Política

Mais de um jornal é desperdício de papel

 

Um dos traços essenciais de todo e qualquer regime democrático é o pluralismo -pluralismo de partidos políticos, pluralismo de manifestações livres de opinião, pluralismo de credos religiosos – como o proposto por John Locke em seu Tratado Sobre A Tolerância (1689) – pluralismo de institutos de pesquisa de opinião publica, pluralismo de jornais, revistas, emissoras de rádio e TV, etc.

 

Essa não era certamente a posição de Big Brother, o tirano pan-controlador da magnífica distopia 1984 de George Orwell, assim como essa não foi a posição de Adolf Hitler cujo lema era “um só povo, um só partido, um só Führer”. E seu ministro da propaganda, Goebbels, quando indagado sobre o que era o nazismo, respondeu na paleta: “O nazismo é a vontade do Führer.” Muy democrático.

 

Leni Riefenstahl, cineasta oficial do Partido, deu sua versão cinematográfica em O Triunfo da Vontade que começa mostrando o avião do Führer descendo das nuvens em Nurenberg, para o famoso super-showmício embalado por A Cavalgada das Valquírias de Wagner. Refiro-me a Richard, não a Jacques Wagner (PT), Governador reeleito da Bahia.

 

Como até o Lula sabe, a finada União Soviética tinha um só partido, o PCUS, um só líder: o Czar comunista e um só jornal: Pravda (em russo, língua que não tem artigos definidos: A Verdade).

 

E na estrebuchante Cuba de El Coma Andante, como já era de se esperar, há um só líder, um só partido e um só jornal: o Granma (quer dizer: “Vovó”, forma afetiva de grandmother (avó), nome da embarcação que transportou para a ilha Fidel e os seus, asseclas para fazer a revolução cubana. Que viva Fidel! Que vivan los barbudos!

 

Não que o grande líder da Pérola do Caribe seja contra a liberdade de imprensa, mas sim porque é um homem voltado para a máxima eficiência econômica. Como ele próprio afirmou: “Mais de um jornal é desperdício de papel” [e nos últimos tempos até papel higiênico anda em falta na ilha], assim como mais de um partido político só serve mesmo para tumultuar o esplendoroso regime politicoeconômico.

 

Aqui, na Terra dos Papagaios, cada vez sinto mais saudade de D.Pedro II, que não era um soberano absolutista, como pensam os néscios e os apedeutas, porém exercia o papel de Poder Moderador num regime parlamentarista cuja liberdade de imprensa contrastava fortemente com a “ditadura republicana” [a expressão é de A. Comte] de Deodoro e com o Estado Novo de Vargas.

 

Todavia, a Era Vargas ainda não terminou… Com a ascensão do PT ao “puder” a tentação totalitária foi pouco a pouco mostrando suas garras. Primeiramente, com a tentativa de Lula de criar um “conselho nacional de jornalismo”, tentativa esta fracassada pela mobilização da mídia e da opinião pública esclarecida.

 

Finalmente, ao apagar das luzes de seu segundo governo, surgiu o PNDH3, que mais parece uma fórmula química de um cientista louco, mas não é. Leia-se: Plano Nacional dos Direitos Humanos 3, uma mini-Constituição que, entre outras aberrações morais e políticas, tentava  ressuscitar o natimorto controle estatal da mídia.

 

Novamente, houve uma mobilização global da opinião pública com protestos até das Forças Armadas que, até então, desde 1985, tinham mantido uma neutralidade exemplar e digna de nota.

 

Quando pensávamos que qualquer tentativa de amordaçar a mídia tinha sido, assim como algumas medidas intempestivas, postergada matreiramente para após o segundo turno, o Ceará dos Gomes, Ciro e Cid,  pôs suas manguinhas de fora…

 

“O Ceará foi o primeiro a tomar a iniciativa. Na terça-feira [20/10/2010], a Assembléia Legislativa do Estado aprovou a criação de um conselho, vinculado à Casa Civil, com a função de ‘orientar’, ‘fiscalizar’, ‘monitorar’ e ‘produzir relatórios’ sobre a atividade dos meios de comunicação, em suas diversas modalidades”. (Folha de São Paulo, 25/10/2010). Unglaublich, mein Führer! Inacreditável! Simplesmente inacreditável.

 

E tem mais: os Estados da Bahia, Alagoas e Piauí estão estudando medida do mesmo teor! Isto é o stalinismo jerimum-com-carne-de-sol correndo o sério risco dessa onda totalitária se tornar num tsunami e inundar todo o País!

 

“O governo de Alagoas estuda transformar um conselho consultivo – existente desde 2001 e pouco operante – em deliberativo, com poder de decisão semelhante ao do Ceará. A modificação foi proposta pelo conselho atual e será examinada pela Casa Civil e pela Procuradoria-Geral do Estado”. (Folha, 25/10/2010).

 

De acordo com o presidente do Conselho, Marcos Guimarães, “não podemos cruzar os braços. Nem tudo que vai ao ar é agradável à sociedade alagoana”.(Folha, 25/10/ 2010). E indagamos nós: desde quando a mídia tem que ser agradável a gregos ou troianos ou soteropolitanos?!

 

A função da mídia é investigar e informar, exercer seu senso crítico “duela a quién duela”. Os que se sentirem injuriados, caluniados e/ou difamados que recorram à Justiça, para isto temos Poder Judiciário e leis de imprensa. Censura, não! Nem prévia nem posterior!

 

Mas prossegue o presidente: “Se um programa agride o cidadão, o conselho recomenda à empresa que o modifique, mas ela não tem a obrigação de acatar a sugestão, porque ele é somente consultivo. Quando for deliberativo poderá tomar decisões efetivas, respeitando a legislação das concessões”. (Folha, 25/10/2010).

 

Isto é uma maneira eufemística de dizer: “Ou você diz o que o Poder Executivo quer ou cassamos sua concessão!” Uma fala em tom ameaçador bem apropriada a um soviet controlador da mídia. Take care, Big Brother is watching!

 

Na Bahia, “o secretário de Comunicação, Robinson Almeida, negou que haja intenção do governo do Estado de cercear a imprensa” (Folha, 25/10/2010). Vamos fazer de conta que a intenção não seja a de impedi-la de fazer qualquer denúncia, principalmente envolvendo o PT, que sua função precípua seja “orientar, fiscalizar e monitorar”, como propôs a Assembléia Legislativa do Ceará dos Gomes.

 

Supondo que seja, se escapa do autoritarismo e do sectarismo petista, não escapa do paternalismo. Mas os profissionais da mídia estão bastante crescidinhos para que apareçam tutores ou conselheiros lhes dizendo o que devem e o que não devem fazer.

 

Isto me lembra aquele caso assombroso de um restaurante mineiro que cobrava uma multa dos clientes que deixassem comida no prato. E o que é pior: eles pagavam, não reclamavam e ainda voltavam! Viam a coisa como medida educativa!

 

Nada como ser paternalista em relação a um povo que deseja ardentemente ser paternalizado! Foi por isto mesmo que a magnífica social democracia européia prometeu cuidar dos seus cidadãos from womb to tomb (do útero ao túmulo) e está dando no que está dando nas ruas de Paris.

 

Pobre Sarkozy, que se recusou a ser um papai bonzinho de um povo desejoso de trabalhar por menos tempo ganhando o mesmo de aposentadoria! E por acaso a CUT não tem insistentemente proposto 40 h de trabalho sem diminuição de salário?

 

 

* Mário Antônio de Lacerda Guerreiro, Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Ex-Pesquisador do CNPq. Ex-Membro do ILTC [Instituto de Lógica, Filosofia e Teoria da Ciência], da SBEC [Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos]. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Autor de Problemas de Filosofia da Linguagem (EDUFF, Niterói, 1985); O Dizível e O Indizível (Papirus, Campinas, 1989); Ética Mínima Para Homens Práticos (Instituto Liberal, Rio de Janeiro, 1995). O Problema da Ficção na Filosofia Analítica (Editora UEL, Londrina, 1999). Ceticismo ou Senso Comum? (EDIPUCRS, Porto Alegre, 1999). Deus Existe? Uma Investigação Filosófica. (Editora UEL, Londrina, 2000) . Liberdade ou Igualdade? ( EDIPUCRS, Porto Alegre, 2002). Co-autor de Significado, Verdade e Ação (EDUF, Niterói, 1985); Paradigmas Filosóficos da Atualidade (Papirus, Campinas, 1989); O Século XX: O Nascimento da Ciência Contemporânea (Ed. CLE-UNICAMP, 1994); Saber, Verdade e Impasse (Nau, Rio de Janeiro, 1995; A Filosofia Analítica no Brasil (Papirus, 1995); Pré-Socráticos: A Invenção da Filosofia (Papirus, 2000) Já apresentou 71 comunicações em encontros acadêmicos e publicou 46 artigos. Atualmente tem escrito regularmente artigos para www.parlata.com.br,www.rplib.com.br , www.avozdocidadao.com.br e para www.cieep.org.br , do qual é membro do conselho editorial.

Como citar e referenciar este artigo:
GUERREIRO, Mário Antônio de Lacerda. Mais de um jornal é desperdício de papel. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/politica/mais-de-um-jornal-e-desperdicio-de-papel/ Acesso em: 28 mar. 2024