Política

Direita e Esquerda: Nem isto ou aquilo

As palavras direita e esquerda são termos opostos que por mais de dois séculos definem habitualmente o contraste ideológico entre os movimentos políticos da sociedade humana. Enquanto opostos, estes termos são, com respeito ao universo ao qual se referem, são reciprocamente excludentes e, conjuntamente exaustivos. Nenhuma doutrina ou movimento pode ser simultaneamente de direita e de esquerda. E, são exaustivos ao menos na acepção mais forte da dupla, uma doutrina ou movimento só podem ser apenas ou de direito ou de esquerda.

As grandes dicotomias do saber humano trazem um histórico descritivo capaz de explicar valores e a representação sintética das duas partes em conflito, para enfim exprimir um juízo axiológico, seja de valor positivo ou negativo ou ainda, para assinalar a passagem de uma fase para outra da vida política de uma nação.

A antítese formada por direita e esquerda nos mostra um típico modo de pensar em díades, a respeito do qual já foram apresentadas diversas explicações, de natureza psicológicas, sociológicas, históricas e mesmo biológicas. Em verdade, não existe disciplina que não esteja dominada por algum tipo de díade, na sociologia, na economia, na estética clássica, em filosofia (quando tratamos da transcendência e imanência).

Na esfera política, direita-esquerda não é a única díade, mas pode ser encontrada mais frequentemente. Existem díades em que os dois termos são opostos e, em outras, são apenas complementares. As primeiras nascem da interpretação do universo concebido como composto de entes divergentes, que se opõem uns aos outros. Já as segundas, da interpretação de universo harmônico, concebido como composto de entes convergentes, que tendem a se encontrar e formarem juntos uma unidade superior.

A dupla direito-esquerda, de fato, pertence ao primeiro tipo. Não obstante que pensar por tríades é gerado pelo modo de pensar por díades, sendo deste, um desenvolvimento ou aperfeiçoamento, bem diverso que é o processo que parte de díades de termos opostos ou de uma díade de termos complementares.

No primeiro caso, a passagem ocorre através de síntese dialética, ou por negação da negação; e no segundo caso, por composição. A distinção de direito e esquerda a partir da Revolução Francesa[1] serviu para dividir o universo político em duas partes opostos e não tem mais nenhuma razão para ser utilizada.

E, Sartre sabiamente foi o primeiro a afirmar que a direita e a esquerda são duas caixas vazias. E, por isso, não teriam nenhum valor heurístico ou classificatório, e muito menos avaliativo. Destas se cogita usualmente com um certo enfado, como de uma de tantas armadilhas linguísticas em que se deixa aprisionar o debate político.

Ademais, esquerda e direita não indicam apenas ideologias. E, reduzi-las a pura expressão de pensamento ideológica seria indevida simplificação. São programas contrapostos com relação aos diversos problemas, cuja solução pertence à ação política, contra não só de ideias, mas, principalmente, de interesses e de valorações a respeito da direção a ser seguida pela sociedade, contrastes que existem em toda sociedade e que não há como possam simplesmente desaparecer.

Os contrastes existem, mas não são mais os mesmos do tempo em que nasceu a distinção e, modificaram-se tanto que por vezes se tornaram anacrônicos e inadequados. Atualmente a esquerda é uma das expressões menos verificáveis do vocabulário política, e a velha dupla poderia ser substituída por outra: progressistas e conservadores[2]. E, de forma mais radical, houve quem rejeitasse toda e qualquer persistente dicotomia, defendendo que mesmo essa última dicotomia seria uma das tantas sandices ditas pelo politiquês.

Afirma-se que o universo político se tornou cada vez mais complexo assim como o das grandes sociedades democráticas, torna-se sempre mais inadequada a separação muito nítida entre as duas únicas partes contrapostas, sempre mais insuficiente a visão dicotômica da política.

Lembremos que sociedades democráticas são aquelas que toleram, ou melhor, que pressupõem a existência de diversos grupos de opinião e de interesse em concorrência entre si, tais grupos às vezes se contrapõem, às vezes se superpõem em certos casos de integram para depois se separarem, ora se aproximam, ora se antagonizam, como um movimento orquestrado ou de dança.

Em suma, em um pluriverso como o das grandes sociedades democráticas, nas quais as partes em jogo são muitas e têm entre si convergências e divergências que tornam possíveis as mais variadas combinações de umas com as outras, não se podendo mais colocar os problemas sob forma de antítese, de tudo ou nada, ou de direita ou esquerda, quem não é de direita, é de esquerda, ou vice-versa.

A distinção entre direita e esquerda não exclui de modo algum, sequer em linguagem comum, a configuração contínua sobre a qual entre a esquerda inicial e a direita final, ou, o que é mesmo, entre a direita inicial e a esquerda final, se colocam posições intermediárias que ocupam o espaço central entre dois extremos, normalmente designado e bastante conhecido, com o nome de centro.

Pode-se afirmar que enquanto a visão diádica da política, segundo a qual o espaço político é concebido como dividido em duas únicas partes, uma das quais exclui a outra e nada entre estas se interpõe, pode ser denominada de Terceiro Excluído, a visão centro-esquerda e, um centro mais vizinho da direita, ou centro-direita, e do mesmo modo, no âmbito da esquerda, traçando esquerda moderada que tende ao centro e, ainda, uma esquerda extrema que ao centro se contrapõe e, igualmente, no âmbito da direita, uma direita atraída pelo centro e uma direita que deste se afasta a ponto de se contrapor em igual medida tanto ao centro quanto à esquerda.

Deve-se igualmente ter em conta que, não obstante as possíveis divisões dentro do espaço do centro, restará sempre um centro indiviso, que poderia ser chamado de centro-centro, assim, a tríade torna-se na realidade, uma pentíade (composta, direita, esquerda, centro-direita, centro-esquerda e centro-centro[3]).

Deve-se acrescentar que tal desarticulação do sistema político é potencializado pela adoção de sistema eleitoral proporcional, que multiplica as partes até dar origem a uma multíade, bem visível no plenário circular sob o molde de anfiteatro, no qual as diversas posições se distribuem de um extremo ao outro, sem que, no entanto, o critério de divisão dos diversos representantes, deixe de ser de direita e esquerda.

O Terceiro Incluído busca um espaço entre os dois opostos, e assim, não os elimina, mas os distancia, impedindo que se toquem e entrem em choque frontal, ou impede a alternativa seca de decidir ser direita ou esquerda, permitindo uma terceira solução. Tende a ir além dos dois opostos e a englobá-los em síntese superior e, portanto, anulando-os enquanto tais.

Ao invés de duas totalidades que se excluem reciprocamente, não são, como a frente e verso da medalha, visíveis simultaneamente, faz destas duas partes de um todo, de uma totalidade dialética que se distingue da totalidade mecânica. Compondo uma totalidade orgânica, na qual as partes singulares estão em função do todo e, portanto, não são antitéticas entre si, mas convergentes para o centro.

A unidade dialética, ao revés, caracteriza-se por ser fruto da síntese de duas partes opostas, das quais uma é afirmação ou tese e, a outra é a negação ou antítese. E, a terceira parte, como negação da negação, é um quid novum, não como composto, mas como sendo a síntese.

O terceiro incluído pode ser representado pela fórmula abrevidada de “e-e”. No debate político, se apresenta como uma terceira via, ou seja, uma posição que, diferentemente da do centro, não está no meio da direita ou da esquerda, mas pretende ir além de uma e de outra.

Praticamente, uma política de terceira via é uma política de centro, porém, idealmente não como forma de compromisso entre os dois extremos, mas sim, como superação simultânea de um e de outro, e, portanto, como simultânea aceitação e supressão estes (e, não como na posição do terceiro incluído, refutação e separação).

Não seria um terceiro-entre, e sim, Terceiro-além, no qual o Primeiro e o Segundo, ao invés de serem separados, deixados à oposição entre si, são aproximados em sua interdependência e suprimidos por sua unilateralidade.

Qualquer figura de Terceiro sempre pressupõe as outras duas; mas o Terceiro-incluído descobre sua própria essência. Apresenta-se como práxis sem doutrina, sobretudo como doutrina que busca uma práxis que, no momento que é posta em atuação, se realiza como posição centrista.

A combinação triádica nasce sempre em meio de crise, como reação ao temido esgotamento da vitalidade histórica da antítese. Toda forma de pensamento sintético sempre apresenta aspecto paradoxal, pois busca manter juntos dois sistemas de ideias opostos, que a história havia mostrado serem, até aquele momento, incompatíveis, e, portanto, alternativos. Mas, o paradoxo acaba por se justificar em decorrência do comprovado insucesso daqueles sistemas quando considerados ou aplicados unilateralmente.

Outro exemplo de síntese de opostos, derivado das fileiras da direito, mas num período de crise, igualmente grave, foi a ideologia da revolução conservadora, nascida após a Primeira Guerra Mundial como resposta da direito à revolução subversiva que havia levado a esquerda ao poder e, parecia destinada a se difundir em outras regiões.

Porém, a contraposição de direito e esquerda e seu desaparecimento, com uma teoria terceiro-inclusiva pode ser sempre interpretada, em suas intenções como síntese de opostos e, praticamente como tentativa de salvar a própria posição, chamando para si, e assim, neutralizando, a posição adversária.

Outro fundamento para se decretar a superação e a rejeição da velha díade está em se observar que esta perdeu grande parte de seu valor descritivo. Já que a sociedade permanece em contínua transformação e o surgimento de novos problemas políticos, que requererem soluções por meio de instrumentos tradicionais da ação política, ou seja, da ação que tem pôr fim a formação de decisões coletivas que, uma vez tomadas, passam a vincular toda a coletividade e fizeram nascer movimentos que não se inscrevem no esquema tradição de contraposição.

Um exemplo contemporâneo é o dos Verdes. São de direita ou de esquerda? E, considerando os critérios habitualmente adotados para justificar a distinção, parecem conforme as circunstâncias, serem de direita e de esquerda, ou nem de direita e nem de esquerda. Ou poderiam ser definidos como movimento transversal no sentido de que atravessam os campos inimigos passando indiferentemente de um campo ao outro, e ao assim fazerem mostram que existe um terceiro modo de pôr em crise a díade. Mais do que estar no meio de (ser Centro), mais do que ir além de (a Síntese), o mover-se por um modo de atenuação ou desautorização da díade, mais do que em uma refutação ou superação.



[1] Há um consenso geral de que a esquerda inclui progressistas, sociais-liberais, ambientalistas, social-democratas, democrático-socialistas, libertários socialistas, secularistas, socialistas, comunistas e anarquistas, enquanto a direita inclui neoliberais, económico-libertários, conservadores, reacionários, neoconservadores, anarcocapitalistas, monarquistas, teocratas (incluindo parte dos governos islâmicos), nacionalistas, fascistas e nazistas. O uso político dos termos esquerda e direita é referenciado na Revolução Francesa, em 1789, quando os liberais girondinos e os extremistas jacobinos sentaram-se respectivamente à direita e à esquerda no salão da Assembleia Nacional. Os direitistas pregavam uma revolução liberal, a abolição dos privilégios da nobreza e estabeleceram o direito de igualdade perante a lei. Os esquerdistas também defendiam o fim dos privilégios para nobreza e clero, mas eram favoráveis a um regime centralizador. A revolução estourou, em 1789, por causa da busca de legitimidade e representatividade política por parte do Terceiro Estado. Os membros do Terceiro Estado reuniram-se em Assembleia Constituinte para redefinir os rumos da França, levando em conta o protagonismo da burguesia. No salão em que a Assembleia se reuniu, dois grupos principais debatiam. Do lado esquerdo, encontravam-se os mais exaltados e radicais, alinhados com a baixa burguesia e os trabalhadores. Os principais representantes desse grupo eram os jacobinos. Do lado direito, estavam aqueles mais moderados, com tendência à conciliação e com boa articulação com a nobreza e a alta burguesia. Eram conhecidos como girondinos.

[2] Observada a Revolução Francesa foi considerada expressamente progressista, influenciada pelo Iluminismo francês. E, mesmo os girondinos, que era mais ligados à tradição e moderados, estavam inseridos na perspectiva progressista, que tinha a crença no futuro e no progresso crescente e ininterrupto da humanidade. Já por outro lado, está conservadorismo, sendo considerado pai do conservadorismo moderno, o inglês Edmund Burke (1729-1797) foi um dos principais críticos da Revolução Francesa, sendo contemporâneo desta. As críticas de Burke visavam o conteúdo progressista dos revolucionários e, a aposta cega no futuro além da fé no progresso e na razão, encarados como novos deuses. E tamanha fé foi capaz de conduzir ao terror jacobino que vigeu entre 1792 a 1794. O conteúdo do conservadorismo burkeano acabou por dar base de sustentação às ideologias ditas “de direita” no século XIX, sobretudo na Inglaterra e nos Estados Unidos.

A defesa da ordem moral, da tradição e dos valores religiosos, da liberdade econômica, da livre iniciativa e da propriedade privada estão entre as premissas básicas do pensamento conservador.

[3] Na política brasileira, o chamado “centrão” refere-se a um conjunto de partidos políticos que não possuem orientação ideológica específica e tem como firme objetivo assegurar proximidade com o Poder Executivo de forma que este, lhes garanta vantagens e lhes permita distribuir privilégios por meio de redes de clientes. Apesar da alcunha não se trata necessariamente de um grupo político-ideológico centrista, mas sim, de agrupamento de siglas de orientação conservadora e, que geralmente é composto por parlamentares do chamado “baixo clero” que atuam conforme seus próprios interesses e ligado às práticas fisiológicas.

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Gisele. Direita e Esquerda: Nem isto ou aquilo. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2020. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/politica/direita-e-esquerda-nem-isto-ou-aquilo/ Acesso em: 29 mar. 2024