Política

A Espinha Dobrada do Estadão

 

21 de agosto de 2009

 

Os acontecimentos no Senado Federal parecem que, finalmente, chegaram a um desfecho. Sarney fica onde está, Lula não terá terceiro mandato, não terá renúncia coletiva no Senado e nem remotamente há a possibilidade de uma reforma nas instituições que suprima o Senado Federal. Em resumo, a luta dos radicais da esquerda petista foi debalde. Foram impiedosamente derrotados. E, com eles, seu tablóide paulista, o Estadão, que alugou suas páginas para os revolucionários.

 

Aliás, o editorial do Estadão de hoje (Espinha dobrada do PT) mostra bem o que houve, nas entrelinhas do texto. A ala radical do PT resolveu colocar nas costas do presidente Lula a responsabilidade pela manutenção do status quo da política, como se essa pudesse mudar de uma hora para outra sem um fato novo. Até que tentaram criar esse fato novo – a campanha midiática liderada pelo Estadão contra a pessoa do presidente do Senado e a própria instituição. O que se viu é a limitação desse experiente na sociedade brasileira, cujas instituições mostraram-se surpreendentemente robustas. Esse tipo de faniquito estadônico escandaloso, criado artificialmente, não tem o poder de abalar as instituições e não provoca mais que marolas para distrair a opinião pública.

 

O Estadão, ao invés de reconhecer seu próprio viés, seus erros e seus abusos midiáticos, elegeu o presidente Lula como bode expiatório, como se Lula não fosse o PT e como se as diferentes cabeças de uma hidra não fizessem parte do mesmo corpo. Lula é não apenas o PT, mas o seu principal dirigente e viu-se, com todas as letras, que ele detém o comando da agremiação. Se o Estadão quisesse informar bem aos seus leitores deveria dizer que o PT sofreu uma derrota tática, mas não estratégica. Que a esquerda nele abrigada mantém seus planos de poder intactos e que a manobra para retirar o Sarney apenas revelou os limites das ações políticas legais. Se quiserem mais poder terão que reler os manuais leninistas.

 

Inocentes úteis como o senador Flávio Arns, que são mais xiitas do que os dirigentes radicais, podem perfeitamente sair do PT. Não fazem nenhuma falta. Outros idiotas úteis virão para preencher o seu lugar, até descobrir que o discurso ético do partido é apenas isso: discurso para se eleger. Ninguém que está empenhado no processo revolucionário é portador de ética alguma, ou melhor, tem a ética consequencialista, na qual de fato acreditam, de construir no futuro um mundo maravilhoso, desde que tenham o poder total, a troco de fazerem qualquer coisa no presente para conseguir o poder total. É a velha tese sintetizada da filosofia política que misturou Maquiavel, Rousseau, Lênin e Gramsci. A ética que levou os comunistas ao poder em todo o mundo.

 

Acompanhar esse espetáculo foi muito proveitoso do ponto de vista da pedagogia da ciência política. Temos um partido governante que vive dilacerado pelo dilema de fazer a revolução já ou ser um instrumento da ordem estabelecida, ainda por cima sob a ameaça de ter que entregar o poder pela via eleitoral no ano que vem. O relógio bate inexoravelmente. O PT tem contra si também o problema geracional. Os velhos generais do partido são hoje velhos caquéticos, que não conseguiram construir sucessores com base eleitoral. Por isso Lula é o PT, pois só ele no partido é capaz de ganhar uma eleição para a Presidência da República. Não existe outra liderança com esse perfil.

 

O Estadão dobrou a espinha para conseguir os furos de reportagem ilegítimos contra José Sarney. Foi derrotado, porque a coisa foi tão artificial e tão descabida que uniu os pares do senador em torno da sua figura. O que sobrou da elite encastelada no Senado viu o perigo que seria o sacrifício do velho Sarney. O discurso de Fernando Collor de Mello contra Pedro Simon foi o ponto alto da refrega. Acho que eu posso aqui tomar de empréstimo as palavras do senador alagoano para dizê-las ao editorialista do Estadão: pegue suas palavras, engula-as, digira-as e dê a elas o destino que quiser. Uma mídia suja no nível a que o Estadão chegou não merece outra coisa.

 

 

* José Nivaldo Cordeiro, Executivo, nascido no Ceará. Reside atualmente em São Paulo. Declaradamente liberal, é um respeitado crítico das idéias coletivistas. É um dos mais relevantes articulistas nacionais do momento, escrevendo artigos diários para diversos jornais e sites nacionais. É Diretor da ANL – Associação Nacional de Livrarias.

Como citar e referenciar este artigo:
CORDEIRO, José Nivaldo. A Espinha Dobrada do Estadão. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/politica/a-espinha-dobrada-do-estadao/ Acesso em: 18 abr. 2024