Processo Civil

O artigo 518, § 1º do Código de Processo Civil – juízo indireto de mérito recursal no manejo das “súmulas impeditivas de apelação”

O artigo 518, § 1º do Código de Processo Civil – juízo indireto de mérito recursal no manejo das “súmulas impeditivas de apelação”

 

 

Liu Carvalho Bittencourt

 

I. CONSIDERAÇÕES GERAIS

 

Encontra-se o art. 518, dentro do Capítulo II (Da Apelação), do Título X (Dos Recursos), do Livro I (Do Processo de Conhecimento) do Código de Processo Civil, portanto, refere-se ao procedimento pelo qual se processa o meio impugnativo recursal denominado de Apelação.

 

Todo recurso possui certos requisitos para que possa ser conhecido e posteriormente (se for o caso) provido. Desse modo, por meio do estudo dos juízos de admissibilidade e mérito recursais afere-se de que forma dar-se-á o processamento um recurso.

 

No juízo de admissibilidade verificam-se se presentes as condições impostas por lei como necessárias à apreciação do conteúdo da postulação recursal. Caso este Juízo seja positivo, o recurso será conhecido, e, conseqüentemente, decidida a matéria impugnada para que se dê provimento ao recurso no caso de a matéria objeto do recurso ser fundada ou, para que se rejeite, se for infundada.

 

Conforme José Carlos Barbosa Moreira:

 

O juízo de admissibilidade é, sempre e necessariamente, preliminar ao juízo de mérito. Negada que seja a admissibilidade do recurso, não há que investigar se ele é fundado ou não. Por outro lado, se o órgão ad quem apreciou o conteúdo da impugnação, quer lhe haja reconhecido fundamento, quer não, terá julgado o recurso no mérito. (2005, p. 116).

 

Os requisitos de admissibilidade do recurso podem ser intrínsecos (relacionados à existência do direito de recorrer) ou extrínsecos (relacionados à análise do exercício do direito porventura declarado existente).

 

Assim, para que o direito de recorrer possa ser declarado existente (pois o pronunciamento da autoridade não gera/constitui os requisitos, mas, tão-somente reconhece anterior existência), e, conseqüentemente, possa ser conhecido pela (s) autoridade (s) judicial (ais) – no caso de julgamento por órgão singular ou coletivo – necessária faz-se a presença de alguns requisitos.

 

Consoante lição do professor Nelson Nery Junior (2000, p. 190 et seq.) o recurso é um prolongamento da ação dentro do mesmo processo, e, em conseqüência disso, existe a necessidade de observância de alguns pressupostos recursais, pois repetição do direito de ação em fase posterior do procedimento, agora com requisitos próprios.

 

Frise-se que o Juízo de Admissibilidade compete tanto ao órgão judicial a quo como ao ad quem, enquanto o Juízo de Mérito, via de regra, compete apenas ao órgão ad quem.

 

São os requisitos de admissibilidade intrínsecos1:

 

1. Cabimento: é a existência no sistema jurídico, de um recurso que possa, em tese, atacar a decisão impugnada. Diz respeito a recorribilidade do pronunciamento judicial e a escolha da via recursal adequada (Em outras palavras, deve haver previsão legal de recurso – ao pronunciamento – e do recurso – aferindo a compatibilidade entre o pronunciamento judicial e o recurso utilizado para impugná-lo).

 

2. Legitimação do recorrente para interpô-lo: conforme art. 499 do CPC;

 

3. Interesse em recorrer: aparece sempre que o recorrente possa buscar, hipoteticamente, situação mais vantajosa com o julgamento do recurso do que aquela advinda da decisão impugnada. A expressão “vencida” do art. 499 deve ser entendida em sentido amplo, como qualquer hipótese em que a decisão não tenha proporcionado à parte tudo o que lhe era lícito esperar.

 

Segundo Araken de Assis: “o interesse em impugnar ato decisório acudirá ao recorrente quando visar à obtenção de situação mais favorável do que aquela por ele imposta […]”. (1999, p. 27).

 

4. Inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer: são eles a renúncia ao direito de recorrer (dá-se antes da interposição do recurso, independe da concordância do recorrido ou de algum litisconsorte); a desistência do recurso (dá-se após a interposição do recurso, independe da concordância do recorrido ou de algum litisconsorte); aquiescência à decisão (pode ser expressa ou tácita, esta quando o recorrente pratica ato incompatível com a finalidade do recurso. Não exige homologação judicial, embora seja comum que isso ocorra); desistência da ação; reconhecimento jurídico do pedido; transação; renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação.

 

São requisitos extrínsecos de admissibilidade:

 

1. Tempestividade: o recurso deve ser interposto dentro do prazo fixado em lei. O termo inicial é o primeiro dia útil subseqüente à intimação da decisão (art. 184, CPC);

 

2. Regularidade formal: “Por regularidade formal deve-se compreender a sujeição do ato a preceitos de forma prescrita em lei, cuja inobservância impede que o recurso seja conhecido” (APRIGLIANO, 2003, p. 34), ou seja, todo recurso deve apresentar uma forma que o torne apto a alcançar seus objetivos;

 

3. Preparo: consiste no pagamento prévio das despesas relativas ao processamento do recurso. À sanção para a falta deste requisito dá-se o nome de deserção.

 

Se o juízo de admissibilidade proferido pelo órgão onde foi interposto o recurso manifestar-se positivo e for confirmado pelo órgão ad quem, a etapa posterior será a análise, pelo órgão revisor, do mérito recursal; se não for confirmado – juízo negativo de admissibilidade recursal – o órgão ad quem não conhecerá do recurso. Ressalte-se que o juízo proferido pelo órgão a quo refere-se apenas à declaração de existência ou inexistência dos requisitos no momento de interposição do recurso, não vinculando e não subtraindo à apreciação do órgão ad quem o controle dos mesmos.

 

Declarados presentes os requisitos de admissibilidade recursal (juízo positivo) diz-se que o recurso foi conhecido pelo órgão judicial. O próximo passo, como já frisado, será a análise do mérito do recurso – este nada mais é do que o conteúdo da impugnação à decisão recorrida.

 

Inicia-se então o juízo de mérito (análise do pedido formulado pelo recorrente), que poderá discorrer sobre dois tipos distintos de vícios; A saber:

 

1. Vício de Juízo (error in iudicando): resulta de má apreciação de questão de direito e/ou de fato. Regra geral o objeto do mérito recursal coincide com o objeto da análise cognitiva inferior. Decorre da decisão dita injusta e pede-se a reforma desta.

 

2. Vício de atividade (error in procedendo): aqui é pleiteada a invalidação da decisão impugnada, pois ilegal. O objeto do juízo de mérito, no recurso, é a própria decisão judicial proferida no grau anterior.

 

Desse modo, ao realizar o juízo de mérito, verificará o órgão ad quem se a impugnação é ou não fundada, e, por conseguinte, se lhe deve ou não dar provimento para que haja a reforma ou a anulação – conforme o vício – da decisão recorrida.

 

Como não podem subsistir duas decisões sobre o mesmo objeto, o julgamento proferido pelo órgão ad quem deve necessariamente substituir a decisão recorrida, nos limites da impugnação. Esta substituição pode dar-se por decisão de teor diverso daquele que tenha a inferior (caso em que o recurso é provido) ou por decisão de igual teor (caso de desprovimento do recurso). Veja-se que neste último caso, ao contrário do que correntemente se diz, a decisão não será confirmada, mas sim, substituída por outra de igual teor.

 

Na hipótese do error in procedendo, como o objeto do mérito recursal é distinto do objeto da decisão impugnada e visa o recurso, à invalidação da decisão impugnada, não haverá substituição, mas sim, a cassação (pela anulação) da decisão antecedente, para que se profira no juízo anterior nova decisão.

 

O Código de Processo Civil, em seu Livro I, Título X, dispõe sobre os recursos, contemplando no art. 496 oito espécies deste gênero: 1. Apelação; 2. Agravo; 3. Embargos Infringentes; 4. Embargos de Declaração; 5. Recurso Ordinário; 6. Recurso Especial; 7. Recurso Extraordinário; 8. Embargos de Divergência em Recurso Especial e em Recurso Extraordinário2.

 

Ao presente artigo interessa um estudo pormenorizado do meio de impugnação recursal denominado de Apelação.

 

A apelação é, nos termos do art. 513 do CPC, o recurso cabível contra a decisão judicial denominada sentença – entendida como o ato do Juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 do diploma processual (art. 162, § 1º).

 

Quando interposta a Apelação, o órgão a quo fará o chamado controle liminar de admissibilidade, em seus requisitos intrínsecos e extrínsecos. Caso o juízo de admissibilidade seja negativo, caberá agravo da decisão judicial visando ao regular processamento da apelação.

 

É exatamente neste ponto que se encontra o objeto das presentes considerações: a análise de uma das questões apresentadas a partir da vigência do § 1º do art. 518 do Código de Processo Civil, incluído pela lei ordinária federal n. 11.276/06.

 

 

II. LEI 11.276/06. ARTIGO 518, § 1º. “SÚMULAS IMPEDITIVAS DE APELAÇÃO3

 

A lei 11.276/06 alterou os artigos 504, 506, 515 e 518 do Código de Processo Civil relativamente à forma de interposição de recursos, ao saneamento de nulidades processuais, ao recebimento de recurso de apelação e a outras questões.

 

Nesse contexto, o art. 518 teve seu parágrafo único (original) suprimido, sendo substituído por dois outros parágrafos onde se regulamenta a chamada “Súmula Impeditiva de Recursos” (nome pelo qual precipitadamente o instituto em voga ficou conhecido; contudo, como melhor técnica, utilizar-se-á neste trabalho a denominação “súmula impeditiva de apelação”, reservando-se aquela nomenclatura às hipóteses do art. 557 do CPC).

 

Antes da entrada em vigor da lei 11.276, apenas o relator, por meio de decisão monocrática proferida consoante o art. 557, poderia obstar ao processamento do recurso de apelação (valendo-se das “súmulas impeditivas de recursos”). Agora o próprio Juiz que proferiu a sentença impugnada poderá realizar o Juízo de Prelibação, obstando o processamento do recurso de apelação “quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal”.

 

Algumas questões de ordem prática insurgem-se da leitura do remodelado art. 518. Desse modo: 1. a aplicação da norma seria faculdade ou obrigação do Juiz? 2. quais as súmulas a que se refere o dispositivo, tendo-se em conta a instituição das “súmulas vinculantes” pelo art. 103-A da CF? 3. é parte integrante do juízo de mérito ou de admissibilidade do recurso de apelação?

 

1. Interpretando-se literalmente o dispositivo, vê-se que “não receberá”, logicamente não encerra uma faculdade ao magistrado. Nada obstante, o Juiz não está obrigado a decidir – e cabe aqui a análise, no momento de proferimento da sentença – de acordo com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal (excetuando-se as súmulas vinculantes). No entanto, ao julgar com base nessas súmulas é clara a disposição do art. 518 no sentido de que o Juiz terá então, o dever de não receber o recurso de apelação.

 

A doutrina diverge diametralmente neste ponto. Nelson Nery Junior (2006, p. 747), José Henrique Mouta Araújo (2006, p. 92) e Cássio Scarpinella Bueno (2006, p. 37), defendem a tese de que, embora literalidade do texto da norma indique a obrigatoriedade, na verdade trata-se de faculdade do Juiz não receber o recurso de apelação nas hipóteses elencadas.

 

Noutra ponta, Daniel Amorim Assunção Neves sustenta que é dever do Juiz “e não mera faculdade, negar seguimento ao recurso de apelação quando interposto contra sentença que se funda em súmula […]”. (2006, p. 363). Denis Danoso ressalva que: “se estivermos diante de uma súmula vinculante, nos seus precisos termos, devemos concluir que a aplicação do art. 518, parágrafo 1º, do CPC, seria um dever do magistrado”. (2007, p. 41).

 

Conforme explicado supra, deve-se discordar da opinião de Danoso. O momento de aplicação da súmula vinculante seria o de proferimento da sentença pelo magistrado. Assim, no caso por aventado por Denis Danoso, o dever (do magistrado de aplicar o art. 518, § 1º) mostrar-se-ia intrínseco entre o ato de lavrar a sentença (balizada pela força impositiva da súmula vinculante) e o ato de não recebimento do recurso de apelação.

 

Seria, então, discricionária a atividade do magistrado apenas no momento de proferimento da sentença e, ainda, quando não fosse caso coberto pelas disposições de alguma súmula vinculante; após, no momento do recebimento da apelação, caso o Juiz haja subsumido a demanda à súmula do STF ou STJ, ou ainda, quando seja caso de subsunção obrigatória à súmula vinculante, a atividade a ser exercida pela autoridade judicial será vinculada, sem qualquer margem a interpretações que divirjam do não recebimento do recurso de apelação, sob pena de subverter-se toda a estrutura idealizada pela mens legis.

 

O melhor entendimento é no sentido de que, tendo ocorrido subsunção, no proferimento da sentença, à súmula do STJ ou do STF, o magistrado necessária e coerentemente deverá, de maneira vinculada ao que enuncia o texto normativo, não receber o recurso.

 

2. As súmulas vinculantes encontram seu fundo de validade no art. 103-A4 da Constituição Federal. A regulamentação infraconstitucional adveio com a lei 11.417/2006, que disciplinou a edição, revisão e o cancelamento de enunciados de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal. Assim, para que adquiram a eficácia vinculante, qualquer súmula do STF (editada antes ou depois da lei 11.417) deverá seguir o procedimento legal regulamentado.

 

Difere das súmulas impeditivas de recurso, pois estas são quaisquer súmulas criadas pelo STF ou pelo STJ, enquanto as vinculantes necessariamente serão emitidas pelo STF mediante o procedimento especial previsto no art. 103-A da Constituição Federal. Assim as súmulas vinculantes terão sua abrangência restrita, pois somente disporão acerca de matéria constitucional.

 

Conforme lição de Lênio Streck (apud Silva e Xavier):

 

a Reforma do Judiciário instituiu dois tipos de súmulas: a vinculante, editada pelo Supremo Tribunal, obedecendo os requisitos previstos no art. 103-A e parágrafos, e as demais, portanto, não vinculantes. As antigas súmulas do Supremo Tribunal Federal e as demais súmulas existentes no ordenamento devem servir apenas de indicação, pela singela razão de que pertencem à categoria das ‘súmulas não vinculantes’, que passam a fazer parte de um grupo de súmulas de segundo nível. (2006, p. 193).

Sem sentido e tato, opiniões como a de Nelson Nery Junior, que se manifesta no sentido de apenas considerar válida a aplicação do art. 518, § 1º em relação às súmulas vinculantes. O dispositivo é claro no sentido de que estão incluídas também as súmulas do STJ, ruindo, assim, quaisquer posições que busquem condicionar à aplicação da norma a esta condição.

 

Ainda que se considere válida e eficaz a disposição do art. 518, § 1º, não é aplicável a qualquer situação de recurso contrário à súmula, mas apenas quando o for relativamente à súmula vinculante do STF. Essa é a interpretação que nos parece estar conforme a CF, o que tornaria a norma comentada constitucional. (2006, p. 748).

 

Fecha-se o ponto, mencionando que, ao contrário do art. 557, o artigo em estudo não faz menção à jurisprudência dominante, pelo que se deve entender que “o relator pode ter por parâmetro jurisprudência ou súmula do seu próprio Tribunal, ao passo que o Juiz somente poderá reportar-se à súmula do STJ e do STF”. (ALMEIDA JUNIOR, 2006, p. 29).

 

3. Integra o juízo de mérito ou de admissibilidade recursal a aplicação do art. 518, § 1º?

 

É claro o dispositivo ao afirmar: “O Juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal”.

 

Se o legislador utilizou a expressão “não receberá”, é óbvio que se referia ao juízo de admissibilidade do recurso de Apelação. Em seguida, é utilizada a palavra sentença, e não apelação ou razões da apelação. Então, é plenamente lógico que o magistrado não adentrará o mérito recursal, pois se valerá tão-somente da súmula aplicada à sentença proferida (analisará a SENTENÇA), ou seja, foi criado um novo requisito de admissibilidade intrínseco ao recurso de apelação, qual seja: a não conformidade da sentença com súmula do STJ ou do STF.

 

Então, ao dizer que:

 

Enquanto antes o julgador estava adstrito ao exame dos pressupostos genéricos de admissibilidade da apelação, agora passa a também poder não conhecer o recurso quando a sentença censurada pela parte “estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal”, ou seja, permite-se que o Juiz possa ingressar no próprio mérito do recurso de apelação, fazendo o contraste entre ele e a súmula de certos Tribunais (ANDRADE, 2006, p. 82),

 

Marcelo Andrade Feres tenta conduzir a questão a uma conclusão falseada. O Juiz não ingressará em mérito recursal algum; o que o magistrado fará, simplesmente, é analisar a sentença. Caso esta esteja em conformidade com súmula do STJ ou STF a autoridade judicial estará obrigada a não receber o recurso de apelação por falta de um requisito de recursal de existência (conforme lição de Barbosa Moreira).

 

Wambier (2006, p. 226) corrobora a posição de Feres:

 

[…] o recurso não é indeferido em razão da ausência de seus requisitos de admissibilidade, já que saber se a sentença está ou não em consonância com um entendimento sumulado pelo STF ou pelo STJ é questão atinente ao juízo de mérito do recurso.

 

 

III. JUÍZO INDIRETO DE MÉRITO RECURSAL5

 

Propõe-se neste artigo, assim, que se considere o surgimento de uma nova figura processual, capaz de explicar com melhor técnica o problema em relevo.

 

Como explicado, o magistrado a quo, ao sentenciar, terá a discricionariedade de decidir conforme disposição de súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal (excetuando-se as súmulas vinculantes – de força obrigatória). Ao julgar com base nessas súmulas é clara a disposição do art. 518 no sentido de que o Juiz terá então, o dever de não receber o recurso de apelação, sem qualquer margem a interpretações que divirjam do não recebimento, sob pena de subverter-se toda a estrutura idealizada pela mens legis.

 

Vê-se que, se no art. 518, § 1º o legislador utilizou a palavra sentença – e não apelação ou razões da apelação – é plenamente lógico que o magistrado não adentrará efetivamente o mérito recursal, pois analisará apenas a sentença proferida, no intuito de observar se houve ou não conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou Supremo Tribunal Federal.

 

No entanto, interessante observar-se que sob outro prisma de análise, poder-se-á dizer que o magistrado adentrará sim, o mérito recursal.

 

Tergiversando, poder-se-á aduzir à questão de ingresso no mérito recursal na hipótese em exame; contudo, desde que se considere uma incursão de forma indireta, haja vista o magistrado haver analisado o mérito no iter processual anterior à interposição do recurso, concluindo ao final pela subsunção da demanda a alguma das súmulas mencionadas no dispositivo legal.

 

É nesse sentido que se pode conceber a figura do “juízo indireto de mérito recursal” (ou, ainda, “juízo virtual de mérito recursal”; “juízo reflexo de mérito recursal”; etc.), pois a lei é clara ao demonstrar que o Juiz não realizará o Juízo de Mérito recursal propriamente dito.

 

Assim sendo, conclui-se que o Juiz a quo não tocará o mérito das razões recursais pela própria ocasião do processamento da apelação, mas sim, pela realização da atividade de subsunção – que foi discricionária – realizada até o enquadramento da demanda à súmula do STJ ou STF, pois a matéria alegada nas razões de apelação (quando possível a aplicação do art. 518, § 1º) será necessariamente deduzida a partir da mesma argumentação que ensejou a aplicação pelo Juiz da súmula impeditiva de apelação naquele caso.

 

 

NOTAS DE RODAPÉ DO AUTOR

 

1 Os requisitos de admissibilidade do recurso podem classificar-se em dois grupos: requisitos intrínsecos (atinentes à própria existência do direito de recorrer) e requisitos extrínsecos (concernentes ao exercício daquele direito). (MOREIRA, 2005, p. 117).

2 Essa enumeração não é exaustiva; tanto que existe o recurso criado pela Lei 9.099/95, sem denominação própria, a ser interposto contra sentença do Juizado Especial Cível, entre outros casos.

3 Art. 518. Interposta a apelação, o Juiz, declarando os efeitos em que a recebe, mandará dar vista ao apelado para responder.

§ 1º O Juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal.

4 Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

5 Nomenclatura proposta por este artigo.

 

 

REFERÊNCIAS

 

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APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. A apelação e seus efeitos. São Paulo: Atlas, 2003.

ASSIS, Araken de; CARNEIRO, Athos Gusmão; DINAMARCO, Cândido Rangel; ALVIM, Arruda. Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a Lei n. 9.756/98. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: procedimento comum: ordinário e sumário, 2: tomo I. São Paulo: Saraiva, 2007.

_____. A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil: volume 2 – comentários sistemáticos às Leis n. 11.276, de 7-2-2006, 11.277, de 7-2-2006, e 11.280, de 16-2-2006. 2 ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2006

DONOSO, Denis. Súmula impeditiva de recursos. Constitucionalidade, juízo de admissibilidade recursal, cabimento, recorribilidade e outras questões polêmicas sobre o novo art. 518, § 1º, do CPC. Revista Dialética de Direito Processual – Rddp, n. 47, fev. 2007.

FERES, Marcelo Andrade. O novo art. 518 do CPC: súmula do STF, do STJ, e efeito obstativo do recebimento da apelação. Revista Dialética de Direito Processual – Rddp, v. 38, maio 2006.

MIELKE SILVA, Jaqueline; XAVIER, José Tadeu Neves. Reforma do processo civil: Leis n. 11.187, de 09.10.2005; 11.232, de 22.12.2005; 11.276 e 11.277, de 07.02.2006 e 11.280, de 16.02.2006. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006.

MOREIRA, José Carlos Barbosa Moreira. O novo processo civil brasileiro. 23 ed. ver. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção; RAMOS, Glauco Gumerato; FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima; MAZZEI, Rodrigo. Reforma do CPC: Leis n. 11.187/2005, 11.232/2005, 11.276/2006, 11.277/06 e 11.280/2006. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro. 4. ed. revista e ampl. E atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

Como citar e referenciar este artigo:
BITTENCOURT, Liu Carvalho. O artigo 518, § 1º do Código de Processo Civil – juízo indireto de mérito recursal no manejo das “súmulas impeditivas de apelação”. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/processo-civil/o-artigo-518-s-1o-do-codigo-de-processo-civil-juizo-indireto-de-merito-recursal-no-manejo-das-sumulas-impeditivas-de-apelacao/ Acesso em: 25 abr. 2024