Novo CPC por Gisele Leite

O poder dos precedentes judiciais no CPC/2015

 

Resumo: O texto apesar de extenso vem expor de forma didática a existência, formação e poder dos precedentes judiciais principalmente em face do CPC de 2015. Não se furtou a trazer as razões históricas e ainda apontar a formação de um sistema híbrido resultado de uma simbiose evolutiva de todos os sistemas jurídicos existentes.

Palavras-chaves: Jurisprudência. Precedentes Judiciais, CPC/2015, CPC/1973 e CF/1988.

Abstract: The text comes despite extensive expose in a didactic way the existence, training and power of judicial precedents especially in the face of the CPC 2015. Do not stole to bring the historical reasons and also point out the formation of a hybrid result of an evolutionary symbiosis system all legal systems.

Keywords: Jurisprudence. Judicial precedents, CPC / 2015 CPC / 1973 and CF / 1988.

 

É sabido que nosso país se filia ao sistema jurídico essencialmente baseado na civil law, mas já é possível observar que os precedentes judiciais [1] gradativamente vêm sendo adotados pela legislação processual civil brasileira com o objetivo de conferir maior segurança jurídica aos jurisdicionados e empreender maior celeridade ao trâmite processual.

Por outro lado, o sistema do common law vem sofrendo também gradativas modificações, se aproximando cada vez mais do stare decisis e, também do civil law.

Percebe-se claramente que o CPC/2015 veio aproveitar os fundamentos do common law e do stare decisis com o fito de privilegiar a busca pela uniformização e estabilização da jurisprudência pátria e garantir a efetividade do processo, particularmente das garantias constitucionais.

A notória filiação pátria à Escola da Civil Law, assim como dos países de origem romano-germânica traduz que a lei é considerada a fonte primária do ordenamento jurídico e, ipso facto, o instrumento apto e cabal para solucionar as controvérsias levadas ao conhecimento do Poder Judiciário.

Em geral as jurisdições do civil law são organizadas preponderantemente com o objetivo de aplicar o direito escrito, ou seja, o direito positivado. Os adeptos do sistema do civil law consideram que o juiz é o intérprete e aplicador da lei, porém, não lhe reconhece os poderes de criador do direito. Assim se verifica que as balizas legais e técnicas, da faculdade criadora dos juízes que laboram no sistema da civil law são bem mais restritas e limitadas do que ocorre no sistema da common law.

Há em análise desses sistemas jurídicos, um embate que procura responder se o juiz descobre ou cria [2] o direito?

Mas é importante que não se confunda o common law com o stare decisis (o da força obrigatória dos precedentes). Afinal, se para a teoria declaratória da jurisdição (onde se prevê que o direito é descoberto), por outro lado, para a teoria constitutiva da jurisdição (onde se prevê que o direito é criado), percebe-se nitidamente que advogam posições ideológicas e conceituais bem distintas e diametralmente opostas.

As jurisdições do civil law visam aplicar o direito positivo, onde o juiz é intérprete e aplicador da lei, mas não um criador do Direito.

O princípio da legalidade estampado no texto constitucional brasileiro vigente comprova a existência do sistema legal adotado ao estabelecer que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. O referente princípio que visa proteger o indivíduo em face do Estado, legitimando-se apenas as imposições que respeitem as leis previamente estabelecidas no ordenamento jurídico, e também serve como de instrumento norteador da atividade jurisdicional.

Com a adoção do sistema do stare decisis, há de se repensar a compreensão do termo “lei” empregado na CF/1988 que significa não apenas as espécies legislativas, agora, em razão da força obrigatória dos precedentes judiciais. Precisamos conceituar o precedente judicial principalmente em razão do status da Corte que o firmou, tem cogência prevista pelo próprio ordenamento jurídico.

Apesar de ser a lei a fonte primária do Direito, não é possível admitir a existência de um Estado absolutamente ou exclusivamente legalista. Posto que a sociedade em sua dinâmica evolutiva passe por várias modificações e que não são acompanhadas pela lei ou pelo legislador. Seja porque este não é capaz de prever a solução para todas as situações concretas e futuras submetidas ao crivo judicial.

E, não se pode admitir um ordenamento jurídico dissociado de qualquer interpretação jurisdicional. Também não se pode abdicar da segurança jurídica proporcionada pelo ordenamento previamente positivado (típico do positivismo jurídico). Por essas razões, naturalmente esses dois sistemas se avizinham.

Os países de cultura anglo-saxônica cada vez mais legislam e positivam regras por meio da lei e, em contrapartida, os países de tradição romano-germânica estabelecem crescentemente a força obrigatória dos precedentes judiciais.

Tal aproximação dos sistemas, quiçá simbiose, particularmente no que tange ao civil law em referência ao stare decisis é notada pela doutrina contemporânea, principalmente pelo ilustre doutrinador Luiz Guilherme Marinoni.

Que destaca explicitamente que o papel do atual juiz no civil law, e do juiz brasileiro, a quem é deferido o dever-poder de controlar a constitucionalidade da lei no caso concreto, muito se aproxima da função exercida pelo juiz no common law, e, particularmente, a realizada pelo juiz norte-americano.

O sistema common law ou anglo-saxão distingue-se do civil law especialmente em razão das fontes de Direito. No civil law, o ordenamento jurídico substancia-se principalmente em leis, abrangendo os atos normativos em geral, como decretos, resoluções e medidas provisórias, etc.

No sistema anglo-saxão [3] ···, os juízes e tribunais se espelham principalmente nos costumes e, com base no direito consuetudinário, julgam o caso concreto, cuja decisão, por sua vez, poderá constituir-se em precedente para julgamento de casos futuros. Esse respeito ao passado que é inerente à teoria declaratória do direito e, é desta que se extrai a noção de precedente judicial.

No civil law, apesar da primazia das leis, há espaço para os precedentes judiciais. A diferença [4] é que no civil law, de regra, o precedente tem a função de orientar a interpretação da lei, mas necessariamente não obriga o julgador a adotar o mesmo fundamento da decisão anteriormente proferida e, que tenha como base uma situação jurídica semelhante.

Contudo, cada vez mais, o sistema jurídico brasileiro assimila a teoria do stare decisis. E, já não eram poucas ocorrências previstas no CPC/1973 que compeliram os juízos inferiores a aplicar os julgamentos dos tribunais, notadamente do STF e do STJ.

Basta lembrarmo-nos das súmulas vinculantes, o julgamento em controle abstrato de constitucionalidade e o julgamento de recursos repetitivos. E, agora no Código Fux tal vinculação é plenamente reforçada. Pois a aplicação dos precedentes judiciais advindos do julgamento do incidente de demandas repetitivas e do incidente de assunção de competência (vide arts. 496, I,art.926, §2º, art. 927,§5º do CPC/2015).

Afinal, a igualdade, a coerência [5] , a isonomia, a segurança jurídica e, ainda, a previsibilidade das decisões judiciais constituem as principais justificativas para a adoção do stare decisis, ou seja, o sistema da força obrigatória dos precedentes judiciais.

Não se pode negar a quebra dos princípios acima mencionados pelo fato de que situações juridicamente idênticas sejam julgadas de maneiras distintas por órgãos de um mesmo tribunal, também não se pode fechar os olhos à constatação de que também a pura e simples adoção do precedente e principalmente em razão da repentina mudança de orientação jurisprudencial seja capaz mesmo de causar uma grave insegurança jurídica [6] .

Elpídio Donizetti exemplifica: Uma vez celebrado o negócio jurídico sob a vigência de determinada lei, não poderá a lei posterior retroagir, para alcançar o ato jurídico perfeito e acabado, exatamente porque celebrado em conformidade com o ordenamento em vigor. Esse é o sentido que se tem até presentemente emprestado à disposição do inciso XXXVI do art. 5º da CF/88.

Em decorrência da força obrigatória dos precedentes judiciais, as pessoas devem consultar a jurisprudência antes da prática de qualquer ato jurídico, uma vez que a conformidade com as normas, na qual se incluem os precedentes judiciais também deve ser verificada. O que constitui pressuposto para que o ato jurídico seja reputado perfeito. As cortes de justiça, por seu lado, ao julgar, por exemplo, a validade de um ato jurídico, terá que verificar a jurisprudência imperante à época. Portanto, tempus regit actum.

Afinal não podemos comparar a busca pela tutela jurisdicional com um jogo de loteria, como também é preciso compatibilizar a força dos precedentes judiciais e a necessidade premente de individualização do Direito.

Se existir fundamento suficiente para afastar um entendimento jurisprudencial já consolidado, deve então o magistrado exercer plenamente o seu livre convencimento, sem qualquer vinculação aos julgamentos anteriores. Caso contrário, será necessário que se busque, preferencialmente junto aos tribunais superiores, a interpretação uniformizada sobre o tema. Aliás, pode haver precedente com força cogente, de modo que o juiz dele não possa se afastar.

Os seguidores do civil law difundiram a noção de que a segurança jurídica estaria necessariamente atrelada à observância pura e simples da lei. A subordinação e a vinculação do juiz à lei constituiriam, portanto, as metas necessárias à concretização desse ideal.

A lei pode ser interpretada de vários modos, inclusive a partir de percepções morais do próprio julgador, não se mostra suficiente a assegurar aos jurisdicionados a mínima segurança jurídica que se espera de um Estado Democrático [7] de Direito.

O que se pretende, então, com a adoção de um sistema de precedentes judiciais, é oferecer soluções idênticas para casos concretos idênticos e decisões semelhantes para demandas que possuem o mesmo fundamento jurídico, evitando assim, a utilização excessiva de recursos e o aumento desmedido na quantidade de demandas.

É relevante frisar que a formação do precedente ocorre apenas pela razão de decidir do julgado, ou seja, sua ratio decidendi. Noutros termos, os fundamentos que sustentam os pilares de uma decisão é que podem ser invocados em julgamentos posteriores.

As circunstâncias fáticas que embasaram a controvérsia e que fazem parte do julgado, não têm o condão de tornar obrigatória e persuasiva a norma criada para o caso concreto.

Afora isso, os argumentos acessórios elaborados para o deslinde da lide (obter dictum [8] ) não podem ser usados com força vinculativa por não terem sido determinantes para a decisão e, nem as razões do voto vencido e os fundamentos que não foram adotados ou referendados pela maioria do órgão colegiado.

Por essa razão, parece-me elogiável a supressão dos embargos infringentes realizada pelo CPC/2015 que como recurso já houvera desaparecido em terras lusitanas (a partir do CPC Português de 1939), vindo a introduzir uma nova técnica de julgamento para o acórdão não unânime. Quando se simplificou o procedimento, dispensando-se o ato de recorrer e, ainda, haver prazo para as contrarrazões e nem discussões sobre o cabimento dos embargos infringentes. Pois, havendo divergência, simplesmente o processo prossegue, havendo a ampliação do quórum e a continuidade do julgamento.

Na praxe forense brasileira, o uso de voto vencido para fundamentação de um pedido ou mesmo de trechos de ementas sem qualquer vinculação à tese jurídica que solucionou a controvérsia originária, não pode servir de subsídio ao magistrado no julgamento de casos supostamente semelhantes.

Não é raro encontrar petições, invocando decisões consolidadas como fundamentação para casos que não possuem qualquer semelhança com precedente invocado. Assim, não é raro também encontrarmos juízes que premidos, pela pregação em prol da eficiência e da celeridade processual, lancem em suas decisões, trechos de acórdãos de tribunais superiores sem justificar devidamente o porquê da aplicação da mesma tese jurídica.

Portanto, é importante e necessário, antes que se promova a total familiarização com o sistema de precedentes judiciais no Brasil, que identifiquemos a compreensão do tema entre os operadores do direito e que se dê condições ao magistrado para que este exerça o seu livre convencimento sem a costumeira preocupação com metas; mas sim, com o critério de justiça adotado e com a necessária qualidade de seus julgados.

É verdade que alguns precedentes possuem autêntica eficácia normativa e, portanto, devem ser obrigatoriamente observados pelos magistrados. O sistema do stare decisis entendido como precedente de respeito obrigatório corresponde à norma criada por decisão judicial e, que, em face do status do órgão que a criou, deverá ser obrigatoriamente respeitada e acatada pelos órgãos de grau inferior.

E pressupõe simultaneamente uma atividade constitutiva da jurisdição (como a de quem cria a norma) e a atividade declaratória, destinada aos julgadores que tem o dever de seguir fielmente o precedente judicial em suas decisões.

Vige de certa forma no Brasil o stare decisis, pois o STF e o STJ além de terem o poder de criar a norma (teoria constitutiva da jurisdição, criadora do direito), os juízes inferiores também têm o dever de aplicar o precedente judicial criado por essas Cortes (concretizando assim a teoria declaratória). Adotamos pois uma bipolaridade quanto ao sistema de precedentes judiciais, pois ora somos criadores do direito e ora somos apenas aplicadores e descobridores do direito.

Deve-se observar que a atividade do STF e do STJ não está de forma nenhuma vinculada ao direito consuetudinário [9] (conforme vige no common law). Não há obrigatoriedade de respeito ao direito dos antepassados, tal como ocorre no sistema britânico [10] . Exatamente nesse ponto é que se diferencia o nosso ordenamento do sistema jurídico anglo-saxão.

Aplica-se de forma mitigada, no ordenamento pátrio, o stare decisis, porém desvinculado da noção de que o juiz deva apenas declarar o direito advindo do precedente judicial firmado em momento anterior, obviamente com os acréscimos decorrentes de circunstâncias fáticas diversas.

Nos países de tradição britânica podemos afirmar que o juiz, em suas decisões, deve respeitar o passado, o que perfaz a natureza declaratória da atividade jurisdicional. Assim pode haver o common law sem necessariamente haver o stare decisis, ou seja, a força obrigatória dos precedentes judiciais, e vice-versa.

O respeito ao common law em sua pátria de origem é mais visível e palpável, enquanto que nos EUA [11] , o stare decisis é mais crasso e onipotente, sem tanto comprometimento com o direito dos antepassados, o que se justifica por razões políticas e históricas.

O stare decisis é relativamente novo enquanto teoria. Já o common law é antigo. E, os juízes que operaram nesse sistema sempre tiveram que respeitar o direito costumeiro, mas apenas de uns tempos para cá, é que passaram então a obedecer aos precedentes judiciais. E, isso não implica obviamente, que os referidos juízes não possam superar tais precedentes judiciais.

A evolução do common law e principalmente em razão da grande conveniência trazida pela uniformização de decisões judiciais (ou seja, de prover decisões iguais para casos idênticos) culminou então com a força normativa dos precedentes judiciais.

Igualmente no sistema civil law o mesmo fenômeno fora observado, onde o fato de haver a utilização de precedentes judiciais, não tem como consequência a revogação das leis já existentes. Afinal, reconhece-se que a atividade dos juízes e tribunais é interpretativa e não legislativa.

Por mais que exista a omissão normativa ou que a lei preexistente não vem atender às particularidades do caso concreto, o Judiciário não poderá se substituir ao Legislativo. Nem mesmo nos casos de mandado de injunção, aonde só vem materializar a garantia constitucional já previamente existente embora em cunho genérico e não regulamentado.

Na prática, contudo, não é o que se verifica. Em nome de certos princípios, aplicados sem qualquer explicação para sua incidência no caso concreto, o julgador se afasta constantemente da lei, criando com suas decisões verdadeiras normas jurídicas.

Os precedentes vinculantes não devem ser aplicados de qualquer forma pelos magistrados. É preciso que seja realizada uma comparação entre o caso concreto e a ratio decidendi da decisão paradigmática. É necessário considerar as peculiaridades de cada caso concreto submetido ao crivo judicial, e, assim, atentar se o caso-paradigma possui realmente alguma semelhança com aquele que está sendo analisado.

A partir dessa comparação, na teoria dos precedentes [12] , havendo dissonância que recebe o nome de distinguishing, ou seja, perfazendo a distinção. É usado o método do confronto pelo qual o juiz, verifica se o caso em julgamento pode ou não ser considerado análogo ao paradigma.

Se não existir similitude e nem coincidência entre os fatos discutidos na demanda e a tese jurídica que subsidiou o precedente judicial, ou, ainda, se houver alguma peculiaridade no caso concreto que afaste a aplicação da ratio decidendi daquele precedente, o magistrado poderá se ater a hipótese sub judice, sem se vincular ao precedente judicial e nem ao julgamento anterior.

No sistema britânico [13] o juiz embasará suas decisões no direito costumeiro. Mas, no Brasil, o julgador prioritariamente deverá aplicar o precedente com força obrigatória mas de forma fundamentada. Frisando que a fundamentação deverá atender ao disposto no art. 489 do CPC/2015.

Não existindo o precedente judicial ou, sendo o caso de distinção do precedente invocado, deve-se aplicar a lei, não sem antes fazer o confronto com os princípios constitucionais. Pois no caso de obscuridade ou lacuna da lei, deverá se recorrer à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do direito (art. 140 do CPC/2015). E só decidirá por equidade [14] apenas nos casos previstos em lei.

Não obstante a ideia de obrigatoriedade dos precedentes judiciais, estes não devem ser invocados em toda e qualquer situação. Pois muitos fatos não guardam relação de semelhança e nem de similitude, mas exigem a mesma conclusão jurídica. Em outros fatos, porém, apesar de até existir a similitude, a peculiaridade do caso concreto o torna substancialmente diferente.

Portanto, mesmo diante de um precedente judicial vinculante, poderá o julgador laborar o distinguish do caso concreto que lhe é submetido, buscando, assim, a individualização do direito.

O mais relevante nessa distinção é que exista a motivação eficiente e explicativa (ou seja, adequada e específica) conforme propõe o art. 93, IX da CF/88. Essa motivação significa que as decisões judiciais não devem apenas se reportar aos dispositivos da lei, e aos conceitos abstratos e abertos e, nem a súmulas ou ementas de julgamento.

As decisões devem expor os elementos fáticos e jurídicos onde o magistrado se apoiou para decidir. E, nessa fundamentação deve ainda o julgador identificar exatamente as questões que considerou como essenciais e fulcrais para o deslinde da causa. Principalmente quanto à tese jurídica escolhida.

Porque a fundamentação se erige como norma geral, um modelo de conduta para toda a sociedade, principalmente para os indivíduos que nunca participaram daquele processo e, também para os demais órgãos do Judiciário, haja vista ser legitimamente a conduta presente.

É coerente afirmar que a atividade interpretativa do juiz não encontra fundamento apenas na lei. É evidente que os princípios e entendimentos jurisprudenciais sejam exemplos tomados habitualmente pelos magistrados, principalmente no momento de proferir a decisão. E, até no momento de escolher a tese jurídica a ser adotada.

Porém, a atividade interpretativa do julgador seja em razão da realidade ou apenas da evolução [15] tende a se modificar ao passar dos anos. E, a necessidade de sistematização dos princípios, se faz para erigir uma conexão com outras normas presentes e vigentes no ordenamento jurídico, e que confirmam as formas que possibilitam a mudança no sentido interpretativo jurídico.

Ainda que se deseje do Judiciário que as soluções sejam dotadas de maior segurança jurídica, coerência, celeridade e isonomia, não há como mumificar os órgãos jurisdicionais, no sentido de vincular ad aeternum a aplicação de determinado entendimento ou precedente judicial.

Por essas razões é que a doutrina bem amparada pelas teses norte-americanas professa a adoção de técnicas de superação dos precedentes judiciais. O overruling é técnica distinta do distinguishing, na medida em que este se caracteriza pelo confronto do caso à ratio decidendi do paradigma, visando aplicar ou afastar o precedente, enquanto que aquele corresponde à revogação ou superação do entendimento paradigmático consubstanciado no precedente.

Através do overruling [16] o precedente é revogado ou superado em razão da modificação dos valores sociais, dos conceitos jurídicos, da tecnologia ou mesmo, em virtude de erro gerador de instabilidade em sua aplicação.

O paradigma escolhido se aplicaria ao caso concreto sob julgamento, contudo, em face desses fatores, não há conveniência na preservação do precedente judicial. Além de revogar o precedente, o órgão julgador terá que construir uma nova posição jurídica para aquele contexto, a fim de que as situações geradas pela ausência ou insuficiência da norma não volte acontecer.

Ressalve-se que somente o órgão judicial legitimado poderá proceder à revogação do precedente. Desta forma, um precedente da Suprema Corte somente por esta Corte poderá ser revogado, e o mesmo, ocorre com os precedentes do STF e do STJ.

Há de se lembrar de que o art. 15 do CPC/2015 explicita que o processo civil regerá as questões de direito público. Então, quando cogitamos de processo civil que vai dar solução para lides públicas, eleitorais trabalhistas e administrativas. Logo, os poderes dos precedentes judiciais extrapolam ao processo civil e chega ao âmbito das relações privadas, indo mesmo atingir preciosas questões do direito público.

Quando um precedente judicial já se encontra consolidado, no sentido de os tribunais terem decidido de forma reiterada em determinado sentido, a sua superação não deveria ter eficácia retroativa, porque todos os jurisdicionados que foram beneficiados pelo precedente superado agiram de boa-fé, confiando na orientação jurisprudencial então pacificada.

Infelizmente, essa não é regra vigente em nosso sistema. Na aplicação do tempus regit actum considera-se tão somente a lei em sentido estrito, que era vigente à época do ato jurídico, e não propriamente a jurisprudência.

Em face da adesão ao stare decisis, há que se repensar essa prática, pois há de se fazer uma releitura do dispositivo constitucional que é garantidor da segurança jurídica. Sob pena de abalar tal precioso valor.

Desta forma, no Brasil, se ocorrer a revogação de um precedente judicial e ocorrer a construção de uma nova tese jurídica, esta passará a reger as relações constituídas anteriormente à decisão revogadora – é o que se denomina retroatividade plena – sem levar em conta a jurisprudência dominante à época do aperfeiçoamento do ato jurídico?

Respeitam-se tão somente as relações jurídicas acobertadas pela coisa julgada material e, às vezes a travestida de direito adquirido, esquecendo-se que tais garantias gozam de igual status constitucional. As normas em sentido lato do tempo da constituição do ato é que devem reger o ato, e não apenas a lei.

E, por cogitar em coisa julgada, há de se lembrar de sua ampliação conceitual positivada, posto que abrigue a questão prejudicial, e se pode cogitar que atualmente, há o entendimento prevalente no STF é no sentido de que a jurisprudência não deva retroagir para atingir a coisa julgada.

Assim, mesmo que haja mudança de entendimento da Corte Suprema, as situações já consolidadas, não deverão ser revistas, mesmo que no fundo se refira à matéria constitucional.

Apesar de se tratar de conceitos distintos (precedente e jurisprudência [17] ) a ideia que se pretende extrair do julgado da STF, é in litteris: “a coisa julgada não pode ser relativizada para atingir situações já consolidadas sob o fundamento de violação à literal disposição de lei”. (art. 485, V, do CPC/73). O art. 966, inciso V do CPC/2015 expressou-se melhor ao prever “violar expressamente norma jurídica”. Norma que poderá ser oriunda do direito positivo ou jurisprudencial.

Desta forma, um precedente judicial revogado não deverá a retroagir para atingir situações jurídicas definitivamente decididas, sobre a qual já se formou a res judicata.

Em resumo, para os processos em tramitação, bem como para os que serão propostos futuramente, valerá a regra da retroatividade, pouco importando o momento da constituição da relação jurídica deduzida no processo.

Para evitar essas situações, é que considero que a superação do precedente pode admitir, excepcionalmente, a adoção de efeitos prospectivos, não abrangendo as relações jurídicas praticadas antes da prolação da decisão revogadora.

Tal proposição evitaria situações, nas quais o demandante, vencedor nas instâncias inferiores justamente em virtude destas estarem seguindo o entendimento das cortes superiores, fosse surpreendido com a mudança brusca desse mesmo entendimento.

Sublinhe-se que é o tempo da relação jurídica de direito material deduzida no processo, e não o tempo processual. Se o precedente judicial passa a figurar como uma das espécies normativas, a partir da lei e dos princípios, o ato jurídico, constituído em consonância com essa normatividade, deve estar imune a qualquer alteração jurisprudencial posterior sobre a matéria.

No CPC/73, diversos dispositivos aprovados ao longo dos anos que apontam que a teoria dos precedentes também ganhou corpo no âmbito processual. Exemplificando: art. 285-A, art. 481, parágrafo único, art. 557, art. 475, terceiro parágrafo e art. 518, primeiro parágrafo.(Vide no CPC/2015 os art. 332, 949, 932, 496 e 1.010.parágrafo primeiro).

O marco mais reconhecido, no entanto, no estudo dos precedentes judiciais é a EC 45/2004 que além de ter promovido a denominada reforma no Poder Judiciário e inserido em nosso ordenamento as chamadas súmulas vinculantes, introduziu a repercussão geral [18] nas questões submetidas ao recurso extraordinário (art. 102, terceiro parágrafo da CF/88).

Reafirma-se essa ideia que se coaduna com o teor do art. 5º, inciso XXXVI da CF/88, segundo a qual a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Conclui-se que a CF/1988 não permite que os atos normativos do Estado atinjam as situações passadas. Sendo compreensível o entendimento do STF.

No entanto, há de se estabelecer um paralelo entre a previsão constitucional e o sistema de precedentes judiciais, e percebe-se que o texto constitucional também não admite que as soluções apontadas pelo Judiciário para uma mesma questão de direito, sejam dadas das mais diversas formas dentro de um curto espaço de tempo.

Assim, o que deseja a Constituição Federal brasileira garantir é certa previsibilidade do resultado de determinadas demandas, de forma a proporcionar aos jurisdicionados maior segurança jurídica, quer na formação do ato jurídico, quer no momento de se buscar a tutela jurisdicional.

No âmbito do sistema jurídico brasileiro, os precedentes judiciais objetivam alcançar a exegese que forneça essa certeza aos jurisdicionados em temas polêmicos, uma vez que ninguém restará seguro de seu direito ante uma jurisprudência incerta.

A previsibilidade do resultado de certas demandas não acarretará a mumificação do Poder Judiciário, posto que os processos se refiram as questões de fato que continuarão a serem decididas conforme as provas carreadas nos autos. Afora isso, os tribunais poderão modificar seus precedentes, desde que o façam em decisão devidamente fundamentada.

A eficácia prospectiva da modificação dos precedentes ou prospective overruling poderá ser verificada através de controle de constitucionalidade. Mas se trata de medida excepcional e que deverá ser usada considerando-se o fim desejado [19] pela nova norma, o tipo de aplicação que se mostra mais adequada e o grau de confiança que os jurisdicionados depositaram no precedente que irá ser superado.

De qualquer maneira, é inegável que, em nome da segurança jurídica, a decisão proferida no controle concentrado de constitucionalidade poderá resguardar até mesmo o ato formado segundo um regramento reputado como inconstitucional.

Tecer considerações sobre a evolução dos precedentes judiciais no direito brasileiro é algo dificílimo principalmente diante daqueles que anunciam um novo direito processual, onde há o especial destaque para a atuação paradigmática dos julgadores, notadamente dos tribunais superiores.

No afã de se solucionar com maior segurança jurídica, coerência, celeridade e isonomia as demandas de massas, as causas repetitivas e os recursos repetitivos, ou melhor, as causas cuja relevância ultrapassa ao âmbito dos interesses subjetivos das partes, é um desafio ferrenho.

Não podemos crer que os precedentes judiciais no Brasil apenas surgiram após a promulgação da EC 45/2004 que introduziu em nosso ordenamento os enunciados de súmula vinculante, editadas apenas pelo STF.

Há mais de vinte anos o direito pátrio vem adotando o sistema de precedentes judiciais, e dependendo da hierarquia do órgão decisor.

Lembremo-nos da Lei 8.038/90 que permitiu ao relator do STF ou do STJ, decidir monocraticamente o pedido ou o recurso que tiver perdido o objeto, bem como ainda, negar o seguimento do pedido ou recurso manifestamente intempestivo, incabível ou improcedente, ou ainda, que contrariar, nas questões predominantemente de direito, súmula do respectivo Tribunal (art. 38).

Ademais a EC 3/1993 que acrescentou o segundo parágrafo do art. 102 da CF/88 e atribuiu efeito vinculante à decisão proferida pelo STF em Ação Declaratória de Constitucionalidade pode ser considerada como o primeiro marco normativo da aplicação de precedentes judiciais no Brasil.

A repercussão geral, matéria igualmente disciplinada no CPC, sempre existirá quando o recurso extraordinário impugnar decisão contrária à súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal art. 543-A do §3º, do CPC/73 (vide art. 1.035 do CPC/2015). Por esses dispositivos, pressente-se a força dos precedentes formados no âmbito do STF.

A gradativa ênfase ao caráter paradigmático das decisões dos tribunais superiores brasileiros nos fornece a impressão da importância do tema, principalmente se encararmos os precedentes como instrumentos que podem conferir maior efetividade aos princípios elencados no texto constitucional, como o da segurança jurídica, da isonomia e da motivação das decisões judiciais.

O sistema de precedentes judiciais na terra brasilis resta incompleto e depende ainda de algumas imprescindíveis correções para que dele se possa extrair a finalidade esperada.

Não é raro haver resistência na doutrina e na jurisprudência sobre a aplicação de precedentes judiciais. E, em razão da lenta velocidade pela qual se processam as alterações legislativas no Brasil, a tendência é que a jurisprudência ganhe destreza, a fim de que possa melhor solucionar as soluções que possam ser resolvidas pela aplicação literal da lei.

O aperfeiçoamento do stare decisis brasileiro contempla com mecanismos que buscam a uniformização e estabilização da jurisprudência pátria. Prevê a priori três tipos de vinculatividade: a forte, a média e branda. A vinculação forte advém da lei, da aplicação da lei no IRDR, nos recursos repetitivos, das súmulas [20] vinculantes e, etc… A vinculação mediana é que advém de súmulas do STJ e STF, e a vinculação fraca advém da jurisprudência dos tribunais estaduais.

O novo CPC ao estabelecer os elementos e efeitos da sentença se deteve no conceito de fundamentação de atos judiciais, impondo que não se considerará fundamentada qualquer decisão judicial quando se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes e nem demonstrar que o caso sub judice se ajusta àqueles fundamentos; ou deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocando pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

Não basta, portanto, que se aponte o precedente, a súmula ou o julgado. É curial que se identifique os fundamentos determinantes que o levaram a seguir o precedente. Explicando os motivos pelos quais está aplicando a orientação consolidada jurisprudencialmente ao caso concreto. E, nesse sentido, é que se encontram os parâmetros para a utilização, se for o caso, para o distinguishing.

Deverá ainda, o juiz demonstrar, se houver a distinção entre o precedente e o caso concreto em análise ou então, que o paradigma invocado resta superado.

Ao positivar o precedente judicial se buscou a adequação dos entendimentos jurisprudenciais em todos os níveis de jurisdição, evitando a dispersão e a intranquilidade social e, ainda, o descrédito nas decisões emanadas pelo Judiciário.

Tratou o legislador explicitamente da aplicação do distinguishing, ao proibir a edição de súmulas que não considere os detalhes fáticos do precedente que motivou a sua criação. Procurou-se prevenir, assim, a inadequada consolidação de enunciados de súmulas, e, ipso facto, a errônea aplicação dos precedentes aos casos sob julgamento.

Em verdade, o CPC/2015 traçou um roteiro de como os julgadores deverão aplicar precedentes. E, não se trata de mera faculdade e, sim, de imperatividade. O que poderá levar alguns, a cogitar que se está afastando a independência [21] do juízo e o princípio da persuasão racional que habilita o magistrado a valer-se do seu convencimento para julgar a causa.

Entretanto, não há diferença entre a aplicação da lei ou do precedente, ao não ser pelo fato que, geralmente, este contenha mais elementos de concretude do que aquela. Como é cediça, a lei é genérica.

Tal como no sistema positivado, também no stare decisis, existe o livre convencimento do juiz que incide sobre a definição da norma a ser aplicada seja por meio de confronto da ratio decidendi extraída do paradigma com os fundamentos do caso sob julgamento, sobre a valoração das provas e, finalmente sobre a valoração dos fatos pelo paradigma escolhido, considerando as circunstâncias peculiares da hipótese em julgamento.

De maneira que existindo o precedente sobre a questão posta em julgamento, conforme consta do NCPC, ao juiz não se dará opção de escolher outro parâmetro de apreciação da causa. Só será lícito recorrer à lei ou ao arcabouço principiológico para valorar os fatos na ausência de precedentes.

Poderá até usar de tais espécies normativas para construir a fundamentação de ato decisório, porém jamais poderá renegar o precedente que contemple julgamento de caso idêntico ou similar. Tal obrigatoriedade conduz a força normativa cogencial que respalda sua racionalidade no fato de que cabe ao STJ interpretar a legislação infraconstitucional e ao STF dar a última palavra sobre as controvérsias constitucionais.

Portanto, por mais que o julgador tenha outra compreensão ou leitura da matéria sub judice, a contrariedade só poderá protelar o processo por meio de sucessivos recursos e, consequentemente, de adiar a resolução da controvérsia.

A vinculação se restringe à adoção da regra contida na ratio decidendi do precedente. Não se cogita da supressão da livre apreciação da prova, da decisão da lide, atendendo aos fatos e às circunstâncias presentes nos autos, enfim do exercício do livre convencimento fundamentado do juiz.

Frise-se ao juiz permite-se não seguir o precedente ou a jurisprudência, quando deverá demonstrar de forma fundamentada, que se trata de situação particular e distinta e que não se enquadra nos fundamentos do precedente.

Assim os fundamentos jurídicos passarão ser buscados prioritariamente nas decisões judiciais. Como primeiro juiz da causa, caberá ao advogado indicar ao julgado o precedente a ser aplicado, demonstrando, naturalmente, a semelhança entre o caso submetido a julgamento ou, ainda, a distinção entre o paradigma apontado e o caso concreto…

Tal procedimento evitará o ajuizamento de ações e recursos desnecessários e, ainda, transformará mais segura a consulta sobre as possíveis consequências de uma demanda. Também permite o novo codex a revogação de precedentes que já não correspondam mais à realidade econômica, política, social ou jurídica. Porém tal superação deve ser cuidadosa, podendo até ser precedida de audiências públicas que servirão para democratizar o debate e legitimar as novas decisões sobre o tema em debate.

Relevante os efeitos e modulação dos efeitos dos precedentes. Pois em regra geral, o entendimento das Cortes superiores se aplica aos casos em trâmite, ou seja, aquelas demandas pendentes de julgamento, não importando a jurisprudência prevalente à época da formação jurídica em juízo deduzida.

Mas, por outro viés, aquelas ações que já tenham sido completamente decididas sob a força do entendimento anterior, não deverão sofrer com a modificação do precedente, em respeito à imutabilidade da coisa julgada.

E a fim de evitar ou minorar prejuízos em face da mudança brusca de jurisprudência das cortes superiores, e desta forma, proporcionar ao jurisdicionado maior segurança jurídica, quando exercer o seu direito constitucional de ação, o tribunal também poderá modular ou ponderar os efeitos da decisão, limitando sua retroatividade ou atribuindo-lhe eventuais efeitos prospectivos.

Mas, não admitindo relativizar a coisa julgada em decorrência da superação de precedente judicial.

O efeito vinculante do precedente judicial dependerá da adoção dos respectivos fundamentos pela maioria dos membros do colegiado, ainda que desse entendimento, não resulte súmula.

Nesse sentido, a ratio decidendi extraída do voto vencido não constitui precedente vinculante. A vinculação, nesses casos, se dará de forma hierarquizada. O STJ deve observar o entendimento do STF, e, assim por diante, com relação aos tribunais de segundo grau. E, também os órgãos fracionários deverão seguir os precedentes fixados pelo tribunal.

Pela nova lei processual evitará que situações nas quais dois ou mais jurisdicionados, em situações jurídicas semelhantes, possuem seus recursos julgados de formas completamente distintas, porque um deles fora distribuído para a primeira turma do STJ e o outro para a terceira turma do mesmo tribunal.

Prevê a eficácia vinculante poderá ser afastada quando os fundamentos do caso paradigma, não forem imprescindíveis para o resultado final ou quando não forem adotados pela maioria dos membros do colegiado, ainda que estejam presentes no acórdão.

Disso, depreende-se que terá o efeito vinculante apenas os argumentos essenciais, os que definirem a tese a ser aplicada e que forem aceitos pela maioria.

Assim evita-se que se apoiem em votos vencidos ou em precedentes que não se amoldam ao caso concreto para sustentar suas teses. O que é válido tanto para advogados como para julgadores.

A formação do precedente observará forçosamente o devido processo legal, e também será vedada tal formação caso as partes não tenham a oportunidade de se manifestar. Portanto, o uso do precedente só garantirá a estabilidade quando assegurada a plena participação dos litigantes. Do contrário, ter-se-á a negação ao acesso à justiça.

A reclamação é cabível para preservar a competência do STF e STJ, bem como para garantir a autoridade de decisões por eles prolatadas. É possível ajuizar reclamação para garantir a autoridade das súmulas vinculantes [22] . Mas, não se aplica às súmulas convencionais da jurisprudência do STF ou STJ.

Observa-se que a reclamação é essencial instrumento de defesa judicial das decisões proferidas pelas cortes estaduais, no exercício da função de guardiãs das Constituições estaduais. Simetricamente, a reclamação prevista no texto constitucional poderá ser usada no âmbito dos Estados, a depender de regulamentação da constituição local.

Existe a possibilidade rara e transitória de reclamação para o STJ contra acórdão de turma recursal: quando houver afronta à jurisprudência pacificada em recursos repetitivos; houver violação de súmula de STJ; se for teratológica. E, nesses casos, a reclamação tem cabimento até que seja criada a Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais dos Estados e do DF.

Ampliam-se as hipóteses de cabimento de reclamação constitucional ao prever que esta poderá ser ajuizada para garantir a observância de súmula vinculante e de acórdão ou precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência…

Estando a tese jurídica firmada em recurso repetitivo pode o jurisdicionado, ou o próprio MP pode propor a reclamação a fim de chamar a atenção da instância inferior para necessidade de cumprir e acatar a decisão consolidada.

O único impedimento para a aplicação da reclamação é a coisa julgada, que deve ser compreendida como a coisa julgada material, ou seja, aquela que confere à decisão às qualidades de indiscutibilidade e imutabilidade. É o entendimento firmado pelo STF.

O incidente de assunção de competência permite que o relator submeta o julgamento de certa causa ao colegiado de maior abrangência dentro do tribunal conforme dispuser o regimento interno. A causa deve envolver importante questão de direito, dotada de grande repercussão social, de forma a justificar a apreciação pelo plenário, órgão especial ou outro órgão previsto no regimento interno para assumir a competência para julgamento do feito.

A assunção de competência somente tem lugar no julgamento de apelação ou de agravo, ou seja, nos tribunais de segundo grau. Em qualquer recurso, na remessa necessária ou nas causas de competência originária, poderá ocorrer a instauração de incidente.

Há a previsão no CPC/2015 que garante a vinculação de todos os juízes e órgãos fracionários do respectivo tribunal ao entendimento firmado no incidente de assunção de competência. Portanto, se refere a um precedente de força obrigatória, cuja observância pode ensejar a propositura de reclamação.

Oportuno sublinhar que de acordo com o Novo CPC o precedente judicial firmado neste incidente poderá ser usado em diversas hipóteses de julgamento antecipatório, evitando o trâmite de causas que tratem de questões idênticas, e garantindo ao julgador que aplique ou distinga o caso daquele segmentado na jurisprudência. Assim, aperfeiçoou-se o caráter normativo e sistemático do instituto.

Recordamos que pelo mais de forma mais simplificada, já existe uma técnica de composição ou prevenção de divergência e está prevista nos Regimentos Internos do STF, no art. 22, parágrafo único, alíneas a e b e do Regimento Interno do STJ, no art. 14, II e art. 12, parágrafo único.

As técnicas processuais que tanto valorizam os precedentes judiciais e, ipso facto, a celeridade processual, a isonomia e a segurança jurídica, devem servir para aprimorar a sistemática processual civil e nunca com o intuito de engessa a atuação interpretativa dos juízes e dos tribunais brasileira e nem para limitar o direito de acesso à justiça.

O processo civil deve estar disponível e permeável ao diálogo e à troca de experiências. E para tanto para se efetivar o Estado Democrático de Direito há de se ter um ordenamento jurídico coerente. A função e razão de ser dos tribunais brasileiros é proferir decisões que se amoldem e adequem ao ordenamento jurídico e que sirvam de norte para os demais órgãos integrantes de Poder Judiciário.

Curial sublinhar que a adoção dos precedentes não significa a eternização dos entendimentos jurisprudenciais ou das decisões judicias. O juiz continuará a exercer seu livre convencimento e a agir conforme a ciência jurídica e a consciência, afastando determinada norma quando esta não for capaz de solucionar de forma efetiva o caso concreto. Devendo demonstrar as razões de convencimento na motivação.

É através da motivação que se auferirá o exercício jurisdicional e, consequentemente, a eficiência do sistema de precedentes judiciais adotado pelo CPC/2015.

No sistema judiciário brasileiro existe uma crise instalada em razão de excessivo número de demandas e recursos para os tribunais superiores. E também no plano jurisprudencial, nos deparamos como a dinâmica caótica da loteria, onde a sorte dos jurisdicionados está relacionado com o juiz ou tribunal que irá decidir o caso concreto, pois diante de uma mesma regra jurídica ou até princípios, existem diversas interpretações distintas.

E tal fenômeno abala a certeza do direito, sua previsibilidade, causando uma crise por insegurança jurídica. E, ainda compromete a existência e vigência do próprio Estado de Direito, na medida em que as coisas passam ocorrer como houvesse várias leis regendo a mesma conduta.

E, então, surge o questionamento: a doutrina do stare decisis ou dos precedentes vinculantes, que progressivamente aumenta a uniformização da jurisprudência, seria a solução para a crise do sistema judiciário brasileiro?

Os precedentes com efeito normativo conforme ocorre no common law implica na obrigação de aplicá-los conforme os casos semelhantes em julgamento, garantindo, desta forma, a previsibilidade do Direito bem como a sua estabilidade e principalmente materializando o tratamento isonômico aos jurisdicionados conforme o mandamento constitucional.

A identificação da jurisprudência como uma das fontes do direito constitui o elemento comum aos ordenamentos jurídicos do Ocidente. O que varia é sua eficácia e a forma de operação de tais precedentes.

Em França, por conta da ideologia liberal muito ligada aos valores burgueses que causou crise de ordem econômica e social derrubando a monarquia absoluta, a aristocracia feudal e os juízes franceses que eram relacionados a esta última. Tal crise culminou com a Revolução Francesa que trouxe uma ruptura com a ordem política e jurídica da época.

A revolução francesa desejou deixar de lado o Poder Judiciário pois afinal os juízes eram ligados aos reis franceses e senhores feudais. E, na época, os cargos de juízes eram herdados e até mesmo comprados.

Os revolucionários franceses marcharam contra o absolutismo ,e desejaram substituir o rei por outro poder absoluto, o da Assembleia soberana. Assim, justifica-se que o parlamento tenha avocado para si a competência exclusiva de criar o direito, de maneira que a atividade dos juízes deveria se restringir apenas a declarar [23] a lei… ou seja, ser la bouche de la loi.

Foi nessa mesma época que elaborou sua tese de que não poderia existir liberdade, caso o Judiciário não estivesse separado dos poderes Legislativo e Executivo, o que consubstancia a teoria da separação dos poderes. Assim, para Montesquieu não poderiam os juízes ter o poder de interpretar as leis e nem as de imperium, porque, caso contrário, poderiam distorcê-las e finalmente frustrar os objetivos do novo regime…

Então, nesse cenário surgiu o sistema civil law que tem como fonte principal do direito a lei, obra do poder legislativo e do prestígio do parlamento. Onde o Parlamento ficou com a atribuição de formular leis claras, objetivas e universais de forma que abrangessem todas as soluções possíveis e imagináveis para os conflitos humanos. Não restaria espaço para a interpretação ou criação dos juízes, buscava-se a segurança jurídica exclusivamente nos textos positivados das leis.

No Reino Unido, o berço original do sistema common law, o desenvolvimento ocorreu de forma contínua e gradativa, sendo produto de uma longa e sofrida evolução [24] . Nesse sistema, o Legislativo não se opunha ao Judiciário, chegando mesmo, a com ele se confundir. No direito britânico, o juiz esteve ao lado do Parlamento na luta contra o arbítrio do monarca, reivindicando a tutela dos direitos e das liberdades dos cidadãos. Ele não só interpretava a lei como também extraía direitos e deveres a partir do common law.

A tradição do common law caracterizada pelo direito costumeiro e o stare decisis principalmente pelo respeito obrigatório aos precedentes judiciais que são considerados como fonte primária do direito, conferindo maior segurança e previsibilidade nas decisões. No Reino Unido, as leis estavam submetidas a um direito superior, o common law, e se assim não fosse, estas seriam nulas e destituídas de eficácia.

É sabido que nosso país é filiado no sistema civil law, desde muito tempo vem sofrendo o excesso de divergência jurisprudencial, o que torna a lei insuficiente para garantir segurança jurídica à sociedade. Entretanto, hoje o que se observa é uma grande mutação dos sistemas, para sistema híbrido. Estamos diante de um novo civil law e de um novo common law, e ambos exploram a principal forma de direito do outro, sem, contudo alterar-se.

Na doutrina do stare decisis ou dos precedentes obrigatórios onde os juízes e tribunais devem seguir os precedentes existentes, mas no fundo, eles devem seguir a ratio decidendi dos precedentes. Por esse motivo, se torna muito importante identificar a ratio decidendi porque apenas esta, tem o efeito vinculante obrigando os juízos a respeitá-la também nos julgamentos futuros.

Há muita discussão sobre a definição da ratio decidendi e também em relação à escolha do método mais eficaz para identificá-la no bojo dos precedentes. São muitas concepções vigentes, mas podemos apontar a mais comum como: a regra do direito explicitamente estabelecida pelo juiz com base de sua decisão.

Ou seja, a resposta explícita a questão de direito do caso concreto; a razão exteriorizada e dada pelo juiz para a decisão, ou seja, a justificação para a resposta oferecida como sendo a resposta ao caso concreto; por outro lado, há a regra de direito implícita nas razões do juiz para justificação de sua decisão (é a resposta implícita a questão de direito do caso).

Igualmente existe discussão sobre o melhor método para se identificar a ratio decidendi. No common law, observa-se três teorias usadas, a saber: a teoria de Wambaugh [25] , teoria de Olyphant [26] e a teoria de Goodhart [27] .

A primeira é considerada a tese clássica e afirma que a ratio decidendi é a proposição ou regra sem a qual o caso seria decidido de forma diversa e propõe um teste, de acordo com o qual se deve alterar o conteúdo da premissa para verificar se a decisão se mantém ou não, a mesma. De sorte que se a decisão vier a sofrer mudança, a premissa era realmente necessária e se constituía na ratio decidendi. Por outro lado, se a decisão permanecesse inalterada, a premissa era mero obiter dictum.

A tese de Olyphant rejeita a busca da ratio decidendi no raciocínio do juiz para chegar à decisão, posto que entenda que a opinião do tribunal é a racionalização preparada depois da decisão que dá boas razões, mas não, as razões reais. Assim sugere que os fatos levados ao tribunal sejam considerados como estímulos a uma resposta. No seu entendimento, a combinação dos estímulos e a resposta são a ratio decidendi, que é a decisão real do caso.

A teoria de Goodhart consiste essencialmente na determinação da ratio de um precedente mediante a consideração que: dos fatos tidos como fundamentais, na ótica do juiz do precedente; da decisão do juiz baseada nesses fatos. A fundamentação disso está no fato de que, no julgamento de um caso concreto, o direito é analisado pelo juiz ou por qualquer outro intérprete, levando em consideração os fatos do caso, e restando, por conseguinte, que o peso das proposições afirmadas pelo julgador com base nos fatos fundamentais é sempre maior do que o peso de qualquer outra coisa que o juiz afirme.

Infelizmente no Brasil, a força dos precedentes não se relaciona obrigatoriamente à resolução dos casos, torna-se natural conferir força de ratio decidendi às razões suficientes à solução das questões versadas nos casos mesmo que estas não sejam necessárias ao resultado da causa. Dessa feita, cada um dos motivos determinantes e suficientes para decidir as múltiplas questões jurídicas, constitui-se em ratio decidendi e, portanto, pode vincular futuras decisões relativas à análoga questão de direito.

Resta evidente que a importância de se identificar a ratio decidendi ou os motivos determinantes da decisão consiste em encontrar a parte do precedente que vai servir de paradigma para os casos concretos posteriores, garantindo previsibilidade e segurança na realização do direito.

A definição de obiter dictum é obtida por negação a partir da determinação do que seja ratio decidendi de um caso concreto, ou seja, se uma proposição ou regra de direito constante de um caso não faz parte da sua ratio, esta é dictum ou obiter dictum e, consequentemente, não é obrigatória.

São consideradas dictum as passagens que não são essenciais ao resultado, as que não estão conectadas com os fatos do caso concreto, ou as que são dirigidas a um ponto que nenhuma das partes buscou suscitar. Apesar disto, as obiter dictum estão intimamente relacionados ao caso concreto em julgamento e são abordadas de forma aprofundada pelo juiz ou tribunal, assumindo o perfil e a textura muito similar ao da ratio decidendi. Nesses casos, observa-se que, apesar de continuarem sem efeitos obrigatórios essas obiter dictum possuem forte efeito persuasivo.

Com a técnica da sinalização ou technique of sinaling, o tribunal não ignora que o conteúdo do precedente está equivocado ou não deva mais ser observado, porém, por razões de segurança jurídica, ao invés de revogá-lo, prefere apontar para sua perda de consistência e sinalizar para sua futura revogação.

Na técnica de transformation, embora o resultado a que se chega ao caso em julgamento seja incompatível com a ratio decidendi do precedente, tenta-se compatibilizar a solução do caso com o precedente transformado ou reconstruído, mediante a atribuição de relevância aos fatos que foram considerados de passagem.

Embora se admita o erro da tese (razão determinante) do precedente judicial, também se admite que se chegasse a resultado correto ou escorreito, porém através de fundamento equivocado.

É através do overriding (método de substituição) que a Corte limita ou restringe a incidência do precedente judicial, como se fosse uma parcial revogação. Porém mais se aproxima do distinguishing do que de uma revogação parcial, pois, apesar do resultado do caso em julgamento ser incompatível com a totalidade do precedente, a restrição se dá com base em situação relevante que não estava envolvida no precedente.

As referidas técnicas anteriormente abordadas são de países do sistema common law, principalmente EUA [28] . E, no Brasil, pode-se verificar o overriding com a interpretação do STF dada ao enunciado 343 no enunciado de sua súmula que estabelece in litteris: “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”. Após, a edição de tal enunciado, o STF interpretou-o de forma a restringir seu alcance, por entender que não seria aplicável quando a alegada violação fosse o dispositivo da CF/88.

Analisando a eficácia dos precedentes judiciais no sistema jurídico brasileiro, chega-se a classificação que se revela mais adequada que é a dos precedentes obrigatórios ou vinculantes; os precedentes relativamente obrigatórios e os persuasivos.

Os precedentes obrigatórios ou vinculantes são advindos da autoridade vinculante independente da opinião do julgador do caso concreto em julgamento, que deverá segui-lo, mesmo não o achando correto. É a expressão clara do stare decisis et non quieta movere (mantenha a decisão e não mova no que está quieto) sendo a regra preciosa no common law.

Os precedentes judiciais projetam efeitos não apenas entre as partes do caso concreto, mas fixam também uma orientação a ser obrigatoriamente seguida em todas as hipóteses semelhantes. Geram, assim, para além da solução do litígio específico que lhes fora submetido uma norma, isto é, uma comando aplicável, dotado de generalidade, e incidente a todos os casos idênticos de forma permanente, sob pena de punição, à imagem e semelhança da lei.

No sistema jurídico pátrio, embora a regra seja não-normatividade, temos também precedentes vinculantes, tais como: as decisões definitivas do STF no controle concentrado de constitucionalidade; as decisões que deferem liminar em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN), Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) e Ação Declaratória de Preceito Fundamental as decisões do STF acerca da repercussão geral; as decisões do STF em recurso extraordinário, versando sobre causas repetitivas, as súmulas vinculantes; os precedente do STJ que representem sua jurisprudência uníssona, com relação às turmas recursais estaduais; as decisões dos tribunais em sede de controle concentrado de constitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou municipal contestados única e exclusivamente em face da Constituição Estadual.

Os precedentes judiciais relativamente obrigatórios são aqueles cuja autoridade afirma-se por si e impõem a solução do caso em julgamento, exceto se o tribunal do caso tiver uma boa e fundada razão em contrário, hipótese que pode se afastar dele, desde que se desincumba do qualificado ônus argumentativo.

Atualmente, no Brasil, só existe uma espécie desse tipo de precedente judicial que é a decisão do STJ, em recurso especial nas causas repetitivas, conforme o art. 543-C, sétimo e oitavo parágrafos do CPC/73. Nesta hipótese ocorre que, apreciada a questão pelo STJ, os tribunais ordinários devem seguir tal decisão, para negar seguimento aos recursos especiais ou para reexaminá-los. Observe-se que não obstante o tribunal possa manter-se divergente da orientação firmada pelo STJ, conforme o art. 543-C, oitavo parágrafo do CPC/73 (art.1.036 do CPC/2015), deve apresentar fundadas razões para tanto.

Os precedentes judiciais persuasivos correspondem à regra no direito pátrio. E sua definição é feita por exclusão, ou seja, são aqueles que não forem obrigatórios e nem os relativamente obrigatórios. Também se considerada um precedente persuasivo quando o juiz não está obrigado a segui-lo, de forma que, se o seguir, é porque está convencido da sua correção.

Aponta a maior parte da doutrina que o uso de precedentes judiciais vinculantes gera uma série de vantagens entre as quais se destacam: a segurança jurídica, a previsibilidade, estabilidade, igualdade [29] perante a jurisdição e da lei, coerência da ordem jurídica, garantia de imparcialidade do juiz definição de expectativas, desestímulo à litigância, favorecimento de acordos, racionalização do duplo grau de jurisdição, duração razoável do processo, economia processual e enfim, maior eficiência do judiciário.

Há autores que também elencam desvantagens para o uso dos precedentes vinculantes, como o obstáculo ao desenvolvimento do Direito [30] e ao surgimento de decisões adequadas às novas realidades sociais, óbice à realização da isonomia substancial, violação do princípio da separação dos poderes, violação da independência dos juízes, violação do juiz natural e a violação da garantia do acesso à justiça;

Diante do rol maior de vantagens do que das desvantagens em razão do uso dos precedentes obrigatórios, os pontos positivos se mostram mais suficientes para demonstrar o poder dos precedentes no direito brasileiro.

Autoras:

Gisele Leite e Denise Heuseler

Referências:

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RAMOS, Vinícius Estefanelli. Teoria dos precedentes judiciais e sua eficácia no sistema brasileiro atual. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/24569/teoria-dos-precedentes-judiciais-e-sua-eficacia-no-sistema-brasileiro-atual/2 Acesso em 06.09.2015.

BARROSO, Luis Roberto. Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

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________________ O Império do Direito. Traduzido por Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

HARTMANN, Rodolfo Kronemberg. Novo Código de Processo Civil. Comparado e Anotado. Niterói-RJ: Impetus, 2015.

MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no Direito Brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegitimidade constitucional do efeito vinculante. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.



[1] Precedente é a norma obtida no julgamento de um caso concreto que se define como a regra universal passível de ser observada em outras situações. O termo jurisprudência é utilizado para definir as decisões reiteradas dos tribunais, que podem se fundamentar, ou não, em precedentes judiciais. A jurisprudência é formada em razão da aplicação reiterada de um precedente.

[2] Hart era positivista e dizia que o juiz cria o direito. Então deve exercer o seu poder discricionário e criar direito para o caso, em vez de aplicar meramente o direito estabelecido pré-existente. Assim, em tais casos juridicamente não previstos ou não regulados, o juiz cria direito novo e aplica o direito estabelecido que não só confere, mas também restringe, os seus poderes de criação do direito. Hart procura traçar uma teoria descritiva da lei, em busca da segurança jurídica e pela eficiência da pressão social. Tenta também criar critérios para dizer quais regras e quais princípios são leis, sendo irrelevante sua justificação.

[3] A regra de direito ou norma jurídica do Reino Unido e dos EUA onde vige o sistema da common law, é muito mais específica e elaborada que a da França, Itália, Alemanha e Brasil que são integrantes do civil law. A legal rule inglesa difere da régle de droit francesa por ostentar menor grau de generalidade, com menor amplitude e aplicabilidade, estando vinculada a todas as circunstâncias da demanda específica que formou o precedente.

O suporte fático da norma no sistema civil law mostra-se genérico e abstrato em comparação com os elementos de fato do precedente do sistema common law, que, com todas as peculiaridades do caso concreto, integram a norma encerrada na ratio decidendi jurisprudencial. O fato e norma não se distinguem na regra do direito anglo-saxônico. É o precedente, pois um formato muito mais distintivo de emanação da norma jurídica, pelo que o catálogo de direitos nos países de origem inglesa é absurdamente vasto, algo que os doutrinadores locais muitas vezes têm lamentado.

[4] A distinção existente entre os sistemas da civil law e da common law, porém, supera o nível dos conceitos, alcançando a própria estrutura dos respectivos paradigmas, entendida como o modo básico de elaboração e difusão do conhecimento jurídico e a forma das relações entre as fontes do direito.

A diferença estrutural se explica historicamente pela origem das famílias jurídicas: enquanto os sistemas romanistas foram construídos de forma racional e lógica, considerando as regras de fundo do direito, graças à obra das universidades e do legislador, o direito britânico fora ordenado, longe de qualquer preocupação lógica, nos quadros que lhe eram impostos pelo processo, conservando-se, de forma geral, as classificações às quais se estava habituado devido a uma longa tradição.

Diferentemente dos romanistas, os juristas ingleses, até hoje, guardam uma tendência de valorização ao direito processual (adejective law ), já que, na origem, seu direito não foi fruto dos princípios e teorias pregados nas universidades, mas da prática, na qual se formava o jurista, ciente da preocupação histórica de “evitar as ciladas que lhe reservava, a cada passo, um processo muito formalista”, incluindo minuciosas regas de direito probatório que marcaram o direito inglês por sua riqueza e tecnicismo, considerado excessivo por alguns.

[5] A coerência no sistema jurídico se revela inerente ao respeito aos precedentes. A nossa CF/1988 confere à segurança o status de direito fundamental, arrolando-a no caput do art. 5º, como direito inviolável, juntamente com os direitos à vida, liberdade, igualdade e propriedade. A ideia de coerência traz consigo as noções de segurança jurídica e estabilidade e, conduz a uma concepção de encadeamento de complementação.

É bela a definição apregoada por Ronald Dworkin que o direito deve ser entendido como um romance em que vários escritores escrevem em cadeia ( novel in chain). E, nessa integridade no direito, cada romancista da cadeia vem a interpretar os capítulos que recebeu para escrever um novo capítulo, que é então acrescentado ao que recebe romancista seguinte. Cada um deve escrever seu capítulo de modo a criar, da melhor maneira possível, o romance em elaboração, e a complexidade dessa tarefa reproduz a complexidade de decidir um caso difícil de direito como integridade. Portanto, o juiz diante do caso concreto a ser julgado, não parte de uma tábula rasa, mas deve levar em consideração os precedentes.

[6] A assimetria na interpretação jurídica é trágica e angustiante. Pois é banal na praxe forense quando advogados ajuízam uma ação ou interpõem recurso, sabendo que as chances de êxito são pequenas ou mínimas, principalmente quando distribuído em determinada Vara ou comarca, mas mesmo assim, o fazem devido à discrepância de interpretações sobre os casos concretos análogos.

[7] Quanto à legitimidade democrática, há quem cogite que no common law, a vinculação dos precedentes se justifica pois parte dos juízes são eleitos popularmente e, por essa razão, os magistrados estariam legitimados para criar o direito em nome do povo, o que não acontece no sistema brasileiro. Mas é um argumento frágil, vez que o Judiciário obtém sua legitimidade da Constituição, que é democrática, além do que mesmo as altas cortes sempre apresentam alguma legitimação política, através da indicação de juízes pelo poder Executivo e a aquiescência do Poder Legislativo.

[8] O obiter dictum (obiter dicta, no plural), ou apenas dictum, corresponde aos argumentos que são expostos apenas de passagem na motivação da decisão judicial, consubstanciando juízos acessórios, provisórios, secundários, impressões e qualquer outro elemento que não tenha influência relevante e substancial para a decisão. Em geral, define-se de forma negativa. Exemplifica-se, por exemplo, quando o tribunal gratuitamente sugere como resolveria certa questão conexa ou relacionada com a questão dos autos, mas no momento não está resolvendo.

[9] Observa-se que no sistema da common law adota-se nitidamente um direito costumeiro, aplicado pela jurisprudência, onde no modelo de justiça, prepondera a visão de pacificação dos litigantes. Já na civil law, busca-se a segurança jurídica, enquanto na common law almeja-se a paz entre os litigantes, a reharmonização e a reconciliação que são objetivos diretos, e pouco importa se obtida à luz da lei ou de outro critério, desde que adequado ao caso concreto, pois o mais relevante é harmonizar os litigantes produzindo profunda influência na vida da comunidade. É a tônica da justiça paritária.

[10] Cumpre alertar que a lei britânica, não assume o caráter de princípio geral que ostenta a legislação nos sistema de direito romanista, reveste-se de uma natureza eminentemente casuística, afastando a generalização inevitável que uma obra de codificação à francesa produziria. O legislador britânico busca colocar-se, tanto quanto possível, no plano da regra jurisprudencial, considerada a única regra normal de direito. Apesar disso, os preceitos contidos na lei somente são plenamente reconhecidos pelos juristas quando aplicados, reformulados e desenvolvidos pela jurisprudência, ocasião na qual são verdadeiramente integrados ao sistema da common law o verdadeiramente integrados ao sistema da common law.

[11] É grosseria acreditar que a aplicação de um precedente judicial seja uma atividade mecânica na qual a atribuição do juiz é simplesmente verificar se algum tribunal já se pronunciou sobre a matéria semelhante e, assim decidir da mesma forma. A simples leitura do precedente e do caso sub judice é insuficiente para a boa e adequada solução do caso concreto e destoa do substrato do sistema. Impõe-se, naturalmente, uma exposição da história do caso, um relato dos fatos, apresentação das questões a serem decididas e a resolução das mesmas, bem como a explicação dos motivos sobre o modo como foram resolvidas. A partir daí, os estilos dos magistrados podem variar, sendo alguns mais prolixos, ao apresentarem aspectos históricos da doutrina, por exemplo, e outros mais sucintos, confiando na autoridade dos precedentes sem o reexame de questões menos importantes.

[12] Fredie Didier Jr, Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira acentuam que ao decidir uma demanda judicial, o magistrado cria, necessariamente, duas normas jurídicas. A primeira, de caráter geral, resultante da sua interpretação e compreensão dos fatos envolvidos na causa e da sua conformação ao direito positivo. A segunda norma tem caráter individual, e constitui a sua decisão para aquela situação específica que se lhe põe para julgamento. Desta forma o magistrado termina por elaborar norma que consubstancia a tese jurídica a ser adotada naquele caso concreto. Essa tese jurídica é que denominamos de ratio decidendi, e deve ser exposta na fundamentação do julgado, porque é base nela que o juiz chegará, no dispositivo, a uma conclusão acerca da questão em juízo.

[13] A jurisprudência é consagrada como fonte por excelência do direito britânico que é estruturado sob a forma de casos regrados ou case law. Assim, a lei denominada pelos ingleses como statute desempenhava, originalmente, apenas uma função secundária, limitando-se a acrescentar corretivos ou complementos à obra dos tribunais. Contemporaneamente, porém, há vastos setores da vida social que já são regulados por textos emanados pelo legislativo, como é o caso do direito administrativo, onde a lei e os regulamentos (delegated legislation, subordinate legislation) alcançaram nitidamente a função normativa primária.

A lei inglesa, contudo, não assume o caráter de princípio geral que ostenta a legislação nos sistemas de direito romanista; reveste-se de uma natureza eminentemente casuísta, afastando a generalização inevitável que uma obra de codificação “à francesa” produziria. O legislador inglês busca-se colocar, tanto quanto possível, no plano da regra jurisprudencial, considerada a única regra normal do direito. Apesar disso, os preceitos contidos na lei somente são plenamente reconhecidos pelos juristas quando aplicados, reformulados e desenvolvidos pela jurisprudência, ocasião na qual são verdadeiramente integrados ao sistema da common law.

[14] Três regras canalizam a equidade na sua aplicação usual: tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais; considerar judiciosamente o objeto, a forma e a pessoas da relação sub judice; e, afinal, optar-se pela solução mais coerente com o equitativo ( jus bonum et aequum).

[15] Os juízes começaram a recuperar seu poder a partir da Segunda Guerra Mundial. Com a (re) adoção das garantias, da autonomia e da independência, pouco a pouco o Poder Judiciário foi, na Europa Continental, tonando-se um verdadeiro Poder do Estado.

E, a partir daí, colocou-se a problemática da separação absoluta dos Poderes. O juiz aplica o direito preexistente, sendo, portanto, sua função, em certa medida, declaratória. Mas a lei escrita tem lacunas e, cada vez mais, precisa ser interpretada. Há, também, situações problemáticas, cuja solução não está prevista de modo especifico na lei. Então a função judicial não se cinge a declarar o direito, mas, há, hoje, a tendência a se reconhecer que, em certa dimensão, o cria.

[16] É o caso do verbete 119 da Súmula do TJ-RJ: “A garantia do juízo da execução, deferida penhora de receita, efetiva-se com a lavratura do termo e a intimação do depositário, fluindo o prazo para impugnação do devedor, independente da arrecadação”. Adverte Hartmann que o retromencionado verbete necessita de uma releitura, pois o termo inicial para o oferecimento da impugnação está previsto no art. 525 do CPC. Também não há necessidade de prévia garantia do juízo para recebimento da impugnação, nos termos do mesmo dispositivo.

[17] Inicialmente, não se pode confundir precedente e jurisprudência. Precedente é a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo núcleo essencial pode servir como diretriz para o julgamento posterior em casos análogos. É composto das circunstâncias de fato que embasam a controvérsia, bem como da tese ou princípio jurídico assentado na motivação do provimento decisório (ratio decidendi).

A jurisprudência é a reiterada aplicação de um precedente, podendo virar, inclusive, uma jurisprudência dominante que, como o próprio adjetivo já informa, é a orientação que prevalece. É o conceito utilizado, por exemplo, pelos artigos 557 e 557 §1º-A do CPC/73, para, respectivamente, negar ou dar provimento ao recurso, bem como mencionado nos arts. 120, parágrafo único, 543-A §3º, 543-C §2º, 544 §4º, II, “b” e “c”, todos do CPC/73.

[18] As características da repercussão geral demandam comunicação mais direta entre os órgãos do Poder Judiciário, principalmente no compartilhamento de informações sobre os temas em julgamento e feitos sobrestados e na sistematização das decisões e das ações necessárias à plena efetividade e à uniformização de procedimentos.

Neste sentido, esta sistematização de informações destina-se a auxiliar na padronização de procedimentos no âmbito do STF e dos demais órgãos do Poder Judiciário, de forma a atender os objetivos da reforma constitucional e a “garantir a racionalidade dos trabalhos e a segurança dos jurisdicionados, destinatários maiores da mudança que ora se opera.”,

Todavia, o termo repercussão geral é genérico, haja vista existir flexibilidade na verificação de tal requisito de admissibilidade recursal. Entretanto é contemplado pelo STF como existente quando a questão levada a seu crivo seja relevante do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, bem como que tenha tal importância para a sociedade que ultrapasse os interesses subjetivos das partes litigantes.

[19] Através da jurisdição impõe o cumprimento desse direito (função secundária). Seus fins, como ressaltado anteriormente, são: solucionar conflitos de interesse, controlar as condutas antissociais e a constitucionalidade normativa. Como efeito, a atividade jurisdicional produz coisa julgada, característica ínsita desta espécie de função pública. Materializar o acesso à jurisdição deve ser visto como forma de promover a inclusão social dos indivíduos menos favorecidos, revitalizando a cidadania e o Estado de Direito.

[20] Não há dúvidas de que a jurisprudência, os precedentes judiciais e as súmulas são produzidos somente pelos tribunais colegiados. O precedente sempre corresponde a um pronunciamento judicial referente a um caso concreto. Não é possível haver precedente sem interpretação da norma por ele aplicada e conectada diretamente ao caso concreto. O precedente produz uma regra universal que pode ser aplicada como critério de decisão de caso concreto sucessivo em razão da identidade ou da analogia entre os fatos do primeiro caso e os fatos do segundo casos.

A construção de súmulas remonta a prática tradicional consolidada do sistema judiciário luso-brasileiro e não deriva de decisão de caso concreto, mas de enunciado interpretativo, formulado em termos gerais e abstratos. Assim, o dictum sumulado não faz referência aos fatos que estão na base da questão jurídica julgada, daí não poder ser considerado como precedente em sentido próprio, mas apenas um pronunciamento judicial que traduz a eleição entre opções interpretativas referentes as normas gerais e abstratas. É evidente que sua finalidade é a eliminação das incertezas e divergências no âmbito jurisprudencial, procurando imprimir e assegurar a uniformidade na interpretação e aplicação do direito.

[21] No Estado Constitucional ainda que o Judiciário se apresente através de emaranhado de órgão e tribunais, os juízes têm competências definidas e a independência de cada um não está em atuar como entidade autônoma, descompromissada com as orientações dos tribunais superiores, inclusive com aqueles cuja atribuição é estabelecer o significado das normas.

Em síntese, a independência dos magistrados não está em poder contrariar os tribunais superiores, pois o cargo de juiz não existe para aquele que ocupa profira “a sua decisão”, mas para que ele colabora com a prestação jurisdicional, para que a decisão, em contraste ao precedente, nada representa, constituindo, em verdade, um desserviço.

Cumpre distinguir a independência do julgador e a independência de critério do juiz, porquanto aquela visa a assegurar que o juiz atue, sem ingerência ou pressões, conforme o Direito (é, portanto, objetiva e previsível, pois tem seu conteúdo jurídico). E, esta, por sua vez, é subjetiva, pessoal e imprevisível. Sendo assim a unificação de critérios através da jurisprudência, em conformidade com o direito, não afeta a independência dos juízes.

[22] Os enunciados de súmulas vinculantes ou não, nada mais representam do que normas gerais, que apesar de julgar um caso concreto, serão aplicadas reflexamente, a outras inúmeras situações similares ou idênticas. Não cabe mencionar que o judiciário estaria legislando, pois a sua atividade criativa se dá a partir da interpretação que o mesmo faz das leis já existentes.

Cada vez mais se percebe a jurisprudência como fonte de direito, pois o magistrado transforma a norma genérica e abstrata em norma concreta e específica. Mas, o judiciário não cria direitos subjetivos, mas apenas reconhece direitos preexistentes.

[23] Há muito tempo atrás, acreditou-se que manter o juiz atado e preso à lei era sinônimo de segurança jurídica. Ingenuamente, cogitou-se que o juiz apenas declarando a vontade da lei, respeitava o cidadão, a segurança e a previsibilidade no trato das relações sociais. Porém, a praxe acabou por demonstrar que a mesma norma jurídica pode gerar diversas interpretações e, consequentemente, variadas decisões judiciais. Atualmente, sabe-se que a certeza jurídica somente pode ser obtida mediante a vinculação dos precedentes.

[24] O direito britânico, pois, desde então, e até os dias atuais, passou a ostentar um caráter nitidamente dualista: a par das regras da common law, de base consuetudinária, produto da construção e consolidação jurisprudencial dos Tribunais Reais do século XIII, subsistem numerosas doutrinas de equity, fruto da jurisdição pessoal do monarca ou chanceler, nos séculos XV e XVI, que se destinaram, precipuamente, a corrigir ou acrescentar institutos jurídicos à common law.

A equity, por seu amadurecimento – resultante, inicialmente, da pesada influência do direito romano e do direito canônico, e, posteriormente, da formação histórica de um específico quadro político e social (pressão do Parlamento pela objetivação dos julgamentos, com vista à contenção das arbitrariedades do monarca), deixou de constituir mero acervo de decisões fundadas no senso pessoal de justiça do julgador para representar repertório vasto de regras objetivas e técnicas, tão estritas e jurídicas quanto às da common law.

[25] Teste de Wambaugh Eugene Wambaugh afirma que a ratio decidendi de um caso é o preceito sem o qual o caso seria decidido de outra forma. Logo, a ratio decidendi é uma proposição necessária para a decisão. Se ao inserir na proposição uma palavra que inverta seu significado e, assim, o tribunal, admitindo a nova proposição, a tivesse tomado em conta no seu raciocínio e houvesse obtido a mesma decisão, a proposição não constitui a ratio decidendi do caso, mas um obiter dictum, ou seja, aquela parte da decisão considerada dispensável para o precedente. Por outro lado, advindo decisão diversa, pode-se dizer que o intérprete obteve êxito na busca pela ratio decidendi.

[26] Para Herman Olyphant, a ratio decidendi de um caso não tem qualquer ligação com o raciocínio do juiz para chegar à decisão. Os fatos levados ao tribunal devem ser considerados estímulos a uma resposta, a decisão real do caso. A combinação de estímulo/resposta (= fatos/decisão) representa a ratio decidendi do caso.

[27] Consultando Arthur Lehman Goodhart para a identificação da ratio devem ser observados os fatos considerados pelo juiz como fundamentais, material facts, e a sua decisão neles baseada.

Estabelecidos quais sejam os fatos fundamentais do precedente e quais não são, é possível encontrar a proposição do caso, que é obtida na conclusão do juiz, baseado nos fatos fundamentais e na exclusão dos não fundamentais. Isso porque o juiz, quando analisa o direito, ao levar em contra os fatos do caso, confere maior peso às posições afirmadas pelo julgador com base nos fatos fundamentais do que qualquer outra afirmação. Conclui-se que a se baseada em um fato cuja existência não fora determinada pelo tribunal (fato hipotético), não configura uma ratio decidendi, mas somente um obiter decidum.

[28] Nos EUA vige grande maleabilidade da Suprema Corta na aceitação de casos nos casos irá se manifestar e no modo da manifestação. A competência tanto originária como a recursal, que a Constituição norte-americana prevê é ínfima, reconhecendo a importância tamanha não apenas aos casos por esta, julgados mas também à própria instituição. Em verdade é o imperativo da racionalidade do sistema que impõe a segurança jurídica, a isonomia e a eficiência.

[29] O direito fundamental a igualdade naturalmente inclui o direito a igualdade na aplicação do direito. E, seria um contrassenso, em um Estado Constitucional, que pessoas iguais, com casos concretos iguais e em um mesmo período histórico possam obter decisões diferentes e por vezes adversas por parte do Poder Judiciário. A previsibilidade e a confiança provenientes da jurisdição têm grande valia aos operadores do Direito no Estado Constitucional, pois permitem aos jurisdicionados preverem as consequências jurídicas de seus atos e condutas.

[30] Há de se alertar que nem mesmo em sua origem, ou seja, na Common Law (Reino Unido) aonde a força dos precedentes chegou a ser absoluta, insiste-se na imutabilidade dos precedentes, e nem na Suprema Corte dos EUA que, por diversas razões, tem revogado com grande frequência os seus precedentes distinguishing e do overruling fazem ruir a ideia de que a força obrigatória do precedente judicial impediria o desenvolvimento da doutrina e da jurisprudência, e enfim do Direito.

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Gisele. O poder dos precedentes judiciais no CPC/2015. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2015. Disponível em: https://investidura.com.br/colunas/novo-cpc-por-gisele-leite/o-poder-dos-precedentes-judiciais-no-cpc2015/ Acesso em: 28 mar. 2024