Voz da experiência

A Favor da Vida

Sou a favor da Vida. Contra o aborto, a pena de morte, a guerra. A favor de políticas públicas que favoreçam o parto feliz e a maternidade protegida.
Contra a falta de saneamento nos bairros pobres, causa de doenças e endemias que produzem a morte. Discordo da percepção limitada, embora possa ser honesta
e sincera, dos que reduzem a defesa da vida à proibição do aborto quando, na verdade, a questão é muito mais ampla. Abomino a hipocrisia dos que sabem que
a defesa da vida exige reformas estruturais, mas resumem o tema a um artigo de lei porque as reformas mexem com interesses estabelecidos e ofendem o deus
dinheiro. Sou contra o pensamento dos que não admitem o aborto nem quando é praticado por médico para salvar a vida da mãe, mas aceitariam essa opção
dolorosa se a parturiente fosse uma filha. Sou contra a opinião que obscurece as medidas sociais, pedagógicas, psicológicas, médicas que devem proteger o
direito de nascer. Reprovo o posicionamente dos que lançam anátema contra a mulher estuprada que, no desespero, recorre ao aborto quando, na verdade, essa
mulher deveria ser socorrida na sua dor. Se não tiver o heroísmo de dar à luz a criança gerada pela violência, seja compreendida e perdoada.

Hoje eu debato esta questão doutrinariamente mas, quando fui Juiz, eu me defrontei com o aborto em concreto. Lembro-me do caso de uma mocinha. Quase à
morte foi levada para um hospital que a socorreu e comunicou depois o fato à Justiça. O Promotor, no cumprimento do seu dever, formulou denúncia que
recebi. Designei interrogatório. Então, pela primeira vez, eu me defrontei com o rosto sofrido da mocinha. Aquele rosto me enterneceu mas não havia ainda
nos autos elementos para uma decisão. Designei audiência e as testemunhas me informaram que a acusada tinha o costume de toda noite embalar um berço vazio
como se no berço houvesse uma criança. No mesmo instante percebi o que estava ocorrendo. Nem sumário de defesa seria necessário. Disse a ela, chamando-a
pelo nome: “Madalena (nome fictício), você é muito jovem. Sua vida não acabou. Essa criança, que estava no seu ventre, não existe mais. Você pode conceber
outra criança que alegre sua vida. Eu vou absolvê-la mas você vai prometer não mais embalar um berço vazio como se no berço estivesse a criança que
permanece no seu coração. Eu nunca tive um caso igual o seu. Esse gesto de embalar o berço mostra que você tem uma alma linda, generosa, santa. Você está
livre, vá em paz. Que Deus a abençoe.” A decisão nestes termos, em nível de diálogo, foi dada naquele momento. (Diga-se de passagem que o Juiz deve chamar
os acusados pelo nome). Depois redigi a sentença no estilo jurídico, que exige técnica e argumentação.

João Baptista Herkenhoff, 76 anos, é Supervisor Pedagógico da Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo. Autor do livro Como aplicar o Direito (Editora
Forense, Rio de Janeiro).

E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br

Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

Como citar e referenciar este artigo:
HERKENHOFF, João Baptista. A Favor da Vida. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2012. Disponível em: https://investidura.com.br/colunas/voz-da-experiencia/a-favor-da-vida/ Acesso em: 28 mar. 2024