Processo Civil

Embargos declaratórios contra inadmissão de recurso especial em ação possessória

Dos Fatos

No interior do país foi ajuizada uma ação de reintegração de posse cumulada com ação de despejo, relativamente a pequeno imóvel rural.

A propositura veio cumulada com alegação de ocorrência de arrendamento do imóvel pelos propriétarios em favor do réu/embargante, tanto que o pedido veio cumulado/alternativo, id est, versante ao mesmo tempo sobre posse e sobre domínio com pedido de decretamento de  despejo, portanto petitório com possessório.

O Mmo. Juiz de Primeiro Grau, sponte sua, sem fundamentação optou pela admissão do possessório e concedeu liminar aos autores/embargados, à míngua de produção de qualquer prova, a despeito de a ação, se possessória seria de força velha por não constar da inicial período inferior a “ano e dia” (CPC, art. 558) para a ocorrência dos fatos.

O réu contestou a ação e interpôs “Agravo de Instrumento” contra a concessão da liminar, cujo tribunal competente denegou pedido de efeito suspensivo ao mesmo, depois o julgou de molde a manter a liminar recorrida, contra cujo acórdão foram opostos Embargos Declaratórios, igualmente improvidos.

Face a tais decisões do segundo grau veio, a final, interposto o RECURSO ESPECIAL, que restou inadmitido.

Da invalidade da decisão ceifeira:

a) Como revelado no dispositivo da decisão via da qual foi denegado seguimento ao RECURSO ESPECIAL interposto, foi aí apreciado o apelo no seu “mérito”, apontando deficiência na sua fundamentação, e ausência de preqüestionamento que não toca ao 2º Grau reconhecer para desenlaçar, sobretudo para estancar o curso da irresignação.

b) Como o desfecho do REsp deu-se mediante apreciação de suas razões, a denegação do seu seguimento expressamente com esteio em falta de indicação de alínea da disposição constitucional (art. 105/CF) regulatória da matéria, irrecusável era o direito do réu/embargante de ser ouvido para a sanação da apontada eiva(CPC, art. 932, § único).

A regra decorre do Direito Fundamental à ampla defesa e conseqüentemente ao contraditório (CF, art. 5º, LIVe LV) que garantem abertura de cabouco para o recorrente falar no prazo de 5 (cinco) dias, a que não foi instado.

De fato, o referido art. 932, § único do CPC determina que “antes de considerar inadmissível o recurso o Relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação”.

Como conseqüência disso a decisão ora estudada, denegatória do recurso parece vazia de juridicidade, a clamar por revogação.

c) Afigura-se evidente que, em havendo no procedimento observado vício de ordem pública, como, por exemplo, falta de condições de procedibilidade da ação ajuizada em cúmulo inadmissível (CPC, art.327, §1°, I, III), tendo o acórdão recorrido reconhecido a legalidade dos fundamentos de defesa e ao mesmo tempo negado provimento ao agravo, e havendo erro de julgamento no acórdão recorrido, praticado pelo próprio Tribunal, o REsp não tinha como ser inadmitido por falta de indicação de alínea do artigo da Constituição Federal (que ora se refre: art. 105, III, “a”), vez que tratam-se de atos portadores de vícios graves a importar nulidade absoluta do processo, de relevância primacial.

A propósito o eminente Prof. JOSÉ ROGÉRIO DA CRUZ E TUCCI (USP), in “Consultor Jurídico”, junho de 2018,explicita:

“(…) Frise-se, por outro lado, que, admitido o recurso especial com fundamento na violação de um determinado texto legal, devidamente prequestionado no acórdão recorrido, nada obsta a que, por ocasião do respectivo julgamento, o Superior Tribunal de Justiça conheça, de ofício, por exemplo, a carência de ação por falta de interesse processual.

“Com efeito, infere-se de julgamento da 1ª Seção, nos Embargos de Declaração no Recurso Especial 1.149.424 – BA, de relatoria da Ministra ELIANA CALMON, o seguinte posicionamento:

“Ainda que tivesse a Corte a quo examinado diretamente a questão, não estaria impedido o Superior Tribunal de Justiça de proceder à sua análise, porque admitido o Recurso Especial quanto à matéria de fundo. Conforme jurisprudência assente desta Corte, o prequestionamento se faz imprescindível até mesmo para argüir as nulidades absolutas, porque não pode o Superior Tribunal de Justiça conhecê-las de ofício. Entretanto, a rigidez da observância veio a ser flexibilizada por alguns acórdãos que entendem possível ao Superior Tribunal de Justiça conhecer das matérias de ordem pública de ofício se, após ser o especial conhecido, com o prequestionamento de tese jurídica pertinente, depararem-se os julgadores com uma nulidade absoluta ou com matéria de ordem pública e que pode levar à nulidade do julgamento ou à sua rescindibilidade”. (v. u., DJe 14/9/2010)

E conclui o Prof. JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI:

“Nessa mesma direção, expressivo julgado proferido pela 1ª Turma, no Recurso Especial 869.534 – SP, relatado pelo Ministro TEORI ZAVASCKI, ao prover o recurso, declarou a nulidade do acórdão proferido pelo tribunal de origem(…)”

Com valimento nessas asserções de largo arrimo científico foi alevantado o argumento relativo à singeleza de uma formalidade diante do agigantado efeito do conhecimento e decretação de nulidades de ordem pública, não sem razão:

“Tal questionamento é matéria unicamente de Direito, não sendo necessário o reexame do conjunto probatório, inviável, então, o óbice contido na Súmula 7/STJ.

Por outro lado, quanto à falta de indicação da alínea ‘a’ do item II do art. 105, da CF no preâmbulo do Recurso Especial, verifica-se que tal falha não impõe de per si a inadmissibilidade do apelo sobre quando, no corpo do recurso, o recorrente indica que o tribunal violou dispositivos infraconstitucionais, tornando despicieda a falta aludida. Não há que se falar em incidência da Súmula 284/STF” (Ac. STJ – Agr. Regimental no Agravo Regimental no Recurso Especial 883160/SC 2006/0190940-4)

Referencial teórico dos Embargos Declaratórios

“EMENTA: ‘Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial. (CPC, 1.022)”.

“Nos procedimentos em curso perante os tribunais, há emissão de pronunciamentos colegiados (acórdão – art. 204 do CPC) e monocráticos, quer por relator (art. 923 do CPC), quer por presidente ou vice-presidente (por exemplo, art. 1.030, caput, CPC).Todos eles são embargáveis, sem exceção” (LUIS GUILHERME AIDAR BONDIOLI, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. XX, 2ª edição, 2017, Saraiva, São Paulo, pgs. 161/163)

Específico para o caso discutido:

A contradição existente entre a fundamentação e a parte dispositiva da sentença é vício insanável que implica na sua desconstituição. Sentença desconstituída, de ofício. Apelação prejudicada.’ (TJRS, publ. 13/12/2012, Rel. DES. JORGE GALHARDO)

E ainda, exposição alentada e amadurecida; emblemática, a neutralizar efeitos ainda encontradiços em nosso meio, do voluntarismo presente na Idade Média:

“A mera interposição do recurso cabível ainda que com argumentos reiteradamente refutados pelo tribunal de origem ou sem a alegação de qualquer fundamento novo, apto a rebater a decisão recorrida não traduz má-fé, nem justifica a aplicação de multa’ (Min. NANCY ANDRIGHI, REsp1.333425).

Das Omissões

Conforme lembrado pelo embargante, os autores embasaram sua pretensão alegando propriedade sobre 2  (dois) imóveis rurais situados no município sustentando quederam partes de duas glebas, não descritas, em arredamento, por eles,ao réu, em 2017, e que o notificaram para desocupar os imóveis em novembrode 2018, idestUM ANO APÓS O INÍCIO DA “ALEGADA” AVENÇA.

Sustentado expressamente pelo embargante que, embasado o pedido em ocupação dita consentida do imóvel pelo réu por força de confessado arrendamento, a ação cumulada veio desenganadamente inadequada, vez que a questão é disciplinada através de legislação própria, ou seja, regulada pelo Estatuto da Terra (Lei 4.504/64 e Decreto 59.666/66), que expressamente consagra que para o caso da hipótese aventada a busca da desocupação se faz via Ação de Despejo, como se vê das exposições que se invocaram.

Todavia, matéria relegada a oblívio ao longo dos julgamentos, a desafiar as decisões tribunalícias apropositadas:

“É que concedeu a liminar sem atentar para o fato de que a ação possessória é via inadequada para a retomada do imóvel objeto de contrato de arrendamento rural, por falta de pagamento do aluguel  ou renda, sendo cabível a ação de despejo e a emenda da mora para evitar a resolução contratual, de acordo com a regra inserta no art.32 do decreto 59.566/66, (…)” (DJBA,123/12/2010, Cad.I, pg.247, apud JusBrasil)

A propósito, com indicação de opções cabentes ao embargado, vem a lição do ilustrado Professor de São Paulo, Dr. ARRUDA ALVIM, ex-Desembargador do TJSP:

“Os requisitos existentes na lei para a validade da cumulação são os seguintes: a) compatibilidade entre os pedidos; b) serem abrangidos pela competência do mesmo Juízo; c) que todos os pedidos sejam adequados ao mesmo procedimento (art. 292). Caso não haja identidade de procedimento, ainda sim permiti-se a cumulação, desde que o autor aceite, para todos os pedidos, o procedimento ordinário”

A hipótese sugerida não se deu na specie em foco.

Evidente que no caso o princípioda fungibilidade não se aplica, vez que os autores buscam solucionar um contrato verbal, em tese, com esteio no direito de propriedade, e não, à posse; e esta,         mesmo conforme sustentado eloqüentemente na petição inicial, é exercida com base em “sinalagma” na sua acepção histórico-jurídica (cf. ULPIANO).

Todavia, o tribunal houve por bem nesta hipótese proceder à adoção de uma forma desvinculada da Lei, decidindo de maneira chocantemente descuidada, não obstante tratar-se de questão trivial,assim:

“A posse direta exercida pelo Agravante sobre o imóvel objeto do litígio decorreu de contrato havido com o proprietário, que havia cedido (sic) lhe cedido a área para plantio, tendo, posteriormente, manifestado o desinteresse de manter a avença, por almejar dar destino diverso ao terreno rural. Nessas circunstâncias, com o objetivo de reaver o imóvel ocupado pelo Agravante, expediu a parte Agravada Notificação Extrajudicial, instando-o a desocupar o imóvel no prazo de 15 (quinze) dias”.

Explicitado pelo embargante que nesse ponto a decisão viola o art. 473 do Código Civil.

Erro material do próprio tribunal proclamado no acórdão especialmente recorrido (CPC, art. 1.022 – III)

A despeito de todos esses fundamentos, o acórdão sustentador de seus propósitos bem reflete que a câmara atuou com despotismo desde o início da pendenga, proclamando o seguinte:

Ora, se a decisão eventualmente viola alguma disposição legal ou diverge de jurisprudência de outros pretórios ou mesmo incorre em má avaliação dos elementos de provas existentes nos autos – o que sequer me parece ter ocorrido no caso – o equívoco pode configurar, quando muito, erro de julgamento, não retificável por meio deste remédio recursal. Bem ou mal, certo ou errado, o que fez a Turma Julgadora, diferentemente de se omitir ou contradizer, foi, analisando o conjunto probatório dos autos, entender que havendo, nos autos, elementos bastantes para demonstrar, de forma segura, a posse da parte Autora sobre a área litigiosa, bem como o esbulho praticado pela parte Ré, há menos de ano e dia do ajuizamento da demanda possessória, deve ser deferida a medida liminar de reintegração de posse”.

Trata-se, ao que se pode deduzir de exposição de semelhante teor a caracterizar declaração, confissão (em lato sentido), reconhecimento de ERRO pelo próprio tribunal, aliás a importar ato pelo qual restou reconhecida prática de “erro de julgamento”, passível mesmo de induzir suspeição ou impedimento dos julgadores.

O Ministro ATHOS GUSMÃO CARNEIRO bem ensina que o erro na valoração da provaensejador do recurso especial é verdadeiro erro de Direito , consistente em que a Corte de origem tenha decidido com base em prova para aquele caso vedada pelo Direito positivo expresso.” (CRISTIANE S. –sicJusBrasil.)

Das Contradições

O acórdão decisor do agravo de instrumento proclama o seguinte:

“No mérito, não vejo, porém, como proverrecurso.

“Sabe-se que, para deferimento da proteção possessória, faz-se imprescindível a presença, no caso concreto, dos seguintes requisitos: posse anterior, pelo requerente da medida; prova da conduta, praticada pelo requerido, deturbação ou esbulho; data do ocorrido; econtinuação da posse, ou sua perda, caso       esbulhada”.

Ao que se vê, prequestionada a matéria, assimilada a matéria pela Câmara, contraditoriamente foi improvido o agravo de instrumento então interposto.

Relegados, ademais, os arts. 560 e 561 do Código de Processo Civil, trazidos à liça.

Neste ponto o tribunal apontou com clareza a contradição com que julgou o agravo, invocando os arts. 560 e 561 do CPC, a indicar que, se a decisão reconheceu expressamente que os próprios autores admitiram o réu no imóvel e não veio uma prova sequer de violação material de tal permissão, a ação é, inegavelmente, natimorta e o recurso merecedor de provimento.

A despeito de não ter havido produção de prova de esbulho ou de turbação de posse (CPC, art. 562), com esteio exclusivamente em documentos dominiais e na exposição da petição inicial pelos próprios autores, em verdade deu-se a concessão liminar initio litis , à míngua de oitiva do réu, que agravou e foi vencido até o ponto sub examine.

Eulâmpio Rodrigues Filho

Alma Mater: Universidade Federal de Uberlândia (UFU)

Doutor em Direito

Pós-Doutor em Direito

Advogado

Como citar e referenciar este artigo:
FILHO, Eulâmpio Rodrigues. Embargos declaratórios contra inadmissão de recurso especial em ação possessória. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2021. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/processo-civil/embargos-declaratorios-contra-inadmissao-de-recurso-especial-em-acao-possessoria/ Acesso em: 29 mar. 2024