Política

O Reajuste da Câmara – II

O Reajuste da Câmara – II

 

 

Fernando Machado da Silva Lima*

 

 

2003

  

Em resposta ao meu artigo O Reajuste da Câmara, o ilustre Presidente da Câmara Municipal de Belém, vereador Vitor Cunha, publicou no DIÁRIO DO PARÁ, de 11 de junho, um artigo intitulado “A Verdade sobre o Reajuste”, no qual Sua Excelência afirma que estou desinformado, equivocado em meus entendimentos, e que ainda não consegui interpretar o verdadeiro sentido da regra constante do inciso X do art. 37 da Constituição Federal. Disse ainda que estou redondamente enganado, e que as minhas alegações visam distorcer a finalidade do ato da Câmara, de maneira inconcebível e pretensiosa.

 

Desejo esclarecer que nunca tive a intenção de “distorcer a finalidade” do ato que reajustou os subsídios dos vereadores e os vencimentos dos servidores da Câmara. Aliás, acredito mesmo que Sua Excelência não tenha lido com a devida atenção os termos pejorativos e deselegantes constantes desse artigo, que assinou, porque há três anos fui convidado pelo próprio vereador Vitor Cunha para falar ao Plenário da Câmara Municipal, a respeito das alíquotas progressivas do IPTU, e naquela oportunidade, sua opinião a respeito de meus conhecimentos jurídicos era muito diversa.

 

Sei perfeitamente que existem muitos “pareceres” que lhe são favoráveis. Afinal, existem no Brasil aproximadamente 5.500 municípios, e as Câmaras Municipais têm sido pródigas em soluções pretensamente jurídicas, quando se trata do reajuste dos subsídios de seus vereadores. O próprio Congresso Nacional não costuma respeitar as limitações previstas na Constituição Federal, o mesmo podendo ser dito em relação a muitas de nossas Assembléias Legislativas. No entanto, não será por essa razão que eu ficarei impedido de também externar a minha opinião, embora possa contrariar alguns interesses. Desejo deixar bem claro, porém, que a minha intenção, na verdade, é apenas a de esclarecer uma questão jurídica, que poderá acarretar, no futuro, sérios problemas.

 

Existem dois temas principais, que deverão ser abordados. O primeiro, referente ao instrumento formalizador do reajuste dos subsídios, que no meu entendimento deverá ser o decreto legislativo, e não a lei ordinária. O segundo, referente à pretensa “revisão geral anual”, que na verdade foi feita apenas para os servidores da Câmara e para os vereadores. Por questões editoriais, este último assunto deverá ficar para um próximo artigo.

 

Sua Excelência disse que, de acordo com o inciso X do art. 37 da Constituição Federal, o reajuste deverá ser feito, “única e exclusivamente, por lei específica, isto é, por lei ordinária”, e que o Decreto Legislativo, embora previsto na Lei Orgânica do Município de Belém, não pode ser utilizado, por contrariar norma hierarquicamente superior.

 

Inicialmente, deve ser dito que a Câmara Municipal não pode descumprir uma lei, nem muito menos a Lei Orgânica, que constitui a base do ordenamento jurídico municipal. Aliás, se os ilustres vereadores acreditam que algum dispositivo da Lei Orgânica é inconstitucional, ou contrário ao interesse público, basta que a emendem, por dois terços de votos, de acordo com o processo previsto em seu artigo 73.

 

Não tem razão, também, ao afirmar que lei específica é o mesmo que lei ordinária. Quando o inciso X do art. 37 da Constituição Federal estabeleceu que a remuneração dos servidores públicos e os subsídios parlamentares somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, isso não significou, evidentemente, que essa fixação ou alteração deveria ser feita por lei ordinária. Lei específica não é sinônimo de lei ordinária, absolutamente. A palavra lei está aí empregada em seu sentido amplo, e a qualificação “específica” significa, apenas, que essa lei somente poderá dispor a respeito da fixação daquele determinado tipo de subsídios, ou a respeito da remuneração dos servidores públicos, observada a iniciativa privativa em cada caso.

 

Portanto, teremos uma lei específica a respeito dos subsídios dos parlamentares, que deverá ser um decreto legislativo. Se assim não fosse, não haveria razão para a norma do art. 49 da Constituição Federal, que inclui na competência exclusiva do Congresso Nacional a fixação dos subsídios dos Deputados Federais, dos Senadores, do Presidente da República, do Vice-Presidente da República e dos Ministros de Estado. Veja bem: competência exclusiva, ou seja, independente de sanção ou veto do Chefe do Executivo. É de comum sabença que o instrumento formalizador da competência exclusiva dos parlamentos é o decreto legislativo, que nada mais é do que uma lei (em sentido amplo), aprovada pelo órgão legislativo, federal, estadual ou municipal, sem a participação do Chefe do Executivo.

 

Para reajustar as remunerações dos servidores públicos municipais, no entanto, deveria ser utilizada a lei ordinária. Com um importante detalhe: de acordo com o art. 75 de nossa Lei Orgânica, somente o Sr. Prefeito Municipal poderia apresentar o projeto de lei.

 

O que a Câmara Municipal fez, portanto, foi um reajuste, por lei ordinária, dos subsídios dos vereadores, e também das remunerações de seus servidores, exclusivamente. No próximo artigo, abordarei essa questão, com referência ao pretenso “reajuste geral anual”.

                                                                                        

 

* Professor de Direito Constitucional

 

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Como citar e referenciar este artigo:
LIMA, Fernando Machado da Silva. O Reajuste da Câmara – II. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/politica/o-reajuste-da-camara-ii/ Acesso em: 19 abr. 2024