Processo Penal

A nova lei sobre a Comissão Parlamentar de Inquérito

Foi publicada no último dia 05 de dezembro a Lei nº. 13.367/16, alterando alguns dispositivos da Lei no 1.579/52, que dispõe sobre as Comissões Parlamentares de Inquérito, além de acrescentar outros dois novos artigos. A primeira alteração deu-se logo no art. 1º. para indicar corretamente o § 3o. do art. 58 da Constituição Federal como sendo o dispositivo constitucional que autoriza a criação das Comissões Parlamentares de Inquérito. O texto original fazia referência ao art. 53 da Constituição Federal de 1946.

Com a mesma finalidade de atualização do texto da lei com a atual Constituição, afirma-se que as Comissões Parlamentares de Inquérito “terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais[1], além de outros previstos nos regimentos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com ampla ação nas pesquisas destinadas a apurar fato determinado[2] e por prazo certo.” Ademais, e ainda em conformidade com o texto constitucional, “a criação de Comissão Parlamentar de Inquérito dependerá de requerimento de um terço da totalidade dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em conjunto ou separadamente.”

O art. 2º. sofreu uma pequena alteração, ao dispor que, “no exercício de suas atribuições, poderão as Comissões Parlamentares de Inquérito determinar diligências que reputarem necessárias e requerer a convocação de Ministros de Estado, tomar o depoimento de quaisquer autoridades federais, estaduais ou municipais, ouvir os indiciados, inquirir testemunhas sob compromisso, requisitar da administração pública direta, indireta ou fundacional informações e documentos, e transportar-se aos lugares onde se fizer mister a sua presença.” O texto original fazia referência apenas às “repartições públicas e autárquicas“. Agora, são destinatários das requisições quaisquer entes “da administração pública direta, indireta ou fundacional.”

Também sofreu uma sutil modificação o § 1o. do art. 3º. que passou a ter a seguinte redação: “Em caso de não comparecimento da testemunha sem motivo justificado, a sua intimação será solicitada ao juiz criminal da localidade em que resida ou se encontre, nos termos dos arts. 218 e 219 do Código de Processo Penal.” Agora, fez-se menção ao art. 219 do Código de Processo Penal, de modo que, doravante, poderá ser aplicada “à testemunha faltosa a multa prevista no art. 453, sem prejuízo do processo penal por crime de desobediência, e condená-la ao pagamento das custas da diligência.” Uma observação: onde se lê art. 453, leia-se art. 458, em virtude da reforma operada no Código de Processo Penal pela  Lei nº. 11.689/2008. Assim, se a testemunha, sem justa causa, deixar de comparecer, ser-lhe-á aplicada uma multa de um a dez salários mínimos, a critério do Juiz, de acordo com a sua condição econômica e sem prejuízo da ação penal pela desobediência (conferir o § 2º. do art. 436 do Código de Processo Penal). Esta multa deverá ser aplicada pelo Juiz criminal a quem foi solicitada a notificação da testemunha e não pela Comissão Parlamentar de Inquérito. A condução coercitiva, obviamente, mantém-se possível, nos termos do art. 218 do Código de Processo Penal.

Foram acrescentados dois novos artigos à Lei nº. 1.579/1952, a saber: “Art. 3o-A: Caberá ao presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito, por deliberação desta, solicitar, em qualquer fase da investigação, ao juízo criminal competente medida cautelar necessária, quando se verificar a existência de indícios veementes da proveniência ilícita de bens.” Deixa-se claro, portanto, que a Comissão Parlamentar de Inquérito, nada obstante ter “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais“, não pode, de ofício, decretar medidas cautelares, sendo imprescindível a autorização judicial.

Nada obstante a lei fazer referência a medidas cautelares decorrentes da verificação da “existência de indícios veementes da proveniência ilícita de bens” (o que poderia ensejar a interpretação de que seriam apenas aquelas medidas cautelares de natureza real, especialmente as previstas nos arts. 125 a 144-A do Código de Processo Penal – o arresto, o sequestro e a especialização em hipoteca legal), obviamente que a limitação imposta pela lei refere-se a toda e quaisquer medidas cautelares previstas no próprio Código de Processo Penal ou em outras leis ordinárias.

Assim, aquelas medidas cautelares previstas ao longo do Título IX do Código de Processo Penal (arts. 282 a 350), guardam necessária vinculação com a função jurisdicional em sentido estrito, exercida no Brasil, exclusivamente, pelos integrantes da Magistratura. É defeso, portanto, às Comissões Parlamentares de Inquérito determinar, por exemplo, prisão provisória (temporária ou preventiva)[3], prisão ou recolhimento domiciliar, suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira, fiança, monitoração eletrônica, etc.,etc. Tampouco, permite-se às Comissões Parlamentares de Inquérito a determinação de meios de obtenção de provas, tais como a interceptação da comunicações telefônicas, dentre outros. Obviamente que os chamados “poderes de investigação” da Comissão Parlamentar de Inquérito devem respeitar a reserva de jurisdição, devendo ser coibidos fortemente pelo Poder Judiciário eventuais abusos.

Especificamente sobre a busca e apreensão (que, na verdade, é um meio de obtenção de prova, uma fonte de prova, portanto, e não uma medida cautelar propriamente dita, decidiu o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Mandado de Segurança nº. 33663, que as Comissões Parlamentares de Inquérito “só estarão legitimadas a determinar medidas de busca e apreensão (e, assim mesmo, apenas as de caráter não domiciliar) se houver justificativa com suporte em fundamentação substancial, atendendo a dois requisitos: existência de causa provável e indicação de motivação apoiada em fatos concretos.”

Neste julgamento, o relator, Ministro Celso de Melo, ressaltou, ainda, que a Constituição Federal delimitou a natureza das atribuições institucionais das Comissões Parlamentares de Inquérito, restringindo-as ao campo da instrução probatória, excluídos, por conseguinte, determinados atos que só podem ser ordenados por Magistrados e Tribunais, tais como a busca domiciliar, a interceptação telefônica e a decretação de prisão, ressalvada a situação de flagrância penal. “É por essa razão que a jurisprudência constitucional do Supremo tem advertido que as comissões parlamentares de inquérito não podem formular acusações nem punir delitos, nem desrespeitar o privilégio contra a autoincriminação que assiste a qualquer indiciado ou testemunha, nem decretar a prisão de qualquer pessoa, exceto nas hipóteses de flagrância”, afirmou.

Conforme o relator, mesmo nos casos em que for possível o exercício, pelas Comissões dos poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, “ainda assim a prática dessas prerrogativas estará necessariamente sujeita aos mesmos condicionamentos, às mesmas limitações e aos mesmos princípios que regem o desempenho, pelos juízes, da competência institucional que lhes foi conferida pelo ordenamento positivo”.

Mesmo sob a égide da Constituição de 1946, admitia-se a realização direta de busca e apreensão pelas Comissões Parlamentares de Inquérito. Neste sentido, comentando o texto constitucional de 1946, Pontes de Miranda, após lembrar que as Comissões Parlamentares de Inquérito deitavam raízes no parlamentarismo inglês[4], afirmava que “as buscas e apreensões são permitidas quando há razões fundadas para se terem como indispensáveis. Realizam-se por intermédio da autoridade policial, ou por mandado da Comissão de Inquérito.”[5] A fundamentação, por óbvio, é de rigor.

Já no que diz respeito à possibilidade de quebra dos sigilos fiscal, telefônico (dos respectivos dados, não a interceptação) e bancário, o Supremo Tribunal Federal vem admitindo esta possibilidade. Neste sentido, conferir as Ações Cíveis Originárias nºs. 1390, 730 e 1085, além dos Mandados de Segurança nºs. 31423, 27972, 27351, 31388, 23851, 23639 e 25668 e 29046. Neste último, o relator, Ministro Joaquim Barbosa, ressaltou que o Supremo Tribunal Federal estava rediscutindo o alcance dos poderes de investigação das Comissões Parlamentares locais, principalmente as estaduais, nos autos da Ação Cível Originária nº. 1271. “Não desconheço as inquietações originadas do temor do uso indiscriminado e frívolo dos poderes investigatórios, especialmente no que se refere ao desvio de finalidade de eventual transferência de sigilo fiscal a outras autoridades”, disse. Para ele, “é plenamente cabível o controle jurisdicional da atuação do Legislativo no desempenho de seu histórico papel de órgão de fiscalização, o que inclui o exame da adequada motivação do pedido de transferência de sigilo fiscal e a tomada de eventuais medidas para proteger a privacidade dos cidadãos”. O Ministro observou que, no caso, não se pode presumir que os dados protegidos por sigilo serão divulgados “de forma temerária ou com finalidade diversa dos objetivos institucionais da parte impetrante”, e completou que qualquer violação às normas “poderá ser rápida e densamente reparada mediante devida provocação.

Por fim, foi também foi acrescentado o art. 6o-A, com a seguinte redação: “A Comissão Parlamentar de Inquérito encaminhará relatório circunstanciado, com suas conclusões, para as devidas providências, entre outros órgãos, ao Ministério Público ou à Advocacia-Geral da União, com cópia da documentação, para que promovam a responsabilidade civil ou criminal por infrações apuradas e adotem outras medidas decorrentes de suas funções institucionais.

Aqui também tratou de se observar o preceito constitucional que determina sejam as conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito “encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores” (art. 58, parágrafo terceiro da Constituição Federal), acrescentando-se, apenas, a obrigatoriedade da remessa também para a Advocacia-Geral  da União.

Neste caso, observa-se que a Lei nº. 10.001/2000 determina que “os Presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional encaminharão o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito respectiva, e a resolução que o aprovar, aos chefes do Ministério Público da União ou dos Estados, ou ainda às autoridades administrativas ou judiciais com poder de decisão, conforme o caso, para a prática de atos de sua competência“, devendo “a autoridade a quem for encaminhada a resolução informará ao remetente, no prazo de trinta dias, as providências adotadas ou a justificativa pela omissão.”

Ainda neste caso, “a autoridade que presidir processo ou procedimento, administrativo ou judicial, instaurado em decorrência de conclusões de Comissão Parlamentar de Inquérito, comunicará, semestralmente, a fase em que se encontra, até a sua conclusão.” Outrossim, “o processo ou procedimento referido no art. 2o terá prioridade sobre qualquer outro, exceto sobre aquele relativo a pedido de habeas corpus, habeas data e mandado de segurança“, sujeitando à autoridade que descumprir tais determinações às sanções administrativas, civis e penais.

Autor: Rômulo de Andrade Moreira, Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia e Professor de Direito Processual Penal da Faculdade de Direito da Universidade Salvador – UNIFACS.



[1] Neste ponto, faz-se necessária uma ressalva, pois não admitimos que qualquer autoridade judicial tenha algum “poder de investigação”, função reservada no processo penal de modelo acusatório à Polícia ou ao Ministério Público.

[2] Segundo Pontes de Miranda, “fato determinado é qualquer fato da vida constitucional do país, para que dele tenha conhecimento preciso ou suficiente a Câmara dos Deputados ou o Senado Federal; e possa tomar as providências que lhe couberem. Se fizerem funcionar tal preceito, se lhe revelarem todo o conteúdo e o tornarem, na prática, o instrumento eficaz que o texto promete, ter-se-á conferido à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal relevante função no regime presidencial, ainda asfixiante, que a Constituição manteve, crendo tê-lo atenuado quando devia.” Para ele, a Comissão Parlamentar de Inquérito é uma “a técnica parlamentar da ingerência da legislatura no que concerne aos outros poderes, sem os usurpar, fora das espécies em que lhe cabe decretar a responsabilidade criminal ou política de membros dos outros poderes.” (Comentários à Constituição de 1946, Volume I, São Paulo: Max Limonad Editor, 1953, págs. 260/261).

[3] Salvo, por óbvio, a hipótese da prisão em flagrante delito (medida de natureza pré-cautelar, conforme lição de Aury Lopes Jr.), caso em que o preso deverá ser encaminhado imediatamente a uma autoridade judiciária, para a realização obrigatória da audiência de custódia, a fim de que se relaxe a prisão, se ilegal, converta-se a prisão em flagrante em prisão preventiva ou em outra medida cautelar (se for o caso) ou, ainda, que se conceda a liberdade provisória, com ou sem fiança, nos termos dos arts. 310 e 321 do Código de Processo Penal.

[4] Segundo Pontes de Miranda, a Comissão Parlamentar de Inquérito, “instituição britânica, remonta ao século XVI, mas há preformas no século XV. Em verdade, é de 1571 que começa o seu uso frequente, caracterizando-se, no fim do século XVII, com a supremacia do Parlamento. Os colonizadores britânicos levaram consigo o que era indispensável a que elas exsurgissem fora da metrópole: a convicção da democracia e da liberdade, a par do senso de responsabilidade e responsabilização. Daí terem-na tido as colônias inglesas da América e as legislaturas estaduais.” Segundo ele, elas “nasceram com os Parlamentos, precisaram-se com o fortalecimento deles, e chegaram ao máximo de força onde a democracia indireta conseguiu impor-se como instrumento eficiente do bem público.” (obra citada, p. 261).

[5] Idem, p. 267.

Como citar e referenciar este artigo:
MOREIRA, Rômulo de Andrade. A nova lei sobre a Comissão Parlamentar de Inquérito. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2016. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/processo-penal/a-nova-lei-sobre-a-comissao-parlamentar-de-inquerito/ Acesso em: 29 mar. 2024