Política

FHC e as oposições


13/04/2011


Aqueles que têm acompanhado meus comentários
estão a par das observações que tenho feito sofre a profunda transformação que
a política e a sociedade brasileiras passaram nas últimas décadas. Nunca é
demais lembrar que estamos vivendo o auge da chamada revolução gramsciana, que
levou a esquerda ao poder. O PT colheu os frutos desse grande esforço de
transformação política, que teve em Fernando Henrique Cardoso seu maior teórico
e seu grande operador, especialmente quando esteve na Presidência da República.
A esquerdização completa da política brasileira é o pecado mortal de FHC e sua
herança maldita.

Digo isso como preâmbulo para comentar o
vigoroso artigo que o ex-presidente publicou na revista Interesse Nacional (O
papel das oposições). Fernando Henrique Cardoso continua sendo o sociólogo que
sempre foi e nesse artigo mais do que nunca. Seus acertos são equivalentes a seus
erros e o cientista FHC infelizmente não tem a chave mágica para tirar do PT o
monopólio do poder alcançado desde a eleição de Lula. Os demônios que FHC
soltou de sua caixa de Pandora esquerdista estão destruindo a ordem
institucional e econômica, pois o único objetivo do PT é manter-se no poder, a
qualquer custo.

FHC escreveu: “Para recordar que cabe às
oposições, como é óbvio e quase ridículo de escrever, se oporem ao governo. Mas
para tal precisam afirmar posições, pois, se não falam em nome de alguma causa,
alguma política e alguns valores, as vozes se perdem no burburinho das
maledicências diárias sem chegar aos ouvidos do povo. Todas as vozes se
confundem e não faltará quem diga – pois dizem mesmo sem ser certo – que todos,
governo e oposição, são farinhas do mesmo saco, no fundo ‘políticos’. E o que
se pode esperar dos políticos, pensa o povo, senão a busca de vantagens
pessoais, quando não clientelismo e corrupção?”

Quem as oposições representam? Qual a sua
proposta alternativa à do PT? Perguntas assim FHC não se fez. O fato é que
desde a abertura política o Brasil passsou por um crescente e massivo processo
de destruição da pequena e média empresa privada, ao tempo em que multiplicou o
número de funcionários públicos, de sorte que a classe média, esteio da
democracia representativa, sofreu uma brutal transformação. Ela é agora
composta em grande parte por servidores do Estado, que enxergam no PT a
garantia de seus privilégios. O esteio dos valores da sociedade aberta no plano
sociológico é esse largo segmento da classe média que não depende do Estado e a
ele se opõe, pois paga grandes valores na forma de impostos e tem a sua
liberdade tolhida pela regulação estatal. Foi o próprio FHC que começou essa
mudança no perfil da sociedade brasileira, ele próprio patrocinando a
oligopolização crescente dos mercados, a começar pelo mercado bancário, e a
multiplicar as carreiras de Estado. Bom lembrar que a remuneração dessas
carreiras tem sido crescentemente majorada, de maneira que o salário médio do setor
público está bem acima da do setor privado.

A oposição, incluindo o PSDB, disputa o mesmo
campo ideológico e social do PT. Mas não tem a mesma credibilidade do PT para
dar garantias de que os privilégios da nova classe média funcionária pública
serão mantidos. Ao contrário, há uma crença no meio do funcionalismo de que o
PSDB é inimigo de suas “conquistas”. FHC acrescentou, aqui o ponto central de
sua preocupação política: “Complexidade crescente a partir dos primeiros passos
do governo Dilma que, com estilo até agora contrastante com o do antecessor,
pode envolver parte das classes médias. Estas, a despeito dos êxitos econômicos
e da publicidade desbragada do governo anterior, mantiveram certa reserva
diante de Lula. Esta reserva pode diminuir com relação ao governo atual se ele,
seja por que razão for, comportar-se de maneira distinta do governo
anterior.” Lula já havia empolgado a
nova classe média. Como ela foi rapidamente multiplicada, ao tempo em que a
antiga classe média fundada na livre empresa foi desaparecendo, parece óbvio
que Dilma

Rousseff já conquistou para o PT esse novo
largo segmento.

Por não ter clareza dessa profunda
transformação sofrida no interior da classe média, que de inimiga do Estado
grande passou a ser seu esteio político, FHC errou no seu diagnóstico. Nas suas
palavras: “É preciso, portanto, refazer caminhos, a começar pelo reconhecimento
da derrota: uma oposição que perde três disputas presidenciais não pode se
acomodar com a falta de autocrítica e insistir em escusas que jogam a
responsabilidade pelos fracassos no terreno ‘do outro’. Não estou, portanto,
utilizando o que disse acima para justificar certa perplexidade das oposições,
mas para situar melhor o campo no qual se devem mover.”

FHC esquece que não é possível fazer oposição
sem sair do campo ideológico da esquerda. O que sobrou da antiga classe média é
ainda uma larga faixa da população e, mesmo no interior da nova classe média, o
teor conservador de suas convicções em matéria moral pode ser mobilizado contra
o PT, como vimos no final do primeiro turno da eleição que elegeu Dilma.
Questões como aborto, uso de entorpecentes e gaysismo não agradam a larga
parcela da população. Essas bandeiras, caras ao PT, podem ser usadas contra a
situação.

A única conclusão que FHC poderia tirar é que
é preciso o resgate imediato das bandeiras de centro-direita, com a defesa da
sociedade aberta, dos valores cristãos tradicionais e da redução do Estado. Mas
como ele faria isso, se ele próprio passou a vida inteira pregando as
mesmíssimas bandeiras do PT? FHC jamais fez sua conversão aos valores
tradicionais e ainda outro dia defendeu abertamente a liberação da maconha,
tema que horroriza os conservadores. O discurso de esquerda “light” de FHC não
tem como empolgar o eleitorado, nem de direita e nem de esquerda, porque para a
direita não convence e para a esquerda não é suficientemente confiável.

Sua conclusão é correta: “As vozes dos setores
mais vigorosos da oposição se estiolaram, entretanto, nos muros do Congresso e
este perdeu força política e capacidade de ressonância. Os partidos se
transformaram em clubes congressuais, abandonando as ruas; muitos parlamentares
trocaram o exercício do poder no Congresso por um prato de lentilhas: a cada
nova negociação para assegurar a “governabilidade”, mais vantagens recebem os
congressistas e menos força político-transformadora tem o Congresso.” FHC,
todavia, não apontou os motivos desse estiolamento das oposições: a
homogeneidade ideológica delas com a situação. Todo mundo disputa com
plataformas socialistas e distributivistas. Ninguém parece querer adotar o
enorme eleitorado de dentro-direita, que está órfão de representação. Como
ninguém discorda das políticas formuladas e da ação do governo, a disputa então
passou para ver que ocupa cargos, meramente. A fisiologia é fruto da
homogeneidade ideológica. Não há como ter grandeza num caldo de cultura dessa
natureza.

Acrescentou: “É preciso que as oposições se
deem conta de que existe um público distinto do que se prende ao jogo político
tradicional e ao que é mais atingido pelos mecanismos governamentais de difusão
televisiva e midiática em geral. As oposições se baseiam em partidos não
propriamente mobilizadores de massas. A definição de qual é o outro público a
ser alcançado pelas oposições e como fazer para chegar até ele e ampliar a
audiência crítica é fundamental.” Infelizmente FHC não parece ter consciência
de que a única maneira de chegar nesse “público distinto” é falando sua
linguagem e respondendo a seus anseios, ou seja, propondo uma plataforma
conservadora, de direita. É o único caminho para tirar o PT da Presidência da
República.

FHC não poderia chegar a uma conclusão mais
melancólica: “Enquanto o PSDB e seus aliados persistirem em disputar com o PT
influência sobre os ‘movimentos sociais’ ou o ‘povão’, isto é, sobre as massas
carentes e pouco informadas, falarão sozinhos. Isto porque o governo
‘aparelhou’, cooptou com benesses e recursos as principais centrais sindicais e
os movimentos organizados da sociedade civil e dispõe de mecanismos de
concessão de benesses às massas carentes mais eficazes do que a palavra dos
oposicionistas, além da influência que exerce na mídia com as verbas
publicitárias”. Conclusão melancólica e equivocada. Ele deveria predicar para
uma conversão à direita, inclusive do PSDB, a fim de marcar posição e se
distanciar do PT, até porque as tendências internacionais mostram que esse é,
de fato o caminho do poder, o caminho de se fazer alternativa ao eleitorado. Do
jeito que a coisa está, pela inação e cegueira das oposições, tão bem ilustrado
pela pessoa de FHC, o que teremos é o aprofundamento do jeito petista de
governar. Uma crise internacional grave pode levar a uma tentação autoritária
que é visível no meio da elite petista. Esse é o destino trágico que nos espera
se as oposições não fizerem a sua parte, isto é, não se apresentarem como
alternativa ideológica consistente ao eleitorado, contra o PT e tudo que ele
representa.

* José Nivaldo Cordeiro, Executivo, nascido no
Ceará. Reside atualmente em São Paulo. Declaradamente liberal, é um respeitado
crítico das idéias coletivistas. É um dos mais relevantes articulistas
nacionais do momento, escrevendo artigos diários para diversos jornais e sites
nacionais. É Diretor da ANL – Associação Nacional de Livrarias.

Como citar e referenciar este artigo:
, Nivaldo Cordeiro. FHC e as oposições. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/politica/fhc-e-as-oposicoes/ Acesso em: 29 mar. 2024