Política

Mensalão: Não há risco de prescrição, mas de absolvição – parte I

 

A denúncia que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o mensalão o descreve como “uma sofisticada organização criminosa, dividida em setores de atuação, que se estruturou profissionalmente para a prática de crimes como peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa, gestão fraudulenta, além das mais diversas formas de fraude”. Considerando que para fomentar o esquema criminoso com vultosos aportes financeiros, além da utilização da estrutura administrativa, foram editados atos normativos e legislativos, como uma medida provisória, dois decretos presidenciais e duas leis, não há como negar que o esquema criminoso é gigantesco, sendo verdadeira, portanto, a afirmação. 

 

Dizem que a representação que fiz para que o ex-Presidente Lula seja incluído na ação penal que tramita na Suprema Corte atrasaria o processo e levaria à prescrição. Isso não é verdade. Consoante o artigo 117, inciso I, do Código Penal, o recebimento da denúncia interrompe a prescrição. Como se trata de causa de interrupção e não de suspensão, o prazo prescricional zera e começa a correr novamente pela totalidade. Assim, uma vez aditada a denúncia para incluir o ex-Presidente Lula, o recebimento da peça acusatória pela Suprema Corte interrompe a prescrição quanto a ele (Lula). E não haverá prejuízo em relação aos demais acusados. Explico a seguir.

 

Segundo a acusação que está no STF, os fatos delituosos iniciaram no ano de 2002, veja-se o que consta à fl. 11 da denúncia do mensalão: “Com efeito, todos os graves delitos que serão imputados aos denunciados ao longo da presente peça têm início com a vitória eleitoral de 2002 do Partido dos Trabalhadores no plano nacional (…)”.  Considerando que a denúncia foi recebida em agosto de 2007, a próxima data importante para aferição prescricional será agosto de 2011. Nesta data, quatro anos terão passados da causa interruptiva (recebimento da denúncia), o que levará à prescrição os crimes punidos com pena máxima de até dois anos.  No caso, apenas o crime de quadrilha que possui reprimenda cominada de um a três anos poderá ser abrangido pelo lapso prescricional. 

 

Depois de agosto de 2011, a próxima data importante para a prescrição será agosto de 2015, quando terão passados oito anos do recebimento da denúncia.  É que nos termos do artigo 109 do Código Penal, o cálculo do lapso prescricional acima de quatro anos é feito de quatro em quatro anos. Por exemplo, prescreve em quatro anos os crimes com pena superior a um e que não ultrapasse dois anos; prescreve em oito anos, os crimes com pena superior a dois e que não exceda quatro anos; prescreve em doze anos os crimes com pena superior a quatro e não superior a oito anos; prescreve em dezesseis anos os crimes com pena superior a oito e que não extrapole doze anos; prescreve em vinte anos (maior prazo prescricional) os crimes com pena máxima superior a doze anos.

 

   Com efeito, como até agosto próximo não há tempo para julgar e publicar o acórdão, os crimes com pena máxima de até dois anos fatalmente serão abrangidos pela prescrição, no caso, provavelmente será alcançado o crime de quadrilha (pena de 1 a 3 anos), pois dificilmente seria aplicada a pena máxima. A partir de agosto de 2011, a próxima data importante será agosto de 2015, quando o lapso prescricional de oito anos atingirá os crimes punidos com pena superior a dois e não superior a quatro anos. Ressalte-se que os demais delitos imputados aos acusados têm penas elevadas como, por exemplo, a corrupção ativa tem pena de 2 a 12 anos; lavagem de dinheiro, reclusão de 3 a 10 anos; peculato, 2 a 12 anos etc.

 

Assim, caso seja aditada a denúncia para incluir Lula no processo, interrompe-se a prescrição em relação a ele e pouca influência terá quanto a outros acusados, pois a próxima data relevante para estes, com ou sem Lula, será 2015, quando a prescrição alcança os crimes punidos com pena não superior a quatro anos e até tal data (2015) há tempo suficiente para concluir a instrução processual, pois, caso Lula seja denunciado, será necessário praticar apenas atos processuais complementares em relação aos outros acusados.  

 

Por outro lado, sem a presença do ex-Presidente Luiz Inácio na ação penal que corre no STF, a absolvição dos apontados como líderes da organização criminosa é certa. No meu livro autobiográfico “De Faxineiro a Procurador da República” antecipo a absolvição de José Dirceu e de outros apontados como líderes, justamente porque não se tem como chegar neles, uma vez que não praticaram atos materiais (tudo indica que são autores intelectuais). Quem praticou atos materiais foi o ex-Presidente Lula, mas como ele não foi acusado não se tem como alcançar os prováveis autores intelectuais do engenhoso esquema criminoso, pois estes não deixaram rastros. Assim, apenas integrantes braçais da quadrilha que deixaram pistas serão punidos, brandamente.

 

Antes eu estava convencido de que o ex-Presidente Lula deveria ser denunciado, agora o meu convencimento é ainda maior. Isso se deve à ação de improbidade administrativa, ajuizada no dia 15 de janeiro deste ano, cujo processo (nº 7807-08.2011.4.01.3400) tramita na 13ª Vara Federal, Seção Judiciária do Distrito Federal e tem o ex-Presidente Lula e o ex-Ministro da Previdência Amir Lando como réus.       

 

Fiz a representação com base nos elementos probatórios presentes na ação de improbidade, que expressamente mostram fatos delituosos que teriam sido praticados pelo ex-Presidente e que têm conexão (relação direta) com os fatos apurados na ação penal do mensalão. Por isso deve ser apurada a responsabilidade criminal (a responsabilidade civil e administrativa está sendo apurada na ação de improbidade) na ação penal que tramita no STF para que a prova não seja pulverizada e resulte em impunidade.

 

Há quem diga que a defesa seria beneficiada com a demora do processo em decorrência do aditamento da denúncia para incluir Lula na ação penal. Ocorre que, como dito antes, a inclusão não trará benefício aos demais acusados, quanto à prescrição. De mais a mais, mormente as defesas dos apontados como líderes, sabem que a absolvição deles é certa, pois não deixaram vestígios probatórios; logo, quanto mais rápido julgar o processo, melhor para eles, inclusive, já comemoravam antecipadamente. A situação deles vai complicar e muito se o ex-Presidente Lula for denunciado. Aí a possibilidade de serem condenados é grande; caso contrário, a absolvição é certa.

 

 

 

* Manoel Pastana, Autor do livro autobiográfico De Faxineiro a Procurador da República

Como citar e referenciar este artigo:
PASTANA, Manoel. Mensalão: Não há risco de prescrição, mas de absolvição – parte I. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/politica/mensalao-nao-ha-risco-de-prescricao-mas-de-absolvicao-parte-i/ Acesso em: 28 mar. 2024