Judiciário

O Judiciário do Brasil

 

O Informativo TJMG, na edição nº 14, ano 125, março/2008, traz uma reportagem de MARIA CLÁUDIA BARRETO, intitulada Juízes brasileiros têm sobrecarga de trabalho. Trata-se de uma análise do Relatório do Bird apresentado ao STF em dezembro/2007. O Relatório está divulgado em www.worldbank.org.

 

Dali extraí alguns dados para breves comentários.

 

      Em 2002, cada juiz federal, trabalhista, ou estadual brasileiro apreciou 1.357 ações. Na Argentina, o número cai para 875 processos; na França, para 477; na Venezuela, para 377.

 

Quanto à realidade francesa, entendo que o relativamente pequeno número de processos naquele país se deve a alguns fatores:

 

a) alto nível de instrução da população, relativamente bem informada quanto aos seus direitos e deveres;

 

b) certeza de que não há impunidade;

 

c) concessão da gratuidade nas ações estar sujeita a análise criteriosa e sujeita à apresentação de comprovação de rendimentos e despesas do solicitante;

 

d) simplicidade e objetividade da legislação processual, que não dá espaço para a chicana;

 

e) estabilidade no Direito material, possibilitando que os operadores do Direito o conheçam bem;

 

f) existência de outros meios de resolução de litígios afora o Judiciário, todos dotados de credibilidade e eficiência bastantes;

 

g) severidade na penalização dos operadores do Direito que agem de forma anti-ética ou ilegal.

 

      O número de juízes em relação à população brasileira, por outro lado, é muito pequeno. São apenas 5,3 juízes para cada 100 mil habitantes. […] Na França, há 13 juízes para cada 100 mil habitantes; na Itália, 20 e, na Alemanha, o número chega a 23. […] na Argentina, por exemplo, há 10,9 juízes para o mesmo número de habitantes.

 

O número de juízes no Brasil é realmente insuficiente em relação à população, todavia, o dado mais grave é o número exagerado de ações, que se pode debitar a alguns fatores:

 

a) o número de analfabetos é muito alto (cerca de 13%) e o de analfabetos funcionais maior ainda (cerca de 30%), havendo muitas pessoas que não conhecem suficientemente seus direitos e deveres, lesando e sendo lesadas;

 

b) muitas ações são verdadeiras “aventuras jurídicas”, acobertadas pela gratuidade (que tem de ser concedida quase que generalizadamente), através das quais muita gente procura “ganhar algum dinheiro” como se estivesse jogando numa loteria;

 

c) o próprio Estado lesa muitos cidadãos, não lhes pagando espontaneamente o que deve e, quando acionado, costuma procrastinar ao máximo o pagamento dos seus débitos;

 

d) nossa legislação processual é complicada e pouco eficiente, tendo muitas brechas que acomodam a chicana;

 

e) nosso Direito material muda desnecessariamente, tornando muito difícil seu conhecimento pelos operadores do Direito;

 

f) há a cultura da impunidade.

 

      Dentre as soluções sugeridas para os entraves do Judiciário, o relatório recomenda que haja alterações na legislação processual, considerada “complexa demais e excessivamente permissiva quanto a práticas dilatórias”.

 

      O estudo ressalta ainda a atuação dos Juizados Especiais, inclusive os itinerantes, e o incentivo à conciliação, como ações que contribuem para a expansão do acesso ao Judiciário e a melhoria dos serviços prestados aos usuários. A informatização do Judiciário também foi destacada como um importante recurso para a agilização dos julgamentos.

 

Nossas dificuldades são estruturais e de mentalidade. A mudança não se fará pela simples alteração da legislação processual, nem pelo simples desenvolvimento dos Juizados Especiais e nem pela mera informatização.

 

Somente o desenvolvimento da cultura da conciliação e o cultivo da honestidade aliviarão o Judiciário brasileiro, literalmente sufocado pelo oceano de processos e chicanas.

 

 

* Luiz Guilherme Marques, Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora (MG).

Como citar e referenciar este artigo:
MARQUES, Luiz Guilherme. O Judiciário do Brasil. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/judiciario/o-judiciario-do-brasil/ Acesso em: 28 mar. 2024