Política

O Irã e a Bomba

O Irã e a bomba

 

Francisco César Pinheiro Rodrigues*

 

Hans Blix, o simpático sueco, ex-chefe da Comissão de Inspeção, Verificação e Monitoramento da ONU — órgão encarregado de verificar se Saddam Hussein possuía armas de destruição em massa — foi entrevistado pelo jornal “O Estado de S. Paulo”( 3-2-06, pág. A12) sobre o atualíssimo problema do problema nuclear iraniano. Sua opinião, sempre equilibrada, foi contrária, pelo menos por enquanto, ao encaminhamento do assunto ao Conselho de Segurança da ONU,.

 

Nos meses que precederam a invasão do Iraque acompanhei, diária e detalhadamente — as vantagens da aposentadoria… — a atuação desse diplomata que honra sua pátria e sempre demonstrou uma profunda honestidade intelectual.

 

A honestidade intelectual é artigo raro. Mais raro ainda na diplomacia e na política, por motivos óbvios. Muito mais escasso que a honestidade relacionada com o dinheiro. Pessoas “honestíssimas”, escrupulosas até nos centavos, por vezes mentem deslavadamente, se fortemente pressionadas, por fora (pelos superiores) ou por dentro (exigências de seu lado mais primitivo). E o pior é que acabam “racionalizando”, enganando a si mesmas. Talvez até passem num detector de mentiras. A mentira, laboriosamente entranhada nos neurônios, equivale a um transplante não rejeitado, enganando o aparelho, que, inocente, só reage com o aumento da pressão arterial.

 

Por que — mudando o enfoque — a desonestidade intelectual é aqui mais censurada? Porque é mais difícil de ser provada. A desonestidade material, financeira, deixa pistas que podem conduzir à cadeia, algo bem concreto e intimidante. Apresenta riscos, exige alguma coragem física. A desonestidade intelectual é algo “maneira”, menos arriscada, não deixa pistas inequívocas que autorizem uma condenação criminal. Mesmo que se comprove, depois, que um estadista apresentou os fatos em forma distorcida, o acusado sempre pode alegar que apenas se enganou. E errar é humano, pois não? Ele pode até dizer que Deus o orientou, numa conversa em particular. E quem pode comprovar que ele está usando Seu falso nome em vão?

 

Hans Blix sempre se mostrou coerente. E a pressão que suportou foi imensa. Interesses poderosíssimos de alguns americanos — não condenemos, em bloco, país algum — ligados à indústria armamentista e à extração do petróleo queriam porque queriam que ele dissesse que Saddam Hussein — um óbvio e primitivo tirano —, tinha armas de destruição em massa, justificando uma invasão em caráter “preventivo”. Teria sido muito fácil, para ele, dizer que sim, que “tudo indicava” que o odiado tirano tinha as tais armas em seu poder. Mesmo que, meses depois, elas não fossem encontradas, caberia a fácil desculpa de que as aparências enganam, e a conduta de Saddam foi sempre suspeita, oferecendo resistência às inspeções. Mas Blix jamais traiu sua consciência. E verificou-se, depois, que estava certo.

 

Agora, na questão do enriquecimento do urânio pelo Irã, ele nos alerta que a forma mais correta de solucionar o problema não está em aumentar as probabilidades de “militarização” da questão, levando o assunto ao Conselho de Segurança. A indústria armamentista deve estar esfregando as mãos de contente, ansiosa para um “endurecimento”, extremamente lucrativo, contra esse novo presidente iraniano que, sem juízo, fala em “varrer Israel do mapa”. Mas Blix nos aconselha cautela, dar um desconto na inexperiente euforia presidencial que certamente logo vai esfriar. Lembra-nos o passado de dominação, exploração — e conseqüente rancor — do povo persa (só há dez por cento de árabes no Irã), que sempre esteve sob jugo de potências ocidentais. Lembra-nos Mohamed Mossadegh, na década de 1950, um político persa honesto, democrata, que, todo mundo sabe, foi derrubado pela CIA. A respeito, há um interessante livro, “Todos os homens do Xá”, de Stephen Kinzer, Bertrand Brasil, que descreve em detalhes como foi arquitetada a queda de Mossadegh.

 

Einstein, um grande judeu — e não faltam judeus excelentes espalhados pelo mundo —, nos lembrava — não com os mesmas palavras —, que quando alguém nos odeia é preciso, antes de programarmos sua destruição, fazer um profundo exame de consciência, tentando descobrir as raízes desse ódio. E Israel assim deve agir. Principalmente se perguntando: “Se nós temos ogivas nucleares; se os EUA as têm em profusão; se França, Rússia, China, Paquistão, Índia e até a Coréia do Norte, detêm algum poder nuclear, qual o fundamento para tanta prevenção contra os iranianos?” Estes também dirão: “Somos seres inferiores? Que continuem com as inspeções periódicas, mas não nos impeçam de avançar numa área essencial à futura subsistência como nação. Um dia o petróleo vai acabar, ou ser substituído por energia menos poluidora. E aí, o que vai ser de nós, se não dominarmos antes a tecnologia nuclear?

 

Esse assunto, em contínuos desdobramentos, nos conduziria a outro tema, mais abrangente e polêmico, de um futuro governo mundial — democrático! —, mas é preciso não abusar da tolerância do leitor.

 

* Advogado, desembargador aposentado e escritor. É membro do IASP Instituto dos Advogados de São Paulo. Website: http://www.franciscopinheirorodrigues.com.br

 

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Como citar e referenciar este artigo:
RODRIGUES, Francisco César Pinheiro. O Irã e a Bomba. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/politica/ira-bomba/ Acesso em: 25 abr. 2024