Sociedade

Limitar banda larga fixa e móvel por franquia fere a liberdade de expressão. O consumidor já é lesado muito antes da franquia

Cada vez mais a internet é usada para vários fins: entretenimento; estudos; download, upload e compartilhamento de documentos; comunicação empresarial. É importante frisar que a internet tem servido para a manutenção da frágil democracia no Brasil. As manifestações ocorridas na República de 1988 só fora possível graças às articulações populares na internet. Milhões de petições públicas ou abaixo-assinados são produzidos para forçar os políticos contra a corrupção, contras as suas mordomias, contra leis que ferem os direitos humanos. Além disso, a internet promove a defesa da democracia.

A internet no Brasil é uma das piores do mundo tanto na velocidade quanto na manutenção da velocidade. A ANATEL, por exemplo, permite que as operadoras de telecomunicações entreguem somente 80% [oitenta por cento] da velocidade contratada. Tal prática já fere o direito do consumidor a ter serviço o qual fora contratado. Imagine a seguinte situação. Consumidor vai comprar um carro. O fornecedor vendedor diz que o veículo suporta peso bruto total de 7.000 kg [sete mil quilogramas], mas na realidade só suporta 5.000 kg [cinco mil quilogramas. É propaganda enganosa. O mesmo se dá, com a permissão da ANATEL, com as operadoras de telecomunicações que vendem pacotes e franquias enganosas. Ou seja, a ANATEL, que deveria proteger os consumidores, contra publicidades enganosas, permite que as concessionárias OI, VIVO, GVT, NET, TIM e CLARO lesam os consumidores.

O Marco Civil da Internet

A LEI Nº 12.965, DE 23 DE ABRIL DE 2014 “estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil”. A norma contida no art. 2º fundamenta a liberdade de expressão no uso da internet no Brasil:

    “I – o reconhecimento da escala mundial da rede;

    II – os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais;

    III – a pluralidade e a diversidade;

    IV – a abertura e a colaboração;

    V – a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; e

    VI – a finalidade social da rede”.

Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão Comissão Interamericana de Direitos Humanos [1]

    “49. Por fim, o direito de acesso não apenas implica na adoção de medidas positivas. Esse direito também engendra o direito de todas as pessoas a que não lhes seja bloqueada ou interrompida arbitrariamente a possibilidade de acesso à internet ou a qualquer parte da mesma. Nesse sentido, como já foi reconhecido, estão proibidas a interrupção do acesso à internet ou a qualquer parte dela pela população como um todo ou por determinados segmentos do público, a negação do direito de acesso à internet como forma de sanção e as medidas de redução da velocidade de navegação na internet ou em partes da mesma por motivos outros além da gestão razoável do tráfego. Todas essas ações são violações radicais do direito à liberdade de expressão na internet”.

    “51. Ademais, no cumprimento da sua obrigação de garantir o direito à liberdade de expressão, os Estados devem adotar medidas para prevenir ou remediar restrições ilegítimas ao acesso à internet por parte de particulares e empresas, além das políticas que atentam contra a neutralidade da rede ou a prevalência de práticas anticompetitivas”.

As violações das operadoras aos consumidores

Os consumidores são lesados de várias formas, a começar pela publicidade enganosa, de não entregar 100% [cem por cento] do que foi contratado. Outra forma de lesar o consumidor são os funcionários [atendentes] desqualificados para atender os consumidores. A maioria não tem paciência, outros dão informações desconexas. Se o consumidor telefonar mais de uma vez para obter informação sobre a diminuição da velocidade, as informações não condizem. Por exemplo, enquanto alguns atendentes mandam retirar os cabos do modem para que o atendente reinicie o sistema, outros pedem para apertar o botão de desligamento que fica no próprio modem. Quando o ícone da conexão fica com o triângulo amarelo, alguns atendentes dizem que é problema no cabo RJ-45, outros dizem que o problema está no provedor. Além das ambiguidades “técnicas” dos atendentes, a educação é outra conduta contra a dignidade dos consumidores. Misteriosamente, a ligação cai, e o consumidor fica sem ter a solução ao seu problema de conectividade ou velocidade. Há casos que o consumidor precisa telefonar várias vezes para ter alguma solução do serviço de atendimento ao consumidor [SAC] — deveria ser chamado de serviço de tortura ao consumidor. Existe também a prática de “ser breve para não detalhar o problema ao consumidor”. Caso o consumidor saiba, pouco ou muito, sobre tecnologia de informação e começa a fazer perguntas pertinentes, o SAC se comporta como candidato que ganhou as eleições: fica mudo; justifica o injustificável.

Algo que mais inerva os consumidores são os SACs. Se o consumidor legar mais de uma vez para o SAC poderá constatar que o atendimento eletrônico é confuso e não tem padrão de atendimento. As opções de escolha para ser atendido mudam a cada ligação. Por exemplo, na primeira ligação há a voz eletrônica informando os procedimentos para o consumidor consertar a própria conexão, se não conseguir a voz indica as opções e, depois, o número de protocolo. Na segunda ligação, surgem as opções de atendimento. Na terceira ligação, as opções de atendimento estão em ordem diferente. A neurose continua quando o consumidor é atendido pelo funcionário da operadora. Começam novas dores de cabeça, já que as informações são desconexas.

Mesmo que as operadoras entreguem 80% da conexão, como preconiza a resolução da ANATEL, ainda há violação contra o consumidor, por ter serviço reduzido do que fora cobrado. Somando tudo o que foi exposto aqui, OI, VIVO, GVT, NET, TIM e CLARO, com a permissão da ANATEL, cometem crimes contra os consumidores. Além disso, a Constituição Federal de 1988 não passa de lei cadavérica:

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(…)

V – defesa do consumidor”

A prática de Traffic Shaping é usadíssima pelas prestadoras. Tal prática consiste em diminuir ou cortar a conexão, pelos provedores. Por exemplo, o vídeo no Youtube que está assistindo começa a travar. Pode ser a prática de Traffic Shaping. Google possui ferramenta para medição de Traffic Shaping. [1]

As operadoras dizem que investem muito na melhoria da qualidade das conexões — banda larga fixa, 3G e 4G —, contudo, mesmo assim, a qualidade dos serviços prestados pelas operadoras OI, VIVO, GVT, NET, TIM e CLARO, quando comparadas com os serviços, no Japão, EUA e Suécia, continuam sendo uma das piores do mundo. O que mais estarrece aos usuários, como eu, de internet é que a qualidade é péssima, mas os preços cobrados pelas prestadoras são as mais caras do planeta. O Estado brasileiro, infelizmente, permite que tais operadoras lesem os consumidores, sem a menor cerimônia. Os órgãos de defesa do consumidor tentam, em vão, proteger os consumidores, mas as multas não causam qualquer efeito significativo para as operadoras pararem de lesar os consumidores. Além disso, os intermináveis recursos interposto pelas operadoras garantem lucros e transgressões aos direitos dos consumidores. Quando as multas são aplicadas, muitas vão parar na dívida ativa. As oportunidades de lesarem os consumidores, então, são infinitas.

Conclusão

Se a ANATEL permitir que as operadoras limitem, por franquias, as conexões de banda larga fixa, a liberdade de expressão estará comprometida, literalmente. Muitos usuários usam tais conexões para estudarem nos chamados cursos à distância, que vem crescendo a cada ano. Outra consequência do limite está no novo comportamento que sites e blogues terão que adotar em suas páginas. Muitos deles conseguem receitas através de publicidades de terceiros. Uma vez que há limite de dados, os internautas deixarão de clicar em tais publicidades, pois usarão parte da franquia. O próprio Youtube será afetado, já que sobrevive graças às publicidades. De forma geral, mecanismos de busca, como Google, Yahoo e Bing prestam serviços gratuitos porque arrecadam dinheiro através das publicidades. Ou seja, a limitação de dados por franquia irá mudar, drasticamente, a internet. Já as franquias de internet na telefonia móvel também causam prejuízos aos consumidores, uma vez que há má qualidade na prestação de serviço e preços estratosféricos.

Outra consequência oriunda da limitação de dados por franquia está no comprometimento dos serviços de “nuvem”. Cada vez mais, usuários guardam seus documentos, livros digitais etc. nos serviços como One Drive, Google Drive etc. Esses documentos são compartilhados até pelas empresas. Alguns desses documentos são pesquisas on-line. Ou seja, é um retrocesso para a liberdade de expressão, em todos os sentidos.

Referências:

Akamai. Disponível em:  https://www.akamai.com/us/en/our-thinking/state-of-the-internet-report/index.jsp

Marco Civil da Internet. Disponível em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm

OAS Cataloging-in-Publication Data Inter-American Commission on Human Rights. Office of the Special Rapporteur for Freedom of Expression. Liberdade de expressão e internet / [Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Comissão Interamericana de Direitos Humanos]. V.; cm. (OAS. Documentos oficiais; OEA/Ser. L). Disponível em:  http://www.oas.org/pt/cidh/expressao/docs/publicaciones/2014%2008%2004%20Liberdade%20de%20Expressão%20e%20Internet%20Rev%20%20HR_Rev%20LAR.pdf

[1] — Google MLAB. Disponível em:  http://www.measurementlab.net/

Sérgio Henrique da Silva Pereira: articulista, colunista, escritor, jornalista, professor, produtor, palestrante. Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], Investidura – Portal Jurídico, JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação.

Como citar e referenciar este artigo:
PEREIRA, Sérgio Henrique da Silva. Limitar banda larga fixa e móvel por franquia fere a liberdade de expressão. O consumidor já é lesado muito antes da franquia. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2016. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/limitar-banda-larga-fixa-e-movel-por-franquia-fere-a-liberdade-de-expressao-o-consumidor-ja-e-lesado-muito-antes-da-franquia/ Acesso em: 28 mar. 2024