Política

Arenas decisórias e atores políticos na produção de políticas públicas

 

Segundo Celina Souza, não há uma definição exata o que seja política pública. Muitos estudiosos compartilham a idéia de que a política pública constitui um conjunto de ações do governo, ou seja, são atividades realizadas pelos governantes que irão produzir alguma coisa no interior da sociedade.

 

As ações governamentais estão envolvidas nas etapas (definição da agenda, formulação, implementação e avaliação) da produção de políticas públicas e algumas delas (definição da agenda e, principalmente, a formulação) ocorrem no interior do poder Legislativo, pois é no seio desse poder que se tomam as principais decisões para produzir uma determinada política pública. Para discutir os temas propostos no título do texto, vamos dar ênfase à Câmara dos Deputados, pois é nesse poder que se encontram as várias arenas decisórias e os principais atores políticos envolvidos na produção de políticas públicas.

 

Estudos recentes sobre o poder Legislativo no Brasil refutam as idéias de que no interior da Câmara dos Deputados o que reina é o caos nas arenas decisórias e o particularismo dos atores políticos (AMES, 2003; MAINWARING, 2001). Alguns estudiosos, por exemplo, Argelina Figueiredo e Fernando Limongi, se contrapõem a essas idéias e resgatam a atuação dos partidos e do chefe do poder Executivo no processo decisório e a importância da organização legislativa da Câmara dos Deputados na produção de políticas públicas. Eles apresentam evidências empíricas de que o processo legislativo é centralizado e favorável ao governo para que seus projetos sejam aprovados.

 

O argumento central que está presente nas análises desses estudiosos é que os problemas gerados pelos sistemas eleitoral e partidário são anulados pelo sistema legislativo. Os estudos de Argelina Figueiredo e Fernando Limongi apontam que no sistema legislativo, o comportamento do ator político estaria sendo influenciado pelos partidos e pelos poderes do presidente da República. Também seria influenciado pelas regras do jogo parlamentar, que são altamente centralizadas no colégio de líderes. Noutras palavras, o sistema legislativo garantiria mais estabilidade às decisões coletivas e produziria políticas públicas coerentes e eficientes.

 

Ao analisarem as votações nominais ao longo dos anos de 1989 a 1999 e as regras do processo decisório, Argelina Figueiredo e Fernando Limongi revelam que existe disciplina partidária no interior da Câmara dos Deputados, isto significa que o caos está longe de ocorrer e o que se observa é uma ordem estabelecida.

 

Os estudos de Argelina Figueiredo e Fernando Limongi também mostram que alguns estudiosos equivocaram-se ao dizer que o chefe do Executivo enfrentaria problemas para implementar sua agenda de trabalho. Nos países latino-americanos, o presidente da República do Brasil é um dos que mais tem poderes para influenciar as arenas decisórias e a formação de uma coalizão de apoio na Câmara dos Deputados (CAREY e SHUGART, 1992).

 

Atualmente, com o arranjo constitucional, o chefe do Executivo tem a exclusividade de iniciativa em matérias administrativas, orçamentárias e fiscais. Também o presidente da República pode solicitar urgência para todos os projetos de sua iniciativa e editar medidas provisórias com força de lei. Em outras palavras, o chefe do Palácio do Planalto dispõe de prerrogativas legislativas capazes de influenciar significativamente o processo de decisão visando assegurar resultados satisfatórios às propostas do poder Executivo.

 

 Um exemplo dessa capacidade pode ser verificado no número de propostas transformadas em lei. Ao longo dos anos de 1988 a 2004, a distribuição das propostas de lei aprovadas indica que o presidente da República não encontrou dificuldades para aprovar sua agenda. De outubro de 1988 a dezembro de 2004, 3.371 projetos foram convertidos em lei, desse total, o chefe do Executivo foi responsável por 2.710 leis, seguido pelos poderes Legislativo e Judiciário, com 455 e 206, respectivamente. Fernando Limongi, em um dos seus trabalhos, ressalta que as mudanças ocorridas no Brasil são por iniciativa do presidente da República (LIMONGI, 2006). Ou seja, o que ele está querendo chamar atenção é que o chefe do Palácio do Planalto impõe uma agenda de trabalho determinando quando e quais propostas serão discutidas pelos parlamentares, pois ele detém de forma quase exclusiva o poder de propor projetos. Em resumo, o presidente da República controla a produção de políticas públicas.

 

Também não podemos esquecer que o chefe do Palácio do Planalto interfere, por meio dos líderes que apóiam o governo ou, ainda, por outros atores, como, por exemplo, os ministros do Estado, nas eleições da Mesa Diretora e das principais comissões permanentes da Câmara dos Deputados. O presidente da República tem grande interesse que seu candidato ocupe a presidência da Mesa Diretora e das principais comissões, pois o apoio do presidente destas instâncias às propostas de interesse do Executivo é sinônimo de tranquilidade (ABRÚCIO, COSTA e CARVALHO, 2000).

 

Por fim, importa ressaltar que o presidente da República também conta com apoio dos principais líderes da coalizão para interferir no processo de decisão. Os estudos de Argelina Figueiredo e Fernando Limongi constatam que, mesmo sem o voto de liderança, os líderes seguem desfrutando de poderes para conduzir o processo decisório. Os líderes também controlam as comissões permanentes e temporárias, isto significa que os postos são alocados a partir de uma negociação entre os líderes partidários das principais legendas. 

 

Vimos que a produção de políticas públicas no Brasil conta com a presença de dois atores políticos de peso: os partidos e o presidente da República. Isto significa que dentro da Câmara dos Deputados quem estipula as regras são os partidos e o presidente da República, ou seja, as principais arenas decisórias (o plenário e as comissões) e os atores políticos (os deputados federais) são influenciados pelas siglas partidárias e pelo Executivo. A presença deles na produção de política é fruto do atual arranjo constitucional, pois as regras institucionais incentivam uma participação ativa para controlar os anseios particularistas dos demais atores políticos.

 

Referências

 

ABRÚCIO,  F.,  COSTA,  V. e  CARVALHO,  M. A.  (2000). Análise  da dinâmica Legislativa da ALESP, Trabalho apresentado no II Encontro da ABCP, São Paulo: PUC.

AMES, B. (2003). Os entraves da democracia no Brasil, Rio de Janeiro: FGV.

CAREY, J. e SHUGART, M. (1992). President and assemblies: constitutional design and electoral dynamics, Cambridge: Cambridge University Press.

MAINWARING, S. P. (2001). Sistemas partidários em novas democracias: o caso do Brasil, Rio de Janeiro: FGV.

LIMONGI,  F. (2006).  Presidencialismo  e  governo  de  coalizão,  Em  AVRITZER, L. e ANASTASIA, F. (orgs.), Reforma política  no Brasil, Belo Horizonte: UFMG.

SOUZA, C. (2007). Estado da arte da pesquisa em políticas públicas, Em HOCHMAN, G., ARRETCHE, M. e MARQUES, E. (orgs.), Políticas públicas no Brasil, RJ: Editora Fiocruz.

 

 

* Riberti de Almeida Felisbino, Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Foi professor da Fundação Universidade do Tocantins (UNITINS) e atualmente é pesquisador associado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UNESP/Araraquara.

Como citar e referenciar este artigo:
FELIS, Riberti de Almeida. Arenas decisórias e atores políticos na produção de políticas públicas. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/politica/arenas-decisorias-e-atores-politicos-na-producao-de-politicas-publicas/ Acesso em: 28 mar. 2024