Sociedade

A Reincidência Criminal nas Sociedades Contemporâneas: Uma Reflexão Sobre o Comportamento Criminal nos Últimos Tempos

Por: Filipe Serafim Mapilele[1]

Resumo (português)

O presente artigo apresenta uma reflexão sobre a reincidência do crime nas sociedades hodiernas galvanizada pela crescente onda de criminalidade que os órgãos de informação e comunicação têm relatado. De facto em nossos dias um pouco por todo o país, os relatos do crime estão aumentando, e trata-se não mais de crimes do tipo furto, que consistem em pilhar bens alheios, mas sim de e crimes caracterizados por violências extremas à vida dos seres humanos. A nossa preocupação é entender as razões destes crimes.

Palavras-chave: Crime, Violência, Estigma, Comportamento.

Résumé (français)

Cet article présente une brève réflexion sur la récurrence de la criminalité dans la société d’aujourd’hui dynamisée par la vague croissante de criminalité qui ont rapporté les agences d’information et de communication. En fait, aujourd’hui dans tout le pays, les rapports de la criminalité augmentent, et il n’y a plus que les crimes de vol de type composé de produits pillant des autres, mais il est plus de crimes caractérisés par la violence extrême la vie des êtres humains. Notre souci est de comprendre les raisons de ces crimes.

Mots-clés: La Criminalité, La Violence, La Stigmatisation, Le Comportement

1. Introdução

O presente estudo pretende reflectir sobre um facto social que se tem verificado com muita frequência em nossos dias, o problema da criminalidade. Logicamente não se faz aqui uma reflexão jurídica sobre o crime, pelo facto de não ser jurista, mas sim, faz-se uma reflexão de índole social e filosófica, onde a principal questão é por que os homens cometem crime?

Tem se verificado nos últimos tempos que o cenário de crime aumentou significativamente nas nossas comunidades, e são os mais comuns como o furto, os assassinatos, etc. No caso específico do furto, pretende-se entender o por que as pessoas roubam-se umas às outras? E se a justificação for do tipo renda, desemprego, etc., a reflexão tomará um outro rumo. Com efeito, o que tem vindo a se reportar nos medias, é que agora não apenas se limita o crime do furto no roubo,  mas também há violações (até sexuais) no mesmo acto, e a pergunta que ai se faz é: por que roubar e violar as pessoas? Ou seja, a reflexão que se pretende desencadear incide sobre um fenómeno social bastante preocupante e muito ligado à consciência das pessoas.

O crime é uma realidade incontextável em nossas cidades, e as suas razões de ser são vastas. Com efeito, é preciso notar que a maioria dos jovens que são presos por prática de certos crimes, vêem a prisão como um lugar de refúgio, e por conseguinte, sentem lá algum conforto. E a nossa questão passa a ser precisamente esta: o que faz com que os jovens pratiquem crimes e se sintam refugiados nas prisões? Ou ainda, qual é o prazer de habitar em uma prisão por longo tempo?

A nossa abordagem partiu de uma pesquisa muito informal e breve realizada em sede de alguns tribunais, quando em conversas informais com os reclusos que aguardavam auscultações em julgamento, procuramos entender as razões que os levaram à prisão  e como se sentiam naqueles locais privados de liberdade.

Certo é que de alguma forma traremos aqui elementos bibliográficos para assegurar a legitimidade científica da nossa reflexão. E como o diz Berger (1986), “cabe à sociologia descobrir o que está por detrás das cortinas das fumaças verbais, o porquê das coisas”. Assim, buscando estas razões, seguimos a esta breve reflexão, que acreditamos constituir mais um instrumento de enriquecimento da literatura e alargamento do debate sobre a matéria.

1.1 Objectivos

Em termos concisos, a nossa reflexão elenca os seguintes objectivos:

1.1.1      Geral – Entender as razões que levam os jovens ao cometimento de crimes.

1.1.2 Específicos

  •  Apresentar a natureza do comportamento criminal;
  • Analisar as razões que levam os jovens a cometer crines;
  • Reflectir sobre o futuro da juventude em crime.

2. Da natureza do cometimento do crime

Esta procura entender a natureza do cometimento do crime, não sob uma perspectiva histórica, onde possamos citar a data em que a prática do crime iniciou. Acredita-se que em todas as comunidades sempre houve uma tendência de notar-se comportamentos desviantes. Tal que se diz que a beleza do jardim está na diversidade das flores, também pode-se de forma analógica dizer-se que a diversidade e multiplicidade de comportamentos caracteriza a sociedade. Com efeito, a nossa reflexão procura entender na pessoa a origem do cometimento do crime, e tais origens podem ser: a família, as condições de vida, os grupos de amigos, a escolaridade, a falta de acompanhamento do crescimento sobretudo na idade de adolescência, ou outros meios externos que influenciem o meio interno, a ponto de a pessoa chegar a criar em si traços favoráveis ao cometimento de crimes.

No entender do psicólogo brasileiro Maurício Silva, o crime está ligado a factores internos do indivíduo, visto que, toda acção humana tem origem no seu ego. O ego é a causa de todo mal. Para Silva (1997) o ego “é responsável por toda a amargura, tristeza e fracasso da raça humana. Portanto, a causa da depredação, da pichação do uso das drogas e da violência generalizada, na escola, na família, nos campos de futebol, no trânsito, na ecologia e na sociedade em geral, está inserida no ego na forma de agregados psíquicos inumanos, em suas múltiplas formas mentais”. Será efectivamente o nosso “eu”, que esteja por de trás das cortinas de toda a prática do crime.

Considerando a constatação de Silva, podemos questionar como é que esse ego se constitui a ponto de ser responsável por todos os actos da pessoa, se entendermos que o ego constitui-se também sob influência dos meios externos. Tais factores externos podem ser, a título de exemplo os ligados à renda, como por exemplo o facto de existirem sociedades altas e baixas, pode fazer com que as sociedades baixas tendem a invadir a propriedade das sociedades altas. Aliás, é esta mesma ideia de uma sociedade extratificada, onde um muro separa os pobres e os ricos, entre os que andam pelos ‘my loves’  e os que andam pelos mercedes.

O sociólogo da Escola de Chicago Erving Goffman, tem um entendimento bastante interessante sobre os comportamentos sociais, e entende que os estigmas podem influenciar na manipulação da personalidade. Ou seja, Goffman (1988) analisa os sentimentos da pessoa estigmatizada sobre si própria e a sua relação com os outros ditos “normais”. Explora a variedade de estratégias que os estigmatizados empregam para lidar com a rejeição alheia e a complexidade de tipos de informação sobre si próprios que projectam nos outros. Goffman, entretanto, ocupa-se especificamente com a questão dos contactos mistos, os momentos em que os estigmatizados e os normais estão na mesma situação social, ou seja, na presença física imediata um do outro, quer durante uma conversa quer na mera presença simultânea, numa reunião informal.

No entender deste sociólogo “o indivíduo estigmatizado pode descobrir que se sente inseguro em relação a maneira como os outros o identificarão e o receberão” (Goffman, 1988: 15). É exactamente nesta insegurança onde queremos entender que se comesse a originar sentimentos de rebelião e por conseguinte o cometimento do crime. Ou seja, a falta de identidade com o grupo, o facto de julgar-se anormal ou estranho, legitima o ego a tomar alguns comportamentos. Estes comportamentos por sua vez, podem incorrer a um crescimento, quando a sociedade os repudiar de uma forma violenta. E aqui queremos entender a forma violenta de os repudiar, quando a chamada de atenção feita apenas sob um discurso de demonstração de erros. A pergunta que se faz habitualmente é: veja o que fizeste? Com efeito, a mais correctamente ao se fazer seria veja  o que aconteceu em consequência do que fizeste? Neste sentido entende-se que se leva a pessoa a uma reflexão sobre os seus actos, e poderá de alguma forma alavancar-se a consciência para se entender como pessoa normal e parte integrante do grupo.

Recorrendo à teoria de desvio defendida pelo Becker (1977), onde avança que, “as motivações desviantes têm um carácter social mesmo quando a maior parte do acto for realizado de maneira privada, secreta e solitária”, podemos entender que estes comportamentos são agravados quando publicados depois de apanhados. Eis por que entendemos que os criminosos não devem ser tornados públicos quando ainda primários, pois o esforço deve ser no sentido de reeducá-los. E como a sociedade tem os seus julgamentos, e mais graves, quando a pessoa sentir-se rejeitada pela sociedade que não o oferece uma oportunidade de redimir-se e iniciar novamente, naturalmente vai pautar por uma continuidade no crime, como se de profissão nobre se tratasse.

3. O que faz com que os jovens cometam crimes?

De certo que a resposta a esta questão será muito complexa e neste espaço toda ela incompleta, pois cada caso será singular e as motivações não são possíveis de exteriorizadas no seu todo. Contudo, a nossa abordagem traz aqui alguns elementos de discussão onde o foco é entender se efectivamente  os factores familiares, de esolaridade e de amizade podem ser ou não as razões que levam os jovens a pautarem pela vida do crime.

As sociedades africanas, sendo a moçambicana em particular, são constituídas por dois níveis de status socialis, nomeadamente a sociedade alta e a sociedade baixa. A primeira é de um número bastante reduzido, que explora os da segunda. E como se pode notar nos nossos tempos, é que os da primeira são na sua maioria actores políticos, que por razões de natureza histórica, ambiciosa, têm privilégios nos negócios, por via disso acumulam muitas riquezas, em detrimento dos da segunda, que são a maioria e têm dificuldades de seguir a vida e ter sucessos, pois são eternos mendigos dos patrões da primeira, e o seu sucesso está aquém da sorte de cada um.

Ora, a realidade revela que os jovens de famílias de baixa renda, quando se deparam com as ofertas do globalismo, do modernismo, e a ambição, acabam pautando por vias ilícitas para satisfazer os seus desejos alheios. Isto, tal como fizemos menção anteriormente, é causado pelo facto de se julgarem estranhos no seio da comunidade, pois os mais poderosos financeiramente humilham.

A família é o primeiro órgão de socialização, e por via disso é na família onde os filhos desde pequenos aprendem certos valores sociais, e podem crescer em favor da prosperidade. Se a família não prestar atenção no crescimento dos seus membros, não transmitir os valores necessários, a possibilidade de desvios é enorme.

Sendo a família o conjunto de descendentes e parentes da mesma linhagem, ou a continuidade de cônjuges e dos filhos que constituem a primeira célula ou unidade da vida social e natural, tem o papel primário de constituição de comportamento social, e quando necessário de correcção do mesmo. E como o diz Nery (2006) “a família pode resgatar o indivíduo da marginalidade, desde que seja bem estruturada, pois, de contrário, fatalmente leva os filhos à delinquência”.

As companhias em forma de ‘amizades’ podem de algum modo contribuírem para o desvio de alguns comportamentos. E sobre o termo ‘amizade’ é preciso entender que está na sua forma mais efémera, pois para Aristóteles esta não é uma amizade apreciável. Os mais excelsos valores da amizade não se compadecem a uma cumplicidade e envolvimento em esquemas de desvio de comportamento sociais, antes pelo contrário, visam o bem.

Se as questões de renda, desemprego, estão ligadas aos crimes como o furto, será questionável a nova forma de roubo, como seja que envolve abusos e violências às pessoas. Facto é que nos últimos dias, as pessoas não vão roubar apenas por necessidades, pois se tivessem necessidades legítimas de roubar, em algum momento estariam satisfeitas. E estando satisfeitas, abandonariam o roubo. Mas a nossa experiência em conversas com alguns criminosos, revela que estão há bastante nessa ‘carreira’ e nunca graduam os títulos requeridos. Deste modo, passamos a entender que a prática do crime não está apenas ligado às necessidades de renda ou para o alcance de algum objectivo desenhado, mas sim, é uma prática que torna-se vício e dá prazer de prejudicar a outra pessoa. As violações, assassinatos, agressões e outras formas extremas de crime, são apenas componentes buscadas para aumentar o prejuízo da vida das pessoas e o criminoso não pretende nada tangível em troca.

4. O futuro do crime juvenil

A nossa abordagem questiona de forma muito rápida  o futuro dos jovens que se envolvem em crimes. Tal que se entende que os jovens criminosos têm em muitas vezes a vida limitada a uma eterna rejeição, pelos crimes cometidos na primeira ocasião, e por conseguinte não mais conseguem a reintegração na sociedade – falamos aqui de maioria dos casos não do absoluto de todos.

Para Goffman (1988), a sociedade é responsável por estabelecer os meios de categorizar as pessoas e os atributos tidos como naturais para os membros de cada uma dessas categorias. O estigma é criado a partir deste raciocínio social, onde são dadas identidades virtuais às pessoas não esperadas nessas categorias, as quais são tidas como estranhas.. O estigma, é uma construção social à luz do qual os fenómenos quotidianos estão em constante criação, transformação e extinção. Este estigma é criado na família e na comunidade para a afirmação de identidade e permitir uma compreensão das acções empreendidas pelos demais actores que coexistem com ele num mesmo contexto.

A criação destes estigmas faz com que a pessoa passe a se sentir rejeitada na sociedade ou sinta a vergonha de voltar nela. E como as famílias o tratam também como o filho da vergonha, filho legítimo do diabo, enteado de deus, os jovens em situações de crime, quando tornados reclusos, não conseguem uma boa imagem para retornar às famílias de origem, e por via disso, sentem-se refugiados nas prisões onde moram.

Assim, “a ordem moral é constituída dos cursos percebidos como normas de acção, as cenas familiares dos negócios quotidianos, o mundo da vida quotidiana conhecida em comum com os outros e, com os outros, aceite tacitamente” (Garfinkel, 1976:35). A ser assim, é da responsabilidade da família – enquanto estrutura social primária, a reintegração da pessoa que já esteve em situação de pouco abonatória em sua família. A família em nosso entender deve-se estender aos níveis de vizinhos, amigos e demais membros das comunidades.

É interessante aqui entender que aos jovens involucrados em crimes e condenados ao cumprimento de penas, em estabelecimentos penitenciários, dá-se na verdade uma oportunidade de reabilitação. Chama-se hodiernamente de Estabelecimentos Penitenciários, ou seja, a linguagem já facilita a uma dimensão de entendimento na qual, a razão principal de privação de liberdade seja um momento de reflexão sobre as consequências dos actos praticados, e poder encontrar caminhos para a tomada de uma nova rota de vida.

Considerações Finais

Neste breve trecho procuramos apresentar o nosso entendimento sobre a reincidência do crime contemporâneo, e constatamos que nos jovens são em grande escala gerados pela falta de identidade com o grupo que influencia o ego até ao ponto de catapultar acções de natureza violenta ou criminal. Isto, são desvios que devem ser acautelados desde o início, e a família joga um papel preponderante para a correcção destes comportamentos.

A sociedade deve reflectir sobre os seus julgamentos e tipo de consciência que constrói, podendo dar oportunidade aos jovens envolvidos com o crime, para se redimirem e reiniciarem a sua vida em ambiente sadio. A todos dá-se a oportunidade de revelar as potencialidades.

Em algum momento entendemos que os estabelecimentos penitenciários não são utilizados como locais e momentos de reflexão da população prisional, por falta de programas sérios de educação, formação profissional, moral, social. São em muitos casos locais de tortura ou injecção de drogas, e por via disso mais viciam à marginalidade, e os seus integrantes quando terminadas as penas e retomados à liberdade, tendem a cometer crimes similares ou mais graves, e por via disso obrigados a voltar para as penitenciárias.

Suporte Bibliográfico

Berger, P. (1986). Perspectivas Sociológicas: uma visão humanística. 18ed. Petrópolis: Vozes.

Becker, H. (1977). Uma Teoria da Acção Colectiva. Rio de Janeiro: Zahar.

Garfinkel, H.(1976). Estudos etnometodológicos do trabalho. London: Routledge e Kegan Paul.

Goffman, E. (1988). Estigma – notas sobre manipulação de identidade deteriorada. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Atlas.

Nery, A. (2006). O processo de institucionalização dos detentos-perspectiva de reabilitação e reinserção social. Rio de Janeiro.

Silva, M. (1997). Violência nas escolas, caos na sociedade. S. Paulo: EVIRT.



[1] Licenciado em Filosofia, especialidade em Gestão de Recursos Humanos e Ética pela USTM – em Fevereiro de 2015, estudande do Mestrado em Direito e Negócios Internacionias na Universidad Europea del Atlántico – Barcelona, desde Agosto de 2017. É Administrador de Recursos Humanos. Suas áreas de interesse são: Governação,  Sociologia e Direito das Organizações, Gestão de Conflitos Organizacionais. Email:  mapilelelipe@gmail.com Cel: (+258) 82 72 69 817 / 84 65 59 516.

Como citar e referenciar este artigo:
MAPILELE, Filipe Serafim. A Reincidência Criminal nas Sociedades Contemporâneas: Uma Reflexão Sobre o Comportamento Criminal nos Últimos Tempos. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2018. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/a-reincidencia-criminal-nas-sociedades-contemporaneas-uma-reflexao-sobre-o-comportamento-criminal-nos-ultimos-tempos/ Acesso em: 18 abr. 2024