Quando o esquema do Mensalão foi exposto e demonstrou-se que uma imensidão dos membros do poder legislativo era comprada, não representando os interesses do povo, mas sim o de poucos, poderosos e ricos, eu achei que o povo brasileiro se indignaria.
Não se indignaram.
Quando o Escândalo dos Sanguessugas veio à tona e todos ficaram sabendo do desvio de dinheiro nas compras de ambulâncias em âmbito nacional, vitimando não só o dinheiro público mas todo o precário sistema de saúde do nosso país, eu pensei que o povo brasileiro ficaria escandalizado.
Não se escandalizaram.
Ao aparecerem os indícios de que políticos filiados ao Partido dos Trabalhadores estavam comprando dossiês falsos que incriminariam e consequentemente abalariam as campanhas e vidas políticas de concorrentes dos outros partidos, eu imaginei que nunca assistiríamos passivos a tudos isso.
Nós assistimos passivos.
Agora descobriu-se que além da quebra do sigilo bancário de Francenildo – o caseiro – por agentes a serviço do PT, este vem ocorrendo com dezenas de cidadãos, demonstrando como os membros dos poderes executivo e legislativo vêm conduzindo massivos monitoramentos e investigações ilegais contra seus prórios cidadãos, eu e você. Quando fiquei sabendo disso eu tinha certeza de que as coisas mudariam!
Evidentemente não estão mudando.
Na realidade, se pararmos para analisar, o que o povo deste país demonstra, mais do que nunca, é que está de acordo com todos os acontecimentos que tomam forma na terra tupiniquim. Compra de votos, lobby, gasto descontrolado e desvio de dinheiro público, quebra escancarada de leis e principalmente de direitos fundamentais… A população – em sua condição de cidadãos e emanadores do poder do Estado, na mais radical e utópica concepção do Contrato Social – não se demonstra ofendida.
Mas, além disso, a população parece concordar e incentivar esse tipo de prática. Quando o Partido dos Trabalhadores finalmente consolidou sua escalada ao poder com a conquista da presidência por uma das figuras mais incoerentes da história política do Brasil, passo a passo foi levado a cabo um processo de dominância do organismo vivo que é o Estado.
Algumas projeções apontam que ao fim das eleições de 2010 o PT alcance uma inédita maioria absoluta no Congresso. Isso seria a dominação escancarada, legítima e aberta, diferente daquela que ocorre há tempos, que é dos funcionários, empregados e servidores públicos juntamente com os titulares de cargos comissionados que, filiados ao partido, promoviam o cumprimento dos interesses deste por baixo dos panos.
Na realidade, agora em vez de ter de recorrer a táticas como dossiês falsos e investigações ilícitas, nossa mais-que-provável-presidenta poderá abertamente promover alterações na legislação e – que medo! – na Constituição Federal que satisfaçam os interesses do partido, sem objeções. Com o congresso a seus pés, isso é muito mais que plausível, é plenamente possível.
Aqueles que inocentemente buscam no judiciário seu último bastião, sua salvação, ah, pobrezinhos. Dos três “poderes”, a “justiça” é a mais submissa de todos.
Nessa conjuntura de o organismo estatal ser 100% controlado, formal e informalmente, por um partido que – e aqui vem o passo que começa a ir além do limite – utiliza o maquinário público para promover os próprio integrantes, vê-se o caminho à perdição da democracia.
Explico. São basicamente dois os elementos que indicam a ocorrência da eutanásia do estado democrático de direito:
a. quando foi legalizada a reeleição para os agentes do executivo, percebeu-se ser praticamente impossível que sujeito já no cargo, caso concorra novamente, perca. A não ser que o primeiro mandato tenha sido catastrófico, o reingresso é praticamente certo.
Não se sabe se isso é pelo inato conservadorismo do povo e de todo ser humano, que cegamente confia em quem já exerce o cargo, ou o quê, mas esse fenômeno é plenamente tangível.
Com isso, a palavra do agente político detentor do cargo é indubitavelmente mais relevada pelo povo, respeitada e consequentemente tem maior peso, sendo a razão de o art. 14, §6ª, da Constituição Federal colocar que antes de concorrerem a outro cargo – isso inclui reeleição – “os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos”, na intenção de que o processo eleitoral seja livre de influências.
Basicamente o que se depreende disso é que o sujeito que utiliza a imagem do cargo, por ter esse maior poderio no subconsciente dos eleitores, basicamente mexe com ao livre-arbítrio.
b. com isso, ao ser aceito e não punido duramente o agente político que se utiliza da imagem de governante – seja municipal, estadual ou federal – para promover um sucessor, entende-se que o voto não precisa ser livre de influências.
Tentamos purificá-lo ao proibir sua compra; tentamos regular a exposição do eleitor ao marketing eleitoral; tentamos até desvincular a ocorrência de propagandas eleitoreiras durante o exercício do poder – art. 37, §1ª, CF – para podermos nos iludir que o exercício do voto é a maior expressão do livre-arbítrio da sociedade contemporânea, mas não é.
Nosso caríssimo presidente eleito Luis Inácio “Lula” da Silva tem feito uma campanha descarada para a candidata Dilma Rousseff, falando em comícios, propagandas na televisão, e muito mais. Ele já foi multado mais de seis vezes pelo TSE por fazer propaganda para a sua candidata, um absurdo.
Diariamente nosso presidente quebra as leis de nossa nação, não só quando fomenta os escândalos de mensalão, o dinheiro na cueca ou o dinheiro na gaveta – o que ele pelo menos tenta esconder –, mas também quando utiliza sua imagem para promover a candidatura de outro indivíduo.
O presidente Lula, com sua postura de desleixo para com as leis, dizendo sempre que isso ou aquilo é besteira, ou intriga da oposição, fazendo pouco caso das estipulações legais ou judiciárias, é a maior incoerência possível. Se nosso presidente não respeita as leis, o que se pode esperar do povo?
A Lei de Gérson contaminou muito mais do que as massas, sendo hoje o pilar principal de nossa sociedade. O brado retumbante que se ouviu às margens do Ipiranga certamente era de uma massa de ignorantes se acotovelando e tentando conseguir vantagens uns sobre os outros.
O que se vê sendo feito pelo companheiro petista é uma flagrante violação à democracia, pois é tão absurdamente impactante a propaganda que ele faz – para ser mais forte que isso só falando alemão mesmo – que não há como se lutar contra.
Nesse sentido, o voto, sufrágio universal e inegável, maior símbolo da democracia e do estado contemporâneo, se tornou meramente um praxe. Um incômodo. Um antigo e ultrapassado ritual que deve ser seguido somente pelo seu simbolismo. “Ah, lá vem a eleição novamente… bem, já que somos obrigados!”.
O fim já é previsível, não? Se você usa a máquina do estado, em seu devastador e inegável poder para promover alguém, não há chance de ver um oponente vitorioso. Não foi o valerioduto ou os bingos ou mesmo os correios que marcaram o governo de Lula, mas a morte da democracia.
Não consigo ver pior desfecho para uma figura que sempre foi o símbolo da luta dos menos abastados enterrar uma nação inteira para criar o maior esquema de corrupção “jamais visto na história deste país” e, com o dinheiro, fundar uma lavagem cerebral generalizada numa população que já não era muito boa em pensar e formar as próprias opiniões, criando uma ditadura “envergonhada” (é, afanei o termo de Elio Gaspari).
Ditadura? Sim. Pense: na ditadura o Estado se torna autoconsciente e usa a própria máquina para se manter no poder além do que deveria. O que estamos vivendo hoje?
Eu não estava lá, mas parece que voltamos a 1964, só que dessa vez os militares perderam.