Judiciário

Critérios Objetivos nas Promoções de Juízes por Merecimento

 

Primeiramente, esclareço que este estudo é uma declaração de fé no Judiciário como instituição e nos seus membros, de todas as instâncias. Espero que não ofenda a quem quer que seja. Pretende apenas colaborar com o aperfeiçoamento da estrutura.

 

Passemos, então, ao tema.

 

Alguém pode achar que a História do Direito e o Direito Comparado nada têm a ver com o assunto, mas têm sim.

 

No meu livro A Justiça da França – um modelo em questão, LED, 2001, pp. 161/163, digo o seguinte:

11 – excessiva hierarquização.

 

Comecemos pela cogência da jurisprudência da Corte de Cassação e do Conselho de Estado, respectivamente cortes supremas das áreas judiciária e administrativa, em relação às cortes de 2ª instância e destas em relação aos tribunais de 1ª instância.

 

Na França, de fato, a idéia da “jurisprudência vinculante” é uma realidade, pois os juízes não contrariam os entendimentos jurisprudenciais dos órgãos que lhes são superiores e, uma vez editada a jurisprudência, passa a ter força de lei para os órgãos judiciários inferiores.

 

Quanto ao aspecto administrativo tudo começa com a separação estabelecida entre os auditores de justiça (aprovados no concurso e que seguem o curso de 27 ou de 31 meses da Escola Nacional da Magistratura) e os juízes, inclusive com diferença gritante de vencimentos, pois, durante o curso, o auditor de justiça recebe quase a metade dos vencimentos do juiz principiante.

 

Após a nomeação, continua uma situação de hierarquização exagerada. Os inúmeros graus diferenciam profissionais que deveriam receber o mesmo tratamento e a mesma remuneração.

 

A tabela de vencimentos líquidos de 1º de abril de 1999 mostra a diferença entre o que ganha um auditor de justiça (aluno da ENM, nível 355): 9.038,38 FF, em relação a um conselheiro da Corte de Cassação: 37.973,10 FF (nível B3), estando abaixo deste último, em escala decrescente os níveis: B2 – 36.031,26; B1/A3 – 34.556,98 FF; A2 – 32.866,88 FF; A1 – 31.608,23 FF; 852 – 30.638,30 FF; 819 – 29.450,67 FF; 807 – 29.019,21 FF; 781 – 28.084,30 FF; 732 – 26.322,29 FF; 694 – 24.955,81 FF; 656 – 23.589,35 FF; 617 – 22.186,87 FF; 580 – 20.856,41 FF; 544 – 19.561,87 FF; 494 – 17.763,94 FF; 450 – 16.181,75 FF. (Vê-se que o auditor de justiça recebe, durante seus 31 meses de curso, apenas 55% do vencimento que receberá quando for nomeado juiz ou membro do Parquet, o que é muito pouco principalmente para aqueles que já são casados, o que gera descontentamento contra o esquema vigorante).

 

O ingresso de juízes diretamente nas Cortes de Apelação, por exemplo, gera descontentamento entre aqueles que ingressaram na carreira pelo caminho longo da ENM quando tinham 27 anos de idade ou menos, geralmente com pouco futuro na carreira.

 

E, pior de tudo, a subordinação ao Ministério da Justiça, órgão político, que, por mais isenção que tenha e por mais que seja cobrado pela opinião pública (que é muito poderosa na França), prejudica seriamente a independência do Judiciário.

 

Aliás essa hierarquização à moda militar foi introduzida por Napoleão Bonaparte para melhor controlar o Judiciário, cassando-lhe a independência.(37)

 

Citemos como exemplo a situação de enorme superioridade dos presidentes de Tribunais de Grande Instância, de Cortes de Apelação e da Corte de Cassação (inclusive com função fiscalizadora) sobre seus colegas presidentes de câmaras e destes em relação aos demais membros dos respectivos tribunais.

 

Maurice Duverger, em Le système Politique Français, puf, 1996, p. 428, mostra uma realidade do Judiciário francês: “Os magistrados da ordem judiciária são independentes no sentido de que eles são escolhidos através de um concurso difícil de entrada na Escola Nacional da Magistratura cuja banca é quase objetiva. Eles são inamovíveis, ou seja, que eles não podem ser removidos ou exonerados sem a concordância do Conselho Superior da Magistratura. Mas sua progressão funcional comporta numerosos graus hierárquicos e depende largamente do Executivo. Isso vem a limitar sua independência.”

 

A idéia de carreira no Judiciário, como visto, partiu de Napoleão Bonaparte, que foi um típico ditador, justamente para manter seu domínio absoluto sobre a Justiça. Somente eram nomeados e promovidos (por ele, é evidente) os juízes que se lhe submetiam em gênero, número e grau. Na certa, dava-se o direito de interferir (sutilmente) no trabalho dos nossos colegas franceses da época…

 

Um exemplo estrangeiro: na Inglaterra não há carreira para juiz. O juiz de uma pequena cidade é tão destacado quanto seu colega de Londres.

 

Transplantando a situação para o Brasil, sabemos que, em épocas recentes, até 1988 os juízes dependiam dos políticos para suas nomeações, promoções e remoções. O chefe do Executivo competente escolhia-os a título de preferência pessoal sem nenhuma justificativa. Com isso, alguns esperavam que esses juízes lhes fossem gratos…

 

Após a edição da Constituição Federal atual, passou a vigorar o sistema de escolha secreta, com motivação não fundamentada. Apesar da maioria das vagas ser provida através de escolhas imparciais há a possibilidade de fato de escolhas imerecidas, nenhum esclarecimento sendo dado aos candidatos preteridos.

 

Outro exemplo estrangeiro: na França os critérios de promoção estão previstos na Ordenança n°58-1270 de 22/12/1958 (Estatuto da Magistratura). Prevê o Artigo 12-1:

A atividade profissional de cada magistrado é objeto de uma avaliação a cada dois anos. Uma avaliação é efetuada em caso de pedido de promoção.

 

Essa avaliação é precedida de um parecer do chefe da jurisdição onde o magistrado é exerce seu cargo ou do chefe do serviço no qual ele exerce seu cargo. No caso de juízes de proximidade, a avaliação é precedida do parecer do juiz do Tribunal de Grande Instância encarregado da administração do serviço do Tribunal de Instância da circunscrição em que se encontra a jurisdição de proximidade, A avaliação é integralmente comunicada ao juiz a quem ela diz respeito.

 

O magistrado que questiona a avaliação de sua atividade profissional pode peticionar à Comissão de Promoção. Após tomar ciência das razões do magistrado reclamante, a Comissão de Promoção emite um parecer motivado, que seja juntado ao processo do magistrado reclamante.

 

Decreto de iniciativa do Conselho de Estado fixa as condições de aplicação do presente artigo.

 

Verifica-se que nesse país os candidatos às promoções recebem esclarecimentos por escrito.

 

Voltando à realidade brasileira, pergunta-se: – Qual a melhor forma de avaliar o merecimento?

 

Acredito que somente o número de sentenças prolatadas não retrate os méritos do juiz, pois seu trabalho não se resume em prolatar sentenças. O mesmo se diga sobre qualquer outro critério isoladamente.

 

Penso que deve haver um rol extenso de ítens a serem considerados globalmente. No entanto, quaisquer que sejam esses ítens, é importante que a dose de subjetividade seja mínima.

 

A adoção desse modelo será do agrado de todos os que sonham em fazer carreira e, um dia, chegar aos Tribunais.

 

 

* Luiz Guilherme Marques, Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora (MG).

Como citar e referenciar este artigo:
MARQUES, Luiz Guilherme. Critérios Objetivos nas Promoções de Juízes por Merecimento. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/judiciario/criterios-objetivos-nas-promocoes-de-juizes-por-merecimento/ Acesso em: 16 abr. 2024