Sociedade

Armar a Guarda Municipal (?!)

A Guarda Municipal da Cidade do Rio de Janeiro criada a 30-3-93 como Empresa Municipal de Vigilância, originou-se de uma cisão da COMLURB, onde seus vigilantes atuavam na proteção das instalações desta Companhia. Nessa situação, e como vigilantes que eram, trabalhavam com dois armamentos letais (revólver cal. 38 e cassetete de madeira), respaldados pela Lei Federal nº 7.102 de 20-6-83.

Lembramos que o Rio de Janeiro já teve a sua Polícia Municipal e sua Guarda de Vigilância Municipal, ambas criadas pelo Decreto nº 4.790 de 22-5-34 pelo Prefeito Pedro Ernesto, as quais atuavam armadas com pistolas marca Colt calibre .45, época em que a população da cidade do Rio de Janeiro era de, aproximadamente, 1.700.000 habitantes, apresentando índices criminais extremamente inferiores aos registrados nos dias de hoje, numa metrópole que já atingiu cerca de 6.300.000 habitantes e com estatísticas criminais bem elevadas.

Pelos idos de 1964, esta Polícia Municipal deixou de existir, sendo os seus efetivos absorvidos pelas Polícias Civil e Militar.

Em março de 1993 ocorreu uma cisão na Comlurb, ocasião em que 2.200 vigilantes desta Companhia migraram para a recém-criada Empresa Municipal de Vigilância/Guarda Municipal, tornando-se, por um ato administrativo, guardas municipais. Só que, nessa nova situação, desarmados. E com uma gama de atribuições operacionais em área pública muito marcante, que, a cada dia, está sendo mais ampliada. Ou seja: a Guarda Municipal continuou com a missão de proteção de instalações, só que desarmada (por força da Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro), passando, ainda, a atuar na proteção de bens públicos e de serviços municipais, missões essas, diga-se de passagem, executadas nos mesmos logradouros em que transitam delinquentes e outros infratores da ordem, alguns deles, eventualmente, armados. Esse é, infelizmente, o cenário em que, atualmente, se depara a cidade do Rio de Janeiro e que a Guarda Municipal, lado a lado com as polícias estaduais, está colaborando expressivamente, até mesmo por força da Lei Complementar 176 de 24 de agosto de 2017, oriunda do Projeto de Lei Complementar 1-A/2017 (de autoria do Vereador Marcelo Siciliano) que institui o patrulhamento urbano pelos guardas municipais, e da Lei nº 13.675 de 11 de junho de 2018, que incluiu as Guardas Municipais no SUSP – Sistema Único de Segurança Pública.

A 15-10-2009 pela Lei Complementar nº 100, a EMV – Guarda Municipal transforma-se em autarquia, passando os guardas municipais do regime celetista ao estatutário, ocasião em que o poder de polícia (administrativo) que já possuíam, deixou de ser questionado. A partir daí, passaram os guardas a serem muito mais cobrados pela população, não só quanto à sua proteção física como também do seu patrimônio. Aliás, não apenas por dever humano, mas também por questão legal, os guardas municipais não podem se omitir, sob pena de, eventualmente, responderem pelo crime de prevaricação (artigo 319 do Código Penal).

A expansão das atividades operacionais da Guarda Municipal do Rio passou a tomar um vulto enorme ao longo dos últimos anos, principalmente, em razão das dificuldades enfrentadas pela polícia preventiva do Estado – a Polícia Militar, em dar conta de uma infinidade de demandas, muitas delas seguramente fora de sua competência originária. Exemplo claro disso foi o fato da Guarda Municipal ter passado a assumir, a partir do ano de 2007, a fiscalização do trânsito na cidade do Rio de Janeiro e, agora, se prepara para assumir integralmente as atividades operacionais de segurança pública tipificadas como perturbação do sossego alheio, hoje atendidas pela Polícia Militar, além de já estar, efetivamente atuando no patrulhamento urbano a pé, em viaturas e em motocicletas, como por exemplo, no Programa Rio + Seguro, implantado pela Prefeitura no ano de 2017, nos bairros de Copacabana e Leme, e que está contribuindo efetivamente, para a redução dos índices criminais nas áreas em que está atuando.

Missões desta natureza, realizadas num cenário de comprovado recrudescimento das ações criminosas e da violência urbana, tem levado a Guarda Municipal a cumprir, lado a lado com a Polícia Militar, inúmeras missões no campo da polícia preventiva, cumprindo com a missão que lhe impõe o artigo 144 da CF/88, quando regula: “A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.”

Assim sendo, nos dias de hoje, a Guarda Municipal está efetivamente cumprindo o seu dever em solidariedade com o Estado e com a população da cidade, contribuindo com as ações de polícia preventiva em vários logradouros da cidade, alguns mais tranquilos e, outros, perigosamente críticos. E diga-se de passagem, reduzindo as oportunidades de criminosos cometerem seus crimes, deixando-os, por vezes, alvos do ódio e da possível vingança de malfeitores.

Nos dias de hoje, portanto, e em especial na cidade do Rio de Janeiro, à luz dos índices alarmantes de violência, temos todos os argumentos que nos levam a pensar em providências hábeis no sentido de dotar a Guarda Municipal de condições plenas de superação face a toda sorte de violências, especialmente, aquelas praticadas por delinquentes armados. Haveremos de instrumentalizar os guardas municipais com meios de proteção e defesa, não só em favor deles próprios, como também e, principalmente, do cidadão, que, indefeso, fica hoje, a mercê de criminosos que, muitas vezes, cometem seus desatinos com o emprego de armas de toda a espécie.

No entanto, este passo a ser dado pela Guarda Municipal deve ser efetuado com muita cautela, respeitando critérios que haverão de ser pautados por grande responsabilidade e profissionalismo, a fim de que a arma de fogo na mão do guarda municipal venha a se tornar como um bisturi na mão de um médico cirurgião capacitado e com a perícia suficiente para usá-lo com o objetivo de salvar vidas e não, com imperícia, imprudência ou negligência, a fim de não provocar, jamais, quaisquer danos ao cidadão que lhe cabe proteger.

Nesta abordagem preliminar, trazemos à consideração, trecho da promoção PG/PSE/05/2016/AHT de 13-12-2016, na qual a PGM responde à consulta do então Secretário da SEOP com relação ao emprego de arma de fogo pela Guarda Municipal, à luz da Lei nº 13.022 de 8-8-2014:   “O uso de arma de fogo pela Guarda Municipal é vedado por força do Artigo 30, VII, da Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro”.

Em razão do mencionado parecer da Procuradoria Geral do Município, o primeiro passo a dar seria a alteração da Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro, a fim de que tivéssemos o necessário respaldo legal para o emprego de armas letais pela Guarda Municipal.

Por outro lado, a emenda à Lei Orgânica nº 28 de 21-6-2017 poderia permanecer inalterada no seu Parágrafo único ao Inciso VII:

“Parágrafo único. Para os efeitos do inciso VII deste artigo, assegurar-se-á aos guardas municipais o uso de armas de potencial ofensivo não letal destinadas apenas a evitar ações de agressões aos agentes de segurança pública e debilitar ou incapacitar temporariamente pessoas em flagrante delito.”

Para que seja autorizado o porte de arma de fogo à Guarda Municipal, recomendamos a adoção de rigorosos critérios, considerando, obrigatoriamente, o porte simultâneo de equipamentos não letais, na medida em que seus agentes de segurança deverão cumprir de forma criteriosa o ensinamento padrão que já possuem, que é o emprego progressivo de meios, em toda e qualquer ocorrência da qual participarem.

Na hipótese de ocorrer alteração da Lei Orgânica, haverá de ser apresentado ao Prefeito, para apreciação, um planejamento que estabeleça com clareza o seguinte: apenas os serviços operacionais especializados da GMRio, face a perspectiva de maior risco, é que serão, a princípio, contemplados com a autorização do porte de arma e, mesmo assim, após seus integrantes se submeterem a um processo de seleção específica, bem como de capacitação técnica e tática, de forma que haja a certeza de que somente aqueles que se revelarem aptos em todas as fases de testes realizados, é que teriam autorização para o porte de arma de fogo em serviço regular.

Alguns princípios deverão ser observados e adotados, obrigatoriamente, pela Guarda Municipal, como de resto deveriam ser respeitados por todas as corporações de segurança pública cujos integrantes tenham autorização para o porte de arma letal:

– A arma de fogo só deve ser empregada como recurso extremo e final, na defesa das pessoas ou do próprio agente e numa última etapa do emprego progressivo de meios.

– Só poderá empregar arma de fogo aquele que for julgado apto na seleção e no treinamento específico, etapas essas que deverão assegurar, obrigatoriamente, o preparo do agente nas seguintes condições: técnica, tática, psicológica e jurídica.

– O agente deve estar condicionado que, em toda ação armada, é fundamental a preservação da vida humana, a começar pela sua.

– O agente armado só acionará sua arma de fogo em legítima defesa sua ou de outrem, o que elimina, de plano, a prática de “trocar tiros” com o criminoso.

– A arma não deve ser empregada como instrumento para ameaça, intimidação ou submissão de pessoas.

– A escolha da arma de porte ideal para uma corporação de segurança pública deve levar em conta diversos fatores, entre os quais um se destaca: o calibre, que deve oferecer o maior impacto e a menor possibilidade de penetração. Nesse caso, o ideal seria o calibre .40. Sugerimos, portanto, como arma de porte individual a pistola, por ser semi-automática e conferir um poder de fogo necessário à superação de eventual agressão armada, considerando que os criminosos de hoje empregam a pistolas como armas de porte preferencial.

– A Guarda Municipal deverá efetuar uma capacitação criteriosa, a fim de que seus agentes venham empregar a arma de fogo dentro de todos os critérios que assegurem a preservação da vida humana (a sua e de outrem).

– A Guarda Municipal apresenta uma realidade: nem todos os seus agentes desejam empregar armas de fogo e isto deve ser considerado.

– A Guarda Municipal, na ocasião oportuna, deverá efetuar um criterioso planejamento, no qual poderá considerar, por exemplo:

a) Avaliação dos antecedentes criminais e disciplinares , com opinamento da Corregedoria.

b) Avaliação e opinamento da Assessoria de Inteligência.

c) Avaliação psicológica para verificar, em especial, o controle emocional. Tal deverá ser efetuado, inclusive, no terreno, em pistas de ação e reação.

d) Treinamento teórico: conhecimento detalhado da arma a ser usada; fundamentos do tiro; normas de segurança; manutenção de primeiro escalão; noção quanto ao poder de impacto e quanto à lesões que produzem no corpo humano, alcance do tiro, etc.

e) Treinamento prático: no stand convencional a várias distâncias e diversas posições; tiro diurno e tiro noturno.

f) Treinamento tático: conhecimento sobre cobertas e abrigos; prática de lances; busca por posições abrigadas; reconhecimento prévio do cenário operacional; determinação precisa do alvo; pista de ação e reação; pista de tiro tático; prática em stand de tiro virtual.

g) Conhecimento jurídico: situação em que o guarda municipal terá amparo legal para atirar contra um ser humano; legítima defesa; emprego progressivo de meios; situações em que não poderá atirar: tiro de advertência, tiro de intimidação, tiro contra delinquente em fuga ou, quando não puder definir precisamente o alvo.

Os integrantes da Guarda Municipal do Rio de Janeiro sempre atuaram compondo conflitos e adversidades desprovidos de armas de fogo. Assim ficaram condicionados psicologicamente. Nessa situação atuam há 26 anos: desarmados e enfrentando ocorrências das mais simples às mais complexas e de maior risco; portanto, ao passarem a empregar armas de fogo, o condicionamento dos mesmos mais a capacitação técnica que irão receber, serão a garantia maior de que o eventual emprego de arma de fogo não trará efeitos colaterais indesejados.

Paulo Cesar Amendola de Souza

Secretário Municipal de Transportes do Rio de Janeiro

Como citar e referenciar este artigo:
SOUZA, Paulo Cesar Amendola de. Armar a Guarda Municipal (?!). Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2019. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/armar-a-guarda-municipal/ Acesso em: 28 mar. 2024