Judiciário

Justiça Militar

 

 

 

Originária de regime de exceção, surgiu no Brasil a chamada Justiça Militar destinada a, através de Vara Especial denominada Auditoria Militar, julgar militares pela prática de crimes militares.

 

A 21 de outubro de 1969, os Ministros da Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar, mediante Decreto Lei 1001, promulgavam o Código Penal Militar que em sua extensão repete o Código Penal Brasileiro ou comum. Ele prevê as condutas socialmente reprováveis praticadas por militares enquanto investidos nas respectivas funções ou que guardam certas peculiaridades de modo que se afastam da regra geral. Estabelece as penas respectivas.

 

Assim, cada Estado organiza sua Justiça Militar. Nos Estados em que o contingente não alcança 20.000 integrantes (Art.125 CF), como o nosso, juiz auditor como é chamado o juiz de direito em tal função é um dos que compõem a Magistratura Estadual de primeiro grau.

 

Quanto ao Ministério Público é sempre representado pelos que compõem o Parquet no Estado.

 

Depois de algum tempo na Auditoria Militar, somos despidos de uma série de preconceitos que no curso dos anos adquirimos, devido à idéia geral que conceitua a Policia Militar. Concluímos que oficiais chegam a ter dois ou mais cursos superiores e estão em permanente aperfeiçoamento.

 

Ao invés, se adquirem muitas certezas que as evidências autorizam serem cridas. Faz-se um esforço enorme para que os feitos (inquéritos e processos) tenham curso regular, que não se acumulem nas prateleiras. Ao contrário, durante a instrução não é difícil encontrar obstáculos que em certos casos, arrogantemente se avolumam e impedem melhor sorte à prova. Sem falar que chegam a ser requeridos até quatro anos para que da denúncia, o processo chegue às alegações finais, fase do julgamento, sem sumário de defesa. Mesmo no menos complexo dos crimes.

 

Números falam alto e em bom tom. Ocorrem julgamentos extintivos de punibilidade em cerca de 20%. Em julgamentos, ocorrem mais de 90% de absolvições.

 

Por que? Pergunta-se. Algumas respostas existem. Do início das investigações com as circunstâncias que rodeiam o crime decorre tempo que pode ocasionar a perda da prova. Os laudos de lesões corporais e cadavéricos são descritos pobremente, às vezes não são realizados. De uma denúncia ao interrogatório, podem passar até dois ou três meses. Oitivas de testemunha se inviabilizam pelo decurso do tempo fazendo com que os ânimos se arrefeçam. Não resistem a tardança dos resultados.

 

Por medo pode ocorrer inversão do que na origem foi dito, mesmo ante a possibilidade de poder ser invertida a posição de vítima virar réu, passando a ser aquela quem pode sofrer a pena. É o desgaste aplacando a fome e sede de Justiça que a injúria provada causou.

 

Em uma sala de espera para sumário, testemunhas e policiais se vêm frente a frente. Sentados, se esticarem as pernas, seus pés se encontrarem. E os olhares que se cruzam? E daí, quantos serão capazes de ao depor, dizerem a verdade sem temor de represália?

A Justiça é sábia, quando se materializa em órgãos e representantes se torna lenta, com pouca ou quase nenhuma vontade de cumprir seu dever ou dar a resposta esperada.

 

Há uma revolta que grita contra a violência policial, quando mais quando seus protagonistas souberem que na Auditoria Militar pouco ou nada se pune.

 

Tenho dito! Não tem sentido tornar tanto tempo de um Promotor de Justiça, de um Juiz de Direito, de quatro oficiais que integram o Conselho para não condenar ninguém, para acabar se concluindo que não houve crime, que tal conduta foi ditada pela necessidade no policiamento ostensivo.

 

Acabe-se com a Justiça Militar, portanto. Ela não tem razão de ser, máxime, partindo do pressuposto de que todos são iguais perante a lei.

 

Todos estejam submetidos a mesma jurisdição. O endosso de uma farda, a convivência na caserna, a função policial não destituem o homem que ingressa em tais fileiras de suas características de igual aos demais.

 

Juízo Militar é ranço de regimes que os tempos novos se esforçam por sepultar sem qualquer restrição, quanto mais pena ou dor.

 

 

* Marlusse Pestana Daher, Promotora de Justiça, Ex-Dirigente do Centro de Apoio do Meio Ambiente do Ministério Público do ES; membro da Academia Feminina Espírito-santense de Letras, Conselheira da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória – ES, Produtora e apresentadora do Programa “Cinco Minutos com Maria” na Rádio América de Vitória – ES; escritora e poetisa, Especialista em Direito Penal e Processual Penal, em Direito Civil e Processual Civil, Mestra em Direitos e Garantias Fundamentais.

Como citar e referenciar este artigo:
DAHER, Marlusse Pestana. Justiça Militar. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/judiciario/justica-militar/ Acesso em: 20 abr. 2024