Política

Sharon e a retirada de Gaza

Sharon e a retirada de Gaza

 

Francisco César Pinheiro Rodrigues*

 

Causa um certo desconforto especular sobre as reais motivações na decisão de qualquer pessoa que se encontre entre a vida e a morte. É o caso de Ariel Sharon que, vítima de derrames, mantém em suspenso milhões de admiradores e críticos de seu passado de tremendo “falcão”.

 

Ariel Sharon foi, ao longo de sua vida, muito mais criticado que elogiado pelos comentaristas internacionais. Arrogante, não deu importância às resoluções da ONU. Preferia contar com a força dos EUA. Ignorou o Conselho de Segurança, que determinara o fim da ocupação de área tomada aos palestinos e também a decisão da Corte Internacional de Justiça, que considerou ilegais os recentes muros que tornaram dificílima a vida dos palestinos.

 

Estudiosos de sua biografia mencionam que em 1956 foi acusado de insubordinação e outras coisas na campanha do Canal de Suez, durante a Guerra do Sinai. Não é impossível que tais acusações originem-se da antipatia que gerava com sua imensa autoconfiança e crença na força bruta. Outra façanha estaria na visita à Esplanada das Mesquitas. Difícil acreditar que não soubesse qual seria a reação.

 

Outro indicador na natureza de seu caráter está na exigência, em certo momento, de que os palestinos teriam que escolher outro representante, que não Arafat, para representá-los nas conversações. Queria, ele mesmo, “eleger” o representante da outra parte. E, não contente, manteve Arafat em seu quartel-general durante meses, uma espécie de cárcere privado. Condicionava qualquer discussão à cessação de manifestações terroristas, sabendo que as condições peculiares de um povo oprimido geravam movimentos descontrolados de violência quase impossíveis de serem contidos pela Autoridade Palestina. Tais movimentos eram um bom pretexto para não fazer acordo nenhum e justificar a ocupação de áreas invadidas.

 

No entanto, de um momento para outro, o velho “falcão” tornou-se “pomba”, determinando que os colonos — que incentivara a se instalar na Faixa de Gaza — abandonassem seus lotes. Com isso, adquiriu a pronta simpatia dos adeptos da paz e fez nova exibição de coragem, porque não foi fácil convencer os colonos para que abandonassem os assentamentos.

 

Qual a explicação mais provável para essa guinada de 180graus? O crescimento populacional árabe? A visão de estadista, advertindo-o de que cada vez mais os colonos judeus ficariam em minoria? A compreensão, súbita, de que os palestinos também têm direito a um estado?

 

Em tese, claro, podem ocorrer súbitas conversões, à maneira do apóstolo Paulo, na estrada de Damasco, mas isso é raro, principalmente em assuntos bem terrenos e longamente raciocinados, como é o caso do conflito árabe-israelense.

 

Arrisco, aqui, uma interpretação dessa “conversão”: pressão velada, mas firme, dos Estados Unidos, provavelmente com sugestão inicial de Condoleeza Rice. Como o terrorismo islâmico é alimentado pelo apoio incondicional americano a Israel, qualquer concessão deste aos árabes equivale ao desmonte de milhares de explosivos que detonariam contra americanos em qualquer parte do planeta.

 

O abandono da Faixa de Gaza é muito mais harmônico com a mentalidade de Condoleeza Rice do que com a de Ariel Sharon. E W. Bush é esperto o suficiente para saber o que convém a seu país. No entanto, uma pressão desse tipo não seria aceita por Sharon, se publicamente apresentada. Torná-lo-ia submisso. Mas teria que ceder porque sem o apoio constante dos EUA seu país não resistiria muito tempo à pressão do mundo árabe.

 

De qualquer forma, Sharon demonstrou, mais uma vez, coragem ao desfazer subitamente o que vinha fazendo há vários anos.

 

Como nada escapa, por muito tempo, à curiosidade do jornalismo investigativo, vamos aguardar futuras investigações informais sobre o que realmente ocorreu nos bastidores. E, de qualquer forma, objetivamente, seria bom que Sharon se restabelecesse e desse prosseguimento a seus novos projetos em direção à paz. O que interessa é que esta seja alcançada, seja de quem for o direito autoral.

 

* Advogado, desembargador aposentado e escritor. É membro do IASP Instituto dos Advogados de São Paulo. Website do autor: http://www.franciscopinheirorodrigues.com.br

 

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Como citar e referenciar este artigo:
RODRIGUES, Francisco César Pinheiro. Sharon e a retirada de Gaza. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/politica/sharon-retirada-gaza/ Acesso em: 29 mar. 2024