Judiciário

Acesso à Justiça e ao Direito

 

A expressão acesso à Justiça é muito conhecida entre nós, sendo objeto de inúmeros estudos e projetos de melhorias.

 

No entanto, a expressão acesso ao Direito é quase totalmente desconhecida no nosso meio.

 

No meu livro A JUSTIÇA DA FRANÇA – um modelo em questão, LED, 2001, abordo, no ítem 4.19, essas questões:

 

Élisabeth Guigou, atual Ministra da Justiça da França, em seu discurso proferido em 2 de abril de 1998 na Sorbonne, onde tratou do “acesso à Justiça, acesso ao Direito”, expôs todo o ideário da Magistratura francesa sobre o assunto, que pode ser resumido nestes pontos: – o acesso ao Direito constitui um direito fundamental dos cidadãos, que deve ser inscrito em uma política pública; – é necessária a evolução cultural dos profissionais do Direito; – para a solução dos litígios devem ser priorizados os acordos.

 

Grandes metas a alcançar, a Justiça francesa vem procurando facilitar aos cidadãos o conhecimento das leis (inclusive através da distribuição de folhetos explicativos em linguagem simples), a facilitação do ajuizamento de demandas (inclusive com o alargamento da competência dos Tribunais de Instância, em que o procedimento é mais simples e mais ágil, além de outras formas da chamada “Justiça de Proximidade”), vem procurando melhor conscientizar os “homens da Justiça” sobre a necessidade de se engajarem nessa mentalidade nova de simplificação e praticidade, e procurando fazer entender a todos que as “soluções amigáveis” são as verdadeiras soluções, além de que o incentivo à conciliação, à arbitragem e à mediação têm sido uma constante, sem falar na Lei nº 91-647 de 10 de julho de 1991, que trata da chamada “ajuda jurídica” sob os dois aspectos da ajuda jurisdicional (gratuidade total ou parcial nos processos) e ajuda ao acesso ao direito (consulta e assistência aos procedimentos não jurisdicionais como conciliação e mediação).

 

Quanto à assistência jurisdicional pode-se dizer o seguinte: a) para ser concedida é necessário que o interessado a requeira, para tanto preenchendo formulário próprio; b) deve ele provar insuficiência de recursos próprios e que o mérito da demanda lhe é em tese favorável; c) os profissionais que vão atuar no processo recebem remuneração do Estado; d) quem decide sobre os pedidos de gratuidade são os Escritórios de Ajuda Judiciária, que existem onde há Tribunais de Grande Instância, os quais são rigorosos na análise dos pedidos; e) as pessoas jurídicas de fins não lucrativos podem pedir gratuidade.

 

Em 1998 foram deferidos 703.746 pedidos de assistência judiciária, sendo 424.414 nos processos civis ou administrativos e 279.332 nos processos criminais.

 

Incrementa-se na França a chamada “ajuda ao acesso ao direito”, que o Ministério da Justiça conceitua assim: “trata-se de uma ajuda à consulta jurídica assegurada por um serviço de ajuda que permite obter informações sobre a extensão dos direitos e das obrigações, conselhos sobre os meios de fazer valer os direitos e uma assistência em via de estabelecimento de um ato jurídico ou uma assistência diante das comissões não-jurisdicionais.”

 

Entre as inovações que pretendem viabilizar o acesso à Justiça e ao Direito podemos citar as Casas da Justiça e do Direito. A informação a que tivemos acesso sobre o assunto foi veiculada pelo Ministério da Justiça francês no seu site jurídico na Internet, que transcrevemos, traduzido:

 

“Uma justiça de proximidade.

 

As dificuldades de acesso ao direito, o desconhecimento dos direitos, o crescimento da pequena delinqüência suscitam, da parte da população, expectativas às quais a instituição judiciária deve levar respostas adaptadas ao contexto local.

 

O distanciamento dos locais de justiça de certos bairros (os tribunais de grande instância, ao mesmo título que o conjunto dos serviços públicos) é freqüentemente notado como uma ausência do direito, ele próprio.

 

Inscrevendo-se em uma política geral de aproximação dos serviços do Estado e dos cidadãos, as Casas da Justiça e do Direito instauram de modos novos de funcionamento que fazem a justiça mais acessível, mais rápida e mais compreensível.

 

Suas missões foram traçadas pela lei de 18 de dezembro de 1.998 (artigo 21) relativa ao acesso ao direito e à solução amigável dos conflitos. Acesso ao Direito, reposta à pequena delinqüência.

 

Afora a coordenação da intervenção judiciária sobre uma comunidade e o reforço da participação entre magistrados, eleitos, professores, policiais, associações e assistentes sociais, a implantação de uma Casa de Justiça visa objetivos precisos: responder, de maneira adaptada, à pequena delinqüência cotidiana (mediação penal, acompanhamento das penas, etc.); responder aos pequenos litígios de ordem civil (problemas de vizinhança, familiais, etc.); permitir o acolhimento, a ajuda e a informação do público e, notadamente, das vítimas (permanência jurídicas e associativas, etc.).

 

Quem intervém nas Casas de Justiça e do Direito e por quais serviços?

 

O funcionamento de uma Casa de Justiça e do Direito supõe a constituição de uma equipe compreendendo: chefes de jurisdição (presidente do Tribunal e representante do Ministério Público) responsáveis pela estrutura, pela sua organização, seu funcionamento, ligações com os eleitos e os outros participantes; magistrados que podem ser conduzidos a estabelecer locais de permanência (tomada de medidas de reparação, informação jurídica …); um escrivão que assegura o acolhimento, o secretariado e a seqüência dos processos; assistentes sociais que realizam investigações rápidas, as mediações e asseguram os controles judiciário sobre o comando da autoridade judiciária; um educador da Proteção Judiciária da Juventude, que assegura a continuidade educativa dos menores e as medidas de reparação; um agente de provas, que assegura o cumprimento das penas e a ajuda aos egressos da prisão; um conciliador, que concretiza determinados litígios civís; um representante de uma associação de ajuda às vítimas, que assegura locais de permanência de acolhimento; advogados que aconselham e orientam com consultas jurídicas gratuitas.

 

Certas Casas de Justiça e do Direito desenvolveram atividades e serviços complementares e inovadores: mediação familiar, permanências associativas …

 

Quais são as condições de criação de uma Casa de Justiça e do Direito?

 

A Casa da Justiça e do Direito é um lugar de justiça colocado sob a autoridade dos chefes de jurisdição. A decisão da implantação nasce de uma vontade conjunta: um acordo preliminar associa os magistrados, os serviços exteriores da Proteção Judiciária da Juventude e a Administração Penitenciária, a Ordem dos Advogados, as associações de ajuda às vítimas e de mediação, os eleitos locais e o vice-prefeito da cidade. O projeto de convênio tem de ser valido pelo Ministério da Justiça. Sua assinatura engaja as autoridade judiciárias, o prefeito e uma ou várias coletividades locais.

 

O Secretariado Geral para a Política da Cidade colocado ao lado do diretor dos processos criminais e das graças do Ministério da Justiça, assegura a instrução dos pedidos de instalação das Casas da Justiça e do Direito e a coerência dos projetos ao plano nacional.

 

Como são financiadas as Casas da Justiça e do Direito? A coletividade local coloca à disposição locais e assume os encargos materiais (compra de imobiliário, instalação telefônica) e os encargos de funcionamento normal (aquecimento, eletricidade, …).

 

O Estado assume os encargos financeiros dos magistrados e funcionários da Justiça, remunera as investigações rápidas e mediações e subvenciona certas associações.

 

O Ministério de Justiça atribui uma subvenção de 50.000 F, geralmente destinada ao equipamento informático.”

 

A ajuda ao acesso ao direito não foi bem sucedida apesar dos esforços governamentais, pois, entrada em vigor a lei de 1991, somente existem Conselhos Departamentais em 14 dos 100 departamentos, o que é muito pouco ainda.

 

Há, no entanto, quem seja otimista, como é o caso de Mireille Imbert-Quaretta, em A vida Cotidiana dos Juízes, revista Pouvoirs, 74, falando da tendência para a simplificação do relacionamento jurisdicionado-juiz, diz: “Cada vez mais o acesso à justiça se confunde com o acesso imediato ao juiz. […] Nada de necessidade de intermediário para levar um processo diante desses magistrados novos; nada de necessidade de formalismo: na maioria dos casos, uma carta com aviso de recebimento é suficiente.” (p. 87)

Voltemos à realidade do nosso país.

 

O art. 116-A da PEC 358/2005 representará um grande avanço:

A lei criará órgãos de conciliação, mediação e arbitragem, sem caráter jurisdicional e sem ônus para os cofres públicos, com representação de trabalhadores e empregadores, que terão competência para conhecer de conflitos individuais de trabalho e tentar conciliá-los, no prazo legal.

 

Parágrafo único. A propositura de dissídio perante os órgãos previstos no caput interromperá a contagem do prazo prescricional do art. 7º, XXIX.

Todavia, cabe a pergunta:

 

– O que falta para o Legislador constitucional prever outros órgãos semelhantes em outras áreas, como, por exemplo, do consumidor?

 

 

* Luiz Guilherme Marques, Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora (MG)

Como citar e referenciar este artigo:
MARQUES, Luiz Guilherme. Acesso à Justiça e ao Direito. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/judiciario/acesso-a-justica-e-ao-direito/ Acesso em: 29 mar. 2024