Processo Penal

O Império da Lei – Parte Cinco: Condução Coercitiva – Aspectos Controversos

A condução coercitiva do ex-presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva, durante o curso da 24ª fase da operação “Lava-Jato”, designada de “Alethéia”, trouxe em seu bojo a acalorada discussão sobre o instituto da condução coercitiva. Em suas razões para justificar tal ação, o juiz titular responsável pelo processo, alegou que a condução coercitiva somente seria aplicável, caso o ex-presidente se recusasse a prestar depoimento em lugar determinado pela Polícia Federal, o que ocorreu em uma sala reservada do aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Ou seja, se convidado a prestar depoimento, viesse ele a recursar-se, poderia a autoridade policial valer-se do instituto da condução coercitiva.

Em nosso ordenamento jurídico, especialmente aquele que versa sobre o processo penal, vemos inserto os elementos delineadores da condução coercitiva. O art. 201, §1°, do Código de Processo Penal vigente, inserido no título V que trata sobre o ofendido, discorre sobre a oitiva deste, estabelecendo que “se, intimado para esse fim, deixar de comparecer sem motivo justo, o ofendido poderá ser conduzido à presença de autoridade.”

Em relação à testemunha, o Código de Processo Penal, em seu art. 218, anota que “se, regularmente intimada, a testemunha deixar de comparecer sem motivo justificado, o juiz poderá requisitar à autoridade policial a sua apresentação ou determinar seja conduzida por oficial de justiça, que poderá solicitar o auxílio da força pública.”

Quanto ao acusado, o art. 260 do Código de Processo Penal aduz que “se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença.”

De igual modo, o art. 278 do Código de Processo Penal estabelece que “no caso de não comparecimento do perito, sem justa causa, a autoridade poderá determinar a sua condução.”

O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, no seu art. 187 também discorre sobre a medida ao dispor que “se o adolescente, devidamente notificado, não comparecer, injustificadamente, à audiência de apresentação à autoridade judiciária designará nova data, determinando sua condução coercitiva.”

A Lei 1.579/62, que trata das Comissões Parlamentares de Inquérito, traz na redação do parágrafo único do art. 3°, que “em caso de não comparecimento da testemunha sem motivo justificado, a sua intimação será solicitada ao juízo criminal da localidade em que resida ou se encontre, na forma do art. 218 do Código de Processo Penal.”

Por fim, a Lei Orgânica do Ministério Público, também prevê a possibilidade de condução coercitiva (apenas do ofendido e da testemunha) à presença do Parquet, em caso de não comparecimento injustificado.

Sob este aspecto, temos a análise crítica que pressupõe a impossibilidade da autoridade policial efetuar condução coercitiva, vez que tal ação somente pode ser levada a efeito mediante expressa ordem judicial. De outro lado, e concomitantemente ao espelhado, argui-se tal possibilidade pela leitura interpretativa do § 4º, do artigo 144 da Constituição Federal, posto que o  exercício dessa competência daria ao órgão de polícia judiciária legitimidade para utilizar os meios necessários à satisfação dos fins que lhe foi incumbido, estando em consonância com a teoria dos poderes implícitos de origem norte-americana e que foi assimilada pela Suprema Corte brasileira, orientando-se ainda dentro dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, sem os quais qualquer medida judicial, em especial na seara criminal, perde eficácia, mesmo primando pela eficiência.

A bem da verdade, o poder de condução do investigado, que intimado, negou-se a comparecer espontaneamente, perante a autoridade policial, mesmo sem mandado judicial, consiste em faculdade inerente às atribuições conferidas àquela autoridade, mediante seus próprios poderes investigatórios.

Controvérsia relevante, diz respeito à discordância nos segmentos jurídicos desta atribuição, posto entendimento pelo qual a autoridade policial não poderia expedir mandado de condução coercitiva, na modalidade de prisão mesmo cautelarmente, fundado na dicção do inciso XL, do artigo 5º da Constituição Federal, e que se torna inócua, em princípio, já que a condução coercitiva não consiste no aprisionamento do investigado, deixando sujeita à orfandade a consideração engendrada no âmbito da esfera constitucional.

A finalidade precípua da condução coercitiva é determinar que os a ela submetidos colaborem com a polícia judiciária, na condução das investigações, inclusive para que possa o próprio investigado produzir elementos que lhe retiram indícios de autoria e materialidade, podendo-se afirmar que, do ponto de vista defensivo, trata-se de uma quase defesa prévia, já que o investigado tem essa oportunidade, ainda que o suspeito valha-se de sua prerrogativa constitucional de manter-se em silêncio; frise-se ainda que sua excepcionalidade reveste-se de requisitos diferentes daqueles atribuídos à prisão preventiva ou cautelar.

O direito constitucional de não produzir prova contra si mesmo, não influi da condução coercitiva, devendo o suspeito alegá-lo na presença da autoridade coercitiva, após o atendimento da intimação policial, manifestando-se sobre sua prerrogativa constitucional.

Pelo exposto, conclui-se que a condução coercitiva somente pode servir aos seus propósitos, caso o suspeito/investigado recuse-se a comparecer perante a autoridade para a prestação de depoimento, após sua regular intimação para fazê-lo, não se podendo falar em condução coercitiva como ato imediato, eivando o instituto de nulidade, e, até mesmo, de abuso de autoridade. Assim, temos que são requisitos essenciais para a condução coercitiva: a) intimação/comunicação regular e válida para comparecimento ao ato; b) recusa injustificada de quem foi intimado e não compareceu ao ato.

Observe-se que, em uma investigação policial em curso, a condução coercitiva é uma medida vital não apenas para interrogatório do suspeito que, intimado, recusou-se a comparecer, mas ainda para suprir diligências contidas em uma operação policial externa, servindo ainda para evitar a ocultação e/ou destruição de provas materiais, durante busca e apreensão domiciliar, realização de interrogatórios simultâneos – mantendo-se incólume o direito constitucional ao silêncio – e impedir que diferentes investigados possam combinar versões atenuantes; vale ainda e não menos, viabilizar prova de reconhecimento pessoal materializando a identificação criminal (Lei nº. 12.037/2009).

Pode-se afirmar também que decorre do poder geral de cautela do juiz – caso em que decorra de ordem judicial – conforme estabelecido pelo artigo 798 do Código de Processo civil, ou artigo 297 do Novo Código de Processo civil, consolidado pela jurisprudência das Cortes Superiores e ainda pela doutrina, meio substitutivo de menos gravosidade ante uma restrição de liberdade em menor grau. A admissão desse mecanismo, quando do advento da Lei nº. 11.719/2008, acrescentou o parágrafo único do artigo 387 do Código de Processo Penal, determinando que o Juiz decida fundamentadamente pela imposição de prisão preventiva ou outra medida cautelar.

No esteio desse raciocínio, comprova-se que a realização da condução coercitiva pelo delegado de polícia não se eiva de inconsistências, já que a própria Corte Suprema afirmou expressamente, que toda a restrição a direito fundamental depende de prévia autorização judicial, implicaria em uma verdadeira paralisação da atuação policial e administrativa, extraindo-lhe, de vez, seu poder de polícia do Estado (Medida Cautelar interposta em sede de Habeas Corpus nº. 124.332).

Corrobora tal entendimento, doutrina do eminente José Frederico Marques, que descreve como discricionariedade dos meios de ação para garantir o direito à segurança pública, além do que, excessos eventuais poderão ser submetidos ao crivo do controle judicial. [1]

Finalmente, e a guisa de breve conclusão, vê-se que a condução coercitiva constitui medida constitucional e também legal cujo objetivo consiste a assegurar a eficácia do sistema probatório e de cautelares na persecução criminal, evitando uma restrição mais extrema no âmbito da esfera de liberdade do indivíduo, e mesmo ante a existência de posições favoráveis, e também desfavoráveis, à sua utilização na fase inquisitorial policial, é necessário uma sucinta análise do cado concreto, em plena obediência aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Bibliografia desta parte:

TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 9ª ed. Mato Grosso. Juspodivum, 2014.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Salvador. Juspodivum. 2015.

Internet:  https://vladimiraras.blog/2013/07/16/a-conducao-coercitiva-como-cautelar-pessoal-autonoma/



[1] MARQUES, José Frederico. Da condução coercitiva do indiciado nas investigações policiais. In: Estudos de direito processual penal. Campinas. Ed. Millenium, 2001, p. 93/97.

Como citar e referenciar este artigo:
TROVÃO, Antonio de Jesus. O Império da Lei – Parte Cinco: Condução Coercitiva – Aspectos Controversos. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2017. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/processo-penal/o-imperio-da-lei-parte-cinco-conducao-coercitiva-aspectos-controversos/ Acesso em: 28 mar. 2024