Política

O véu de César Maia

 

 

06 de setembro de 2009

 

 

 

“A rejeição contemporânea do Direito Natural conduz ao niilismo – mais, é idêntica ao niilismo”.

 

“A inevitável conseqüência prática do niilismo é o obscurecimento fanático”.

 

Leo Strauss

 

 

Gosto de ler os textos de César Maia. Como um esclarecido membro da nossa elite política o que ele diz dá bem o grau de percepção do real que nossos dirigentes têm. Claro que excluo aqui as hostes petistas, que estão mergulhadas na mais selvagem ignorância do que se passa, iludidos pelo Véu de Maia da ideologia socialista cega. César Maia é o que de mais lúcido o Brasil possui em sua classe política, daí a relevância de lê-lo, embora alguém possa argumentar que ele é também socialista. Dou a mão à palmatória. Ainda assim é o que temos de melhor.

 

Hoje a Folha de São Paulo trouxe um dos seus habituais artigos, “Furor legiferante”. Ele está certíssimo, o texto é a prova de que ele tem perfeita noção do fato, embora ignore as suas origens, e este é o lado desesperador: também César Maia tem seu Véu indiano. Nas suas palavras: “Uma regra que cabe bem na cultura política brasileira: governar é fazer leis”. O mal não é apenas brasileiro, mas mundial. Desde o século XX a humanidade vive na ilusão de que é possível debelar todos os problemas existenciais pelo uso (e abuso) do processo legislativo. No Brasil talvez tenhamos um caso notável, mas não essencialmente diferente do que se passa pelo mundo.

 

Um exemplo é o contorcionismo legal de Barack Obama, aprovando lei para tudo, até para debelar a crise. Quanto nos custará, ao mundo todo, essa crise que pretende-se ser superadas por leis estúpidas? Por bailouts alucinados? Por rescues imorais? A lei positiva – ora, a lei! – o falso remédio para tudo, a mais perfeita panacéia. O mundo pagará caro por essa ilusão.

 

Continua o articulista (devemos voltar ao ponto): “O furor legiferante produz quatro efeitos: a sensação de solução dos problemas; as relações de clientela com parlamentares; parques de diversões para os escritórios de advocacia; riscos de uso de resíduos legais, em outro tempo”. Todos são fenômenos conseqüentes, que Maia analisará um a um, obviamente uma atividade irrelevante se comparada à necessidade de se explicar a causa primeira do ímpeto legislador. Aqui está o problema central do nosso tempo e não é apenas “o” problema político central, é também “o” problema existencial por excelência. O fenômeno atinge a todos indistintamente. Cada um de nós, caro leitor, é vítima dele como se é vítima de um acidente aéreo: um encontro marcado pelo destino. Com uma diferença: a lei não é um acidente, mas um fato político-social sobre o qual a inteligência pode agir, a fim de evitar seus malefícios.

 

O Véu que turva a visão de César Maia turva o de toda a gente, e não é de hoje. A raiz da cegueira é antiga, que a catarata é geracional, melhor dito, foi desenvolvida ao longo de gerações. É uma trava no olho do espírito. Começou com o abandono da noção de Direito Natural e de Lei Natural ainda na época do Renascimento. A confusão permitiu surgir o jusnaturalismo que fundou o corpo de idéias liberais, dando às leis positivas a autoridade da Lei divina. O liberalismo se confundiu todo: colocou na razão a fonte do Direito usando o ponto de vista herdado do estoicismo ciceroniano, um erro pagão que se propagou pelo mundo cristão feito praga. Enquanto os valores da ordem medieval sobreviveram essas idéias liberais tiveram seu esplendor, embora já estivessem desconectadas da tradição grego-cristã. Ao chegar o século XX o edifício desabou, pois este foi o século do niilismo.

 

Com Rousseau e seus sucessores pretendeu-se que a lei positiva é mero produto da vontade do governante e que ela não guarda relação com nenhum estalão transcendente. Essa visão, a um só tempo cínica e falsa da fonte da lei, foi levada às últimas conseqüências por Gramsci e pelos autores ligados à Escola de Frankfurt. Criminosamente esses homens defenderam o envenenamento do corpo jurídico das nações de forma maquinada, objetivando atingir o socialismo moldando a sociedade a partir da categoria marxista da superestrutura. O Brasil está no apogeu dessa revolução jurídica, embora nós ainda possamos piorar mais um pouco, se a democracia direta à moda bolivariana for implantada por aqui. Lula, por exemplo, é o niilismo no poder. Somos uma sociedade espiritualmente doente.

 

Provavelmente César Maia, homem prático que é, nunca parou para pensar nesses termos abstratos da filosofia do Direito. Se parasse largaria o viés socialista e partiria para tentar consertar as coisas, que essa deformação das leis é letal para a Nação. Pensaria nas causas e não nas conseqüências, pois sobre estas não há como agir. Sem exagero podemos dizer que o caos se aproxima, não sem antes transformar a vida prática numa gaiola, à qual nós todos ficaremos prisioneiros. A cada lei bem intencionada aprovada perdemos mais um pedaço da liberdade (e do patrimônio) aumentando a potência estatal naquilo que ele tem de mais potente: mais polícias. Polícias agora até para vigiar usuários de tabaco. Deus nos livre e guarde dessa proteção desmesurada.

 

A lição definitiva da descoberta do Direito Natural, no século IV a.C., é que a lei positiva pode ser alterada quantas vezes for necessário fazê-lo, desde que a Lei Natural seja respeitada. Em Jerusalém assim como em Atenas. Teremos que reaprender essa lição sublime. E, claro, gente como César Maia terá que descobrir também, antes que o chamado homem comum. Reconheço, todavia, que não é lição banal.

 

 

* José Nivaldo Cordeiro, Executivo, nascido no Ceará. Reside atualmente em São Paulo. Declaradamente liberal, é um respeitado crítico das idéias coletivistas. É um dos mais relevantes articulistas nacionais do momento, escrevendo artigos diários para diversos jornais e sites nacionais. É Diretor da ANL – Associação Nacional de Livrarias.

Como citar e referenciar este artigo:
CORDEIRO, José Nivaldo. O véu de César Maia. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/politica/o-veu-de-cesar-maia/ Acesso em: 18 abr. 2024