Política

Recall de políticos

 

“O beijo, amigo, é a véspera do escarro,/ A mão que afaga é a mesma que apedreja”. Versos Íntimos. Augusto dos Anjos

 

Florianópolis está acordando para os seus problemas socioambientais. O descaso com os recursos naturais e humanos tornou-se tão evidente que a legião dos indignados aumenta a cada dia.

 

Aos poucos, as pessoas começam a enxergar que meio ambiente não é somente defender a baleia franca, a araucária ou o rio Irany que será privatizado por mais uma PCH. Também é cuidar da sua água, do serviço de transporte, do esgoto que não tratam  e causa doenças…

 

E a história do estaleiro está bombando; mexendo com os corações e mentes.

 

Acho que, se a turma do Senhor X soubesse que o licenciamento passaria pelas mãos de gente séria (como os técnicos do ICMBio que disseram não ao empreendimento); e que as praias do norte da Ilha da Magia iriam se rebelar com um negócio instalado em Biguaçu, não teria comprado essa briga.

 

E isso me lembrou uma velha proposta do grande jurista Fábio Konder Comparato: o recall para políticos1. Ou seja, se o eleito – tanto do Executivo como do Legislativo – não cumpre o que prometeu, o eleitor poderá revogar seu mandato.

 

 

“Ah, Ana, meio ambiente não tem nada a ver com política!!!”.

 

Tem sim! Hoje, a maior parte das decisões é baseada nos anseios políticos (e pessoais) dos Eleitos&Amigos. Eles só trabalham em função de: “O que eu ganho com isso? Quanto eu levo??”

O exemplo mais recente é a Frente Parlamentar em Defesa da Criação do Estaleiro, criada na Assembléia Legislativa catarinense para afastar as dificuldades –  de caráter ambiental – que possam inviabilizar o negócio do estaleiro.  Esses ‘frentistas’ – através de mecanismos político-partidários – viraram deputados porque alguém – cumprindo seu dever democrático – foi às urnas e votou neles.

A formação dessa Frente se enquadra na tese do Comparato:“Hoje os partidos trabalham para exercer o poder, quando na verdade eles devem funcionar como auxiliares do povo, defendendo seus interesses”.

Agora, respondam: será que encontraremos um grupo de deputados que forme a Frente Parlamentar Contrária ao Estaleiro?

Eu acho que não (ainda mais que estamos em ano de eleição). E a turma quer dinheiro pra campanha.

Para que o ‘recall de político’ vire realidade (porque a PEC – Proposta de Emenda Constitucional – deve estar em alguma gaveta, nos porões de Brasília), o jurista entende que é preciso “educação cívica e uma mudança de mentalidade na nossa ética, no nosso trato com a vida pública”.

Claro que isso não é tarefa fácil. A conscientização da sociedade civil é dificultada pela mídia que só divulga o que lhe pagam pra ser divulgado. Seu papel de emburrecer e de alienar o povo é gritante e eficaz.

Mas, com o risco de perdermos a casa, a saúde, o sossego, o emprego… não temos alternativas: ou mudamos nossa postura quanto aos rumos político-partidários do país, e vamos pra rua exigir nossos direitos ou não estaremos aptos a pressionar os órgãos públicos sobre os reais interesses socioambientais que devem ser preservados.

E não esqueçam dessa máxima do Comparato:  “somente com pressão popular há avanços”.

 

1- http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=

visualiza_noticia&id_caderno=20&id_noticia=4958

2 – http://www.alesc.sc.gov.br/portal/imprensa/leitor_noticia.php?codigo=24388.

 

Ana Echevenguá, advogada ambientalista, coordenadora do programa Eco&Ação, presidente do Instituto Eco&Ação e da Academia Livre das Água, e-mail: ana@ecoeacao.com.br, website: www.ecoeacao.com.br.

Ana Echevenguá – ana@ecoeacao.com.br
Instituto Eco&Ação – www.ecoeacao.com.br
(48) 91343713 – Florianópolis – SC.

 

Como citar e referenciar este artigo:
ECHEVENGUÁ, Ana. Recall de políticos. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/politica/recall-de-politicos/ Acesso em: 29 mar. 2024