Política

Pela saúde política do Brasil

Pela saúde política do Brasil

 

 

Vitor Vilela Guglinski*

 

 

A discussão acerca da elegibilidade de candidatos que estejam com a “ficha suja” tem ganhado maior destaque em nosso país, em razão dos sucessivos escândalos hodiernamente ventilados pelos meios de comunicação, envolvendo ocupantes de cargos eletivos na estrutura da Administração Pública.

 

O TSE discute a melhor forma de divulgar uma lista contendo o nome de candidatos que respondem a processos na Justiça, na tentativa de formar no eleitor um juízo de valor que o permita direcionar seu voto com consciência e responsabilidade, enquanto titular do poder a ser exercido mediante o mandato que outorgará a determinados candidatos.

 

A grande questão, que tem gerado debates acalorados, gira em torno do princípio da presunção de inocência, implícito no art. 5º, LVII, da Constituição Federal, o qual garante que ninguém será considerado culpado enquanto não existir contra si sentença condenatória transitada em julgado, reconhecendo-o oficialmente como tal pelas acusações existentes no respectivo processo.

 

De fato, negar vigência ao princípio da presunção de inocência significa, juridicamente, violar uma cláusula pétrea, na medida em que nosso ordenamento jurídico sequer permite a deliberação de proposta de emenda à Constituição tendente a abolir os direitos e garantias individuais, nos termos do art. 60, § 4º, IV, da CF 88. Sendo assim, objetivamente o Estado ainda não possui meios de ignorar aquele princípio de direito e instituir medidas coercitivas capazes de impedir o acesso de candidatos aos cargos eletivos, na medida em que, ao final de eventual processo pendente sobre a pessoa do candidato, a inocência do mesmo pode restar judicialmente reconhecida, ao mesmo tempo em que seus direitos políticos lhe foram precipitadamente tolhidos.

 

Em debate no programa Observatório da Imprensa, exibido pela TVE no dia 17/06/2008, o ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Carlos Velloso, defendeu a pena de inelegibilidade a ser aplicada a candidatos que tiverem contra si condenação criminal transitada em julgado em segunda ou única instância, sustentando que tal condenação “apresenta-se como medida capaz de evitar que, sob o manto da presunção de inocência, pessoas comprovadamente criminosas obtenham mandatos eletivos”. Concluiu seu raciocínio afirmando que tal, no mínimo, enfraquece a presunção de inocência alçada como cláusula pétrea na Carta Maior.

 

Nada obstante qualquer medida eventualmente positivada pelo Direito, cuja finalidade seja a de tutelar a situação jurídica do candidato, é dever do Poder Judiciário orientar o cidadão quanto à candidatura de elementos potencialmente nocivos à vida política do país. Aliás, tal conduta se afina perfeitamente com as modernas diretrizes do Estado Democrático de Direito, se levarmos em conta a hipossuficiência cultural que paira sobre a maioria de nossa população, em relação aos detalhes que envolvem uma eleição. Permito-me aqui fazer uma breve comparação: a exemplo do chamado Dirigismo Contratual, que hoje se observa principalmente nas relações de consumo, como sendo a intervenção estatal naqueles casos em que a hipossuficiência do consumidor se mostra evidente em relação aos fornecedores de produtos e serviços, a intercessão do Estado em matéria eleitoral é medida necessária e salutar quando o que se visa resguardar é o destino político de nossa Nação, e nada se revela mais eficaz do que a informação como meio de nortear as ações humanas em prol do bem comum.

 

Exemplo recente do trabalho dos magistrados, no sentido de denunciar os males sofridos pelo funcionalismo público, é o excelente artigo do juiz Luiz Guilherme Marques, intitulado NÃO SE DEVE VOTAR EM POLÍTICOS NEPOTISTAS, publicado no dia 02/06/2008 pela AMAGIS – Associação dos Magistrados Mineiros. Em seu texto, o magistrado pretendeu chamar a atenção dos eleitores em relação aos políticos que são conhecidos como nepotistas, propondo que não se vote naqueles elementos que enchem a Administração Pública de parentes (disponível em http://www.amagis.com.br/?pagina=noticias&pag_int=not_ver&id_notic=3986).

 

Contudo, de nada adianta a divulgação das informações referentes à pessoa do candidato apenas por meio eletrônico ou em veículos de comunicação cujo acesso é restrito a uma minoria culturalmente apta a absorvê-lhe o conteúdo, pois a inclusão digital ainda está em fase de implantação em nosso país. É necessário, então, que a imprensa, principalmente na forma televisionada, divulgue maciçamente as informações sobre candidatos cuja conduta seja capaz de manter contaminada a saúde política do Brasil, pois é o povo o destinatário de tal consciência. É o povo, mais do que ninguém, que amarga as mazelas sociais. Come mal, mora mal, está endividado, sem saúde, não tem ensino de qualidade…

 

Diante disso, a todo o momento me pergunto: é razoável guardar a estrita observância do princípio da presunção de inocência, como um só princípio, para resguardar direitos de políticos cuja conduta revela-se duvidosa, e que acintosa e diariamente violam a Constituição Federal quase por inteira (menos a parte que lhes imuniza e privilegia, logicamente), principalmente o art. 5º, e incisos, em detrimento da Nação?

 

Sendo assim, penso seja o momento decisivo para que o Judiciário tome as rédeas desta campanha com mãos incansáveis, lembrando que, dos Três Poderes, é o único cujo acesso é feito através de concurso público, e exige probidade de seus ocupantes no exercício do cargo. Significa, pelo menos em tese, que seus componentes (certamente não se levando em conta a parcela envolvida em escândalos de corrupção, uq eé minoria, graças a Deus) são dotados da necessária ética, e se encontram imunes aos males que permeiam as esferas do Legislativo e do Executivo, devendo, portanto, se orgulhar de tão raras qualidades hodiernamente observadas. Porém, este é apenas um dos motivos que conferem ao Poder Judiciário maior competência para liderar uma campanha com o alcance tão relevante.

 

O Poder Judiciário sabe melhor do que os outros que o político corrupto é um verdadeiro câncer que impregna nossa Nação. Sob o manto da personalidade jurídica do ente que congrega, ou mesmo de empresas que cria, suga o dinheiro dos cidadãos que lhe outorgaram o mandato, e pouco ou nada faz para a concretização da vontade popular. Contudo, faço questão de lembrar a todos que o remédio existe, e está nas mãos do eleitor, que pode combatê-lo facilmente, pacificamente, e sem depender de qualquer instituto jurídico, desde que passe a se interessar da maneira devida pela vida política do Brasil, pare de invejar as nações mais prósperas, e volte os olhos para o futuro promissor que o Brasil vem demonstrando estar bem perto.

 

Votemos com zelo e adoração pela pátria.

 

 

* Assessor de Juiz em Juiz de Fora, especialista em Direito do Consumidor pela Universidade Estácio de Sá de Juiz de Fora.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
GUGLINSKI, Vitor Vilela. Pela saúde política do Brasil. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/politica/pela-saude-politica-do-brasil/ Acesso em: 18 abr. 2024