanto, como causa ou efeito de outro, ele suscita uma operação por via da qual poder-se-á chegar ao conhecimento desse outro. Donde, isoladamente, em si mesmo, antes do processamento dessa operação mental, não constitui o indício senão prova no estado potencial, e somente equivale a elemento probatório, do raciocínio que autorizar ocorrer ao espírito a idéia do fato que se deseja provar. Assim, o indício, sob o aspecto jurídico, consiste no fato conhecido que, por via do raciocínio, sugere o fato probando, do qual é causa ou efeito.

 

     Síntese desse conceito é a definição formulada por Alsina, que a colheu em Dellepiane: “ Chama-se indício todo rastro, vestígio, pegada, circunstância e, em geral, todo fato conhecido, ou seja, devidamente provado, suscetível de conduzir, por inferência, ao conhecimento do fato desconhecido”.

 

 

 

     O fato conhecido, o indício, provoca uma atividade mental, por via da qual poder-se-á chegar ao fato desconhecido, como causa ou efeito daquele. O resultado positivo dessa operação será uma presunção. Assim, a presunção compreende um processo lógico, ou seja, um raciocínio pelo qual da existência de um fato reconhecido como certo se deduz a existência do fato que se quer provar. A estrutura desse raciocínio é a do silogismo, no qual a premissa menor será o fato conhecido (fato base, fato auxiliar) (Moacyr Amaral dos Santos – Primeiras Linhas de Direito Processual Civil)

 

 

 

 

 

Dessa forma, fica demonstrado que no processo de investigação de paternidade é perfeitamente cabível a aplicação de provas alternativas, mesmo as indiretas, principalmente quando o suposto pai se recusa a realizar o exame hematológico, em especial o de DNA, que em certos casos garante uma probabilidade de acerto na faixa dos 100%. Destarte, se o Sr. XXXXXXXXX possui tanta convicção de que a menor XXXXXXXXXXX não é sua filha, então qual o motivo plausível do mesmo se negar a realizar um exame tão eficaz, que simplesmente colocaria um ponto final na questão? Muito pelo contrário, o réu, ao se manifestar sobre sua recusa em realizar a referida perícia, utilizou argumentos evasivos, sem o menor sentido, tentando escusar-se de todas as formas, o que leva a um forte indício de que a Investigante seja de fato sua filha. Além desse, existem outros, bastante veementes, como os encontros no Bar BACURI que, diga-se de passagem, possui vários quartos, bem como a coincidência do período das relações sexuais com o nascimento da menor e a afirmação da Ilustre Promotora de Justiça da Comarca de Sto. Antônio do Tauá, Dra. XXXXXXXXXX, que no parecer de fls. 159, manifesta-se dizendo que a semelhança física das partes é tão visível, que não deixa dúvidas sobre a paternidade.

 

 

 

Analisando agora o outro ponto de vista da relação processual, ou seja, o do réu, é certo que o mesmo não conseguiu satisfazer os requisitos inseridos no art. 333, inciso II do CPC, que reza:

 

Art. 333. O ônus da prova incumbe:

 

 

 

     II – ao réu, quanto á existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

 

 

 

 

 

Este dispositivo legal traz o chamado ônus da prova para o réu, que deverá comprovar fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor. Pois bem, o principal argumento do Investigado é a chamada exceção plurium concubentium (fato extintivo).  No entanto, prova alguma traz aos Autos que demonstrem que a Sra. XXXXXXXXXX manteve relações com outros homens. Sobre a necessidade probandi da salientada defesa fala Silvio Rodrigues:

 

 

 

     Neste campo, mais do que na hipótese de concubinato, a exceptio plurium concubentium é defesa adequada para ilidir a ação. Se o réu provar que, à época da concepção, a mãe do autor manteve relações com outros homens, além dele, excipiente, cumpre ao juiz julgar improcedente o pedido, pois a convicção do julgador deve ser indubitável, ao proclamar o parentesco entre os litigantes (Silvio Rodrigues – Direito Civil) (o grifo é nosso)

 

 

 

Por último, sobre a falta da relação more uxória (fato extintivo), alegada pelo Réu, de acordo com o disposto no artigo 363, inc. I do CC, o assunto não é tão complexo como o mesmo quer que pareça, pelo menos em relação aos casos de investigação de paternidade.  A respeito, leciona o eminente Silvio Rodrigues:

 

 

 

Hoje se dispensa o requisito da habitação em comum; o elemento fundamental para caracterizar o concubinato é a presumida fidelidade da mulher. É verdade que a notoriedade da união, a dependência econômica da mulher ao homem, a continuidade das relações sexuais são fatores apreciáveis, mas nenhum se reveste da importância daquele outro. (Silvio Rodrigues – Direito Civil)     (o grifo é nosso)

 

         Ora, como foi visto acima, o Investigado não comprovou a infidelidade da mãe da menor, elemento essencial para descaracterizar o concubinato, enfraquecendo destarte esse meio de defesa.

 

         Indo mais além, existem julgados que, para efeito de ação de investigação de paternidade, admitem apenas uma relação de namoro entre as partes, atendendo assim as exigências dos novos costumes sociais no campo dos relacionamentos amorosos.

 

NAMORO SÉRIO – Relação sexual – Se comprovada a relação sexual exclusiva entre o investigado e a mãe da menor e a coincidência da época da concepção com o período do namoro sério existente entre os mesmos, há que se confirmar a paternidade. (TJRS – Ap. 593.111.032 – 7º CC – Rel. Des. Paulo Heerdt – j. 23.2.94)

 

EXCEPTIO PLURIUM CONCUMBENTIUM – Deve-se reconhecer a paternidade e concederem-se alimentos, quando presentes fortes indícios relativos a irrepreensível conduta da mãe, no período em que se verificou o namoro entre varões, se a única defesa do suposto pai foi a exceptio plurium concumbentium. (TJSC – Ap. 11.703 – 3º CC- Rel. Des. Reynaldo Alves – j. 9.8.76.) ( o grifo é nosso)

 

Diante disso, não pode ser acolhida a aludida defesa, principalmente pela forma como o Investigado a demonstrou, ou seja, de um modo complexo,  exigindo inúmeros requisitos, a maioria dispensável, para a caracterização do concubinato para fins do art. 363, inc. I do CC , bem como pelo seu enfoque técnico, sem conteúdo social algum, haja vista que os filhos não são gerados apenas pelo casamento ou por uma relação concubinária, mas também através de relações constantes, como é o caso do namoro sério. Aliás, muito comum nos dias de hoje.    

 

Esta Procuradoria de Justiça, considerando o exame de todos os elementos constantes dos Autos, manifesta-se pela improcedência da Apelação, por entender que deve ser mantido integralmente o respeitável decisum,  em razão do exposto acima.

 

 

 

                  É O PARECER.

 

                   Belém,     dezembro de 1999.

 

 

* Professor de Direito Constitucional da Unama

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Como citar e referenciar este artigo:
LIMA, Fernando Machado da Silva. Apelação Cível. Ação de Investigação de Paternidade cumulada com Pedido de Alimentos. Exame hematológico. Recusa. Ônus da prova. Prova testemunhal. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/estudodecaso/obrigacoes/apelacao-civel-acao-de-investigacao-de-paternidade-cumulada-com-pedido-de-alimentos-exame-hematologico-recusa-onus-da-prova-prova-testemunhal/ Acesso em: 18 abr. 2024