Novo CPC

Comentários ao Novo CPC – Art. 9º

Art. 9º. Não se proferirá sentença ou decisão contra uma das partes sem que esta seja previamente ouvida, salvo se se tratar de medida de urgência ou concedida a fim de evitar o perecimento de direito.

 

Previsto no art. 5º, LV, CF/88, o referi do princípio é tão importante no direito processual a ponto de renomados doutrinadores como Elio Fazzalari e Cândido Rangel Dinamarco afirmarem que “sem contraditório, não há processo”. (Divergem, contudo, os dois doutrinadores supracitados, porque enquanto Cândido Dinamarco entende que processo é todo procedimento em contraditório animado por uma relação jurídica processual, Elio Fazzalari rejeita a teoria do processo como relação jurídica (Bülow), afirmando que basta haver o procedimento em contraditório para que haja processo. FAZ ZA LA RI, Elio. Istituzioni di Diritto Processuale, 8ª ed. CEDAM: Padova, 1996. Na doutrina pátria: GON ÇAL VES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 1992, p. 115.)

 

Esse princípio impõe que, ao longo do procedimento, seja observado verdadeiro diálogo. Desse modo, permite que as partes, assim como eventuais interessados, participem ativamente da formação do convencimento do juiz, influindo, por conseguinte, no resultado do processo.

 

Para Aroldo Plínio Gonçalves, a essência do contraditório encontra-se na “simétrica paridade”. Isso significa que se deve conceder a oportunidade de participar do procedimento a todo aquele cuja esfera jurídica possa ser atingida pelo resultado do processo, assegurando-lhe ainda igualdade de condições com os demais interessados.

 

Assim, o contraditório pode ser conceituado como a garantia de ciência bilateral dos atos e termos do processo (jurisdicional ou não), com a conseqüente possibilidade de manifestação sobre os mesmos.

 

Abrange a garantia de meios previstos em lei para a participação das partes no processo, a serem franqueados pelo juiz; bem como a participação do magistrado na preparação do julgamento, exercendo, ele próprio, o contraditório. Trata-se, portanto, de direito das partes e dever do juiz (DINA MAR CO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, vol. I. São Paulo: Malheiros, 2002).

 

Além do mais, tal princípio deve ser visto sob dois enfoques, quais sejam:

 

a) Jurídico: os fatos alegados e não contestados são tidos como verdadeiros, sendo declarada a revelia do réu.

 

b) Político: assegura às partes a participação na formação do provimento jurisdicional, ou seja, é a possibilidade que o jurisdicionado possui de influir nas decisões que irão repercutir em sua vida.

 

Juntamente com o princípio da isonomia, o contraditório constitui importante premissa democrática que com ele se relaciona de modo a garantir um efetivo equilíbrio entre as partes.

 

Embora a garantia do contraditório esteja relacionada a algumas premissas individualistas, tais como a legitimidade ad causam, a eficácia da sentença (restritas às partes que figuraram no processo) e os limites subjetivos da coisa julgada; modernamente, tais restrições vão sendo depuradas do significado individualista.

 

É o que se verifica a partir da admissão de um processo conduzi do por uma entidade idônea e com legitimidade adequada, permitindo a produção de seus efeitos sobre pessoas pertencentes a um grupo ou comunidade. Tal é o fundamento da tutela coletiva através do exercício das ações coletivas pelo Ministério Público e outras entidades previstas em lei que atuarão no exclusivo interesse do grupo ou comunidade interessada, garantindo, com isso, a integridade do contraditório.

 

Para Leonardo Greco (As Garantias Fundamentais do Processo, disponível em http://www.mundojuridico.adv.br), o contraditório é conseqüência do princípio político da participação democrática e pressupõe:

 

a) audiência bilateral: adequada e tempestiva notificação do ajuizamento da causa e de todos os atos processuais através de comunicações preferencialmente reais, bem como ampla possibilidade de impugnar e contrariar os atos dos demais sujeitos, de modo que nenhuma questão seja decidida sem essa prévia audiência das partes;

 

b) direito de apresentar alegações, propor e produzir provas, participar da produção das provas requeridas pelo adversário ou determinadas de ofício pelo juiz e exigir a adoção de todas as providências que possam ter utilidade na defesa dos seus interesses, de acordo com as circunstâncias da causa e as imposições do direito material;

 

c) congruidade dos prazos: os prazos para a prática dos atos processuais, apesar da brevidade, devem ser suficientes, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, para a prática de cada ato da parte com efetivo proveito para a sua defesa;

 

d) contraditório eficaz é sempre prévio, anterior a qualquer decisão, devendo a sua postergação ser excepcional e fundamentada na convicção firme da existência do direito do requerente e na cuidadosa ponderação dos interesses em jogo e dos riscos da antecipação ou da postergação da decisão;

 

e) o contraditório participativo pressupõe que todos os contra-interessados tenham o direito de intervir no processo e exercer amplamente as prerrogativas inerentes ao direito de defesa e que preservem o direito de discutir os efeitos da sentença que tenha sido produzida sem a sua plena participação.

 

Importante observar que tal princípio terá aplicação específica e de grande importância em pelo menos duas situações reguladas pelo PCPC, e que serão examinadas com minúcias no momento oportuno.

 

A primeira diz respeito às decisões de inversão do ônus da prova ou de aplicação da carga dinâmica, as quais, em hipótese alguma, devem gerar surpresa para a parte atingida (Eduardo Cambi, Neoprocessualismo, disponível em http://www.panoptica.org.br).

 

A segunda, se refere aos provimentos de urgência solicitados, nos quais a efetividade depende exatamente da não comunicação à parte contrária. O juiz, num exame de ponderação de interesses entre o acesso à justiça e o contraditório, vai avaliar, no caso concreto, qual deles deve prestigiar. Em sendo deferida a medida inaudita altera pars, ocorrerá o fenômeno do contraditório diferido ou postergado, que só é admitido em casos excepcionais e acompanhados da devida fundamentação analítica, como lembra Marinoni (O Precedente na dimensão da igualdade, disponível em http://www.professormarinoni.com.br).

 

 

* Humberto Dalla Bernardina de Pinho, Promotor de Justiça no RJ. Professor Adjunto de Direito Processual Civil na UERJ e na UNESA. Acesse: http://humbertodalla.blogspot.com/

 

Como citar e referenciar este artigo:
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Comentários ao Novo CPC – Art. 9º. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/colunas/novo-cpc/comentarios-ao-novo-cpc-art-9o/ Acesso em: 16 abr. 2024