Processo Civil

A Resolução de Conflitos em HIV/AIDS

A Resolução de Conflitos em HIV/AIDS

 

 

Bárbara Diniz*

Flávia Beleza **

 

 

Sumário: 1. Introdução. 2. Sistema de Resolução de Conflitos. 3. A mediação. 4. A mediação social. 5. Conclusão. 6. Bibliografia

 

 

1.       Introdução

 

Quando nos convidaram para uma oficina sobre métodos de resolução de conflitos no Seminário Nacional “Direitos Humanos e HIV/AIDS”, questionamos, a princípio, sobre que questões poderíamos levantar para enriquecer o debate sobre a solução de conflitos de pessoas que convivem com o HIV ou com a AIDS. Nossa experiência nunca antes havia nos levado a vivenciar os conflitos referentes ao HIV ou à AIDS e, por outro lado, achávamos que a maioria das questões envolveria apenas o sistema judicial brasileiro, pela urgência ou coercitividade que exigiria. Por outro lado, logo verificamos que o grande interesse era quanto aos “métodos alternativos de resolução de disputas”, em razão da excessiva morosidade do processo judicial, justificado mais ainda pela temática HIV/AIDS.

 

Realmente, é muito comum que alguns vejam nesses métodos a solução para a morosidade processual e a possibilidade de garantia efetiva ao princípio do acesso à Justiça. No entanto, outros os vêem como uma espécie de justiça de segunda classe, na qual as questões são decididas sem a proteção do devido processo legal e na ausência do Estado. De fato, a maioria dos defensores dos métodos alternativos não se esforça para distinguir os diferentes tipos de casos ou para sugerir que as práticas alternativas possam ser apropriadas apenas para determinados conflitos, sendo todos vistos como se fossem iguais e, portanto, como sendo passíveis de serem submetidos a qualquer método que não seja o judicial. Ou seja, tais métodos são vistos, em regra, apenas como uma forma de evitar um sistema judicial sobrecarregado, sem se levar em conta que, talvez, o que hoje é visto como limitação do sistema, na realidade, seja uma característica inerente a sua própria estrutura[1].

 

Nós, ao contrário, apesar de defensoras da mediação e da mediação social, conforme se verá, não consideramos haver “alternatividade” entre o processo judicial e os demais métodos. Na realidade, vemos o sistema como um todo, cada um dentro de suas necessidades e possibilidades, de forma que logo verificamos que, ao se tratar de resolução de conflitos, não interessam peculiares subjetivas tais como a convivência com o HIV, mas sim a dimensão e características desses mesmos conflitos e a possibilidade de sua resolução pelo sistema brasileiro. A questão central, então, passou a ser como descobrir que conflitos poderiam ou deveriam ser abordados por cada um dos métodos e, aliás, que métodos, afinal, seriam esses.

 

Assim, o que nos propusemos a fazer, diante das peculiares de uma oficina de 03 horas, foi simplesmente mapear as possibilidades de atuação e, a partir daí, discorrer e debater sobre as possibilidades reais de resolução de conflitos na questão dos Direitos Humanos e HIV/AIDS, apresentando ainda a mediação como uma forma eficaz e criativa de resolução. Não nos propusemos, porém, a responder a todas as perguntas. Na realidade, as perguntas ainda estão sendo feitas, pois o debate sobre o sistema de resolução é recente no Brasil, cheio de controvérsias e de polarização entre os defensores do processo judicial e dos demais métodos. Por outro lado, ainda são poucos os que enxergam a questão como um sistema integral possível de ser efetivado e considerado e não uma utopia.

 

 

2.         Sistema de Resolução de Conflitos

 

Quando falamos em sistema de resolução de conflitos falamos de uma ampla gama de métodos utilizáveis para resolver questões que, há pouco tempo, eram passíveis apenas de serem resolvidas pelo processo judicial. Tais métodos, no Brasil, podem ser divididos em autocompositivos ou heterocompositivos.

 

Na autocomposição, a forma de resolução do conflito se dá sem a intervenção obrigatória de um terceiro, sendo as próprias partes a buscar uma forma de adequação de seus interesses, seja de forma direta, com ocorre na negociação, seja de forma assistida (ou triangular), como na mediação ou na conciliação. A autocomposição assistida é assim chamada porque sempre há um terceiro, no entanto, esse terceiro deve ser imparcial, neutro ao conflito e com única finalidade de estimular as partes a tomarem suas decisões. Assim, o resultado final, seja qual for, será determinado pelos diretamente interessados. Já a heterocomposição é a forma de solução de conflitos decorrente da imposição de uma decisão de um terceiro também imparcial, à qual as partes encontram-se vinculadas, como na arbitragem e no processo judicial[2]. Nesse caso, a decisão emitida tem força coercitiva, é obrigatória e sujeita a execução forçada caso não seja cumprida, tal como ocorre na arbitragem e no processo judicial.

 

Sendo assim, hoje, no Brasil, o espectro de possibilidades para a resolução de conflitos inclui desde a negociação, o processo mais informal, até o processo mais formal, o julgamento por juízes ou tribunais, conforme o gráfico:

 

Espectro do Sistema de Resolução de Conflito no Brasil

Menos Formal

Negociação

^

I

v

 

Mediação

Conciliação

Arbitragem

Mais Formal

Processo Judicial

 

Diante desse sistema, qualquer tipo de conflito pode ser abordado por diferentes métodos, cada qual com suas peculiaridades, tornando importante aos diversos profissionais, sejam advogados, sejam psicólogos, sejam assistentes sociais, entre outros, conhecê-los e, a partir disso, aplicá-los dentro do caso concreto a fim de que não seja exigido de métodos díspares o que não pode ser fornecido. Essa preocupação quanto à conceituação e à aplicabilidade de cada um também se justifica porque sua aplicação indistinta poderia levar ao desenvolvimento dos mesmos problemas considerados inerentes ao processo judicial, tais como a demora, o distanciamento das partes na solução e a desconsideração de seus reais interesses.

 

Em relação a esse risco, Kimberlee K. Kovach e Lela P. Love[3] informam que, nos Estados Unidos, a evolução da arbitragem fez com que ela assumisse problemas similares àqueles do litígio judicial e perdesse elementos que a tornavam atraente ao se criar uma tendência ao legalismo, causada em parte pelos hábitos que os advogados possuem de utilizar elementos comuns ao processo judicial, como a formalidade, as transcrições e as citações de casos. Por outro lado, os mesmos autores acrescentam, em relação à mediação, que muitos mediadores recebem treinamento como advogados e acabam por retornar a sua orientação adversária original, analisando os méritos legais do caso para avançar no acordo, o que  e desvirtua a idéia de mediação.

 

É verdade que a realidade brasileira não se assemelha à norte-americana, mas o desenvolvimento histórico de uma pode trazer luzes ao desenvolvimento futuro da outra. Ou seja, passa a ser importante ter-se consciência de um sistema de resolução de conflitos, pois somente assim será possível termos consciência das virtudes e limitações de cada um desses métodos e, conseqüentemente, tornarmos-nos capazes de escolher e combinar as diversas estratégias compositivas. Em relação a conflitos envolvendo pessoas que convivem com o HIV ou a AIDS, sua ampla gama de diversidade, tal como verificado no Seminário “Direitos Humanos e HIV/AIDS”, é suficiente para justificar o conhecimento de cada um dos métodos bem como de sua aplicabilidade.

 

 

2.1. Métodos Heterocompositivos: Processo Judicial e Arbitragem

 

Conforme já relatamos, os métodos heterocompositivos são aqueles cuja decisão final é dada por um terceiro neutro ao conflito, que deverá julgar o caso de acordo com um conjunto predeterminado de regras e que levará em conta aspectos externos aos interesses das partes. Como essas decisões têm caráter obrigatório, seu descumprimento causa execução forçada, pois sua validade não depende da aceitação das partes, mas do próprio sistema, que possui formas para obrigar seu cumprimento.

 

Em relação ao processo judicial, podemos dizer que ele é um modelo que procura tratar as partes como igualitárias, com alto grau de institucionalização, com bases históricas firmes e bem determinadas. No entanto, nas últimas décadas uma crise nele se instalou. Conforme Costa[4], ele até funcionaria bem se não houvesse conflitos demais para resolver. Isso, no entanto, implicaria dificuldade efetiva de levar vários conflitos à apreciação do Poder Judiciário ou existência de mecanismos socialmente eficazes de solução não-judicial.

 

Mas com o aumento do número de direitos garantidos aos cidadãos, a consciência de que faz parte da cidadania o direito de acesso à Justiça (entendido esse como acesso ao Poder Judiciário) e a desfragmentação da coerção social, o método judicial passou a ser aplicado para todo o tipo de conflito, sendo incapaz de resolver o imenso número de ações judiciais em tempo hábil.

 

Além disso, esse modelo desconsidera os conflitos reais e suas origens e centraliza sua atenção na aplicação de regras e na resolução do litígio, não necessariamente do conflito, pois se é o Estado a compor o litígio e realizar a prestação jurisdicional, o critério norteador da solução será o próprio interesse estatal e não o das partes.

 

Acrescente-se a isso o dado de que se o processo é determinado por normas pré-existentes, os resultados possíveis são sempre limitados. Almeida[5] nos lembra que no processo judicial é impossível trazer aos autos, após a fixação aos termos da petição inicial e da contestação, pedidos novos, aptos a agregar valor e a garantir uma possível negociação dos termos da discussão. Também não há, pela própria estrutura judicial, motivação para que as partes cooperem, pois se é o Estado o financiador do processo, seu interesse é o pagamento de funcionários e juízes, necessários ao bom funcionamento da estrutura. Há ainda que se mencionar que o processo judicial não leva em consideração eventuais conflitos que possam surgir após o trânsito em julgado da sentença. Ou seja, não há resolução de fato do conflito, mas apenas a solidificação da decisão judicial.

 

Sob esses aspectos, pode parecer difícil considerar este método integrante de um sistema eficaz. No entanto, sua construção história, bem como seus princípios claros e sua base em uma legislação preexistente, significou uma salvaguarda às garantias dos súditos contra as decisões arbitrárias de monarcas. Assim, todas as características que hoje são questionadas foram, na verdade, desenvolvidas com a clara finalidade de trazer proteção e segurança aos que a ele recorrem. Ou seja, se solenidade, rito e forma impedem a análise da origem dos conflitos, são também muito importantes para validar atos jurídicos, administrar o andamento de processos e ainda garantir salvaguardas individuais. A própria idéia de igualdade processual, o princípio da isonomia, permite ainda que certos grupos possam ser protegidos em detrimento de outros, mais fortes, a fim de que a efetiva igualdade possa ser alcançada, como no caso do Direito do Consumidor, do Direito do Trabalho e do Direito da Criança e do Adolescente. A própria demora processual foi, inicialmente, bem considerada em razão do cumprimento estrito do princípio da ampla defesa e do contraditório. Assim, podemos concordar com Fiss[6] quando ele considera que o objetivo do processo judicial seria o de preservar os valores nos quais se fundamenta o Estado (e que, portanto, permite coesão social) e declarar sua própria vontade e decisão.

 

De fato, não podemos dizer que o processo judicial funcione para resolver conflitos, mas para fazer valer a autoridade estatal, a segurança e a igualdade entre os que são diferentes. Por isso mesmo, em questões em que há desigualdade entre as partes, em que são exigidos procedimentos cautelares, imposição de cumprimento de decisões, quando direitos indisponíveis estão em jogo ou quando há interesse em se estabelecer precedentes históricos, o processo judicial parece altamente eficaz. Da mesma forma, é ele adequado nos casos em que políticas públicas estejam envolvidas. Quanto a esse último aspecto, isso pode sugerir que a questão HIV/AIDS deveria ser limitada ao processo judicial, contudo, conforme veremos a seguir, ainda há como diferenciar os conflitos e analisar cada caso de acordo com o método mais adequado.

 

Em relação ao outro método, o processo arbitral, ele também possui decisão obrigatória e vinculante, como o processo judicial, no entanto, é mais célere, sem muitas dilações ou burocracia. De fato, esse processo foi desenvolvido como um meio rápido, sigiloso e informal de resolver questões em áreas específicas por meio de especialistas[7], que baseiam sua decisão na igualdade, em conhecimentos técnicos, nos costumes ou em qualquer sistema normativo aceito pelas partes. Seu desenvolvimento deu-se a partir de grupos específicos e fechados e entre Estados, que não possuem autoridade superior a quem recorrer em caso de conflito.

 

No Brasil, a Lei de Arbitragem determina que são passíveis desse método conflitos envolvendo direitos disponíveis ou patrimoniais, o que ainda deixa  uma margem muito grande de opções, pois conforme nos lembra Costa[8], o conflito subjacente pode transcender a questão patrimonial que aflorou no litígio. Contudo, esse é o primeiro parâmetro para a escolha da arbitragem para a superação de conflitos: questões patrimoniais de direitos disponíveis.

 

Além disso, na arbitragem, as próprias partes determinam quem decidirá a questão e, algumas vezes, sob quais parâmetros. Em outras palavras, elas precisam ser capazes de escolher um árbitro a quem reconheçam a autoridade e em que confiem que decidirá da forma mais correta possível. Esse árbitro, bem como os advogados e todo o corpo técnico envolvido, deve ainda ser pago, o que pode significar um custo mais elevado que o processo judicial. Sob tal aspecto, as partes devem possuir igualdade real entre si, a fim de se evitar a prevalência de uma sobre a outra, e condições patrimoniais suficientes para arcar com os custos envolvidos.

 

Contudo, para vários defensores esse custo é compensado por 02 garantias que o processo judicial, em regra, não pode conferir: celeridade e sigilo. Daí a arbitragem ser muito importante para questões que não possam ficar indefinidamente sem uma resposta, mas que também não possam estar sujeitas a um eventual debate público.

 

Outro aspecto muito importante refere-se à constituição do corpo julgador, pois no processo judicial os juizes, em regra, são generalistas e, portanto, nem sempre aptos a resolver questões muito complexas ou técnicas. Na arbitragem, porém, as partes podem escolher seus árbitros dentro de especialistas e técnicos da área em questão.

 

Apesar disso, a arbitragem não pode ser utilizada contra o Estado, a menos que sejam entre Estados, hierarquicamente iguais, o que retira de seu campo de atuação todo o direito público[9]. Costa ainda apresenta uma característica que ele considera um “problema severo” na arbitragem: sua decisão tem o status de título executivo judicial, mas se a parte perdedora:

 

decidir não cumprir a decisão arbitral, a execução forçada não pode ser realizada pelo árbitro, pois a lei atribui apenas ao Judiciário o poder de cobrar coercitivamente uma dívida. Assim, se a parte vencida no processo arbitral não cumprir espontaneamente a decisão, será necessário entrar na justiça para efetuar a cobrança, o que restringiria muito (ou mesmo anularia) as vantagens iniciais de sigilo e celeridade, especialmente porque a execução é responsável por boa parte da demora nos processos judiciais[10].

 

Por fim, a arbitragem coloca as partes como antagonistas, numa relação clara de competição e não de composição. Em suma, a arbitragem se mostra mais adequada em questões técnicas, científicas, específicas de um setor (por exemplo, petrolífero), com alto custo financeiro, que precisem de decisões rápidas em razão do próprio assunto (tal como tecnologia) ou dos valores envolvidos e que não possam se perder nos anos de um processo judicial, mas em que não se precise analisar aspectos valorativos ou com dimensão emocional, e com grandes possibilidades de que o “perdedor” cumpra espontaneamente a decisão.

 

 

2.1. Métodos autocompositivos: Negociação, Conciliação e Mediação

 

Nos métodos autocompositivos, por outro lado, as próprias partes tomam as decisões quanto aos seus resultados, ainda que, algumas vezes, possam ter a cooperação de um terceiro. Apesar das especificidades de cada um deles, em regra, podemos adiantar que devem ser aplicados sempre que estiverem em jogo questões que exijam celeridade, sigilo, manutenção de relacionamentos, altos custos emocionais na composição da disputa, adimplemento espontâneo, irrecorribilidade e criatividade. Também podemos acrescentar como passíveis de serem abarcados pela autocomposição conflitos cujos interesses não sejam tutelados pelo Estado, que exijam reconhecimento e a valorização dos envolvidos. Tais métodos, porém, não devem ser utilizados quando a situação exigir uma ordem judicial de emergência ou quando houver risco de dano irreparável ou mesmo de difícil reparação.

 

Dentre esses métodos, a negociação é o meio mais informal e célere, pois não possui regras, tradições, fórmulas ou o poder de uma autoridade. Há, no entanto, técnicas negociais que, em grande parte, servem de base de aplicação para todos os demais métodos, inclusive heterocompositivos.

 

Apesar da liberalidade de procedimentos, podemos dizer que há 02 tipos de negociação: distributiva e integrativa. Na negociação distributiva as partes procuram maximizar seus próprios interesses às custas de concessões da outra parte, em uma espécie de competição, de forma que quanto mais uma parte ganha, a outra perde. Como as partes se vêem como adversárias, é comum utilizarem técnicas no mínimo desleais para obter maiores benefícios, o que prejudica o relacionamento e os resultados desejados, razão pela qual esse não é um tipo considerado apto para a “resolução do conflito”, pois ao contrário, acirra-os ainda mais.

 

A negociação integrativa, por outro lado, busca um resultado satisfatório para todos os envolvidos e a preservação de um bom relacionamento futuro, sendo ela o parâmetro de atuação  autocompositiva. Outras vantagens dessa negociação são o baixo custo operacional, já que normalmente não se contrata nenhum profissional para conduzir o processo, a possibilidade de soluções criativas e a desnecessidade de se pautar as ofertas em parâmetros apenas legais. Além disso, o relacionamento entre as partes tende a melhorar, pois todos os interesses são considerados. É importante ainda lembrar que na negociação integrativa será sempre possível trazer elementos exteriores ao objeto da negociação, de modo a agregar valor ao procedimento, daí que, ao falarmos de negociação como método de resolução de conflitos nos referirmos apenas à negociação integrativa.

 

No entanto, para a negociação apresentar-se eficaz impõe-se a existência da vontade das partes, dependendo exclusivamente de suas habilidades a superação das desconfianças, a dissipação das animosidades e a criação de vínculos cooperativos e criativos, o que pressupõe uma relação de igualdade entre as partes e profunda compreensão dos interesses dos demais envolvidos. Como, muitas vezes, as partes não conseguem desenvolver processos eficazes ou superar as barreiras psicológicas que impedem o desenvolvimento de soluções integradas, é comum necessitarem da aplicação de outros métodos que solucionem harmonicamente essas diferenças[11]. Daí ela a necessidade da conciliação e da mediação. Como essa terá uma seção específica, trataremos agora apenas da conciliação.

 

Conciliação é o método no qual um terceiro incentiva as partes a chegar a um acordo. O objetivo, nesse caso, é chegar a um consenso satisfatório para todos os envolvidos de forma a evitar os custos e desgastes de um processo heterocompositivo. Diante disso, questões disponíveis e patrimoniais são as que mais sucesso possuem na conciliação. As partes, nesse caso, não precisam manter qualquer tipo de relacionamento, basta que tenham o interesse convergente em realizar um acordo e evitar um processo que lhes seria mais desgastante e caro.

 

No Brasil, podemos dizer que, afora o processo judicial, esse é o método mais reconhecido e aplicado em decorrência dos Juizados Especiais e da sua obrigatoriedade em audiências prévias no processo civil, penal e trabalhista. Por isso mesmo, pode ser o método mais reconhecido em questões de HIV/AIDS. No entanto, não existe apenas o conciliador judicial. Na realidade, conciliador, na esfera privada, pode ser qualquer pessoa que facilite às partes o diálogo com a finalidade de um acordo satistatório.  No entanto, é preciso ter em mente que, como o objetivo desse método é o acordo, o conflito subjacente não é apreciado, tal como ocorre nos métodos heterocompositivos. Por isso, mesmo a conciliação não deve ser utilizada em questões que envolvam relações afetivas ou emocionais, pois isso significaria o acirramento do conflito. Para isso, porém, existe a mediação.

 

 

3. A Mediação

 

A conceituação da mediação ainda não está completamente definida, sendo muito comum haver a confusão com a conciliação. No entanto, consideramos a conceituação de autores como Jean-François Fix e Luis Alberto Warat que, obrigatoriamente, dissocia a mediação do que comumente chamamos de conciliação. Para Jean-François Six[12]:

… a mediação não é mais primeiramente questão de solução de conflitos, mas trabalho de regulação constante entre uns e outros, isso não esquecendo jamais a semelhança fundamental. Trata-se, então, na mediação, de estabelecer constantemente novas relações entre uns e outros, numa verdadeira criatividade; ou ainda de reparar os laços que se distenderam ou foram submetidos a qualquer dano; ou ainda gerenciar rupturas de ligações, desavenças.

O conceito de mediação baseado no entendimento de Fix e Warat parte da idéia de que os conflitos são fruto da interação entre pessoas, que não envolve apenas interesses, mas também sentimentos, fazendo parte da vida e, portanto, não podendo ser solucionados. Em outras palavras, na mediação a idéia de conflito não é a mesma que comumente encontramos nos demais métodos. O conceito de conflito, na mediação, abrange aspectos psicológicos e sentimentais que não podem ser abarcados ou compreendidos dentro de um acordo ou de uma decisão heterocompositiva.

 

Nesse aspecto, o objetivo da mediação não é fazer as partes chegarem a um acordo, mas sim levá-las a se comunicar até compreender sua realidade e, a partir daí, a assumir os riscos de suas decisões sobre esses mesmos conflitos. Conforme esse entendimento, parece haver um pressuposto fundamental na mediação: a existência de um relacionamento, o que faz com que as controvérsias existentes tenham raízes mais profundas do que o que é expresso ao mediador. Esse pressuposto é também a razão pelo qual um acordo ou uma decisão simplesmente não poderiam resolver a questão. Na realidade, para a mediação o acordo é desnecessário à medida que busca a transformação das pessoas e a sua responsabilização pelos seus atos.

 

Quando se fala em afetividade, porém não nos limitamos a questões familiares, mas à dimensão emocional ao qual o ser humano se sujeita, seja na família, no trabalho, nos locais de estudo, na vizinhança e até nos negócios. Assim, não dizemos que a mediação se presta a resolver conflitos comunitários, trabalhistas, comerciais, de direito do consumidor ou de família; dizemos os conflitos solucionáveis pela mediação podem ser encontrados na comunidade, no trabalho, nos negócios ou na família. Ou seja, quaisquer conflitos podem ser analisados pela mediação desde que se encontrem sujeitos a vínculos emocionais.

 

Por isso mesmo, quando o conflito não envolver um relacionamento entre as partes, ou seja, uma questão envolta de afetividade, a mediação não poderá ser empregada. Isso porque ao partir da idéia de que se busca reatar laços emocionais ou trazer a compreensão do conflito mais subjacente, não faz qualquer sentido sua aplicação em questões nas quais não haja laços emocionais, nos quais eles não façam mais sentido ou em que a comunicação pode ser limitada a argumentos patrimoniais ou indenizatórios. Se levada nesses termos, será um procedimento fadado a ser questionado e desacreditado, pois se transformará em um procedimento ineficaz, desnecessário e capaz, apenas, de prolatar um acordo ou uma decisão possível. Por ser ainda um processo envolto de afetividades e do característico sigilo, também não deve ser aplicada em situações emergenciais ou de risco.

 

Alguns poderiam considerar os limites da mediação muito estreitos se comparados com o processo judicial, a conciliação ou a arbitragem, que não obrigam qualquer tipo de relacionamento entre os envolvidos, mas apenas uma demanda sobre direito disponível. No entanto, a mediação seria capaz de tratar de problemas inacessíveis a esses métodos, tais como os direitos indisponíveis, nos quais a morosidade ou mesmo os sentimentos existentes inviabilizaria o bom desenrolar dentro dos demais processos.

 

 

6. Bibliografia

ALMEIDA, Fábio Portela Lopes de. A teoria dos jogos: uma fundamentação teórica dos métodos de resolução de disputa. In: AZEVEDO, André Gomma de (org.). Estudos em Arbitragem, Mediação e Negociação. Brasília: Grupos de Pesquisa, 2003. vol. 02.

AZEVEDO, André Gomma de. Perspectivas metodológicas do processo de mediação: apontamentos sobre a autocomposição no direito processual. In: Estudos em Arbitragem, Mediação e Negociação. Brasília: Grupos de Pesquisa, 2003. vol. 02.

COSTA, Alexandre Araújo. Cartografia dos métodos de composição de conflitos. In: AZEVEDO. André Gomma de (org.). Estudos em Arbitragem, Mediação e Negociação. Brasília: Grupos de Pesquisa, 2004, vol. 04.

FISS, Owen. Um novo processo Civil: estudos norte-americanos sobre jurisdição, constituição e sociedade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

GARCEZ, José Maria Rossani Garcez. Negociação. ADRS. Mediação. Conciliação e Arbitragem. 2ª. Edição. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003.

LOVE, Lela P. KOVACK, K. Kimberlee. Mapeando a mediação: os riscos do gráfico de Riskin. In: AZEVEDO. André Gomma de (org.). Estudos em Arbitragem, Mediação e Negociação. Brasília: Grupos de Pesquisa, 2004, vol. 04.

SIX, Jean-François. A dinâmica da Mediação. Belo Horizonte: Del Rey, 2001

 

 

* Advogada, mediadora, especialista em Advogado Cível pela Fundação Getúlio Vargas, Presidente do Instituto Pró-Mediação, Superintendente da Câmara de Mediação e Arbitragem da Associação Comercial do Distrito Federal

 

** Advogada, mediadora, conselheira em Direitos Humanos, pós-graduanda em psicanálise e mestranda em Ciência Política pela Universidade de Brasília – UnB.

 

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[1]FISS, Owen. Um novo processo Civil: estudos norte-americanos sobre jurisdição, constituição e sociedade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 144.

[2]AZEVEDO, André Gomma de. Perspectivas metodológicas do processo de mediação: apontamentos sobre a autocomposição no direito processual. In: Estudos em Arbitragem, Mediação e Negociação. Brasília: Grupos de Pesquisa, 2003. vol. 02, p. 152-153.

[3] LOVE, Lela P. KOVACK, K. Kimberlee. Mapeando a mediação: os riscos do gráfico de Riskin. In: AZEVEDO. André Gomma de (org.). Estudos em Arbitragem, Mediação e Negociação. Brasília: Grupos de Pesquisa, 2004, vol. 04, p. 118.

[4]COSTA, Alexandre Araújo. Cartografia dos métodos de composição de conflitos. In: AZEVEDO. André Gomma de (org.). Estudos em Arbitragem, Mediação e Negociação. Brasília: Grupos de Pesquisa, 2004, vol. 04, p. 199.

[5]ALMEIDA, Fábio Portela Lopes de. A teoria dos jogos: uma fundamentação teórica dos métodos de resolução de disputa. In: AZEVEDO, André Gomma de (org.). Estudos em Arbitragem, Mediação e Negociação. Brasília: Grupos de Pesquisa, 2003. vol. 02, p. 189.

 

[6]Op. Cit, p. 146

[7]LOVE, Lela P. KOVACK, K. Kimberlee, Op. Cit, p. 107.

[8]COSTA, Alexandre Araújo, Op. Cit, p. 199

[9] Id, ididem.

[10]COSTA, Alexandre Araújo, Op. Cit, p. 185.

[11]GARCEZ, José Maria Rossani Garcez. Negociação. ADRS. Mediação. Conciliação e Arbitragem. 2ª. Edição. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003, p. 16.

[12] SIX, Jean-François. A dinâmica da Mediação. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 15.

Como citar e referenciar este artigo:
DINIZ, Bárbara; , Flávia Beleza. A Resolução de Conflitos em HIV/AIDS. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/processo-civil/a-resolucao-de-conflitos-em-hivaids/ Acesso em: 28 mar. 2024