Política

O que esperar de Dilma


02/11/2010

As eleições do último domingo, que deram da Dilma Rousseff a vitória em
segundo turno, são ainda um enigma para o observador. Este enigma começa pelo
fracasso da tentativa de sagrar a candidata petista ainda no primeiro turno,
fato dado como favas contadas por muito observadores qualificados. Eu havia
percebido que um fato novo acontecia a olhos vistos e não era captado pelos
institutos de pesquisa: a onda conservadora que se elevou, descarregando votos
em José Serra e também em Marina Silva, impedindo a conclusão das eleições em
primeiro turno.

Desde então o candidato José Serra passou a ter chances reais de se
eleger, embora pequenas. Poderia ter tido sucesso se tivesse percebido o
potencial do discurso político de centro-direita. Serra quis, todavia, disputar
a mesma faixa de público da qual o PT se tornou senhor absoluto: a
centro-esquerda. Talvez o fato de o seu partido ter vencido em grandes
colégios, como Minas Gerais e São Paulo, o tenha levado a esse erro de
perspectiva. Talvez o histórico de sua própria trajetória política tolhesse a
necessidade de mudança de discurso. O fato cristalino é que ele perdeu a
oportunidade de catalisar para si o vasto contingente de eleitores que são
liberais-conservadores, que desconfiam do Estado, que estão cansados do petismo
e mesmo do esquerdismo de salão do próprio PSDB. Era o tempo de fazer a
mudança, mas o candidato não percebeu.

Atribuo isso a sua fraca campanha no segundo turno, que evitou o
confronto, que não apontou o dedo para as fraquezas de Lula e da própria Dilma,
que evitou o aprofundamento da discussão dos problemas substanciais do Brasil:
política externa, política econômica, o tamanho do Estado, a carga tributária,
a questão da representação distorcida (em prejuízo dos maiores estados), a
deficiência de infra-estrutura, o enfrentamento do problema com China (a
desindustrialização por ela provocada), o desequilíbrio insustentável da
Previdência Social. Nesse sentido, o debate na Rede Globo foi emblemático, pois
se manteve na restrita superficialidade e na ausência de confronto, formato que
apenas favorecia à candidata da situação, que tinha dianteira nas pesquisas.

Essa covardia explícita da campanha foi o maior cabo eleitoral de Dilma
Rousseff. A candidata ficou protegida de suas próprias fraquezas e
inconsistências. É imperdoável que o líder político José Serra tenha recuado de
sua ação afirmativa no momento decisivo. Certo que Dilma tinha muitos fatores
favoráveis para si, mas o apequenamento voluntário de Serra foi o fator
determinante para que a súbita elevação da onda conservadora não tivesse
vingado como vitória eleitoral. Faltou coragem; faltou lucidez; faltou ousadia;
faltou firmeza. O debate na Rede Globo foi a pá de cal que faltava para que as
forças da situação ficassem consolidadas na sua posição favorável. O
bom-mocismo de José Serra ajudou eleger Dilma Rousseff.

A vitória da Dilma Rousseff foi pela metade ou até menos. Ele teve
apenas 40% dos votos totais em segundo turno, o que mostra que a larga maioria
não lhe dá apoio. E mais: essa larga maioria está na oposição, não se sente
representada por ela. Essa maioria tem um componente agora ativista, a onda
conservadora a que me referi, e que está acontecendo aqui de forma espontânea e
muito parecida com aquela que acontece nos EUA com o Tea Party. Esse eleitorado
está sem líder, mas tem um projeto, que é retomar o poder que desde 1985 passou
às mãos das esquerdas. É possível que tenhamos novidades nos tempos que se
aproximam.

O grande vencedor dessas eleições foi o PMDB, que além de eleger o vice
de Dilma Rousseff, Michel Temer, fez a maior bancada do Senado e é, de fato, a
base de poder para dar estabilidade institucional à nova presidente. Mais do
que nunca o PT está nas mãos do PMDB. Este partido é o oposto do PT, que é
revolucionário. Haverá choque, pois a ala radical do petismo tentará implantar
sua agenda delirante, a começar pelo PNDH-3, claramente rejeitado pela maioria
da sociedade brasileira. Não creio que a caneta presidencial tenha meios para
dobrar os acólitos de Michel Temer. Penso que se dará o contrário, os petralhas
terão que se contentar em ser coadjuvantes do partido que tem a maioria do
Senado.

E as reformas precisam vir, até porque o cenário internacional está
mudando em grande velocidade, para pior. A guerra cambial está desestabilizando
a indústria nacional e prejudicando todas as atividades produtivas. A política
monetária insana terá que mudar, mas esta mudança exige um arrocho nos gastos
públicos, sob pena de fazer retornar a inflação. Dilma terá que ser a autora de
projetos de lei que descontentarão sua base social. A gastança da Era Lula não
poderá se repetida.

Enfim, vejo que o poder dela será mais fraco do que o exercido por Lula.
Este tem também a seu favor o carisma e o longo treino negocial e de relações
públicas que desenvolveu ao longo de toda sua vida. Dilma nunca passou de
militante revolucionária e de burocrata de viés autocrático. A Presidência da
República não suporta gente com esse perfil. Ela terá que aprender rápido, sob
pena de se fazer inimiga da opinião pública e de grupos políticos poderosos.
Autoritarismo e hesitação são a receita para a destruição da popularidade.

Viveremos uma era de conflitos. Mas é bom que seja assim. Uma presidente
enfraquecida é tudo que precisamos para um novo ordenamento das forças
políticas nacionais. Está na hora de a direita política voltar a ocupar um
lugar de destaque no cenário político nacional.

* José Nivaldo Cordeiro, Executivo, nascido no Ceará. Reside atualmente
em São Paulo. Declaradamente liberal, é um respeitado crítico das idéias
coletivistas. É um dos mais relevantes articulistas nacionais do momento,
escrevendo artigos diários para diversos jornais e sites nacionais. É Diretor
da ANL – Associação Nacional de Livrarias.

Como citar e referenciar este artigo:
CORDEIRO, José Nivaldo. O que esperar de Dilma. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/politica/o-que-esperar-de-dilma/ Acesso em: 18 abr. 2024