Política

Uma Leitura do “O Federalista” a partir da edição de Jacob Gideon.

Uma Leitura do “O Federalista” a partir da edição de Jacob Gideon.

 

 

Bruno J.R. Boaventura

 

 

Sumário: I. Introdução histórica; II.  Introdução biográfica; III. Introdução documental; IV. Analise da obra; V. Bibliografia.

 

 

Summary: I. Historical Introduction II. Biographical Introduction III. Documentary introduction; IV. Review of the work; V. Bibliography.

 

Palavras chaves: federalismo, presidencialismo; freios e contrapesos; revolução americana.

 

Key words: federalism, presidentialism, checks and balances; American revolution.

 

 

 

I.                Introdução histórica

 

É no fervor revolucionário do novo mundo, a América do Norte, que o protestantismo ganha forças para germinar, e florescer o novo constitucionalismo federativo. A razão deste bom frutificar foi a concepção religiosa amadorista de uma seita que se organizava em uma assembléia igualitária e democrática de fieis sem hierarquia religiosa ou social, e com isso atraía o homem comum que gostava dos ritos sem ritualismos, dos pecados sem penitencias, e principalmente da salvação terrena pelo trabalho[1].

 

Estas foram as concepções que propulsionaram o incentivo ao trabalho capitalista: a exploração individual da quase ilimitada extensão de terra desocupada, a doutrina nacionalista de desenvolvimento político, econômico e jurídico, e até mesmo a total ausência das velhas concepções ligadas às relações feudais[2].

 

A história demonstra que a crescente unificação das estratégias de defesa militar, em razão da ocupação francesa ao norte, da espanhola ao sul, e ainda conflitos com os grupos indígenas ao centro, foi o início da prospecção de uma identidade nacional. A Inglaterra visando obter mais recursos a partir das colônias inaugura uma política de rigorosa tributação, o que leva a esta identidade nacional americana a reagir. Inclusive a cultura jurídica se enraíza como parte desta identidade, e um dos principais embates se dá quando a coroa inglesa, visando ampliar as competências do Tribunal do Almirantado, contraria a forte legitimidade dos julgamentos por júri popular[3].

 

Da sucedânea relutância em permitir as interferências da coroa é que include a Guerra por independência das treze colônias contra o domínio inglês e deixa a marca da necessidade de reestruturação unificada do país. Assim as justificativas para a instituição da Federação Americana tem a seguinte órbita central: as treze colônias unidas em uma só federação teriam mais facilidades de manter a paz, ou até mesmo de mostrar resistência em uma nova guerra contra forças estrangeiras[4].

 

A geopolítica econômica, nas palavras de Alexandre Hamilton que depois viria a ser o primeiro Secretário do Tesouro Americano, também ganha um enfoque profundo. As transações comerciais externas seriam facilitadas tanto no controle do acesso e tributação dos produtos estrangeiros por navios ao crescente mercado americano de três milhões de pessoas (importações), e pelo outro lado a União teria mais condição de constituir uma frota de navios com as Índias (exportações)[5]. 

 

Filosoficamente, a recente desgraça advinda da opressão da coroa britânica inspirava os Fundadores a se tornarem bravos defensores da capacidade americana de reagir as bravatas arrogantes vindas da Europa, como a de que todos os animais se degeneravam na América, inclusive as pessoas[6], ou a de que o povo é feita para os Reis e não os Reis são feitos para o povo[7]. 

 

Politicamente, a República é ressaltada como o poder de escolha dos representantes advindo de todo o povo igualitariamente considerado[8] e não dos tirânicos títulos de nobreza, e os representantes durariam o tempo de seus mandatos ou o tempo de seu bom comportamento (good behaviour)[9].

 

Em 10 de maio de 1775, o Congresso Continental, reunido na Filadélfia, decidiu que ainda não era o momento para a declaração da independência, mas para prover uma direção central dos assuntos americanos e promover uma cooperação mais acentuada entre as três colônias, visando uma oposição mais coordenada à dominação britânica, foi elaborado o primeiro o primeiro projeto genuinamente americano sobre governança que delineava os poderes e funções de um governo central, intitulado de “Os artigos da Confederação e da União Perpetua”. Ficou ainda instituído o exército continental comandado por George Washington.

 

Paralelamente ao processo político nacional, aconteciam autonomamente os processos políticos estaduais. No dia 29 de junho de 1776, vinte após a publicação do Espírito das leis, o Estado americano da Virginia proclama na convenção de Williamsburg o estabelecimento como forma de organização estatal a divisão nos três poderes concebidos por Montesquieu[10]. No mesmo ano os Estados de Maryland e Carolina do Norte, e no ano seguinte, Geórgia, também institucionalizam constitucionalmente a tripartição dos poderes como forma de organização estatal[11]. Apesar de nestes primeiros Estados ter sido adotada a versão “pura” da doutrina, sem ainda os mecanismos dos “checks and balance”, foram os mesmos que pela primeira vez estabeleceram uma série de novas liberdades, em face do domínio da coroa inglesa, como: liberdade da pessoa, liberdade da propriedade, liberdade da consciência, direito de assembléia, liberdade da imprensa, direito de petição, rotatividade do poder, responsabilidade de prestação de contas dos gestores (accountability), entre outros[12].

 

Foi, primeiramente, na Constituição de Massachusetts, em 1.780, que a nova teoria da separação dos poderes conjugada com a teoria dos freios e contra-pesos foi implementada[13]. Um dos lideres desta luta foi Theophilus Parsons, jovem advogado que depois se tornou Chefe da Corte de Massachusetts, que rejeitou no ensaio Essex Result a supremacia do legislativo e a doutrina pura da separação dos poderes[14].  Jefferson foi outro que claramente evidenciou a necessidade de aplicação prática de suplementação da teoria da separação dos poderes, a quebra desta teoria se faria através de barragens dos poderes sobre os próprios poderes[15]. Assim a Constituição de Massachusetts, construída a partir de um projeto que bem expressava a genialidade política de John Adams, tornou-se o centro irradiador da nova concepção da teoria balanceada da separação dos poderes, influenciando a teoria constitucional americana tanto no nível estadual como nacional[16]. Entrando para a história como a mais antiga constituição escrita em vigor.

 

 No âmbito nacional, os americanos não ouviram o plano de Benjamim Franklin para implementar o projeto do novo governo, mas a omissão termina no dia 7 de junho de 1776 quando é a aprovada uma resolução apresentada por Richar Henry Lee determinando: 1 – As Colônias Unidas estão no direito e no dever de serem Estados independentes; 2 – Estas alianças devem ser feita para a proteção delas; e 3 – O plano para uma confederação deve ser preparado e transmitido para as colônias.”

 

O comitê para escrever a Declaração da Independência foi instaurado, era composto entre outros, pelo próprio Benjamim Franklin, Thomas Jefferson e por John Adams.

 

Concomitantemente, o projeto do “Os artigos da Confederação e da União Perpetua” foi amplamente debatido, e finalizado em 15 de novembro de 1777 para então cumprir com a exigência de ser ratificado por unanimidade por todos os poderes legislativos estaduais. Tal formalidade somente foi cumprida 1781, após inclusive as convenções de New England (1780) e New York (1781) apontarem para a necessidade de uma maior solidificação da confederação. Pesava contra este documento que a própria Declaração de Independência proclama o direito do povo auto se governar, algo que não aconteceu, pois a ratificação não contou com uma participação popular direta.

 

Estas insurgências fazem surgir já no início da vigência do “Os Artigos”, como era chamado tal documento, um fervoroso opositor de pseudônimo de “O Continental”, era nada menos que o outro federalista Alexander Hamilton.

 

O propósito oposicionista de Hamilton era dar mais poderes ao Congresso para assuntos de interesse nacionais, para unificar a legislação do comércio, arrecadação de tributos. Para isso escreveu três artigos para incutir nos lideres políticos a necessidade do chamamento de uma convenção para estabelecer uma confederação mais forte. Os apelos ressoaram, e então James Madison solicitou que o Congresso compelisse os Estado a se engajarem no fortalecimento da Federação.

 

A impossibilidade prática de mudanças do texto em razão da necessidade de aprovação por unanimidade dos Estados foi a fraqueza do sistema estabelecido pelo “Os Artigos” e fez a força daqueles que queriam uma União mais consolidada. O primeiro estágio da construção do federalismo americano já tinha sido concluído, durante o seu curto período de oito anos de duração do documento “Os Artigos”, a América conheceu o tratado de paz, a negociação da independência, e se tornou os Estados Unidos.

 

A convenção Federal para revisão dos “Os artigos da Confederação e da União Perpetua” foi precedida da Convenção de Annapolis. O interessante é saber que esta foi precedida da reunião entre os Estados de Virgina e Maryland para resolver questões tributárias sobre as mercadorias transportadas no Rio Potomac e na Baía de Chesapeake. Então James Madison, já uma liderança expressiva, convence o Poder Legislativo de Virginia a chamar a Convença de Annapolis na expectativa de que o comércio fosse regulado a nível nacional.

 

A Convenção de Annapolis foi a oportunidade de ser votada e acatada pelos delegados a proposta de Alexandre Hamilton da necessidade da realização de uma Convenção Federal na Filadélfia em maio do próximo ano para estabelecer uma Constituição Federal adequada as exigência da União. Mas foi somente após o Estado de Virginia aprovar uma Resolução proposta por James Madison que estabelecia o envio da delegação que todos outros estados começaram a fazer o mesmo.

 

A convenção então foi estabelecida em maio de 1787, e teve como primeira mudança a polêmica do sistema de aprovação das propostas que passaram de unanimidade dos delegados para ratificação popular em nove convenções estaduais. A defesa de tal modificação ficou a cargo de James Madison que justificou dizendo que: “a nova Constituição precisa ser ratificada da forma mais inatacável: a suprema autoridade do próprio povo.” O que foi referenciada pelas seguintes palavras de George Mason: “Os legisladores não possuem o poder para ratificar. Eles são meras criaturas da Constituição dos Estados e não podem ser maiores que seus criadores.” Esta inclusão manteve a participação dos Estados no processo de ratificação incluindo um elemento democrático da participação popular direta contrastando com o monárquico sistema que a legitimidade é originária da coroa, e constituindo uma prática política sem paralelo na história.

 

Em 28 de setembro de 1787 a aprovação da nova Constituição foi retransmitida aos Estados pelo presidente da convenção, George Washington. Começava então a batalha para que houvesse as ratificações. A nação foi tomada por panfletos, sermões, ensaios, e jornais que discutiam a nova forma do governo. Os que eram favoráveis a ratificação foram chamados de “os Federalistas”, que tinham como fervor a força de um governo nacional. 

 

Na luta pela inclusão das proposições na Nova Constituição dos Estados Unidos, os Republicanos assumiram a tese de que a teoria da separação dos poderes sem a complementação dos freios e contra-pesos faria com que o Poder Legislativo inevitavelmente sobreporia o Executivo e o Judiciário[17].  Conforme a Revolução avançava, o medo da tirania do Legislativo e a independência do Executivo afloraram na cabeça dos delegados, e assim a teoria pura da separação dos poderes foi perdendo adeptos, e os freios e contra-pesos seriam inevitavelmente referendados, somente faltando definir até que ponto chegariam[18].  A escolha foi pelo equilíbrio: o poder de veto foi restaurado, porém somente um veto qualificado; o poder de nomear foi dado ao Presidente, porém somente com a confirmação do Senado, e o poder de declarar Guerra permaneceu com o Congresso[19].

 

 

II.                Introdução biográfica.

 

James Madison – Advogado, é considerado o pai do constitucionalismo americano, tem sido responsável pelas dez primeiras emendas a Constituição. Foi o 4º presidente dos Estados Unidos.

 

Alexander Hamilton – foi delegado na convenção Federal. Foi líder pela ratificação no Estado de Nova York, aos 30 anos já possuía uma reputação nacional foi um líder nas batalhas durante a Revolução. Foi ajudante de ordens selecionado pelo próprio General Washington. Demonstrou liderança e bravura em 1781 na Batalha de Yorktown.  Fiu um constituinte silente, em razão de divergências pessoais com os outros dois delegados de Nova York. Mas foi na batalha pela ratificação da Constituição que se consagrou na história americana, dando importância aos ensaios jornalísticos que explicaram ao povo de nova York a necessidade da nova Constituição.

 

John Jay – Na Revolução serviu ao Comitê de Correspondência. Era um proeminente advogado de Nova York. Colaborou na redação da Constituição de 1777 de Nova York, no mesmo ano foi Chefe da Justiça da Suprema Corte do Estado. Assumiu postos diplomáticos, tendo em 1783, conjuntamente com Benjamim Franklin e John Adams negociado o Tratado de paris, que acabou com a Revolução americana e garantiu a independência.

 

 

III.               Introdução do documento.

 

O contexto do livro é uma batalha intelectual entre os Federalistas e os Anti-Federalistas. O livro ao todo não tem só importância na batalha pela ratificação, mas, sobretudo, para o entendimento da construção do constitucionalismo americano. Está descrito na obra toda a estrutura da racionalidade da construção de uma forma de governo republicana baseada na separação dos poderes.

 

Entre outubro de 1787 e maio de 1788, os mais renomados dos batalhadores pela ratificação popular da nova Constituição, escreveram 83 ensaios, sendo eles Hamilton -51, Madison – 29 e Jay – 5,  impressos em 4 jornais de Nova York. A tradição do pseudônimo clássico fez com que os Fundadores escolhessem a alcunha de Publius. Referência a Publius Valerius Publicola um legendário romano estadista do século VI a.c., que ficou renomado por sua eloqüência, generosidade e dedicação a causa republicana, era chamado em Roma de Publicola ou o amante do povo.

 

A edição lida foi a editada por Jacob Gideon e foi a primeira a contar com a revisão feita pelos três autores, impressa por meio do site da Liberty Fund.

Parte I (1 ao 14) – as vantagens para a melhor perfeita União.

Parte II (15 ao 22) – As fraquezas da atual Confederação.

 Parte II (22 ao 36) – Os poderes que devem ser exercidos por um governo Nacional.

Parte IV – Porque a Constituição proposta representa os princípios do republicanismo e do bom governo? O controle do governo por toda a sociedade (37 ao 40).Os poderes do Governo (41 – 46). A separação dos poderes (47 – 54). A Casa dos representantes (52 – 60).O Senado (61 – 66). O presidencialismo: unidade, duração, adequada provisão e poderes competentes (67 – 77). O Judiciário (78 – 83). Observações conclusivas (84 e 85).

 

A obra foi traduzida para 23 línguas, mais de 100 edições diferentes. Aqueles que realmente querem entender os motivos pelos quais os pais fundadores da nação americana fizeram o que fizeram terão que lerem e entenderem as repostas descritas em “O Federalista” para as seguintes perguntas: Por que foram favoráveis a um sistema legislativo bicameral ? Quais os interesses nas Assembléias ? Por que os juizes federais tiveram mandatos vitalícios enquanto tiverem bom comportamento ? Por que e quais os poderes ficaram atribuídos a União ? Por que tinham medo de uma concentração de poder e assim preferiram um governo limitado ?

 

Para renomados historiadores, constitucionalista, cientistas políticos, e tantos outros cientistas, a obra é vista como um magnânimo exemplo teórico e prático de revolucionários que estabeleceram uma mudança na história mundial. Ficamos com Thomas Jéferson, que definiu o livro: “O melhor comentário sobre os princípios do governo que foram escritos.” No Brasil o sistema defendido pelos Os Federalistas influenciou diretamente Ruy Barbosa, que foi o principal redator da Constituição brasileira de 1891.

 

 

IV.              Analise da obra

 

O livro se inicia com um convite para debater a Nova Constituição dos Estados Unidos da América. A cadência textual apresenta uma posição não idealista dos autores, há uma propensão em esclarecer que a discussão não passaria por defesas por interesses particulares. O desejo era que as questões fossem pautadas pelo interesse público, mas não esperava seriamente que isso aconteceria por parte dos Anti-Federalistas.

 

O conjunto da obra expõe as divergências entre os defensores e os desaprovadores da adoção da Nova constituição e do desmembramento da União, na luta pela persuasão do convencimento do cidadão.

 

A importância histórica daquele momento, que inclusive definiria o texto da Constituição Americana ainda hoje vigente, não foi despercebida, sendo considerado como dos mais importantes temas enfrentado pelo povo americano.

 

O patriotismo construído a partir da identidade nacional da independência é o meio de apelo dos Autores para reforçar que o sentimento em questão era desfazer ou não os laços de identificação do povo americano tais como: língua, religião, e ancestrais.

 

Após esta introdução impactante, o sentimento patriota evoluiu ao longo do texto para razões justificadoras mais específicas de manter a Nação no formato de uma Federação. O texto da Nova Constituição é então apresentado como algo recomendado por experientes homens que sabidamente muito o discutiram na Convenção Federal.

 

Uma das mais importantes problemáticas é a da segurança tanto interna quanto externa. O pavor da guerra ainda presente, é usado como fato de necessidade da proteção de um governo Nacional forte o suficiente para garantir a paz com outras nações.

 

Na construção deste cenário internacional, a Federação tendo como unificado as treze colônias e todos os Estados se tornaria uma poderosa nação o suficiente para embater de frente com os outros países. Detalhando o recorte da cena geopolítica econômica é dada como incerta, pois com a França e a Inglaterra disputando o mercado pesqueiro, e as outras nações européias disputando o comércio marítimo restaria a um possível achaque ao desenvolvimento americano. Este estado de insegurança internacional necessitava da União para estabelecer um exército forte mais forte, mais organizado facilmente e permanente do que 3 ou 4 governos independentes. A vantagem econômica da União residiria em negociar ao acesso de um mercado conjunto dos Estados de 3 milhões de pessoas, em contrapartida a uma não interferência da prosperidade marítima. Fazendo para dar força ao argumento descrevem um exemplo do potencial da força que teria a União ao fechar o acesso de todos os portes aos navios britânicos.

 

Neste ponto do livro existe uma satiriza os anti-Federalista, pois estes estavam defendendo um paradoxo da paz perpetua entre os Estados, pois divulgavam a idéia que como EUA eram um país estruturado a partir do comércio naturalmente eram naturalmente uma país pacifista que não entrariam em guerra. Desconstroem tal argumento com os exemplos históricos de Espata, Atenas, Romãs e Cartago. Encara os possíveis conflitos regionais, como exemplos de que os americanos como qualquer outro povo do globo devem ter na política a presunção da máxima que o homem não só é feito de virtude perfeita.

 

Na questão da segurança interna, apresentando o homem como um ser ambicioso, vingativo e ciumento, que poderia sacrificar a paz nacional, para querer fazer guerra entre as sub-divisões da Confederação, e era então necessário um poder central para organizar os radicalismos de uma possível divisão interna.  Assim para que houvesse uma neutra da resolução dos conflitos, e que evite o uso da força fosse evitado, era necessário que tais conflitos sejam resolvidos por uma corte federal que uniformizassem as interpretações da própria Constituição. A importância da corte suprema ser federal é que assim se evitaria a multiplicação de interpretações finais equivalentes ao número de cortes finais estaduais. É exatamente esta multiplicação que acontecia com base nos “artigos” relacionado aos tratados feitos com as nações estrangeiras.

 

Outra questão enfrentada é o formato da separação dos poderes. Os “checks and balances” eram intencionais mecanismo de conter a supremacia do legislativo. Debatem o argumento apresentado pelos Anti-Federalistas, que com base em Montesquieu, da impossibilidade de uma República ser efetivada com um longo território. A polêmica é resolvida com o esclarecimento dos ensinamentos do Barão de que é a democracia direta que é limitada a um território pequeno. Para evitar radicalismo que poderiam subverter a vontade de uma minoria em algo não considerável, ou da maioria em algo impróprio, era melhor uma extensa República que poderá selecionar melhor e distribui mais proporcionalmente seus homens públicos. O  Federalismo funcionaria com os “checks e balances” agindo tanto verticalmente, como horizontalmente.

 

No modelo atual descrito nos “Artigos” as leis estabelecidas pela União não passariam de meras recomendações, pois a responsabilidade de fiscalizar a aplicação era do Estado.A mudança que era proposta era uma reorganização da divisão das competências, aos Estados ficariam a administração da justiça em casos que envolvam cidadãos do mesmo Estado, supervisão da agricultura, e todos outros poderes não estabelecidos para a União.

 

O medo da tomada total do poder pela União é repelido com o argumento que com os Estado que existiria uma maior proximidade com o povo, pois administração da justiça civil e criminal seria ela a guardiã da vida e da propriedade, e exatamente esta, mais que qualquer outra circunstância, que impulsiona as aflições populares. Ao tratar desta grande barreira para a ratificação da Constituição, o medo dos Estados perderem a sua autonomia, é citada a Guerra do Peleponésio, pois a causa da guerra é demonstrada através da de maturidade política das Cidades – Estados, Atenas e Grécia, que se guerreiam ao invés de promoverem uma refundação da Confederação Grega. E assim esta demonstração é repetida com império germânico, holandês, e outros exemplos históricos. Apelam para que estes erros não aconteceriam com a América

 

Ao adentrarem na questão da arrecadação, esclarecem que a riqueza de uma nação depende do solo, clima, natureza das produções, natureza do governo, o gênio dos cidadãos, o grau de informação que eles possuem, o estado do comércio, dos artes e da industria. Justificam a necessidade de mudar a arrecadação tributária da União de proporção do valor de todas as terras, as chamadas quotas, para a proporção da riqueza de cada produto produzido. A natureza do governo republicano é que a lei é o resultado natural de todas associação políticas. O gênio a liberdade republicana é que todo o poder deriva do povo, e depende permanentemente, de sua vontade. Assim a administração dada pelo povo aos homens públicos é limitada por um curto período ou enquanto tiverem um bom comportamento. A conjugação destes elementos desta nova visão foi consolidada pela doutrina do behaviourism. O constitucionalismo deveria assumir que as forças sociais são determinantes para o estabelecimento das regras e princípios jurídicos, o foco passaria de questões políticos consideradas isoladamente para questões políticas consideradas inseridas em um amalgama que envolve todos os fatores sociais[20].

 

O governo Nacional é estabelecido pela “Casa dos representantes” proporcionalmente eleito pelos mesmo critério estabelecido pelas eleições estaduais, e o governo é federal pela representação dos Estados no Senado. Diante da existência deste sistema hibrido é que se tem um governo tanto nacional como federal. Isto se deve principalmente pela necessidade que a votação para alteração das leis passe pelas duas casas.

 

Na batalha para a ratificação da Constituição nos Estados, James Madison justifica os mecanismos práticos de controle da invasão de uma das funções do Poder sobre a outra com uma celebre passagem da historiografia ocidental:

“It may be a reflection on human nature, that such devices should be necessary to control the abuses of government. But what is government itself, but the greatest of all reflections on human nature? If men were angels, no government would be necessary. If angels were to govern men, neither external nor internal controls on government would be necessary. In framing a government wich is to be administered by men over men, the great difficulty lies in this: you must first enable the governmente to control governed; and in the next place oblige it to control itself. A dependence on the people is, no doubt, the primary control on the government.”[21]

 

 

No campo da distribuição das competências políticas, o exercício das funções conjugadas na União do Estado Nação e do Estado Federal é criado[22], com a subdivisão do Estado Federal nos governos estaduais propriamente ditos, pelo definido atualmente como federalismo dual[23]. A perda da soberania, mas não da autonomia das colônias, estava justificada, restando saber quais seriam as delegações centralizadoras de poderes à União.

 

Na Constituição as competências da União ficaram descritas, e quanto às dos Estados seriam de natureza residual[24]. A União muito mais revigoraria os poderes originais do que receberiam novos poderes[25], ficando, principalmente, com a exclusividade da representação externa. Conjugando todas estas concepções formou-se a nova forma de governo genuinamente americana: o presidencialismo[26].

 

M.J.C. VILE comparando as revoluções americana e francesa, acredita que as diferenças dos textos constitucionais resultantes devem-se ao fato que a influência do pensamento de Rousseau foi determinante na Constituição de 1.789 e não na de 1.787[27]. Assim a preocupação na América era alcançar o equilíbrio entre os dois poderes políticos (legislativo e executivo) pela teoria da separação dos poderes aliada com os freios e contra-pesos, já na França o pensamento rousseaninano ocasiona a aplicação radical da teoria pura da separação dos poderes, resultando no que mais tarde seria chamado de ditadura autocrata do legislativo[28].

 

Podem ainda persistirem dúvidas sobre qual foi a primeira das assembléias populares constituintes, a primeira das constituições modernas, a mais influente revolução, mas quanto ao desenvolvimento original de um sistema de repartição horizontal de funções do poder não há, foi primordialmente determinante a maneira americana de federalizar uma República.

 

 

 

V.               Bibliografia

 

BIGLIAZZI Renato; PAIXÃO Cristiano. História constitucional inglesa e norte-americana: do surgimento à estabilização da forma constitucional. Brasília: Finatec, 2008.

 

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 14ª Ed. SP:Saraiva, 1989.

 

HAMILTON Alexander; JAY, John; MADISON, James. The Federalist. The Gideon Edition. Edited with an Introduction, Reader´s Guide, Constitucional Croos-reference, Index, and Glossary by George W. Carey and James McClellan.  Indianápolis: Liberty Fund.

 

HOBSBAWM, Eric J..A Era das Revoluções. Tradução de  Maria Tereza Lopes Teixeira, e Marcos Penchel. 9 ed.RJ: Paz e Terra, 1977.

 

JELLINEK, Georg. The Declaration of the rights of man and of citizens. A contribution to modern constitucional history. New York: Henry holt and Company, 1901.

 

VILE, M.J.C. Constitutionalism and the separation of powers. 2ª ed. Indianapolis: Liberty fund, 1998.

 

 

 

 



[1] HOBSBAWM, Eric J..A Era das Revoluções. Tradução de  Maria Tereza Lopes Teixeira, e Marcos Penchel. 9 ed.RJ: Paz e Terra, 1977. p.249.

 

[2] HOBSBAWM, Eric J..A Era das Revoluções. Tradução de  Maria Tereza Lopes Teixeira, e Marcos Penchel. 9 ed.RJ: Paz e Terra, 1977. p.169.

 

[3] BIGLIAZZI Renato; PAIXÃO Cristiano. História constitucional inglesa e norte-americana: do surgimento à estabilização da forma constitucional. Brasília: Finatec, 2008. p.102.

[4] HAMILTON Alexander; JAY, John; MADISON, James. The Federalist. The Gideon Edition. Edited with an Introduction, Reader´s Guide, Constitucional Croos-reference, Index, and Glossary by George W. Carey and James McClellan.  Indianápolis: Liberty Fund. p. 10-15.

[5] HAMILTON Alexander; JAY, John; MADISON, James. The Federalist. The Gideon Edition. Edited with an Introduction, Reader´s Guide, Constitucional Croos-reference, Index, and Glossary by George W. Carey and James McClellan.  Indianápolis: Liberty Fund. p. 50, 51,58

 

[6] “Faxts have too long supported these arrogant pretensions of the European: it belongs to us to vindicate the honor of the human race, and to teach that assuming brother moderation. Union will enable us to do it. Disunion will add another victim to his triumphs. Let Americans disdain to be the instruments of European greatness! Let the Thirteen States, bound together in a strict and indissoluble union, concur in erecting one great American system, superior to the control of all transatlantic force or influence, and able to dictate the terms of the conexion between the old and the new world.” HAMILTON Alexander; JAY, John; MADISON, James. The Federalist. The Gideon Edition. Edited with an Introduction, Reader´s Guide, Constitucional Croos-reference, Index, and Glossary by George W. Carey and James McClellan.  Indianápolis: Liberty Fund. p. 54,55.

 

[7] HAMILTON Alexander; JAY, John; MADISON, James. The Federalist. The Gideon Edition. Edited with an Introduction, Reader´s Guide, Constitucional Croos-reference, Index, and Glossary by George W. Carey and James McClellan.  Indianápolis: Liberty Fund. p. 238.

 

[8] “who are to be the electors of the federal representatives? Not the rich, more than the poor; not the learned, more than the ignorant; not the haughty heirs of distinguished names, more than humble sons fo obscure and unpropitious fortune. The electors are to be the great body of the people of the United States.” HAMILTON Alexander; JAY, John; MADISON, James. The Federalist. The Gideon Edition. Edited with an Introduction, Reader´s Guide, Constitucional Croos-reference, Index, and Glossary by George W. Carey and James McClellan.  Indianápolis: Liberty Fund. p.296.

[9] HAMILTON Alexander; JAY, John; MADISON, James. The Federalist. The Gideon Edition. Edited with an Introduction, Reader´s Guide, Constitucional Croos-reference, Index, and Glossary by George W. Carey and James McClellan.  Indianápolis: Liberty Fund. p. 194.

 

[10] VILE, M.J.C. Constitutionalism and the separation of powers. 2ª ed. Indianapolis: Liberty fund, 1998. p.131.

[11] VILE, M.J.C. Constitutionalism and the separation of powers. 2ª ed. Indianapolis: Liberty fund, 1998. p.132.

[12] JELLINEK, Georg. The Declaration of the rights of man and of citizens. A contribution to modern constitucional history. New York: Henry holt and Company, 1901. p.85-86.

[13] VILE, M.J.C. Constitutionalism and the separation of powers. 2ª ed. Indianapolis: Liberty fund, 1998. p.163.

 

[14] “We are contending for freedom–Let us all be equally free–It is possible, and it is just. Our interests when candidly considered are one. Let us have a constitution founded, not upon party or prejudice–not one for to-day or to-morrow–but for posterity. Let Esto perpetua be it’s motto. If it is founded in good policy; it will be founded in justice and honesty.(…) In a state likewise, the supreme power is best disposed of, when it is so modelled and balanced, and rested in such hands, that it has the greatest share of goodness, wisdom, and power, which is consistent with the lot of humanity.(…) A little attention to the subject will convince us, that these three powers ought to be in different hands, and independent of one another, and so ballanced, and each having that check upon the other, that their independence shall be preserved–If the three powers are united, the government will be absolute, whether these powers are in the hands of one or a large number.(…) The following principles now seem to be established.(…) That the legislative, judicial, and executive powers, are to be lodged in different hands, that each branch is to be independent, and further, to be so ballanced, and be able to exert such checks upon the others, as will preserve it from a dependence on, or an union with them.” Disponível em: http://press-pubs.uchicago.edu/founders/documents/v1ch4s8.html. Acessado em 21 de agosto de 2.008.

 

 

[15] “An elective despotism was not the government we fought for; but one which should not only be founded on free principles, but in which the powers of government should be so divided and balanced among several bodies of magistracy, as that no one could transcend their legal limits, without being effectually checked and restrained by the others. For this reason that convention, which passed the ordinance of government, laid its foundation on this basis, that the legislative, executive and judiciary department should be separate and distinct, so that no person should exercise the powers of more than one of them at the same time.” Disponível em: http://press-pubs.uchicago.edu/founders/documents/v1ch10s9.html. Acessado em: 21 de agosto de 2.008.

 

[16] HAMILTON Alexander; JAY, John; MADISON, James. The Federalist. The Gideon Edition. Edited with an Introduction, Reader´s Guide, Constitucional Croos-reference, Index, and Glossary by George W. Carey and James McClellan.  Indianápolis: Liberty Fund. p. xxx.

 

[17] VILE, M.J.C. Constitutionalism and the separation of powers. 2ª ed. Indianapolis: Liberty fund, 1998. p.167.

[18] VILE, M.J.C. Constitutionalism and the separation of powers. 2ª ed. Indianapolis: Liberty fund, 1998. p.168.

[19] VILE, M.J.C. Constitutionalism and the separation of powers. 2ª ed. Indianapolis: Liberty fund, 1998. p.171 e 172.

 

[20] VILE, M.J.C. Constitutionalism and the separation of powers. 2ª ed. Indianapolis: Liberty fund, 1998. p.324 e 325.

[21] HAMILTON Alexander; JAY, John; MADISON, James. The Federalist. The Gideon Edition. Edited with an Introduction, Reader´s Guide, Constitucional Croos-reference, Index, and Glossary by George W. Carey and James McClellan.  Indianápolis: Liberty Fund. p.268, 269.

 

[22] HAMILTON Alexander; JAY, John; MADISON, James. The Federalist. The Gideon Edition. Edited with an Introduction, Reader´s Guide, Constitucional Croos-reference, Index, and Glossary by George W. Carey and James McClellan.  Indianápolis: Liberty Fund. p. 199.

 

[23] BIGLIAZZI Renato; PAIXÃO Cristiano. História constitucional inglesa e norte-americana: do surgimento à estabilização da forma constitucional. Brasília: Finatec, 2008. p.145.

[24] HAMILTON Alexander; JAY, John; MADISON, James. The Federalist. The Gideon Edition. Edited with an Introduction, Reader´s Guide, Constitucional Croos-reference, Index, and Glossary by George W. Carey and James McClellan.  Indianápolis: Liberty Fund. p. 241.

 

[25] HAMILTON Alexander; JAY, John; MADISON, James. The Federalist. The Gideon Edition. Edited with an Introduction, Reader´s Guide, Constitucional Croos-reference, Index, and Glossary by George W. Carey and James McClellan.  Indianápolis: Liberty Fund. p. 242.

 

[26] “Pode-se afirmar com toda a segurança que o presidencialismo foi uma criação americana do século XVIII, tendo resultado da aplicação das idéias democráticas, concentradas na liberdade e na igualdade dos indivíduos e na soberania popular, conjugadas com o espírito pragmático dos criadores do Estado norte-americano.” DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 14ª Ed. SP:Saraiva, 1989. p.164.

 

[27] VILE, M.J.C. Constitutionalism and the separation of powers. 2ª ed. Indianapolis: Liberty fund, 1998. p.218.

[28] VILE, M.J.C. Constitutionalism and the separation of powers. 2ª ed. Indianapolis: Liberty fund, 1998. p.265.

Como citar e referenciar este artigo:
BOAVENTURA, Bruno J.R.. Uma Leitura do “O Federalista” a partir da edição de Jacob Gideon.. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/politica/uma-leitura-do-o-federalista-a-partir-da-edicao-de-jacob-gideon/ Acesso em: 19 abr. 2024