Política

O Bingo e o Bicho

O Bingo e o Bicho

 

 

Fernando Machado da Silva Lima*

 

 

29.04.2007

 

 

            O jogo do bicho é muito antigo. Foi criado no Rio de Janeiro, em 1.892, por João Batista Vianna Drummond, o Barão de Drummond. O Bingo, porém, começou a funcionar, no Brasil, mais de um século depois, apenas em 1.994. Hoje, no entanto, os chefões do jogo do bicho controlam todos os jogos ilegais.            

 

Há mais de sessenta e cinco anos, exatamente no dia 03.10.1941, juntamente com o seu Ministro da Justiça, Francisco Campos, o Presidente Getúlio Vargas assinou o Decreto-lei nº 3.688, cujo art. 50 incluía, entre as contravenções penais, os jogos de azar, ou seja, aqueles que dependessem exclusivamente da sorte, para o ganho ou a perda do jogador.

 

          Ficava proibido, assim, “estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público, mediante o pagamento de entrada ou sem ele”. A pena prevista era a “prisão simples, de três meses a um ano, e a multa, de dois a quinze contos de réis, estendendo-se os efeitos da condenação à perda dos móveis e objetos de decoração do local”.

 

          Nesses sessenta e cinco anos, muito se discutiu a respeito, do oito ao oitenta, do céu ao inferno. Foram propostas de legalização do jogo e propostas de penas mais severas. Dizia-se que era preciso punir o vício da jogatina desenfreada, que contamina o tecido social, enfraquece os valores morais da sociedade e corrompe os governos. Os defensores da jogatina alegavam, porém, que o jogo não pode acabar, porque dá emprego a muita gente e a sua proibição causaria um enorme problema social.

 

Enquanto isso, o Brasil se transformou em um grande cassino, com a proliferação das loterias legalizadas e com os jogos ilegais, como o bingo, o bicho e as máquinas caça-níqueis. Muitos chefões do jogo, com ramificações no tráfico de drogas, no crime organizado e na corrupção dos governos, são hoje figuras influentes na política, nas escolas de samba, nos clubes de futebol, no Legislativo e no Governo, o federal, o estadual e o municipal, na sociedade brasileira, enfim.

 

Hoje, existem bancas do jogo do bicho às portas do Congresso Nacional. O Presidente da Câmara disse que a responsabilidade da repressão é dos órgãos policiais. O Presidente do Senado mandou reforçar o policiamento nos estacionamentos da Casa e disse que, se visse uma banca do jogo do bicho, ele mesmo a desmontaria.  Em Belém, na esquina da Frei Gil com a Santo Antônio, às portas da Seccional do Comércio, existe uma dessas bancas. Alguém avise, por favor, ao Senador Renan Calheiros…

 

  Há quatorze anos, em decorrência da chamada “Operação Mãos Limpas” – alguém se lembra? -, a Juíza Denise Frossard condenou os quatorze chefões do jogo, no Rio de Janeiro. Na época, a Polícia Federal apreendeu, além de três milhões de dólares, a lista da contabilidade dos bicheiros, com os nomes de autoridades, policiais e políticos que recebiam suborno.

 

Infelizmente, as mãos continuam sujas, e cada vez mais sujas, porque, por alguma razão desconhecida – ou muito evidente? -, nada foi apurado e ninguém foi punido. A jogatina e a corrupção continuam. Os bicheiros, os que não foram mortos pelos seus “colegas”, na disputa pelo dinheiro e pelo poder, continuam em atividade, cada vez mais ricos e mais poderosos. Três dos mais importantes foram novamente presos, pela Polícia Federal, na recente “Operação Furacão”: Antonio Petrus Kalil, o “Turcão”, Aniz Abraão David, o “Anísio”, que contribuiu com seis milhões, dos seus trocados, para o último desfile da Beija-Flor, e Ailton Guimarães Jorge, o “Capitão Guimarães”.

 

          A imprensa noticiou, recentemente, que o Governador do Rio de Janeiro defende a legalização do jogo do bicho e dos bingos, porque, segundo ele, a proibição é uma hipocrisia e enseja “as ações de corrupção por parte das pessoas que controlam a atividade”. Evidentemente, a corrupção do Governo e de alguns juízes, conforme está sendo novamente denunciado.

 

            O Diário de São Paulo noticiou que existem, no Brasil, cerca de mil e duzentos bingos, a metade deles em São Paulo e que o movimento financeiro da contravenção é de sessenta bilhões de reais por ano. Sessenta bilhões por ano!!! Quer dizer, então, que a jogatina ilegal, em todo o Brasil, deve render mais de cem bilhões por ano? Dez vezes mais do que a receita das instituições particulares de ensino superior?

 

          Quer dizer que o Brasil – os brasileiros pobres, principalmente -, pagam para jogar, na esperança de um dia ficarem ricos, dez vezes mais do que se gasta com as Universidades?

 

Quer dizer que, em vez de aplicarmos o nosso dinheiro na educação, estamos interessados, apenas, no enriquecimento dos bicheiros e dos políticos corruptos?

 

Parece incrível, mas a nossa Constituição – alguém se lembra dela? -, fala em dignidade da pessoa humana; valor social do trabalho; sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos, etc.

 

Será que um dia a Constituição vai ser respeitada? Quando será que nós vamos criar vergonha na cara?

 

Façam seu jogo, senhores! Façam suas apostas!!!

 

 

* Professor de Direito Constitucional da Unama

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Como citar e referenciar este artigo:
LIMA, Fernando Machado da Silva. O Bingo e o Bicho. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/politica/o-bingo-e-o-bicho/ Acesso em: 28 mar. 2024