Política

A síndrome da mulher de Lot


17/12/2010

“Quem há de chorar por
essa mulher?

Não é insignificante
demais para que a lamentem?

E, no entanto, meu
coração nunca esquecerá

quem deu a própria vida
por um único olhar”.

Anna Akhmátova

As
forças que de fato estão na oposição no Brasil, os liberais e conservadores,
estão em sua maior parte fora dos partidos políticos oficiais. Estão dispersas
e são minoritárias porque não estão unidas. Elas é que representam a alma
coletiva brasileira, apegada que é aos valores tradicionais e à ética
liberal-conservadora. A revolução gramsciana em cinqüenta anos conseguiu
distorcer a burocracia estatal e os partidos políticos, de tal sorte que a
chamada direita foi expulsa do debate político e da representação.

Um
enigma está colocado para os cientistas políticos: como interpretar o elenco de
forças que controla o Parlamento e os poderes executivos nas diferentes esferas
de governo? Eu tenho me empenhado para mostrar que a teoria deVoegelin sobre o
movimento revolucionário pode perfeitamente bem se aplicada ao Brasil. Voegelin
mostrou que as forças reviolucionárias normalmente são compostas por dois
pólos. De um lado, os jacobinos, que puxam o processo e mais das vezes
triunfam. Na esteira da sua vitória vem o caos, porque a mente revolucionárias
não tem como se adequar ao real. Foi assim na Revolução Francesa, na Russa e em
toda parte. Então surge o outro pólo, “conservador”, que põe ordem ao caos se,
todavia, perder a sua condição de membro da revolução.

No
Brasil os jacobinos estão no PT e nas tendências à esquerda do PT, que clamam
pela imediata implantação do “verdadeiro” socialismo. Essas forças auxiliares
são o PSOL, o PCdoB e assemelhados. Têm a urgência dos jacobinos e a
radicalidade dos puros revolucionários. O pólo conservador está concentrado no
PSDB e no PMDB, as instâncias que, nascidas da mesma mente revolucionária, não
perderam de todo de princípio de realidade e funcionam como freio para que a
esquizofrenia jacobina não jogue o país no caos e na guerra civil.

É da
mais absoluta importância compreender a dialética estabelecida entre os dois
grupos políticos para que o opositores dispersos saibam o que estão
fazendo.Apoia José Serra na recente eleição presidencial era a única opção
racional, mesmo que saibamos que ele mesmo nasceu do movimento revolucionários
e que, em algumas teses, está à esquerda de Lula. Da mesma forma, foi essencial
que houvesse segundo turno, sob pena dos jacobinos sentirem-se fortalecidos
para o salto final da sua aventura revolucionária.

Eleger
Geraldo Alckmin em São Paulo teve a mesma importância. Na verdade, os
opositores precisam fazer movimentos defensivos para não deixar o Brasil
mergulhar no caos, mas sem ter ilusão de que a ala social-democrata seja alguma
forma de redenção. Não é. Ela é apenas um freio para que alguma forma de ordem
prevaleça e a vida prática não seja inviabilizada pelas tolices políticas
tornadas força de lei.

Aqueles
conservadores que olham o passado revolucionário de gente como Fernando Henrique
Cardoso, José Serra e quejando e apontam o dedo dizendo que são iguais ao PT
estão desesperadamente errados, porque sofrem o que chamo de “síndrome da
mulher de Lot”, só olham para o tempo passado. É preciso agir politicamente
olhando para frente. Como nos conta o Gênesis, a mulher de Lot foi petrificada
em uma estátua de sal por olhar para trás, contrariando ordens expressas de
Deus. O que importa é o devir.

Objetivamente
o PT e o PSDB diferem grandemente, dentro das suas semelhanças. O PSDB não tem
o ímpeto mudancista e contrário ao direito natural como tem o PT. Basta ver os
temas salientados na última campanha eleitoral, como o da liberdade de
imprensa, do aborto, das relações internacionais. O equilíbrio político que
emergiu das eleições não permitirá o PT avançar na agenda transformadora. Não
tem maioria no Senado e não tem os governos dos principais estados federados,
como Minas Gerais e São Paulo.

Esse
equilíbrio permitirá que as verdadeiras forças de oposição tenham tempo para se
organizar e produzir a ciência política necessária para se tornar uma
verdadeira alternativa de poder. Sem esse equilibro entre os pólos opostos do
movimento revolucionário o Brasil poderia facilmente cair no caos de triste
memória, em todos os lugares em que os jacobinos não tiveram um freio para suas
alucinações políticas. Melhor que seja assim.

* José
Nivaldo Cordeiro, Executivo, nascido no Ceará. Reside atualmente em São Paulo.
Declaradamente liberal, é um respeitado crítico das idéias coletivistas. É um
dos mais relevantes articulistas nacionais do momento, escrevendo artigos diários
para diversos jornais e sites nacionais. É Diretor da ANL – Associação Nacional
de Livrarias. http://www.nivaldocordeiro.net/

Como citar e referenciar este artigo:
, Nivaldo Cordeiro. A síndrome da mulher de Lot. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/politica/a-sindrome-da-mulher-de-lot/ Acesso em: 28 mar. 2024