Política

Inelegibilidades – “Ficha Limpa”

Por força do § 9º do art. 14, da Constituição Federal de 1988, estamos vivenciando duas Leis Complementares que tratam das inelegibilidades. A primeira, LC n. 64, editada em 18-5-1990, e, agora – vinte anos depois – a LC n. 135, a segunda, promulgada em 4 de junho último. Essa, também chamada de “Ficha Limpa”, alterou prazos, determinou providências para incluir novas hipóteses de inelegibilidade, tudo visando o alto propósito de proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato.

 A situação assemelha-se com a ocorrida na Itália, na década de 1980, ocasião em que a vida administrativa estava dominada pelo pagamento de propinas nos contratos públicos. No país da bota, o movimento recebeu o nome de “Mãos Limpas” e o Partido Comunista Italiano foi acusado de ter recebido mais de quatro milhões de dólares da KGB. Num universo de 6.059 investigados, 2.993 tiveram prisão imediata e a devassa em 1.978 administradores locais, além de 872 empresários e 438 parlamentares, dos quais quatro foram primeiros-ministros. Belo exemplo para o mundo, com destaque ao preponderante papel da mídia na divulgação da opinião pública pressionando pela mudança ética dos políticos.

Juristas de nomeada vaticinam que a Lei da “Ficha Limpa” será julgada inconstitucional, logo que submetida à exame na mais Alta Corte do País, porque seu texto seria incompatível com o princípio da presunção de inocência (ninguém poderá ser considerado culpado sem sentença com trânsito em julgado). Contudo, melhor seria se os juristas de plantão examinassem a LC n. 135, sob o ângulo da moralidade pública, diagnosticando as diferenças entre o cidadão que comete delito penal e o que infringe regra de natureza eleitoral. Ambos se sujeitam ao Código Penal, mas o segundo é agravado com os preceitos do Código Eleitoral, em razão do mandato de representação outorgado por toda a sociedade para praticar atos em nosso nome e pagá-los como o dinheiro de nós arrecadado. 

Ademais, no Brasil, sempre existiram regras para eleições, inclusive no tempo                                      do “mapismo”, quando os eleitores votavam perante o intendente municipal e o delegado de polícia. O problema é a estrita obediência aos cânones da lei.  Aqui, virou moda dizer que “não sabia”, quando todos já sabem pela mídia. O que precisa é o governo fazer sua parte: apurar os fatos e punir os culpados, não os deixando fugir pela porta larga da prescrição…

Notícias dão conta de que a LC n. 135 já provocou cerca de 3.400 representações no Rio de Janeiro e de 3.000 em São Paulo, dando muito trabalho à Justiça Eleitoral em todo o Brasil. Esperamos que a “Lei da Ficha Limpa” tenha no serviço público o mesmo efeito das “Mãos Limpas” na Itália, e não se torne em mais uma “Hecha la ley, hecha la trampa”.  

(*) doutor em Direito deoclecio.galimberti@unisul.br         

Como citar e referenciar este artigo:
, Deoclécio Galimberti. Inelegibilidades – “Ficha Limpa”. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/politica/inelegibilidades-ficha-limpa/ Acesso em: 25 abr. 2024