Política

A presidente e o vice-presidente

Não
votei em Dilma, mas me impressiono positivamente neste início de governo pelas
linhas que a presidente parece impor para “arrumar a casa”

Tem-me
surpreendido a presidente Dilma, em seu início de governo. Nela não votei e,
quando lutamos contra o regime de exceção, com armas diferentes -acredito
sempre mais na arma da palavra-, não estava convencido de que a então guerrilha
pretendesse derrubar o governo para instalar uma democracia. Não creio, hoje,
que aqueles 20 anos de governo militar foram apenas “anos de chumbo”.

Apesar
de não ser, à época, o país uma democracia -contra o que nós, conselheiros da
OAB, lutamos-, o Brasil evoluiu economicamente. O Supremo Tribunal Federal
(STF), então constituído de notáveis juristas, nunca se curvou ao Poder
Executivo, e este nunca pressionou o pretório excelso.

Como
advogado, sempre senti na máxima corte tal independência, que só a enaltece
perante a história.

É
bem verdade que a então guerrilheira é agora presidente da República. O que,
todavia, me impressiona positivamente são as linhas que parece estar impondo
para “arrumar a casa”, que ficou desorganizada por conta do período
eleitoral.

No
que diz respeito à política de juros, age corretamente para reduzir o
aquecimento do consumo; na política tributária, pretende fazer reforma
segmentada, tendo como primeira sinalização a redução da tributação sobre a
folha de salários.

Quanto
ao salário mínimo, resolveu pagar o ônus da sensatez contra as reivindicações
sindicais e manteve o valor de R$ 545.

Na
política externa, fez com que o Brasil deixasse de acariciar ditadores e de
servir como seu interlocutor nos organismos internacionais, para seguir o
decidido pelo concerto das nações; na política cambial, enfrenta o
“dumping” dos países desenvolvidos ou da China com coragem, e
pretende cortar as despesas de custeio de máquina burocrática esclerosada e
adiposa.

Por
fim, tem um perfil de respeito ao cargo que ocupa, apenas se expondo, quando
necessário, em suas manifestações. Como mulher culta, sabe que a dignidade da
função exige postura condizente.

Não
a conheço pessoalmente, mas minha mulher e eu passamos a respeitá-la mais como
presidente do que como candidata.

Por
outro lado, seu vice -meu amigo e colega de reflexões acadêmicas- é um dos mais
qualificados constitucionalistas do país, sendo assim respeitado nos meios
jurídicos. A reforma política que defende é aquela que o país necessita.

Devem
ser eleitos para as Casas parlamentares os mais votados pelo povo e não os
dependentes de candidatos chamarizes. A meu ver, os partidos sairiam
fortalecidos com a fórmula de Michel Temer, pois deixariam de buscar pessoas
famosas para enfileirar candidatos inviáveis, e passariam a buscar para seus
quadros pessoas com vocação política e prestígio real.

Por
outro lado, concentrar todas as eleições num ano, impedindo quase meio ano de
semiparalisação para cada pleito, é muito melhor.

Por
fim, as indicações técnicas até agora feitas pela presidente para o Banco
Central, para a Receita Federal, para o STF e para outras áreas conformam o
perfil de burocracia profissionalizada que de há muito o país precisava.

Uma
última palavra sobre o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, respeitável
professor de direito administrativo da PUC de São Paulo, a quem também admiro
como colega de magistério e pelo seu perfil ético, que me parece estar
desenvolvendo um sério trabalho na estruturação jurídica do governo.

Não
votei na presidente e continuarei a acompanhar seu desempenho, como todos os
cidadãos deste país, a quem ela e os demais agentes públicos devem se dedicar e
servir. Mas não posso deixar de reconhecer a agradável surpresa que constitui
seu início de mandato.

IVES
GANDRA DA SILVA MARTINS, 75, advogado, professor emérito da Universidade
Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior
de Guerra, é presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio.

Como citar e referenciar este artigo:
MARTINS, Ives Gandra da Silva. A presidente e o vice-presidente. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/politica/a-presidente-e-o-vice-presidente/ Acesso em: 29 mar. 2024