Neste 17º comentário, examinaremos os artigos 27 e 28 do Projeto.
O Projeto, após nos apresentar as regras básicas em matéria de
competência internacional, passa a tratar da competência interna, disciplinando
as chamadas disposições gerais nesses dispositivos.
Mais uma vez adotamos o critério comparativo com o CPC vigente, de forma
a possibilitar o exame mais detalhado dos dispositivos.
No artigo 27, se observa, numa perspectiva comparativa com o atual art.
86, que foi suprimida a expressão ou simplesmente decididas, que,
de fato, era desnecessária, bem como o verbo instituir foi
levado para a forma singular, de modo a dar uma melhor sonoridade ao texto.
Na parte final do dispositivo, é integralmente mantida a opção pela via
arbitral, o que funcionaria como causa excludente da atividade jurisdicional.
Aqui podemos fazer duas observações.
A primeira diz respeito à fronteira entre arbitragem e jurisdição.
Como cediço, a arbitragem enquanto instituto autônomo, já existe em
nosso ordenamento desde o Código Comercial de 1850, quando, inclusive, era de
utilização obrigatória para certos litígios mercantis.
Ocorre que, somente com a Lei 9.307/96 foi possível dar uma roupagem
processual ao instituto, garantindo sua independência frente ao Poder
Judiciário e aperfeiçoando as conexões porventura existentes entre o juízo
arbitral e a Justiça comum.
Nesse sentido, foram alterados alguns dispositivos do CPC, notadamente o
artigo 267, inciso VII e o artigo 301, inciso IX. Assim sendo, a prévia
existência de convenção de arbitragem (seja na modalidade cláusula
compromissória, seja na modalidade compromisso arbitral), em princípio, impede
que o juiz examine o mérito de uma causa que já está ou já esteve sob os
cuidados de um árbitro ou de uma Corte Arbitral.
E este é o cerne da observação. Embora o artigo 27 se refira à
possibilidade das partes instituírem juízo arbitral na forma da lei, não fica
muito claro, pela leitura apenas deste dispositivo, o que acontece se uma das
partes, mesmo após optar pela arbitragem, resolve recorrer ao Judiciário.
Nesse sentido, a combinação dos artigos acima referidos, nos sinaliza
que, caso uma das partes “desista” da via arbitral, e resolva
recorrer ao Judiciário, sua petição inicial será protocolizada e deverá o juiz,
após exercer o controle formal desta peça, citar o réu e aguardar sua
manifestação.
Mesmo que o juiz saiba da opção pretérita pela via arbitral (por
exemplo, o autor, junta a inicial o contrato que contém a cláusula
compromissória), não pode o juiz, de ofício, examinar tal circunstância. Deve
ele aguardar qual será o teor da resposta do réu. Se o réu nada falar a
respeito, deverá presumir que este também “desistiu” e então estará
apto a julgar a demanda. Caso o réu queira fazer valer sua manifestação de
vontade, deverá, na contestação, como questão preliminar, alegar,
expressamente, a convenção de arbitragem.
Nesse caso, outra alternativa não terá o juiz a não ser acolher a
preliminar e extinguir o feito sem resolução de mérito.
A segunda observação diz respeito à menção, no dispositivo, apenas da
via arbitral. Na verdade, outras formas podem ser pactuadas, tais como a
mediação e a conciliação (expressamente consagradas no Projeto, nos artigos 134
a 144) e, com isso, excluir a atividade jurisdicional sobre aquela matéria,
desde que as formalidades legais sejam cumpridas, ou mesmo, restringir a
atividade jurisdicional a uma decisão meramente homologatória. Tudo baseado,
sempre, na autonomia da vontade.
O art. 28 trata do Princípio da Perpetuação da Jurisdição. A redação
deste dispositivo é quase idêntica ao do atual art. 87 do CPC, salvo na parte
final, quando hoje se vê a expressão “alterarem a competência em
razão da matéria ou da hierarquia” e no Projeto se faz menção a “alterarem
a competência absoluta”.
Me parece que a opção pela expressão “competência
absoluta” tem como objetivo deixar o legislador mais livre para
definir em que casos a competência pode ser absoluta, deixando a impressão que,
embora haja regra geral, nada impede que, excepcionalmente, a fixação em razão
da matéria ou da hierarquia possa ser caracterizada como relativa.
Finalmente, é inserido um parágrafo único com a seguinte expressão:
“Para evitar perecimento de direito, as medidas urgentes poderão ser
concedidas por juízo incompetente”.
Minha leitura desse dispositivo é no sentido de que se trata de mais uma
exceção ao Princípio, pois o processo não prosseguirá no juízo incompetente, o
qual foi acionado apenas em caráter emergencial.
Aliás, a jurisprudência já vinha abrindo exceções a este Princípio.
Colhemos, nesse sentido, recente pronunciamento do Eg. STJ, em Decisão relatada
pela Min. Nancy Andrighi (CC 111.130-SC. Informativo nº 446, de setembro de
2010), é no sentido de que em processo referente a disputa judicial que envolve
guarda ou mesmo adoção de crianças ou adolescentes, prevalece o Princípio do
Juízo Imediato (art. 147, inciso I do ECA), devendo ser flexibilizada a regra
do art. 87 do CPC em atenção ao Princípio da Proteção Máxima da criança e do
adolescente. Com esse entendimento, o Tribunal permitiu a modificação do juízo
competente em razão da mudança de domicílio do menor e de seu representante
legal, mesmo após iniciada a ação.
Mais uma vez, o Projeto está afinado com o moderno entendimento
jurisprudencial.