Novo CPC

Comentários ao Novo CPC – Art. 12, Art. 13 e Art. 14

Este comentário abrangerá os artigos 12
a 14 do Projeto, que tratam das normas processuais. Os referidos dispositivos
tem a seguinte redação:

CAPÍTULO II

DAS NORMAS
PROCESSUAIS E DA SUA APLICAÇÃO

Art. 12. A jurisdição civil será regida unicamente pelas normas
processuais brasileiras, ressalvadas as disposições específicas previstas em
tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário.

Art. 13. A norma processual não retroagirá e será aplicável
imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais
praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da lei
revogada.

Art. 14. Na ausência de normas que regulem processos penais, eleitorais,
administrativos ou trabalhistas, as disposições deste Código lhes serão
aplicadas supletivamente.


O artigo 12 se refere às “normas
processuais brasileiras”. Normas processuais são as que regulamentam a
proteção de um direito ou a exigência de um dever.

Não custa lembrar que o Brasil é um
país de jurisdição una, como bem observado por Leonardo Greco (Instituições de
Processo Civil, vol. I, Forense, RJ). Em outras palavras, tanto os conflitos
entre particulares, como os conflitos entre um particular e o Estado são
resolvidos pelo Poder Judiciário.

Temos normas processuais internas, que
se classificam de acordo com a matéria sobre a qual dispõe (processo civil,
penal, trabalhista, tributário, eleitoral e administrativo) e as internacionais,
frutos de tratados e convenções das quais o Brasil seja signatário e que
estejam devidamente ratificados e formalizados em nosso direito interno (o que
normalmente vai se dar por meio da figura do Decreto, na forma do art. 84,
inciso VIII da Constituição da República, após apreciação do Poder Legislativo,
por meio do Decreto-Legislativo, na forma do art. 59, inciso VI, também da
Constituição de 1988).

A norma processual, chamada por alguns
de norma adjetiva, se distingue, pois, da norma material (ou substantiva), que
normalmente apenas cria obrigações e preserva direitos.

Há também as chamadas normas mistas ou
híbridas. São dispositivos que regulam determinados institutos previstos tanto
no Código Civil como no Código de Processo Civil. É o caso, por exemplo, da
prescrição, da interdição e dos títulos executivos extrajudiciais.

Em casos excepcionais, que a nosso ver
nem deveriam existir, há hipóteses nas quais uma norma processual é inserida no
Código Civil, sem que haja correspondente do CPC; ou pior, há dissonância entre
o teor daquela norma do CC e um artigo do CPC.

É fácil imaginar a quantidade de
problemas de interpretação que essa situação gera.

Fredie Didier, em excelente trabalho, aponta essas normas processuais
que acabaram por constar na redação final do Código Civil de 2002 (Regras Processuais no Código Civil Aspectos da Influência do
Código Civil de 2002 na Legislação Processual, 4a edição, Salvador, JusPodvum,
2020).

Uma dessas controvérsias foi
recentemente apreciada pelo STJ. É a chamada “desconsideração da
personalidade jurídica inversa” e foi noticiada no Informativo nº 440, de
junho de 2010. Eis a notícia do julgamento no site do Tribunal (www.stj.jus.br):

“DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA INVERSA.

Discute-se, no REsp, se a regra contida
no art. 50 do CC/2002 autoriza a chamada desconsideração da personalidade
jurídica inversa. Destacou a Min. Relatora, em princípio, que, a par de
divergências doutrinárias, este Superior Tribunal sedimentou o entendimento de
ser possível a desconstituição da personalidade jurídica dentro do processo de
execução ou falimentar, independentemente de ação própria. Por outro lado,
expõe que, da análise do art. 50 do CC/2002, depreende-se que o ordenamento
jurídico pátrio adotou a chamada teoria maior da desconsideração, segundo a
qual se exige, além da prova de insolvência, a demonstração ou de desvio de
finalidade (teoria subjetiva da desconsideração) ou de confusão patrimonial
(teoria objetiva da desconsideração). Também explica que a interpretação
literal do referido artigo, de que esse preceito de lei somente serviria para
atingir bens dos sócios em razão de dívidas da sociedade e não o inverso, não
deve prevalecer. Anota, após essas considerações, que a desconsideração inversa
da personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia
patrimonial da sociedade, para, contrariamente do que ocorre na desconsideração
da personalidade propriamente dita, atingir, então, o ente coletivo e seu
patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações
de seus sócios ou administradores. Assim, observa que o citado dispositivo, sob
a ótica de uma interpretação teleológica, legitima a inferência de ser possível
a teoria da desconsideração da personalidade jurídica em sua modalidade
inversa, que encontra justificativa nos princípios éticos e jurídicos
intrínsecos à própria disregard doctrine, que vedam o abuso de direito e a
fraude contra credores. Dessa forma, a finalidade maior da disregard doctrine contida
no preceito legal em comento é combater a utilização indevida do ente
societário por seus sócios. Ressalta que, diante da desconsideração da
personalidade jurídica inversa, com os efeitos sobre o patrimônio do ente
societário, os sócios ou administradores possuem legitimidade para defesa de
seus direitos mediante a interposição dos recursos tidos por cabíveis, sem
ofensa ao contraditório, à ampla defesa e ao devido processo legal. No entanto,
a Min. Relatora assinala que o juiz só poderá decidir por essa medida
excepcional quando forem atendidos todos os pressupostos relacionados à fraude
ou abuso de direito estabelecidos no art. 50 do CC/2002. No caso dos autos,
tanto o juiz como o tribunal a quo entenderam haver confusão patrimonial e
abuso de direito por parte do recorrente. Nesse contexto, a Turma negou
provimento ao recurso. Precedentes citados: REsp 279.273-SP, DJ 29/3/2004; REsp
970.635-SP, DJe 1°/12/2009, e REsp 693.235-MT, DJe 30/11/2009. REsp 948.117-MS,
Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/6/2010″.

Em regra, a norma processual é
aplicável em todo território nacional. É uma questão de ordem pública e de
soberania.

Normas processuais têm íntima ligação
com o conceito de ordem pública. Ainda hoje muitos autores definem o processo
como um “ramo do direito público” (Ada P Grinover, Teoria Gera do
Processo). Preferimos pensar que não existe mais esta summa divisio (entre
direito público e privado), na medida em que os modernos ordenamentos se situam
numa zona fronteiriça, ora utilizando institutos de um, ora de outro (Humberto
Dalla, Teoria Geral do Processo Civil Contemporâneo, cap. 1, Lumen Juris, RJ),
o que acaba por comprometer a própria existência desses ditos “grandes
ramos” do direito interno.

Fenômeno semelhante ocorre hoje entre o
“civil law” e o “common law”. Não me parece mais possível
dizer que o Brasil é um país filiado ao modelo “civil law”. A
quantidade de institutos “importados” de países de tradição
“common law”, bem como a necessidade de adaptar esses institutos ao
ordenamento interno, às nossas tradições e, mais importante, à nossa cultura,
faz surgir um direito híbrido, que constitui categoria jurídica própria e
autônoma, rejeitando os rótulos tradicionais.

Quanto à aplicação da norma processual
no tempo, o art. 13 do Projeto não traz nenhuma novidade, mas, sem dúvida, tem
uma redação mais precisa do que o atual art. 1211 do CPC (“Art. 1.211.
Este Código regerá o processo civil em todo o território brasileiro. Ao entrar
em vigor, suas disposições aplicar-se-ão desde logo aos processos
pendentes”).

Apesar do comando do atual art. 1211, a
jurisprudência registra, vez por outra, problemas quando uma nova Lei entre em
vigor, sobretudo quando trata de matéria complexa e de grande relevância para
as partes. Algumas vezes, nos últimos três anos, o STJ foi chamado a decidir
questões que surgiram pelo conflitos de dispositivos que constavam
originariamente do CPC e que foram revogados ou alterados pelas Leis que hoje
regulamentam a execução civil, a saber, Lei nº 11.232/05 (cumprimento de
sentença) e Lei nº 11.382/06 (processo de execução).

A título de exemplo, veja-se esta
decisão do STJ acerca da fixação de honorários advocatícios em sede de
cumprimento de sentença, noticiada no Informativo nº 417 de novembro de 2009 (www.stj.jus.br).

“HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
SENTENÇA. CUMPRIMENTO.

A Turma reiterou que são devidos
honorários advocatícios no caso de não ser paga espontaneamente a dívida após
decorrido o prazo previsto no art. 475-J do CPC. A nova sistemática prevista na
Lei n. 11.232/2005, na alteração da natureza da execução de sentença, que
deixou de ser processo autônomo e passou a ser mera fase complementar do mesmo
processo em que o provimento é assegurado, não traz nenhuma modificação no que
tange aos honorários advocatícios. A interpretação literal do art. 20, § 4º, do
CPC não deixa dúvidas, tanto que, conforme a expressa dicção do referido
dispositivo legal, os honorários são devidos nas execuções, embargadas ou não.
Ademais, pelo art. 20, § 4º, do CPC, a execução comporta o arbitramento de
honorários e se, de acordo com o art. 475-I do CPC, o cumprimento da sentença é
realizado via execução, por força desses dois postulados, são devidos os
honorários na fase de cumprimento da sentença, pois os fixados na fase de
cognição referem-se apenas ao trabalho realizado pelo advogado até então.
Precedentes citados: REsp 1.028.855-SC, DJe 5/3/2009; REsp 1.084.484-SP, DJe
21/8/2009; AgRg no Ag 1.012.843/RS, DJe 17/8/2009; REsp 1.054.561-SP, DJe
12/3/2009, e AgRg no REsp 1.036.528-RJ, DJe 3/2/2009. REsp 1.165.953-GO, Rel.
Min. Luiz Fux, julgado em 24/11/2009″

Por fim, o art. 14 traz o já conhecido
“Princípio da Subsidiariedade”, no sentido de que as normas do CPC se
aplicam subsidiariamente quando não houver norma específica na legislação
processual penal, trabalhista, administrativa e eleitoral.

Faltou falar do processo tributário e
ainda do procedimento arbitral. É possível que as partes, ao pactuar uma
cláusula compromissória ou um compromisso arbitral, manifestem a vontade no
sentido de que o árbitro julgue de acordo com as normas do CPC.

Por outro lado, isso pode gerar um
problema, quando as premissas para a elaboração de um Código são diversas de
outro. Isso fatalmente ocorrerá entre o processo civil e o processo penal, e
também entre o processo civil e o processo eleitoral.

Isso porque, ao mesmo tempo em que
trafega no Congresso o PLS 166/10 (Projeto do novo CPC), ainda está em curso,
em estágio um pouco mais avançado, o PLS 136/09 (Projeto do novo CPP). E, em
meados de 2010, o Senado convocou Comissão para editar um novo Código Eleitoral
(http://www.senado.gov.br/senado/novoce, acesso
em 06 de setembro de 2010).

No processo penal, apenas para dar um
único exemplo, haverá a figura do juiz de garantias, que será distinto do juiz
do julgamento. Este, por sua vez, terá uma enorme restrição no que concerne à
busca de provas não produzidas pelas partes, o que se distingue enormemente do
espírito do novo CPC.

Nesse passo, ganha força a teoria
dualista da Teoria Geral do Processo, que prega a impossibilidade de existência
de uma teoria geral una para os ramos do direito processual (Por todos, Geraldo
Prado, Sistema Acusatório, Lumen Juris).

É uma discussão antiga, mas que agora
precisa ser travada num novo cenário, e com novos personagens. Aguardemos.

* Humberto Dalla Bernardina de Pinho, Promotor de Justiça no RJ. Professor Adjunto de Direito Processual Civil na UERJ e na UNESA. Acesse: http://humbertodalla.blogspot.com

Como citar e referenciar este artigo:
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Comentários ao Novo CPC – Art. 12, Art. 13 e Art. 14. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/colunas/novo-cpc/comentarios-ao-novo-cpc-art-12-art-13-e-art-14/ Acesso em: 28 mar. 2024