Judiciário

Ainda a Sugestão de Cotas para Mulheres, Negros e Deficientes no Judiciário

 

Quando escrevi o artigo intitulado COTAS PARA MULHERES, NEGROS E DEFICIENTES NO JUDICIÁRIO, houve quem se insurgisse contra a proposição, entendendo-a absurda ao argumento, em outras palavras, de que só interessam os melhores, numa verdadeira consagração da lei do mais forte…

 

Quanto às cotas para mulheres remeto o prezado Leitor à minha monografia O “JULGAMENTO” DA MULHER ADÚLTERA – A IGUALDADE ENTRE HOMENS E MULHERES, publicada na Internet em alguns sites jurídicos, dentre os quais meu MARJURIS (www.artnet.com.br/~lgm), acessível através do botão download.

 

A respeito dos negros no Brasil, vale a pena correr os olhos pelas informações dadas pelo ALMANAQUE ABRIL 2003 no tópico Escravidão:

 

No Brasil, a escravatura nasce com a colonização, sobrevive a ela e é oficialmente extinta apenas em 1888, no final do Império. A economia colonial precisa ter baixo custo interno para garantir bons preços e boa rentabilidade no mercado externo. Por isso, os colonos procuram baratear sua produção por meio do extrativismo predatório, da agricultura extensiva e da mão-de-obra escrava. Os primeiros a ser escravizados no Brasil são os indígenas, cujo trabalho compulsório é usado em diferentes regiões até o século XVIII. Seu aprisionamento é uma atividade interna, e o ganho obtido com sua venda permanece na colônia, sem lucro para Portugal. Os índios cativos são mais eficientes na extração do pau-brasil que nas atividades agrícolas, às quais não estão social e culturalmente adaptados. Para o serviço nas plantações e nos engenhos de açúcar, a solução encontrada são os escravos africanos. Trazidos para o Brasil a partir de 1530, eles são vendidos em escala crescente por mercadores portugueses. Esse comércio se torna um negócio lucrativo para os traficantes e vantajoso para os proprietários. O alto preço do escravo africano é amortizado pelo tempo de cinco a dez anos de trabalho forçado.

 

Por isso, do século XVII ao XIX, os negros cativos formam a grande massa trabalhadora da agricultura, da mineração e de outras atividades econômicas. A partir de meados do século XVIII, com o crescimento da população e da economia urbana, os escravos passam a ser utilizados em outras funções nas cidades, empregados ou alugados por seus senhores para produzir, vender ou prestar serviços a terceiros. São os escravos de ganho, transformados em pedreiros, sapateiros, alfaiates, carpinteiros, marceneiros, barqueiros, barbeiros, quitandeiras, vendedores ambulantes, ajudantes de lojas e armazéns, cozinheiras, damas de companhia, amas-de-leite, carregadores e cavalariços.

 

Tráfico de escravos – O comércio de escravos negros entre a África e o Brasil é dominado por portugueses, espanhóis, ingleses e holandeses e cresce continuamente durante o período colonial e nas três décadas seguintes à Independência. Estima-se que, entre 1550 e 1850, chegam ao Brasil 4 milhões de cativos trazidos do continente africano, especialmente de Guiné, Costa do Marfim, Mali, Congo, Angola, Moçambique e Benin.

 

A expansão da cultura cafeeira, a partir de 1830, aumenta a necessidade da mão-de-obra escrava. Ao mesmo tempo, crescem as pressões contra o tráfico negreiro, principalmente da Inglaterra. São motivadas menos por razões humanitárias e mais pela preocupação com a concorrência, já que nas colônias inglesas da Guiana e do Caribe o comércio de escravos fora proibido. Em 1831, cumprindo acordos firmados com a Inglaterra, o governo regencial declara o tráfico ilegal no território brasileiro. Mas a entrada de negros africanos no país continua a acontecer em grande escala. Diante disso, o Parlamento britânico aprova, em 1845, a Bill Aberdeen, lei que dá à Marinha de Guerra inglesa o direito de perseguir e aprisionar tumbeiros – os navios negreiros – em qualquer ponto do Atlântico. Assim, o tráfico torna-se muito mais arriscado e menos lucrativo.

 

Muitos políticos do Império, liberais e conservadores, declaram-se contra o tráfico. De modo geral, porém, aceitam a continuidade do regime escravista, que consideram necessário ao funcionamento da economia. Em 1850, o governo de dom Pedro II extingue definitivamente o comércio de escravos, com a lei do ministro da Justiça Eusébio de Queirós. É um grande passo para a abolição da escravatura, que acontece quase quatro décadas depois.

 

Sociedade e religião – A inserção e integração social da população negra se dá pelo trabalho, base da organização econômica e da convivência familiar, social e cultural. A miscigenação avança, com um número cada vez maior de mulatos. Nasce uma religiosidade popular em torno das irmandades católicas e dos terreiros de umbanda e candomblé.

 

Em 1800, cerca de dois terços da população do país – 3 milhões de habitantes – são formados por negros e mulatos, cativos ou libertos. Os escravos, no entanto, mantêm-se em condição social e jurídica inferior, como é atestado pela Constituição de 1824, que nega o direito de voto aos ex-escravos, os libertos. A escravidão, perpétua e hereditária, permanece regulada pela lei da alforria – concessão da liberdade pelo proprietário mediante indenização. A servidão desqualifica o trabalho – sobretudo o manual –, considerado pelas elites como “coisa de negros”. Os cativos resistem a essa condição de inferioridade e de exploração fugindo das fazendas para os quilombos nos sertões e rebelando-se nas cidades.

 

Na segunda metade do século XIX, intensifica-se o movimento abolicionista no país. Por pressão dos abolicionistas – políticos, intelectuais, jornalistas, advogados e religiosos, além dos próprios negros escravos e libertos – a escravidão é finalmente extinta em 1888, mas sua herança permanece na sociedade brasileira, na forma de discriminação racial, social e econômica de negros, mulatos e pobres em geral.

 

Quanto aos portadores de deficiência, esclarece a Enciclopédia:

 

O Censo de 2000 traz, pela primeira vez, um detalhado retrato dos portadores de deficiência no país. De acordo com o levantamento, 24,5 milhões de pessoas, o equivalente a 14,5% da população, são portadoras de algum tipo de incapacidade ou deficiência. O número é próximo do estimado pela Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (Corde), do Ministério da Justiça, que apontava uma taxa entre 10% e 15%. É bem superior, porém, ao do Censo de 1991, o primeiro a incluir a investigação do tema no questionário. Naquela ocasião, o IBGE havia revelado a existência de 1,14% de portadores de deficiência no conjunto da população brasileira.

 

A discrepância entre os dois últimos levantamentos ocorre porque o Censo de 2000 fez uma investigação mais minuciosa do problema, ampliando o conceito de deficiência e incluindo diversos graus de incapacidade de enxergar, ouvir e locomover-se. O questionário era composto por cinco perguntas, compatíveis com os conceitos expressos na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), divulgada recentemente pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Se houvesse sido empregada a mesma metodologia do início dos anos 90, o Brasil teria apenas 2,4% de portadores de deficiência.

 

Tipos de deficiência – Os portadores de deficiência visual são o grupo mais numeroso, com 16,5 milhões de indivíduos (48,1% do total), dos quais cerca de 160 mil são cegos – os demais apresentam algum grau de perda visual. Os portadores de deficiência motora (incapacidade ou dificuldade de locomoção) somam 7,8 milhões de indivíduos (22,9%), enquanto 5,7 milhões de brasileiros (16,7%) declararam-se portadores de deficiência auditiva, dos quais 176 mil são totalmente incapazes de ouvir.

 

As pessoas portadoras de deficiência mental são 2,8 milhões (8,3%) e os portadores de deficiência física (tetraplégicos, paraplégicos, hemiplégicos ou amputados), 1,4 milhão (4,1%).

 

A soma (34,2 milhões) supera os 24,5 milhões porque muitas pessoas têm deficiência múltipla e foram contabilizadas mais de uma vez. No geral, chama a atenção o grande número de portadores de deficiência motora, mas nesse universo devem estar muitas pessoas idosas com dificuldades de locomoção.

 

Vagas de trabalho – Mapear o número de portadores de deficiência é importante para o estabelecimento de políticas públicas que facilitem a vida dessas pessoas. A Constituição de 1988 garante aos portadores de deficiência espaço no mercado de trabalho, exigindo que o governo federal lhes reserve vagas nos concursos públicos. Além disso, a Lei n° 8.213, de 1991, determina que empresas com 201 a 500 funcionários reservem 3% do quadro de pessoal para portadores de deficiência; já as de 501 a mil funcionários, 4%; e aquelas com mais de mil, 5%.

 

Normas de acessibilidade – Para garantir aos portadores de deficiência o direito constitucional de ir e vir, a Lei n° 10.098, aprovada em dezembro de 2000 pelo governo federal, estabelece normas de acessibilidade a prédios e locais públicos, como escolas, hospitais e praças, a partir de parâmetros definidos pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). A falta de adaptações em calçadas, prédios e meios de transporte tem sido a maior reclamação dos portadores de deficiências físicas.

 

Instituir-se, a curto prazo, o sistema de cotas é esperar muito das pessoas que detém o comando da situação. Todavia, pelo menos pode-se e deve-se iniciar o trabalho de conscientização quanto à injustiça inominável que adesigualdade representa. Infelizmente, a condenação da maioria das pessoas a viver com poucas chances de sucesso é uma realidade. A desigualdade gritante entre pessoas é tida como natural: seria uma questão, digamos, de sorte de uns e azar da maioria (mais ou menos como em épocas passadas o fato de nascer nobre ou plebeu…

 

Como penúltimos argumentos a favor da necessidade de se pensar sobre o assunto e tratá-lo como prioritário, lembro duas citações de um amigo. Seu tema são as Cruzadas, empreendidas na Idade Média, violentando o Oriente durante séculos. Mas serve para nós, numa comparação com a violentação que as mulheres, negros e portadores de deficiência vêm sofrendo há muito tempo:

 

Nunca mais o Oriente será pacífico como foi, e isto se deve à nossa ingerência…

 

O desastre causado aos cristãos ortodoxos, ou do Oriente, foi tão terrível, que, neste século XXI, o papa João Paulo II se viu na obrigação de pedir perdão à Igreja Grega, perdão este que não foi concedido…

 

A revolta que muita gente carrega no íntimo é a geratriz de inúmeros problemas insanáveis.

 

Enquanto não houver chance para os discriminados (maioria), estaremos lotando os presídios com condenados irrecuperáveis; o crime organizado continuará nos enfrentando de igual para igual; as leis muitas vezes continuarão a ser apenas para inglês(americano) ver; a Justiça estará cada vez mais sobrecarregada, com pequenos resultados…

 

Enquanto a igualdade de oportunidades não existir, o Direito será apenas para consolidar os privilégios de poucos em detrimento da massa de excluídos…

 

O que está sendo dito é exagero?

 

 

* Luiz Guilherme Marques, Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora (MG).

Como citar e referenciar este artigo:
MARQUES, Luiz Guilherme. Ainda a Sugestão de Cotas para Mulheres, Negros e Deficientes no Judiciário. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/judiciario/ainda-a-sugestao-de-cotas-para-mulheres-negros-e-deficientes-no-judiciario/ Acesso em: 28 mar. 2024