Política

Políticas Públicas sob a ótica do Novo Gestor: O Public Policy-Cycle de Howlett e Ramesh como estratégia para ação do Estado

Políticas Públicas sob a ótica do Novo Gestor: O Public Policy-Cycle de Howlett e Ramesh como estratégia para ação do Estado[1]

 

Leonardo Silva Reis[2]

 

Resumo: o objetivo do presente estudo é difundir os elementos essenciais da public policy-making a partir da contribuição teórica de Michael Howlett e M. Ramesh; para isso será utilizado como referência-base o livro Studying public policy: policy cycles and policy subsystems (Oxford University Press, 2003). Busca-se compreender a lógica da resolução aplicada de problemas e despertar o senso crítico para as possibilidades e desafios da matéria. O estudo terá início com a produção de uma definição própria de política pública, gerada a partir dos estudos e formulações de outros autores. Avançando, estudar-se-á a proposta de política dividida em ciclos e aquele que guiará nosso curso. Na formulação da política, serão conceituadas subetapas e realçados elementos como a montagem da agenda e sua forma, o subsistema político e estilos da formulação de alternativas (políticas) e o aspecto geral da tomada de decisão. Na implementação, ver-se-á a conceituação e o centro da análise será a relação entre as restrições do Estado e a extensão do alvo da política. Na fase de avaliação, acompanhando o conceito, serão realçados os tipos de avaliação e os estilos básicos. Para enriquecer o entendimento, serão avivados os principais atores, instituições e instrumentos envolvidos ao longo do processo. O processo de política pública brasileiro será caracterizado através da rememoração de fatos e práticas institucionalizadas.

 

Palavras-chave: Política pública. Formulação. Implementação. Avaliação. Resolução aplicada de problemas.

 


1.                   Introdução

 

O campo da política pública é argentário em definições para a expressão. Um dos pioneiros da difusão do estudo, Thomas Dye, brinda-nos com um entendimento sucinto, mas precioso, de que política pública é “tudo o que um governo decide fazer ou não fazer” (DYE, 1984). Dye afirma, nesta simples frase, que política pública só existe como ação de Estado que opta, conscientemente, por se posicionar positiva – agir de modo a influenciá-lo – ou negativamente – optar pela inação, laissez être – em relação a ele. O problema dessa definição é que o autor reduz a public policy-making, essencialmente, a um jogo de escolhas.

 

Ainda de maneira simples, mas já conferindo ao poder público uma característica pró-ativa e reconhecendo sua relação com outros atores, podemos afirmar que política pública é a forma como “o Estado intervém na sociedade e em suas instituições de forma a preservá-la ou transformá-la ativamente” (REIS, 2010, p.6).

 

Jenkins, apud Howlett e Ramesh (2003, p.6), estende-se definindo a política pública como “um conjunto de decisões inter-relacionadas, tomadas por um ator ou grupo de atores políticos, que se refere à seleção de objetivos e dos meios necessários para alcançá-los, numa situação especificada em que o alvo dessas decisões estaria […] ao alcance efetivo desses atores”. Jenkins entende a public policy-making como um processo que envolve uma série de decisões políticas e técnicas – ainda que inconscientes – e que essas decisões levam em conta a capacidade material ou informacional do Estado. O autor introduz, ainda, a ideia de avaliação de resultados.

 

James Anderson, ao afirmar que política pública é “um curso de ação intencional perseguido por um ator ou conjunto de atores, quando tratam de um problema ou matéria de interesse” (apud HOWLETT e RAMESH, 2003, p.7), acrescenta um novo elemento: a percepção, real ou não, de uma questão que merece atenção e posicionamento.

 

Pode-se entender, então, que política pública é um processo no qual o Estado, de forma isolada ou coletiva, toma uma série de decisões inter-relacionadas com relação a uma matéria de interesse, desde o reconhecimento dessa matéria até a avaliação dos resultados advindos de sua atuação, passando pelo prévio diagnóstico de suas capacidades.

 

2.                  Ciclos da política

 

O cientista político estadunidense Harold Lasswell buscou tornar didático o complexo processo de public policy-making e foi pioneiro ao simplificá-lo, dividindo em estágios, na forma de um ciclo. O ciclo proposto por Lasswell (apud HOWLETT e RAMESH, 2003, p.12) apresenta sete estágios: (1) informação, (2) promoção, (3) prescrição, (4) invocação, (5) aplicação, (6) término e (7) avaliação.

 

Howlett e Ramesh (2003, p. 12) apontam como fragilidades dessa proposta – que o próprio Lasswell definia como mais ideal que real: pouco leva em consideração as influências externas sobre o Estado, presume um número reduzido de personagens envolvidas (especialmente burocratas) e deixa para o final a avaliação da política.

 

Gary Brewer (apud HOWLETT e RAMESH, 2003, p.12), inspirado pelo modelo de Lasswell, decompôs a public policy-making em seis etapas: (1) invenção, (2) estimativa, (3) seleção, (4) implementação, (5) avaliação e (6) término.

 

Este autor introduziu a noção de política pública como um ciclo contínuo, sem necessariamente ter um período de vida definido. Howlett e Ramesh (2003, p.13) vão adiante e acrescentam que “ele expandiu o processo da política pública para além dos domínios do governo […] e clarificou a terminologia usada para descrever os vários estágios do processo”.

 

Condensando ainda mais as etapas, mas sem confundi-las, Howlett e Ramesh propõem um novo modelo, que relacionam com a chamada resolução aplicada de problemas (fig. 1):

 

 

 

 

Fonte: Adaptado de HOWLETT e RAMESH (2003)

Segundo os autores, a public policy-making se divide em cinco etapas: (1) montagem da agenda, (2) formulação da política, (3) tomada de decisão, (4) implementação e (5) avaliação. É sobre este modelo que se desenvolverá o presente estudo.

 

3.                  Processo de policy-making

 

No processo de produção da política, tem-se a percepção de um problema pelo Estado e o início de uma reação, com a formulação de alternativas de ações e a tomada de decisão. Teoricamente é um dos campos mais fragmentados e controversos de se estudar, mas decisivo para que se empreenda uma ação positiva.

 

3.1. Montagem da Agenda

           

O primeiro estágio da criação ou produção da política pública é a montagem da agenda, que foi assim definido por John Kingdon:

 

A agenda, como a imagino, é a lista das questões ou problemas que recebem dos funcionários do governo e das pessoas de fora que estão próximas a estes funcionários alguma atenção séria em algum momento dado. Do conjunto de todas as questões ou problemas concebíveis, aos quais os funcionários poderiam estar prestando atenção, na realidade eles dão atenção séria apenas a alguns, mas não a outros. Assim, o processo de montagem da agenda limita este conjunto de questões concebíveis ao conjunto que de fato se torna foco de atenção. (KINGDON apud HOWLETT e RAMESH, 2003, p.120)

 

A montagem da agenda é o processo sociológico através do qual o Estado reage a uma matéria de interesse, espontaneamente ou por pressão da sociedade, do mercado ou de outros setores ou níveis do próprio Estado.

 

Cobb e Elder ousaram ao diferenciar a agenda sistêmica da agenda institucional. Na primeira, todos os pleitos públicos são merecedores de atenção, ao passo que, para entrar na segunda, dependem do reconhecimento do Estado.

 

Para que a matéria seja aceita nesse patamar sistêmico-institucional, argumentam Cobb e Elder, é preciso que ela seja apresentada, soluções sejam especificadas e forme-se uma coalizão política que a sustente, a patrocine. Importa, também, segundo Kingdon, que haja uma janela política aberta.

 

Sobre essas janelas, basicamente duas importam à nossa consideração: a janela da matéria, que “se abre porque um novo problema capta a atenção dos funcionários do governo e daqueles que estão próximos a eles” (HOWLETT e RAMESH, 2003, p.137); e a janela política, que “se abre por conta de mudança no fluxo político” (HOWLETT e RAMESH, 2003, p.137), ou seja, pela alteração da ideologia predominante no mandato político, pela reorganização das forças dentro do governo e no Poder Legislativo, enfim, algo que importe a alteração substancial do cenário estatal.

 

Ainda assim, a montagem da agenda não ocorre de forma automática ou natural. Segundo Baumgartner e Jones, em muitos subsistemas ocorre a capacidade de se criarem “monopólios políticos em que subsistemas específicos desenvolvem habilidade para controlar a interpretação de um problema e a maneira em que ele é concebido e discutido” (HOWLETT e RAMESH, 2003, p.139) e “é essa capacidade que determina […] se o pareamento dos problemas e soluções encontrado na montagem da agenda e nos estágios subsequentes da formulação […] resultarão na consideração da issue num paradigma político existente ou em abordagens mais novas ao assunto” (HAIDER-MARKEL e JOSLYN; JEON e HAIDER-MARKER apud HOWLETT e RAMESH, 2003, p.141).

 

Por fim, é necessário que haja vontade política do Estado, já que ele, como vimos, é quem sustenta todo o processo. Esse detalhe é capaz de viabilizar ou paralisar a construção da política.

 

3.2. Formulação das propostas de política

 

A formulação de propostas para uma política é a proposição de reações aceitáveis e possíveis à matéria de interesse que conseguiu espaço na agenda institucional. Para Howlett e Ramesh, “este processo de definição, consideração e aceitação ou rejeição de opções é a substância do segundo estágio no ciclo da política pública” (HOWLETT e RAMESH, 2003, p.143).

 

Nesse processo há de se ter, em primeiro plano, a exata noção do limite das capacidades procedimentais e políticas de ação do Estado. A restrição de recursos ou os entraves da lei são tão preponderantes quanto a falta de apoio político para que uma alternativa desça à gaveta.

 

Em mais esta etapa, a estrutura do subsistema político afeta a capacidade do Estado em desenvolver determinados tipos de ações às demandas que surgem. Essa estrutura é determinada basicamente pela capacidade do subsistema em abrigar novos atores como co-partícipes do processo e/ou absorver novas ideias de velhos e novos atores; de acordo com essa capacidade, temos o enquadramento do subsistema em uma das definições expostas na ilustração abaixo:

 

 

Howlett e Ramesh consideram, sobre a configuração do subsistema político, que:

 

A existência de subsistemas abertos […] é necessária para o surgimento de opções pertinentes aos objetivos políticos no estágio da formulação de políticas. Se um subsistema estiver aberto apenas para atores e não para ideias, ou vice-versa, é provável que as opções que surgem se refiram apenas a alterações nas especificações programáticas ou nos tipos de instrumentos. No de subsistemas fechados – uma situação muito comum […] – as opções tenderão a se restringir à calibração dos instrumentos políticos existentes. (2003, p.157)

 

Em um subsistema aberto (a novos atores e novas ideias), a tendência clara é de se inovar (ou renovar, conforme o caso) toda a concepção da política e, consequentemente, os resultados de sua interação com a sociedade. Em subsistema fechado, por sua vez, a política permanece inalterada, apenas seus meios podem sofrer alguma variação. E entre esses dois extremos, no caso de subsistemas parcialmente abertos, teremos a mutação desde a concepção da política até sua aplicação. E é isso o que tratamos de representar a seguir:

 

 

Da mesma forma que cada profissional tem um feitio mais ou menos próprio de encarar desafios e superá-los, o Estado também tem, de acordo com o governo de plantão e toda uma composição de fatores (ideologia, perfil dos gestores, sustentação política). Compreender essa temática é “de vital importância […] para se compreender a dinâmica da formulação de política nessa área” (HOWLETT e RAMESH, 2003, p.158).

 

3.3.            Tomada de decisão

 

O estágio da tomada de decisão é, segundo Gary Brewer e Peter DeLeon:

 

a escolha entre alternativas de política que foram geradas e seus prováveis efeitos sobre o problema em apreço. É o estágio mais evidentemente político, na medida em que as muitas soluções potenciais para um certo problema devem ser de algum modo reduzidas a apenas um ou umas poucas selecionadas e preparadas para uso. Obviamente, em sua maior parte, as escolhas possíveis não serão todas realizadas e a decisão de não tomar determinados cursos de ação é parte da seleção como o é a definição final do melhor curso. (apud HOWLETT e RAMESH, 2003, p.162)

 

Tem-se, portanto, de forma simples, que a tomada de decisão é o exercício eminentemente político – porque produzirá benefícios para uns e custos para outros – de fazer escolhas, de definir um curso de ação. Nessa etapa, a quantidade de alternativas estará bastante reduzida em relação ao início da formulação, o que não significa que facilitará ou simplificará a escolha.

 

Por se tratar de etapa política, seria inglória qualquer tentativa de buscar predizer um caminho, apontar uma receita. Seria simplificar demais algo que sofre a influência de elementos tão poderosos e até mesmo imprevisíveis, a partir do subsistema político no qual operam os tomadores de decisão (em geral mandatários executivos e altas autoridades nomeadas) e das restrições que se encontrarão. Por isso, John Forester (apud HOWLETT e RAMESH, 2003, p.183), categórico, afirma que a racionalidade das decisões dos gestores e dos políticos “depende da situação em que eles trabalham”; e continua:

 

Pressionados por recomendações rápidas, eles não podem iniciar longos estudos. Diante de rivalidades organizacionais, competição e lutas por espaço, eles podem, com justiça, ser menos que cândidos sobre seus planos. O razoável a se fazer depende do contexto em que se está, não menos na vida ordinária do que na administração pública.

 

Simon, um dos founding fathers da ciência, por sua vez, introduz a ideia de que os policy makers têm sua racionalidade limitada, fruto de imperfeições naturais do administrador e do próprio ambiente em que este se insere. Argumenta, entretanto, que essa racionalidade “pode ser maximizada até um ponto satisfatório pela criação de estruturas (conjunto de regras e incentivos)” (SIMON apud SOUZA, 2006, p.23).

 

4.                  Implementação

 

A implementação da política pública é o estágio do ciclo da política em que a proposta votada pelos tomadores de decisão passa a ser executada pela burocracia (modelo bottom-up) ou em que o núcleo político do Estado legitima as propostas de intervenção dos gestores (modelo top-down). Linder e Peters (apud HOWLETT e RAMESH, 2003, p.203) afirmam que a noção da implementação “só pode ser entendida de um modo significativo em termos da extensão dos atores e instituições existentes, em cujo seio os implementadores tomam suas decisões”. Secchi (2010), de forma simples e bastante objetiva, opina que está é a fase “em que a Administração Pública reveste-se de sua função precípua, a de transformar intenções políticas em ações concretas”.

 

Howlett e Ramesh destacam que, em sua maioria, “os estudos atrelam as atividades de implementação a arranjos mais permanentes e de escala mais ampla de instrumentos, ou estilos de implementação” (HOWLETT e RASMEH, 2003, p.203). A forma como o Estado lida com a execução da política pública, na percepção de estudiosos ao longo do tempo, pode ser enquadrada em estilos-padrão a partir de duas variáveis: as restrições enfrentadas pelo implementador e o público-alvo; ou, como refletem Atkinson e Nigol (apud HOWLETT e RAMESH, 2003, p.203), “o processo de implementação e seus resultados são modelados por fatores políticos relacionados à capacidade do Estado e à complexidade do subsistema”.

 

 

O Estado que tem um extenso grupo alvo e enfrenta uma variedade de limitações tende a praticar o que se chama de voluntarismo institucionalizado, combinando medidas de baixo custo (como a publicidade institucional) com a reorganização da sua estrutura, para que lide de maneira adequada com a matéria de interesse. Um típico exemplo são as campanhas do ministério da Saúde brasileiro para o uso do preservativo em época de Carnaval; precisando alertar um público extremamente elevado e pulverizado em um território extenso, recorre a anúncios publicitários veiculados na mídia e amplia estoques e distribuição gratuita de preservativos em postos de saúde e locais de grande circulação de adolescentes e adultos.

 

Quando o Estado mantém o foco em um alto público, mas enfrenta resistências menores, ocorre a dita subsidiação direcionada; passa a valer-se de instrumentos baseados no tesouro e a ampliar o reconhecimento e a participação do público interessado. Esse estilo é bastante visível em momentos de turbulência econômica, quando a atividade produtiva do país enfrenta retração em todas as áreas e o Estado, para estimular o consumo, promove a desoneração fiscal em benefício dos quatro setores da economia e das famílias.

 

Quando o alvo do Estado é estreito e suas capacidades, altas, ocorre o chamado legalismo representativo, que consiste na utilização de instrumentos substantivos compulsórios juntamente com instrumentos financeiros. Na estruturação de uma política de inclusão racial, o governo brasileiro tratou de publicar o Estatuto da Igualdade Racial – que prevê punições severas à prática do racismo – e estruturar um organismo dentro de sua própria estrutura, com pessoal e orçamento, para lidar com a situação.

 

Em ocorrência de alta capacidade e alvo de natureza cingida, o recurso comum do Estado é a provisão direta, ou seja, ferramentas substantivas de organização e ampliação ou restrição da informação e participação. O governo venezuelano, na segunda metade da década de 2000, promoveu a estatização de diversas unidades privadas de informação (a mais famosa delas, a da Radio Caracas Televisión), passando a produzir ele próprio os conteúdos jornalísticos e de entretenimento.

 

5.                  Avaliação

 

É correto entender a avaliação da política pública como a percepção dos resultados efetivos e suas relações com os resultados pretendidos, tendo como possíveis produtos: reforma ou reinício do processo de public policy-making ou até mesmo sua total interrupção. Hellstern e Chelimsky também enfatizam o aspecto eminentemente político desse estágio.

 

A dificuldade primeira de se avaliar uma política reside no fato de que “a ausência de critérios definidos de sucesso e fracasso, que sejam aplicáveis, independentemente de tempo e espaço, é um problema sério” (BOVENS e T’HART apud HOWLETT e RAMESH, 2003, p.207-8). A inexistência de um referencial substantivo, amplamente aceito pelos estudiosos, faz com que a avaliação de cada política seja um processo muito peculiar e seus resultados (da avaliação, não da política) não sejam absolutos e definitivos; sempre haverá margem para contestação.

 

É possível fazermos três tipos avaliações: administrativa, judiciária e política (de politics).

 

A avaliação administrativa tem feições práticas, ao buscar ajuizar o custo/benefício dos esforços empreendidos pelo Estado para esta ou aquela política. Ela “requer a coleta de informações precisas sobre a produção dos programas e sua compilação de forma padronizada para permitir cotejamento de custos e resultados através do tempo e entre setores políticos” (HOWLETT e RAMESH, 2003, p.210). Para isso, costuma-se usar uma das seguintes formas – que apresentam diferentes níveis de sofisticação e formalidade: (1) avaliação do esforço, (2) avaliação do desempenho, (3) avaliação da eficácia, (4) avaliação da eficiência e (5) avaliação do processo (SUCHMAN apud HOWLETT e RAMESH, 2003, p.210).

 

 

           

 

A avaliação do esforço mede a alocação de recursos oficiais em determinado programa, ou seja, o sacrifício de recursos do Estado para a consecução daquele objetivo. Os recursos devem ser mensurados em termos de pessoal, tempo, espaço, e isso tudo convertido em um índice monetário. Essa costuma ser a primeira etapa de toda a análise, embora não seja sine qua non.

 

A avaliação do desempenho identifica o que determinada política está produzindo de fato, a despeito ou não dos objetivos iniciais. É sempre importante lembrar que “toda política tem efeitos sobre os problemas estranhos aos pretendidos” (HOWLETT e RAMESH, 2003, p.213).

 

A avaliação da eficácia avança em relação ao anterior, por confrontar o produto da política com seus objetivos e, a partir daí, mensurar se ela está alcançando ou não os resultados pretendidos, previamente planejados.

 

A avaliação da eficiência levanta os custos envolvidos no processo da política e seus produtos, e determina se estes poderiam ser produzidos de forma mais econômica, ou se eles poderiam produzir benefícios mais expressivos.

 

A avaliação do processo, por sua vez, examina os métodos de organização (regras, organograma, fluxograma, funcionograma) utilizados para a execução da política. A partir daí, define sua eficiência.

 

A complexidade de cada avaliação, em nível crescente, se reflete também na dificuldade de empreendê-la. E essas dificuldades fizeram com que a avaliação administrativa racional entrasse em declínio na década de 1980, a partir da frustração de seus usuários; essa frustração está refletida no relatório anual de 1983 do auditor-geral do Canadá, que afirmava que essas avaliações ainda continuavam a:

 

[…] ser uma provável fonte de informação de pouca importância para as decisões sobre programas e políticas referentes a questões de relevância contínua e eficácia de custo. É mais provável que as avaliações forneçam informações para fins de accountability, mas que são muitas vezes parciais. A informação mais completa disponível refere-se à eficácia operacional, o modo pelo qual um programa está funcionando. (CANADÁ, apud HOWLETT e RAMESH, 2003, p.213)

 

O segundo tipo de avaliação, a judicial, prende-se ao formato legal da política. Normalmente, ela é executada por tribunais de justiça e sob demanda, ou seja, a partir da reivindicação de alguém.

 

É de se esperar que, nesse caso, a avaliação se dê sob aspectos estritamente jurídicos e que não se exprima qualquer forma de orientação sobre o conteúdo político-operacional da matéria. Em sistemas republicanos, entretanto, os juristas “estão muito mais dispostos a considerar os erros de fato como também os erros de direito em suas avaliação do comportamento administrativo” (JAFFE apud HOWLETT e RAMESH, 2003, p.214).

 

A avaliação política de uma política, por fim, se dá em bases subjetivas e pesquisas ad hoc. Na avaliação da política são levadas em conta a ideologia, a situação do avaliador no espectro político da comunidade (situação ou oposição) e as emoções do grande do público – que faz sua avaliação política, rotineiramente, nas eleições e consultas públicas.

 

Apesar das diferentes formas de se avaliar uma política, podemos, como no estágio anterior (implementação), definir o estilo básico de cada uma a partir da relação entre duas variáveis: a capacidade administrativa do Estado e a natureza das relações entre ele e a sociedade (predominância no subsistema político).

 

Em situação de predominância de um Estado que conta com alta capacidade organizacional, espera-se uma apreensão instrumental, endógena – “tentativa deliberada de ajustar os objetivos ou as técnicas da política à luz das consequências de políticas anteriores e informações novas, de forma a alcançar melhor os propósitos últimos da governança” (HALL apud HOWLETT e RAMESH, 2003, p.221). Ainda predominando o Estado, mas este sendo dono de limitada capacidade técnica, o aprendizado tende a se dar em nível intelectual menos elaborado, com avaliações simples e corriqueiras.

 

Se considerarmos que a sociedade domina o subsistema e conta com um Estado de alta capacidade, a via mais provável é de que conselhos consultivos e assembleias públicas interajam com o agente-mor da política e o influencie de forma substancial; é a dita aprendizagem social. Se, entretanto, o Estado é fraco em um cenário de dominação dos atores societais, a avaliação tende a ser mero exercício de retórica, não gerando lições para o futuro.

 

6.                  Public policy-making no Brasil

 

O processo da política pública no Brasil, a princípio, não costuma divergir dos demais Estados nacionais, por estarmos definitivamente atrelados ao sistema internacional através dos meios de comunicação, de organizações multilaterais e cooperações. Acompanhamos as tendências mundiais com uma velocidade incrível, feição típica de uma nação recente, de relativamente poucos vícios; a participação da população e a profissionalização do Estado são duas dessas tendências.

 

A percepção de matérias de interesse, a montagem da agenda, é normalmente iniciada pela mídia ou grupos de interesse com forte penetração política (como, por exemplo, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, nas questões fundiárias, e a Federação das Indústrias de São Paulo, em temas relacionados à atividade econômica e tributação). Nosso Estado, o brasileiro, tem a característica de ser reativo, ou seja, tratar de demandas externas, embora isso não seja regra, tampouco padrão absoluto.

 

A formulação da política varia conforme a ideologia de cada governo, federal ou local, e as excentricidades locais. O usual é que o Estado, representado por seus líderes políticos e especialistas (próprios ou contratados externos), reúna-se com a sociedade civil organizada em associações de classe, federações e movimentos em audiências públicas e grupos de trabalho.

 

Do ponto de vista ideológico, há partidos políticos e líderes de várias origens profissionais, com maior ou menor perfil de negociação e conciliação e predisposição para interar Estado-sociedade em rodas de discussão. Historicamente, picos de participação da população em atividades dessa natureza foram observados no momento da redemocratização do País (década de 1980) e, mais recentemente, a partir dos anos 2000, com a derrocada do centralismo do liberalismo ortodoxo.

 

Na análise sobre as peculiaridades das regiões, tem-se o curioso caso do município de Porto Alegre (RS), que assistiu à mudança de governos de ideologias e práticas opostas, mas a continuidade de políticas como o Orçamento Participativo, porque o “valor” da participação foi absorvido pela comunidade.

 

A tomada de decisão, apesar de, evidentemente, caber ao político ou ao administrador de alta função, usualmente nomeado, tende a ser negociada com os atores articulados em torno da matéria. Exemplo prático e recorrente disso são os reajustes anuais do salário-mínimo, previamente acordados entre o ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, o ministério do Trabalho, sindicatos e centrais sindicais.

 

Para se implementarem as políticas é praxe que se recorra à burocracia para as questões administrativas, mas quando são necessárias obras de engenharia civil ou planejamentos de alta complexidade, dificilmente o Estado assume a tarefa; costuma agir por meio de terceirização. Isso, vale citar, também depende da ideologia de plantão, como no caso da construção de navios e plataformas que servem à Petrobras que, até um passado recente, eram feitas pela iniciativa privada de outros países; uma realidade distinta de hoje e que acompanhou a transformação do governo e da comunidade internacional.

 

Por fim, a avaliação da política costuma ser feita por órgãos de alto gabarito a serviço do Estado, por organismos contratados e políticos. Raras vezes a sociedade tem participação considerável, a não ser quando os efeitos da política produziram implicações altamente indesejáveis neste ou em outros setores.

 

7.                   Conclusão

 

A produção de políticas públicas, ainda que suas definições e formas sejam ignoradas pelo grande público e por atores societários e estatais, é o processo consciente ou não de todo Estado que sofre com demandas sociais e eventualidades fatídicas e é provocado a confrontá-las – ainda que tome a legítima posição de permanecer inerte.

 

Com a queda, como anunciam vários líderes mundiais, de um sistema que propunha o desmonte do Estado para ceder espaço à iniciativa privada e a um mercado frouxo e desregulado, abriu-se um enorme campo para a produção científica e o exercício profissional na área de políticas públicas. Esse tipo de especialista, em alta nos mandatos atentos ao progresso da administração pública, tende a ser cada vez mais requisitado e valorizado.

 

Embora muitos busquem um modelo definitivo e perfeito, que prediga step-by-step procedimentos infalíveis e assegure sucesso da política, ele nunca surgirá. A experiência mostra que o melhor processo é aquele dinâmico, construído e reconstruído conforme a experimentação de seus aplicadores e o contexto político em que é praticado. A literatura que nos serve de base e ponto de partida, por nunca ser uma lei da ciência (infalível e imutável), consiste em um desafio à perspicácia e capacidade de articulação do novo gestor.

 

8.                  Bibliografia

 

DYE, Thomas. Understanding Public Policy. Englewood Cliffs, N.J.: Pentrice-Hall. 1984.

 

HOWLETT, Michael; RAMESH, M. Studying public policy: policy cycles and policy subsystems. Toronto: Oxford University Press, 2003. Tradução de Francisco Gabriel Heidemann.

 

REIS, Leonardo Silva. Política Pública de Controle e Transparência: Análise da Implementação do Sistema de Controle Interno no Município de Florianópolis e Estratégias para sua Efetivação. 2010. 33p. Relatório de Estágio Supervisionado I (Bacharelado em Administração Pública) – Centro de Ciências da Administração e Socioeconômicas/Escola Superior de Administração e Gerência, Fundação Universidade do Estado de Santa Catarina, 2010.

 

SECCHI, Leonardo. Politicas públicas: conceitos, esquemas de análise, casos práticos. Mimeo, 2010.

 

SOUZA, Celina. Políticas públicas: uma revisão de literatura. Revista Sociologias. Ano VIII, n. 16, jul/dez 2006. Porto Alegre: UFRGS, 2006.



[1] Artigo vencedor do III Prêmio Lice no IX Encontro Nacional dos Estudantes de Administração Pública. 1º lugar geral. Orientado pelo Prof. Francisco Gabriel Heidemann, PhD.

 

[2] Acadêmico de Administração de Serviços Públicos no Centro de Ciências da Administração e Socioeconômicas (CCA/ESAG), da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Contato: leonardo.sreis@hotmail.com.

 

Como citar e referenciar este artigo:
REIS, Leonardo Silva. Políticas Públicas sob a ótica do Novo Gestor: O Public Policy-Cycle de Howlett e Ramesh como estratégia para ação do Estado. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/politica/politicas-publicas-sob-a-otica-do-novo-gestor-o-public-policy-cycle-de-howlett-e-ramesh-como-estrategia-para-acao-do-estado/ Acesso em: 29 mar. 2024