Novo CPC por Gisele Leite

A marcha da concretização dos direitos humanos.

Sumário: 1. Introdução. 2. As três fases do constitucionalismo moderno. 3. O constitucionalismo liberal ou clássico. 4. Constitucionalismo Social. 5. O Constitucionalismo Democrático. 6.Conclusão.

 

1. Introdução

A história dos direitos humanos resta vinculada à história da democracia. Foram as Constituições democráticas modernas que atuaram como instrumentos com o escopo de proteger esses direitos em todos os tipos de Estado.

A democratização da ordem internacional trouxe também a ampliação do reconhecimento e proteção dos direitos humanos.

A verdade é que os direitos humanos são direitos históricos e universais, tendo surgidos gradualmente, após muitas lutas e sofrimento contra os poderes. São, portanto, direitos variáveis, isto é, conforme as transformações históricas, também esses direitos redimensionaram-se.

Precisamos analisar as mudanças socioeconômicas do contexto que acarretaram perigo iminente de lesão desses tão consagrados direitos. Foi a evolução do constitucionalismo que propiciou o resguardo desses direitos e permitiu seu pleno exercício.

Na evolução do Estado de Direito, encontram-se os direitos humanos como vetores axiológicos do sistema jurídico, logo todos os ramos de direito devem se submeter à Constituição, de forma a assegurar o pleno exercício da democracia e, ipso facto, desses direitos fundamentais.

Ao analisarmos a expressão de “direitos humanos” ou direitos do homem percebemos que se trata de uma expressão vaga e sua definição é polissêmica e complexa.

Como Bobbio leciona “direitos do homem são os que cabem ao homem enquanto homem… Direitos do homem são aqueles que pertencem, ou deveriam pertencer, a todos os homens, ou dos quais nenhum homem pode ser despojado”.

Segundo a doutrina alemã, os direitos fundamentais seriam os direitos humanos positivados nos sistemas jurídicos. Dentre estes direitos fundamentais, o princípio da dignidade da pessoa humana é o que mais se destaca na construção histórica, principalmente a partir do pensamento de Immanuel Kant quando afirmou que o homem tem um valor próprio.

Conclui-se que não existe unanimidade com referência ao legado deixado pela Antiguidade Clássica a respeito dos direitos humanos. Consideram-se direitos humanos, quaisquer direitos atribuídos aos seres humanos, e desde o Código de Hamurabi (Babilônia, século XVIII a.C.), o pensamento de Amenófis IV (Egito, século XIV a.C.), a filosofia de Mêncio (China, século IV a. C.), a influência filosófico-religiosa de Buda (500 a.C.), basicamente sobre a igualdade de todos os homens, a República de Platão (Grécia, século IV a. C.), o Direito Romano e outras contribuições de civilizações e culturas ancestrais constituir-se-iam em fontes desses direitos.

Já notamos a presença de direitos humanos na Grécia e em Roma Antiga[1], quando existiram vários estudos a respeito da necessidade da igualdade e liberdade do homem, destacando-se as previsões de participação política dos cidadãos (democracia direta de Péricles), a crença na existência de um direito natural, anterior e superior às leis escritas e, definida no pensamento dos sofistas e estoicos.

Na obra “Antígona[2]” de Sófocles há a defesa da existência de normas não escritas e imutáveis que são superiores aos direitos escritos pelo homem.

Mas, foi o Direito romano quem estabeleceu um complexo mecanismo de interditos visando os direitos individuais em relação aos arbítrios estatais. A lei das doze tábuas pode ser considerada a origem dos textos escritos que consagraram a liberdade, a propriedade e a proteção dos direitos do cidadão.

O cristianismo também veio enfatizar por estimular a crença na igualdade de todos os homens, independentemente de origem, raça, sexo ou credo, influenciando diretamente a consagração dos direitos fundamentais, enquanto necessários à dignidade da pessoa humana.

No entanto, alguns doutrinadores, só passaram considerar os direitos humanos, no momento em que há o balizamento do poder do Estado pela lei. E, nas sábias palavras de Fábio Konder Comparato:

“A proto-história dos direitos humanos começa nos séculos X e XI do a. C., quando se institui, sob o reinado de Davi, o reino unificado de Israel, tendo como capital Jerusalém (…). O reino de Davi durou 33 anos e estabeleceu pela primeira vez na história da humanidade, a figura do rei-sacerdote, o monarca que não se proclama deus nem se declara legislador, mas se apresenta, antes, como o delegado do Deus único e o responsável supremo pela execução da lei divina. Essa experiência notável de limitação institucional do poder de governo foi retomada no século VI a.C., com a criação das primeiras instituições democráticas em Atenas, e prosseguiu no século seguinte, com a fundação da república romana”. (Comparato, 2007, p. 41-42).

Os direitos humanos nascem a partir da mudança de paradigma das relações entre Estado e cidadão. Os direitos são vistos como pertencentes aos cidadãos e não aos súditos.

Dessa forma, a sociedade representa um todo que vem antes do indivíduo, diluindo o caráter individualista, presente antes da era moderna. Essa seria a primeira fase dos direitos humanos.

Neste período, conforme explicita Bobbio afirmam-se os direitos de liberdade, ou seja, são todos aqueles direitos que tendem a limitar o poder do Estado e a reservar para o indivíduo, ou para os grupos particulares, uma esfera de liberdade em relação ao Estado.

Durante a Idade Média a Europa encontrava-se esfacelada em vários pedaços de terra, chamados feudos. O poder estava desconcentrado nas mãos dos senhores feudais, no entanto, no século XI, inicia-se a luta para reunificação dessas unidades autossuficientes.

O imperador carolíngio e o papa reclamavam para si essas terras europeias. Os reis, por sua vez, tinham o desejo de ter sob o comando da coroa, os domínios que naquele momento estavam nas mãos da nobreza e do clero. Diante da luta de reconcentração de poder, surgem documentos como A Declaração das Cortes de Leão de 1188, na península ibérica e a Magna Charta de 1215, do Reino Unido.

A Magna Carta de 1215 servira de referência para alguns direitos e liberdades civis clássicas, tais como habeas corpus (direito de liberdade do cidadão perante o juiz), o processo legal e a garantia da propriedade.

A Petition of Right, de 1628, o Habeas Corpus Act, de 1679, o Bill of Rights, de 1689, e o Act of Seatlement, de 1701 que também fazem parte dos antecedentes históricos das declarações dos direitos humanos fundamentais.

Ainda na Idade Média, percebe-se a primeira fase dos direitos humanos. Nos primórdios, portanto, despontou-se, sobretudo o valor da liberdade. Não, porém a liberdade geral em benefício de todos, sem distinções de condição social, o que só viria a ser declarado somente ao final do século XVIII, mas sim, as liberdades específicas, em favor, principalmente, dos estamentos superiores da sociedade – o clero e a nobreza -, com algumas concessões em benefícios do Terceiro Estado chamado de povo.

Depois da Idade Média, surgiu no Reino Unido um sentimento de liberdade e reafirmou-se a harmonia social, decorrente, sobretudo, da devastação provocada pela guerra civil e a oposição à tirania.

O poder absoluto, da realeza inglesa dos Stuart e da ditadura republicana do Lord Protector passaram a representar um perigo ao que era consagrado e estipulado pela Magna Charta.

A Declaração de Direitos do Povo da Virgínia[3] de 1776 e a própria Declaração de Independência dos EUA, no mesmo ano, já traziam a ideia de que todos os homens são iguais e igualmente vocacionados pela própria natureza, ao aperfeiçoamento constante de si mesmos. Na Revolução Francesa, os ideais de igualdade e liberdade, mais uma vez são reforçados: “Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos” (Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, art. 1º).

Nesse momento, pode-se evidenciar a segunda fase dos direitos humanos, na medida em que se defende a liberdade, no sentido de autonomia, participação dos membros da comunidade no poder político, ou seja, liberdade no Estado, além da defesa dos próprios direitos econômicos.

Logo no preâmbulo da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, consta: “Os representantes do povo francês, reunidos em Assembleia Nacional, tendo em vista que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção dos Governos, resolveram declarar solenemente os direitos naturais[4], inalienáveis e sagrados do homem, a fim de que esta declaração, sempre presente em todos os membros do corpo social, lhes lembre permanentemente seus direitos e deveres; a fim de que os atos do Poder Legislativo e do Poder Executivo, podendo ser a qualquer momento comparados com a finalidade de toda a instituição política, sejam por isso mais respeitados; afim de que as reivindicações dos cidadãos, doravante fundados em princípios simples e incontestáveis, se dirijam sempre à conservação da Constituição e à felicidade geral”.

Ao longo da história da humanidade, a afirmação dos direitos humanos ocorreu gradualmente. A Constituição Francesa de 1848, por exemplo, consagrava o que já havia sido posto nas Constituições anteriores de 1791 e 1793, além de apresentar exigências econômicas e sociais, mas na visão de Fábio Comparato “a plena afirmação desses novos direitos humanos só veio a ocorrer no século XX, com a Constituição mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919”.

Questiona-se se a Constituição de Weimar de 1919 apesar de posterior a mexicana, poderia ou não, ser considerada como decisivamente precursora do constitucionalismo social.

A grande atenção que hoje se confere à garantia de direitos humanos, prende-se à percepção de que os direitos fundamentais mantêm, com o próprio conceito de democracia, uma relação de recíproca interação, pois o efetivo respeito aos direitos fundamentais dos indivíduos representa um dos principais parâmetros de aferição do grau de democracia de uma sociedade.

Justifica-se porque os conceitos de democracia e de direitos fundamentais caminham sempre juntos e de mãos dadas, valendo-se como referência recíproca.

Segundo Ingo Sarlet os termos como “direitos do homem”, “direitos humanos” e “direitos fundamentais” devem ser diferenciados conforme o critério de concreção positiva ou de concretização normativa.

Assim, a expressão “direitos do homem” é usada para designar de forma mais abstrata e com contornos mais amplos e imprecisos, aqueles direitos naturais ainda não positivados.

Já o termo “direitos humanos” representaria aqueles direitos já positivados na esfera internacional, enquanto que o termo “direitos fundamentais” abrangeria aqueles direitos cujo reconhecimento e proteção, estão assegurados em sede constitucional.

A referida distinção não goza de unidade acadêmica, e assume relevância quando se analisa, por exemplo, a questão relativa aos elementos caracterizadores dos direitos fundamentais.

Pode-se cogitar na universalidade dos direitos do homem, uma vez que sejam inerentes ao indivíduo enquanto tal e, na pretendida universalização dos direitos humanos, afinal tenta-se implementar em toda a comunidade internacional, a garantia plena dos direitos assegurados nas Declarações, embora se saiba que tal concretização global, na prática, ainda reste incompleta, apesar de ainda estar no campo das legítimas expectativas.

Não se pode pretender a universalidade dos direitos fundamentais, eis que, enquanto valores reconhecidos e positivados por cada ordenamento constitucional, os direitos fundamentais necessariamente variam, em termos de sua abrangência e do grau de sua proteção, conforme a cultura predominante em cada uma das nações.

A afirmação histórica dos direitos fundamentais se confunde, em suas linhas básicas, com a evolução das decisões políticas delineadoras do Estado, mistura-se com o próprio advento do constitucionalismo moderno e, posteriormente, com início do constitucionalismo social.

A Declaração dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 representa, no entanto, uma nova fase histórica. Então este novo documento não contem apenas os direitos individuais, de natureza civil e política ou, direitos de caráter econômico e social, mas inova no âmbito trazendo novos direitos humanos, como os direitos do povo e da humanidade, além de reconhecer a fraternidade, isto é, a solidariedade.

O início da noção de direitos fundamentais, ou seja, de direitos e valores reconhecidos em sede constitucional, remonta o advento do Estado e das teorias contratualistas (dos séculos XVII e XVIII) que com o objetivo específico de justificar e legitimar a criação da figura estatal.

Tais teses acentuavam que o soberano deveria exercer sua autoridade e poder com submissão aos direitos de cada homem, o que simbolizava o advento da importantíssima ideia de supremacia do indivíduo sobre o Estado. Desaparece a figura do súdito e ascende a figura do cidadão.

Surgiram os Estados Liberais modernos que, no afã de proteção do cidadão contra indevidas ingerências do poder estatal, asseguraram uma esfera indevassável de proteção ao indivíduo, através da criação dos chamados “direitos fundamentais de primeira dimensão” ou direitos da liberdade ou liberdades públicas, que, por isso, mesmo, representam direitos e prerrogativas a serem exercidos contra o Estado.

Incluem-se, entre outros, no rol das liberdades públicas, os direitos à propriedade privada, à intimidade, à privacidade, à liberdade de reunião, de associação e à livre manifestação do pensamento, ou seja, direitos que têm como elemento central a relação – essencialmente desigual – entre soberano e o indivíduo e, tendo como princípios norteadores, o liberalismo (quais intervenções estatais são tidas como nocivas), o individualismo, a liberdade e a segurança.

Com a alteração da realidade social fizera com que a mera garantia de direitos a serem exercidos contra o Estado não fosse mais suficiente para permitir a plena realização do indivíduo em seu ambiente social.

Na realidade, muitos dos direitos à liberdade estão previstos em ordenamentos constitucionais, tal como ocorre com o direito à propriedade, mas somente eram exercidos por alguns membros da coletividade, eis que, para os outros, faltavam meios palpáveis que permitissem adquirir tais prerrogativas.

Nas palavras de Bobbio: “(…) Somente depois da Declaração Universal é que podemos ter a certeza histórica de que a humanidade – toda humanidade – partilha alguns valores comuns; e podemos, finalmente, crer na universalidade dos valores, no único sentido em que tal crença é historicamente legítima, ou seja, no sentido em que universal significa não algo dado objetivamente, mas algo subjetivamente acolhido pelo universo dos homens. (…)”.

“Com a Declaração de 1948, tem início uma terceira e última fase, na qual a afirmação dos direitos é, ao mesmo tempo, universal e positiva: universal no sentido de que os destinatários dos princípios nela contidos não são mais apenas os cidadãos deste ou daquele Estado, mas todos os homens; e positiva no sentido de que põe em movimento um processo em cujo final os direitos do homem deverão ser não mais apenas proclamados ou apenas idealmente reconhecidos, porém efetivamente protegidos até mesmo contra o próprio Estado que os tenha violado”.

A terceira fase desses direitos, conforme a lição de Bobbio consagra os direitos sociais, a igualdade formal e material e a liberdade através ou por meio do Estado.

Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, ao reconhecer a dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade e da paz do mundo.

Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultam em atos bárbaros que ultrajam a consciência da humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade, fora proclamando com a mais alta aspiração do homem comum.

Considerando essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e opressão.

Decorrido mais de meio século da proclamação da Declaração Universal de 1948 e, a partir do surgimento da ONU em 1945, adentra-se a fase internacional dos direitos.

Nessa fase, os direitos humanos solidificaram–se de forma mais definitiva, gerando, assim, a adoção de diversos tratados internacionais, destinados a proteger os direitos fundamentais dos indivíduos.

Os direitos humanos passaram, então, com o amadurecimento evolutivo desse processo, a transcender os interesses exclusivos dos Estados, para salvaguardar, internamente, os interesses dos seres humanos protegidos.

Não há apenas direitos humanos em face do Estado, mas também os direitos reclamáveis pela pessoa em face dos grupos sociais e das estruturas econômicas. E, há também direitos reclamáveis por grupos humanos e nações, em nome da pessoa humana, dentro da própria comunidade universal.

 

2.As três fases do constitucionalismo moderno

É indispensável para o entendimento da relação dos direitos humanos no Estado Democrático de Direito, abordar breve retrospectiva histórica do constitucionalismo moderno, já que este é um movimento político, social e jurídico que instaura um novo conceito de democracia.

A Constituição emergente deste movimento, em cada fase pela qual perpassa, materializa-se através do Estado vigente, e traz consigo os direitos fundamentais positivados, ou seja, os direitos humanos.

Há, pois uma indispensável conexão e imbricação entre Estado, Constituição e política. Só assim, será possível perceber que a Constituição pertence também à realidade histórico-social. Observa-se que variam muito as posições doutrinárias acerca do que legitimamente se entende por democracia.

3.O Constitucionalismo Liberal ou clássico

Essa primeira fase do constitucionalismo foi marcada pelo aparecimento da Constituição na forma de lei escrita. Surge na passagem da Idade Média para Idade Moderna, superando o jusnaturalismo, com a instauração do capitalismo liberal[5]. Esta constituição trouxe consigo os ideais burgueses e estava alicerçada em concepções extremamente individuais.

O texto constitucional funciona como uma “válvula de segurança”, posto que venha assegurar os direitos individuais dos cidadãos.

O que exige um mínimo de segurança e certeza na vida dos negócios, o que supunha a necessária limitação do tradicional arbítrio do poder político.

Os poderes do monarca seriam limitados pela Magna Carta – representando a superação do absolutismo e, a burguesia teria total liberdade de agir na era do capitalismo liberal[6], na qual os códigos tinham destaque em detrimento das constituições.

Quando os direitos do homem eram considerados unicamente como direitos naturais, a única defesa possível contra a sua violação pelo Estado era um direito igualmente natural, o chamado direito de resistência.

Mais tarde, nas Constituições que reconheceram a proteção jurídica de algum desses direitos, o direito natural de resistência transformou-se no direito positivo de promover uma ação judicial contra os próprios órgãos do Estado. O direito de resistência respalda o direito ao silêncio para se evitar a autoincriminação.

O antiabsolutismo seria justamente uma forma de governo democrático de onde emanaria a soberania popular materializada pela Constituição em vigor. Porém, percebe-se que esta é a fase embrionária dos direitos humanos.

Na fase liberal, despontam-se três momentos marcantes das aspirações democráticas, a saber: A Revolução Inglesa [7], a Independência das Treze Colônias Norte-Americanas e para cicatrizar esta fase a Revolução Francesa que foi o momento de maior destaque na história dos direitos humanos e teve uma cunhagem mais universal, trazendo a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789).

Nesse momento, passa-se a considerar como cidadãos, a partir daí, não só aqueles detentores de direitos civis e políticos, mas todos aqueles que habitam o âmbito da soberania de um Estado.

A Declaração favoreceu a emergência dos direitos do homem, embora débil e tênue e impedida, do indivíduo no interior de um espaço antes reservado exclusivamente aos Estados soberanos. Ela pôs em movimento um processo irreversível, com o qual todos deveriam se alegrar.

Percebe-se que esse constitucionalismo trouxe uma democracia incompleta, já que concretizou apenas alguns direitos humanos essenciais e a sociedade ainda permaneceu num plano de desigualdade, observa-se o surgimento de um novo Estado – o social -, que trouxe a democracia associada à ideia de intervenção estatal. Passamos então da democracia liberal para a democracia social.

 

4.O Constitucionalismo Social

Tal fase corresponde a uma transformação do liberalismo clássico. É igualmente caracterizada pelo pós-positivismo, sendo um momento em que os direitos civis abrem espaço para a chegada dos direitos sociais.

As constituições passam a ocupar o centro do ordenamento jurídico em detrimento dos códigos civis. É preciso salientar que esta etapa veio concretizar interesses capitalistas, já que se deu durante a Grande Depressão[8] e precisava institucionalizar o intervencionismo estatal para a resolução dos problemas econômicos e sociais.

Os direitos liberais, por sua vez, encontravam-se fragilizados, pois não existe como cogitar em liberdades individuais, se o homem ainda não satisfez suas necessidades primárias como alimentar-se, vestir-se, morar, ter condições de saúde, segurança diante da doença e velhice, do desemprego e de outros percalços da vida.

Quando o Estado, coagido pela pressão das massas, pelas reivindicações que a impaciência do quarto Estado faz ao poder político, confere, no Estado constitucional ou fora deste, os direitos do trabalho, da previdência, da educação, intervém na economia como distribuidor, dita o salário, manipula a moeda, regula os preços, combate o desemprego, protege os enfermos, dá ao trabalhador e ao burocrata a casa própria, controla as profissões, compra a produção, financia as exportações, concede crédito, institui comissões de abastecimento, provê necessidades individuais, enfrenta crises econômicas, coloca na sociedade todas as classes na mais estreita dependência de seu poderio econômico, político e social, em suma, estende sua influência a quase todos os domínios que dantes pertenciam, em grande parte, à área de iniciativa individual, nesse instante o Estado pode, com justiça, receber a denominação de Estado social.

O referido constitucionalismo apresenta três documentos relevantes, a saber: a Constituição de Weimar, de 1919; a Constituição Mexicana de 1917 e a Declaração dos Direitos do Povo trabalhador e explorado[9], na Rússia Revolucionária, de 1918 que sintetizam os anseios desta fase no plano jurídico, trazendo uma nova dimensão para os direitos humanos e um novo conceito de democracia.

Tais documentos visam principalmente garantir os direitos sociais e trabalhistas como direitos fundamentais da pessoa humana. E, ainda se estava preso aos grilhões do capitalismo, pois a maioria desses direitos não se reconhecia em eficácia imediata, possuindo utilidade somente quando a intervenção do Estado era necessária aos interesses da esfera privada.

Segundo Bobbio, a maior parte dos direitos sociais, os chamados direitos da segunda dimensão, que são exibidos em todas as declarações nacionais e internacionais, que permaneceram apenas no papel.

Esse Estado Social[10] veio muito mais para expressar o clamor da sociedade, já que surgiram inúmeros movimentos sociais advindos das circunstâncias conturbadas que se vivia.

Os movimentos sociais e o progresso da industrialização crescente no século XIX, aliados a vicissitudes do fornecimento de mercadorias e à agitação popular, intensificadas pela eclosão da Primeira Grande Guerra, atingiram profundamente o direito civil europeu, e também na sua esteira, o ordenamento brasileiro, quando se tornou inevitável a necessidade de intervenção estatal cada vez mais acentuada na economia. (Tepedino, 2001, p.4).

As ações do Estado nas esferas social, política e econômica se deram de forma mais incisiva tentando atender ao clamor social. E, então, prioriza-se a dignidade da pessoa humana nos textos constitucionais.

As Constituições que emergiram nessa fase possuem uma característica mais humanitária. E, a influência da ONU foi extremamente relevante, pois trouxe a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, que surtiu efeito e exerceu influência em toda a órbita constitucional internacional, já que diversas Constituições passaram a incorporar em um capítulo, somente os direitos e garantias individuais.

E, se pode perceber a influência da ONU na Constituição Alemã de 1949, a que traz logo em seu segundo artigo que “o povo alemão reconhece, portanto os direitos invioláveis e inalienáveis do homem como fundamentos de qualquer comunidade humana, da paz e da justiça no mundo, ou seja, esta Constituição transforma os direitos fundamentais em cláusulas pétreas”.

Apesar do explícito reconhecimento aos direitos humanos, deixou de lado o plano de eficácia desses direitos fundamentais. Reduziu-se a democracia social ao fato de reconhecer ou não ao Estado a prerrogativa de intervir na sociedade em prol da economia, conforme se deu no Plano Marshall.

O avanço está no reconhecimento à importância dos direitos humanos, assimilando elementos democráticos e populares. É com o nascimento do Estado de Direito que ocorre a passagem final, passando do príncipe para os cidadãos.

Retrocede, porém, por não dotá-los de imediata eficácia e por ter deixado lacunas para a instauração de regimes nazistas, fascistas, salazaristas, dentre outros totalitários que eclodiram neste período.

Por isso, é apenas considerado um Estado de Direito e jamais um Estado Democrático.

 

5.O Constitucionalismo Democrático

A terceira fase é correspondente exatamente ao constitucionalismo contemporâneo[11] e não está ainda completamente consolidada, encontrando-se, pois em transação.

E, ratifica Bobbio: “Os chamados direitos de terceira dimensão, que constituem uma categoria, para dizer a verdade, ainda excessivamente heterogênea e vagam o que nos impede de compreender do que efetivamente se trata”.

Após a Segunda Guerra Mundial, tal constitucionalismo é perpassado pelo neoliberalismo[12], a era do Estado Mínimo.

O mundo presenciou a ascensão de regimes nazifascistas e começa a mudar a sua forma de concepção do texto constitucional, sendo preciso reconstruir o conceito de direitos humanos mediante tantas atrocidades e barbárie.

Brotando diretamente dos horrores da era Hitler e da resposta às atrocidades perpetradas a milhões de pessoas durante o nazifascismo, os tratados internacionais rogam pela proteção dos direitos humanos, têm, pois, criado obrigações e responsabilidades para os Estados, no que diz respeito às pessoas sujeitas à sua jurisdição.

Por conseguinte, mudaram-se os conceitos de direitos humanos e de democracia[13]. E, já se permite a sua utilização de forma imediata na jurisdição, inclusive construindo diversos critérios e métodos hermenêuticos que possibilitem sua melhor concretização.

A Constituição passa a ser então o fundamento do Estado Democrático de Direito, estando conectada ao Estado vigente.

A preocupação com os direitos fundamentais e a democracia engendra textos constitucionais que avançam nitidamente em relação aos fundamentos do velho liberalismo e à noção puramente intervencionista do Estado Social. A democracia e os direitos fundamentais passam a ser os dois sustentáculos desse novo modelo, donde não pode admitir retrocesso.

Nessa transição a Constituição se torna um instrumento para transformar a realidade social e harmonizar os fins visados pelas normas infraconstitucionais.

Primeiramente é preciso indagar a forma de se alcançar uma democracia concreta, ou seja, quando os direitos humanos serão respeitados?

Pode-se concluir que por conta de toda evolução constitucional trouxe consigo uma evolução na ótica dos direitos humanos e da democracia. Hoje, conforme afirma Bobbio, o próprio conceito de democracia é inseparável do conceito de direitos do homem. O respeito aos direitos humanos que são mutáveis ao longo do tempo, desde sempre deve ser consagrado, porque isso será a base para a consecução de uma democracia.

E o Estado Democrático de Direito emerge para materializar essa democracia, em face de uma realidade adversa por motivos políticos, econômicos, sociais, culturais e principalmente entraves no próprio plano jurídico.

Entendemos que os princípios, dado ao seu caráter de norma superior às demais existentes no ordenamento jurídico, servem de garantia a todos os cidadãos, em um Estado Constitucional e Democrático de Direito, contra as tentativas do próprio Estado em se arvorar em senhor onipotente.

Os princípios são, portanto, o escudo protetor de todo cidadão contra os ataques do Estado. Todas as normas lhe devem obediência, sob pena de serem declaradas inválidas.

É bastante complexa a problemática das formas de concretização dos direitos humanos por meio da vigente democracia, e ainda constatar que o debate sobre a consolidação dos direitos humanos está ligado à história evolutiva da própria democracia. É por intermédio de Constituições democráticas que se pode garantir e proteger esses direitos, independentemente do tipo Estado vigorante.

É a partir da análise da evolução do constitucionalismo moderno e, de suas três fases, quais sejam, respectivamente, o constitucionalismo liberal ou clássico, em que se exalta o liberalismo econômico e, por conseguinte, a garantia dos direitos e liberdades individuais do cidadão, o constitucionalismo social, no qual já se evidencia uma maior intervenção estatal como meio de assegurar os direitos sociais, que estão mais voltados para a coletividade, refreando assim o ideal liberal capitalista e o constitucionalismo democrático, de onde emerge o Estado Democrático de Direito, que se pode entender o papel da Constituição, materializada através de cada Estado em vigor, como um instrumento de efetivação dos direitos fundamentais positivados, ou seja, os direitos humanos.

 

6. Conclusão

Portanto, no atual Estado Democrático de Direito, faz-se necessária para a compreensão dos direitos humanos como verdadeiros vetores axiológicos de todo sistema. Todos os ramos do direito devem se submeter à Constituição Federal como maneira de assegurar o exercício pleno da democracia e, por isso mesmo, desses direitos fundamentais, devendo o poder público e a sociedade civil não só proclamá-los, como também efetivá-los. Junte-se a nós na marcha solene da concretização dos direitos humanos.

 

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[1] Segundo a visão de HERKENHOFF, não considerar o período da Antiguidade na história dos direitos fundamentais é um erro, já queObscurece o legado de povos que não conheceram a técnica delimitação do poder mas (sic) privilegiaram enormemente a pessoa humana nos seus costumes e instituições sociais.”

[2] Antígona é uma figura da mitologia grega, irmã de Ismênia Polinice e Etéocles. Todos filhos do casamento incestuoso de Édipo e Jocasta. Noutra versão, a mãe dos filhos de Édipo se chamavam Eurigania, filha de Híperfas.

Na versão clássica de Antígona escrita por Sófocles, um dos mais importantes escritores de tragédia e que compõe a chamada Trilogia Tebana, da qual fazem parte Édipo Rei e Édipo em Colono.

A história tem início com a morte dos dois filhos de Édipo, Etéocles e Polinices, que se mataram mutuamente na luta pelo trono de Tebas.

Com isso sobe ao poder Creonte, parente próximo da linhagem de Jocasta. Seu primeiro édito dizia respeito ao sepultamento dos irmãos Labdácidas. Ficou estipulado que o corpo de Etéocles receberia todo cerimonial devido aos mortos e aos deuses. Já Polinices teria seu corpo largado a esmo, sem o direito de ser sepultado e deixado para que as aves de rapina e os cães o dilacerassem. Creonte entendia que isso serviria de exemplo para todos os que pretendessem intentar contra o governo de Tebas.

Ao saber do édito, Antígona deixa claro que não deixará o corpo do irmão sem os ritos sagrados, mesmo que tenha que pagar com a própria vida por tal ação. Mostra-se insubmissa às leis humanas por estarem indo de encontro às leis divinas.

Ainda no primeiro episódio, Creonte é informado por um guarda de que o corpo de Polinices havia recebido uma camada de pó e com isso seu édito havia sido desrespeitado, colocando sua autoridade à prova. Ele se enfurece ainda mais quando o coro interroga-se, questionando se não teria sido obra dos próprios deuses.

Entra o primeiro estásimo, quando o coro exalta a capacidade do homem.

[3] Declaração de Virgínia. A primeira Declaração de direitos em sentido moderno do termo surge na Virgínia, uma das treze colônias inglesas na América, em 12.01.1776, portanto anterior à Declaração de Independência dos EUA.

Entre outras cláusulas de extrema relevância para o constitucionalismo moderno cite-se a primeira:

[…] que todos os homens são por natureza igualmente livres e independentes, e têm certos direitos inerentes, dos quais, quando entram em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo, privar ou despojar seus pósteros […].

Ademais, a Declaração preocupava-se basicamente com a estrutura de um governo democrático, com um sistema de limitação de poderes, tornando-se um marco para os direitos fundamenta.

[4] O filósofo John LOCKE, profundo inspirador das Declarações de Direitos do século XVIII, afirma que a lei da natureza é tão inteligível quanto às leis positivas das sociedades políticas, “[…] e possivelmente mais clara, tanto quanto a razão é mais fácil de ser entendida do que as fantasias e as intrincadas maquinações dos homens […]”.

[5] A ideia de liberdade no Estado liberal, inicialmente, está vinculada a ideia de propriedade privada e ao afastamento do Estado da esfera privada protegendo-se as decisões individuais. Em outras palavras, há liberdade na medida em que não há a intervenção do Estado na esfera privada, e em segundo lugar, podemos dizer, segundo o paradigma liberal, que somos livres, pois somos proprietários. Estes dois aspectos são fundamentais para a compreensão do conceito de liberdade para o pensamento liberal do século XVII e XVIII.

Convém ressaltar a importância da inserção histórica deste pensamento para a sua adequada compreensão. Em primeiro lugar é importante lembrar contra qual Estado se insurgem os liberais. Não se pode dizer que os liberais são contrários ao Estado social, ou socialista ou qualquer outra formulação histórica posterior, justamente pelo fato de que, o Estado que conheciam e contra o qual lutavam era o Estado Absoluto. Portanto a primeira constatação importante é que os liberais se insurgem contra o Estado Absoluto. Quando estes pensadores visualizam o Estado como o inimigo da liberdade, tem como referencia o Estado absoluto, aquele Estado que eliminou toda e qualquer forma de liberdade individual para grande parte da população, e transformou os direitos individuais em direitos de poucos privilegiados.

[6] Para a correta compreensão do constitucionalismo liberal e de qualquer ideia ou teoria, é a necessidade de inserção desta dentro do contexto histórico em que ela surge. O leitor interessado em compreender o pensamento de determinado autor deve conhecer o autor, sua historia e para qual realidade este autor escreveu ou escreve. Isto evitará muitos erros de compreensão comuns e recorrentes em diversos trabalhos ditos científicos. Não se pode compreender o pensamento de Hobbes sem conhecer sua historia e o momento histórico que inspirou seu pensamento, isto vale para qualquer outro pensador, e as grandes incompreensões das teorias decorrem justamente da falta de conhecimento do contexto histórico no qual elas foram pensadas e construídas, e mais, por quem essas teorias foram pensadas.

Não se pode, por exemplo, ler Nietsche sem conhecer sua história, o risco que se corre é compreendê-lo pelo avesso, ou na verdade não compreendê-lo. Portanto, para entender a defesa que os liberais fazem da propriedade privada, a confusão que fazem entre economia livre e omissão estatal, desregulamentação e propriedade privada dos meios de produção, é importante compreender o contexto histórico e a ideia de Estado que estes liberais tinham no momento da construção de suas teorias. Ao estudarmos a historia da realidade econômica (e não do pensamento econômico) desde então, perceberemos com clareza que estes fatores só trouxeram opressão e exclusão, portanto, falta de liberdade para grande parte dos cidadãos.

[7] A Revolução Inglesa do século XVII representou a primeira manifestação de crise do sistema da época moderna, identificado com o absolutismo. O poder monárquico, severamente limitado, cedeu a maior parte de suas prerrogativas ao Parlamento e instaurou-se o regime parlamentarista que permanece até hoje. O processo que começou com a Revolução Puritana de 1640 e terminou com a Revolução Gloriosa de 1688.

[8] A Grande Depressão, também chamada por vezes de Crise de 1929, foi uma grande depressão econômica que teve início em 1929, e que persistiu ao longo da década de 1930, terminando apenas com a Segunda Guerra Mundial. A Grande Depressão é considerada o pior e o mais longo período de recessão econômica do século XX. Este período de depressão econômica causou altas taxas de desemprego, quedas drásticas do produto interno bruto de diversos países, bem como quedas drásticas na produção industrial, preços de ações, e em praticamente todo medidor de atividade econômica, em diversos países no mundo. O dia 24 de outubro de 1929 é considerado popularmente o início da Grande Depressão, mas a produção industrial americana já havia começado a cair a partir de julho do mesmo ano, causando um período de leve recessão econômica que se estendeu até 24 de outubro, quando valores de ações na bolsa de valores de Nova Iorque, a New York Stock Exchange, caíram drasticamente, desencadeando a Quinta-Feira Negra. Assim, milhares de acionistas perderam, literalmente da noite para o dia, grandes somas em dinheiro. Muitos perderam tudo o que tinham.

Essa quebra na bolsa de valores de Nova Iorque piorou drasticamente os efeitos da recessão já existente, causando grande deflação e queda nas taxas de venda de produtos, que por sua vez obrigaram o fechamento de inúmeras empresas comerciais e industriais, elevando assim drasticamente as taxas de desemprego. O colapso continuou na segunda-feira negra (o dia 28 de outubro) e terça-feira negra (o dia 29).

[9] A Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, da Rússia de 1918, é um dos marcos da tentativa de superação do regime capitalista e adoção do regime socialista. Tal documento introduziu três novidades que, em sua substância, não aderiram tanto ao constitucionalismo ocidental de então quanto àquele que se seguiu, marcado pelo que se convencionou denominar “economia de mercado”: a) declarou abolida a propriedade privada e a possibilidade de exploração do trabalho assalariado (Capítulo II), rompendo com as anteriores constituições e declarações de direitos que garantiam a propriedade privada como elemento central; b) estabeleceu um tratamento diferenciado para os titulares de direitos de acordo com a classe social, promovendo uma restrição às prerrogativas dos integrantes da burguesia; c) estabeleceu o trabalho como dever obrigatório para todos. Essas inovações foram ratificadas pela Constituição soviética de 10 de julho de 1918, que introduziu uma série de direitos sociais (arts. 14 usque 17.

[10] O Estado social nasce ancorado na necessidade de uma reformulação do capitalismo, a partir do esgotamento do modelo liberal. Os direitos de liberdade, considerados como direitos naturais e correlatos à própria condição humana, revelaram-se incapazes de conter conflitos crescentes no âmbito social, sendo necessário que o Estado passasse a positivar direitos de índole “artificial”, os direitos econômicos e sociais.

[11] Hoje o constitucionalismo contemporâneo encara um grande desafio que é o de recuperar o controle da economia, ou conforme alguns afirmam o controle do mercado de capitais. Vige um discurso econômico ideologicamente contaminado e que submete o discurso jurídico constitucional. E há os que afirmam aos brados que a CF/1988 transformou o país em ingovernável, posto que impeça o desenvolvimento e o crescimento econômico. Tal discurso fruto da defesa de um único modelo econômico, representante da vitória dos neoconservadores ou neoliberais, que tenta subjugar o Direito à economia, para impor um implacável modelo econômico.

[12] A respeito das consequências da adoção do modelo neoliberal em países de modernidade tardia, como o Brasil, as observações de Lenio Luiz Streck: “Evidentemente, a minimização do Estado em países que passaram pela etapa do ‘Estado providência’ ou welfare State tem consequências absolutamente diversas da minimização do Estado em países como o Brasil, onde não houve o Estado social. O Estado interventor-desenvolvimentista-regulador, que deveria fazer esta função social, foi – especialmente no Brasil – pródigo (somente) para com as elites, enfim, para as camadas médio-superiores da sociedade, que se apropriaram/aproveitaram de tudo deste Estado, privatizando-o, dividindo/loteando com o capital internacional os monopólios e os oligopólios da economia […]. No Brasil, a modernidade é tardia e arcaica. O que houve (há) é um ‘simulacro de modernidade’. Como muito bem assinala Eric Hobsbawn, o Brasil é um ‘monumento à negligência social’, ficando atrás do Sri Lanka em vários indicadores sociais, como mortalidade infantil e alfabetização, tudo porque o Estado, no Sri Lanka, empenhou-se na redução das desigualdades. Ou seja, em nosso País as promessas da modernidade ainda não se realizaram. E, já que tais promessas não se realizaram, a solução que o establishment apresenta, por paradoxal que possa parecer, é o retorno do Estado (neo)liberal.

Daí que a pós-modernidade é vista como a visão neoliberal. Só que existe um imenso déficit social em nosso País, e, por isso, temos que defender as instituições da modernidade contra esse neoliberalismo pós-moderno. […] É evidente, pois, que em países como o Brasil, em que o Estado social não existiu, o agente principal de toda política social deve ser o Estado. As políticas neoliberais, que visam a minimizar o Estado, não aportarão para a realização de tarefas antitéticas a sua natureza. Veja-se o exemplo ocorrido na França, onde, recentemente, após um avanço dos neoliberais, a pressão popular exigiu a volta das políticas típicas do ‘Estado providência’. Já em nosso País, ao contrário disto, seguimos na contramão, é dizer, quando países de ponta rediscutem e questionam a eficácia (social) do neoliberalismo, caminhamos, cada vez mais, rumo ao ‘Estado absenteísta’, ‘minimizado’, ‘enxuto’ e ‘desregulamentado’ (sic) […]. É este, pois, o dilema: quanto mais necessitamos de políticas públicas, em face da miséria que se avoluma, mais o Estado, único agente que poderia erradicar as desigualdades sociais, se encolhe! Tudo isso acontece na contramão do que estabelece o ordenamento constitucional brasileiro, que aponta para um Estado forte, intervencionista e regulador, na esteira daquilo que, contemporaneamente, se entende como Estado Democrático de Direito. O Direito recupera, pois, sua especificidade. No Estado Democrático de Direito, ocorre a secularização do Direito. “Desse modo, é razoável afirmar que o Direito, enquanto legado da modernidade – até porque temos uma Constituição democrática – deve ser visto, hoje, como um campo necessário de luta para a implantação das promessas modernas”.

[13] Em termos conceituais, podemos assumir o conceito de democracia proclamado pelo ex-presidente dos Estados Unidos Abraham Lincoln: a democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo. Neste sentido, uma concepção de democracia deve explicar três elementos: O sujeito da democracia (Quem governa? Governo do povo); Funcionamento da democracia (Como se governa? Governo pelo povo); Finalidade da democracia (Para quem sem governa? Governo para o povo). O texto analisará ainda três concepções de democracia: Concepção Plebiscitária: Rousseau; Concepção Procedimental: Kelsen; Concepção Deliberativa: Aristóteles.

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Gisele. A marcha da concretização dos direitos humanos.. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2015. Disponível em: https://investidura.com.br/colunas/novo-cpc-por-gisele-leite/a-marcha-da-concretizacao-dos-direitos-humanos/ Acesso em: 19 mar. 2024