Judiciário

O acesso à justiça na comarca de Leopoldina (MG)

O acesso à justiça na comarca de Leopoldina (MG)

 

 

João Fernando Vieira da Silva *

 

 

   1.Por que estudar e conhecer Leopoldina?

 

              Um escorreito trabalho acadêmico hodierno segue permeado por historizações críticas e observações contextuais de localidades, sem a pretensão de esgotar todas as possibilidades de debate de cada estudo. As metanarrativas e os sonhos totalizantes da Modernidade devem ser substituídos em nome de metodologias epistemológicas mais modestas, mas também mais dialéticas e sinceras.

 

              Se esta perspectiva rodeia todo o trabalho, um contributo valioso para esta narrativa é dissertar sobre o acesso à Justiça em um espaço regionalizado específico. Sem os rigores sociológicos e os brilhantismo de Boaventura ao fazer um estudo da administração da Justiça em uma favela do Rio de Janeiro nos anos 70, ainda assim crê-se que é possível, em um espaço reduzido, pesquisar como as tendências gerais do acesso à Justiça se inserem e se modificam de acordo com as peculiaridades de uma cidade do interior de Minas Gerais.

 

              O alvo do estudo de acesso à Justiça é Leopoldina- MG. A escolha não se deu ao acaso. Adotando o pessoalismo moderado como marca nesta escrita, é nesta cidade que, há três anos, lecionamos em uma Faculdade de Direito. Retratar um pouco do apreendido nesta enriquecedora convivência é também uma homenagem a um espaço geográfico que, apesar de seus problemas (e qual cidade, Estado ou país que não os tem?), sabe acolher com afeto e ternura cidadãos egressos de outras cidades.

 

              Para descrever o acesso à Justiça em Leopoldina, é fundamental conhecer um pouco da cidade, sua estória, seu povo, sua economia, seus contrastes, suas crises, suas virtudes.

 

              Antiga aldeia dos índios Puris, as terras do atual Município de Leopoldina foram desbravadas por tropeiros no século XIX em busca de terras férteis. Fixaram-se às margens do córrego Feijão Cru, surgindo, assim, um povoado, denominado de São Sebastião do Feijão Cru, por volta de 1830. O povoado cresceu inicialmente com o cultivo da cafeicultura e em 1854 foi criando o Município de Leopoldina, desmembrando-se de Mar de Espanha. Em 1861, sua sede foi elevada à cidade.

 

              Um relato importante sobre o povoamento de Leopoldina vem dos seguintes estudos de Oiliam José:

 

              ” As terras do Município de Leopoldina desconheceram as tropelias do ciclo das minas. Foram desbravadas a partir do século XIX, e colonizadas por agricultores e à agricultura continuariam dedicadas até o inicial da atual centúria, quando, com a queda sofrida pelo café, a pecuária passou a preponderar nelas”. [01]

 

              Outro relato curioso, porém infeliz, diz respeito à escravidão. Em 1876, Leopoldina abrigava a maior população escrava da Província de Minas Gerais. Servidos por tão numerosos escravos e apoiados pela força econômica do café, os fazendeiros leopoldinenses levavam um padrão de vida de absoluto fausto, com tom aristocrático bem próximo aos usos e costumes da Corte. Com tal força econômica, tais fazendeiros se empenhavam bravamente contra as tentativas de abolição da escravatura, exercendo robusta pressão sobre os deputados mineiros na Assembléia Geral do Império. Com efeito, as “boas” ligações dos fazendeiros leopoldinenses com a Corte eram mais impactantes do que as da antes prestigiada Ouro Preto.

 

              Logo, não é de se estranhar que a notícia da promulgação da Lei Áurea, em 1888, tenha provocado forte comoção entre os agricultores, motivando violentos protestos dos proprietários de escravos. Eles se consideravam verdadeiramente espoliados pelo Império e chegaram a exigir indenização em favor dos que perderam a propriedade escrava.

 

              Tal como em outros campos de agricultura, Leopoldina, antes até da abolição, começou gradativamente a substituir escravos por imigrantes. Os pioneiros foram encontrados na cidade antes de 1859 e exerciam atividades ligadas ao comércio, daí serem vulgarmente conhecidos à época como os “turcos”. As salas de suas casas eram as lojas e as demais dependências se destinavam à moradia. A segunda leva de imigrantes, entre 1860 e 1888, surgindo da abertura de estrada destinada a escoar a produção agrícola da região de Barbacena e Juiz de Fora. Para construí-la, foi fundada a Companhia União e Indústria. O declínio da Companhia ocorreu no período da implantação da estrada de ferro Dom Pedro II, cujo traçado era o mesmo da rodovia. Muitos colonos alemães, bem como imigrantes de outras nacionalidades passaram a trabalhar na ferrovia.

 

              Contudo, é com a Lei Áurea que um fluxo mais sólido de imigrantes chegou a Leopoldina. Até antes disto os imigrantes eram profissionais das mais diversas categorias e alguns até com certa pujança financeira foram responsáveis pelos rudimentos de atividade industrial na região. Já os novos imigrantes eram exclusivamente agricultores, basicamente espanhóis e italianos. Assolados pela fome de seus locais de origem, eles aceitaram vir trabalhar no Brasil em condições de trabalho bem parecidas com as dos seus antecessores escravos. Diferentemente dos grupos de imigrantes anteriores, nestes o índice de analfabetismo era bastante elevado, os que os tornava bastante submissos aos fazendeiros leopoldinenses.

 

              Leopoldina é uma cidade de paradoxos. Se de um lado conviveu com exclusão social e altas taxas de analfabetismo nos seus primórdios, também foi palco de fausto e luxo provindo da pujança de sua atividade agrária até a metade do século XX. Recebeu até o título de “Atenas Mineira”, uma vez que concentrava vários colégios particulares e um conservatório de música. Um destes colégios chegou a ter como diretor o poeta Augusto dos Anjos, o qual teve tanta identificação com a cidade que acabou sendo enterrado em Leopoldina.

 

              O bom momento econômico, contudo, passou. A prosperidade financeira ficou para trás com o decréscimo do prestígio da atividade agrária da cidade. Ao mesmo tempo, o histórico de opressão a escravos e imigrantes pobres minou a capacidade de o município pensar outras alternativas para seu desenvolvimento. Nos dias de hoje Leopoldina, bem como a região da Zona da Mata mineira, estão vivendo um pesado período de depressão econômica. Há bem pouca atividade industrial [02] e Leopoldina vive basicamente do comércio e da atividade rural concentrada no gado leiteiro, cujo preço vem tendo queda vertiginosa. Leopoldina não acompanha a crescente industrialização do setor e a produtividade e competitividade apresentam um quadro lastimável.

 

              Uma pesquisa do Sebrae em 1997 comprova tal assertiva. Percebe-se uma lamentável situação de encolhimento econômico de Leopoldina. Entre os anos de 1985 e 1995, o PIB da cidade encolheu 1, 30%, ao passo que o Estado de Minas Gerais, neste período, teve crescimento de 1%. [03]

 

              Mesmo a atividade agrária da cidade reflete esta queda. Em 1993, Leopoldina possuía 56.4000 bovinos, ao passo que em 1996 houve um recuo para 52.330 cabeças de gado. Em 1980, o comércio de aves era de 481.596 cabeças. Em 1993, a produção foi zerada.

 

              O cenário precário da cidade não pode só ser creditado à ausência de empreendorismo nos produtores rurais e no empresariado local. O Poder Público local, tem demonstrado extrema letargia na tomada de medidas que signifiquem o crescimento econômico da cidade. Não há projetos consistentes para fomentar emprego e renda e as Secretarias de Indústria e Comércio, bem como a de Agropecuária tem se limitado a gerenciar burocraticamente suas atividades, sem perspectivas mais ousadas de gestão administrativa.

 

              A debilidade financeira da cidade toma ares alarmantes à luz de uma simples comparação da população entre o censo de 1890 e os dias atuais. Em 1890, Leopoldina tinha 35.531 habitantes (29.302 deles eram analfabetos, ou seja, 82, 5% da população) e o Brasil tinha 14.333.915 habitantes. Nos dias de hoje, Leopoldina não passa de 50.000 habitantes e o Brasil possui mais de 160 milhões de habitantes….

 

              Apesar de tal momento desolador, ventos de mudança sobrepairam Leopoldina. Nos últimos anos, duas Faculdades foram instaladas na cidade, gerando proveitosa reflexão sobre as mazelas sócio-econômicas do município. Ao mesmo tempo, movimentos populares desvencilhados do braço estatal têm lutado para que sejam geradas novas perspectivas para a cidade.

 

              Para melhor compreensão do contexto leopoldinense, desenvolvemos, com certa flexibilidade em relação a rigores metodológicos tradicionais, uma pesquisa especial que implicou na confecção de questionários respondidos por atores da vida sócio-jurídica da cidade. Além disto, dentro desta linha de estudo, em que se privilegia um enfoque metajurídico, foram ouvidas não apenas personalidades do mundo do direito oficial, mas também líderes de movimentos sociais e grupos comunitários extra-estatais. Nos itens subseqüentes, abordamos os resultados desta pesquisa, à luz da meta principal que é a de indicar alternativas para a melhoria do acesso à Justiça em Leopoldina. Cabe expor que o material usado nestas pesquisas e outras interessantes impressões coletadas no estudo do acesso à Justiça em Leopoldina constam de anexo à presente monografia.

 

    2.Análise crítica da Jurisdição estatal em Leopoldina- MG

 

              Morosidade e ineficiência… Estes termos, que são marcas indeléveis em todas as descrições do exercício da jurisdição estatal, infelizmente, também são aplicáveis à Leopoldina.

 

              Cumpre destacar que um dos grandes responsáveis pelo volume absurdo de processos, um dos grandes responsáveis pela morosidade, é o próprio Estado. As campeãs do número de ações ajuizadas são as execuções fiscais, que se arrastam por vários anos até porque seu objetivo maior, qual seja, a satisfação de um débito em prol do Estado quase nunca chega a se concretizar. Em uma cidade pobre como Leopoldina, a grande maioria das execuções fiscais termina sendo suspensa pela falta de bens penhoráveis.

 

              Mencione-se ainda que o próprio comportamento da Fazenda Pública nos processos executivos também se revela grave fator responsável pela morosidade. A Fazenda não toma providências para dar célere andamento ao processo. Notabiliza-se por juntar aos autos petições padronizadas, com os mesmos dizeres, muitas descontextualizadas com o estágio de andamento do processo. Os endereços dos executados são fornecidos de forma equivocada e a Fazenda não se preocupa em corrigir equívocos desta ordem. Na falta do encontro de bens penhoráveis, agrava a situação a ausência de diligências estatais na indicação de qualquer bem do devedor que garanta a constrição. Ademais, quando o devedor indica bens para penhora, a Fazenda oscila entre não aceitar o bem indicado (e, como sói ocorrer, não indica qualquer outro bem em substituição) ou não aceitar o papel de depositária do bem indicado. Com tanta letargia por parte da Fazenda Pública, é obvio que as execuções fiscais se acumulam sem quase nunca chegar a um bom termo.

 

              Outro contributo para o avolumado número de processos de Leopoldina são as empresas, recorrentes no uso do Judiciário na tentativa de recuperação de créditos. Novamente é preciso dizer que a maioria destes processos não chega a cumprir seu intento, qual seja, a satisfação do crédito. Relembre-se que a cidade de Leopoldina é pobre e não possui economia que consiga corresponder à volúpia financista de bancos, financeiras e fornecedores.

 

              A divulgação de tais dados demonstra também que a jurisdição em Leopoldina padece dos terríveis males advindos da elitização do acesso e da dificuldade de o cidadão comum defender em juízo direitos que sejam diferentes das querelas familiares e litígios de vizinhança. O número de ações ajuizadas pelo Estado e por empresas é infinitamente superior àquele da seara consumerista ou da tutela do patrimônio histórico, paisagístico e ambiental da cidade.

 

              Com efeito, a segunda onda dos estudos de Cappelletti, qual seja, a representação processual de interesses difusos e coletivos não “chegou” com grande impacto em Leopoldina. O número de ações populares e ações civis públicas é irrisório. Assim sendo, é inevitável constatar a inércia dos legitimados em lutar por direitos metaindivinduais.

 

              Um bom exemplo desta inação pode advir de uma análise mais prudente das reclamações de que o Ministério Público pouco se movimenta para tutelar em juízo os interesses coletivos e difusos. Há freqüentes reclamações de que os Promotores não se empenham em levar a juízo as constantes queixas de ofensas ao erário público, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico-cultural do Município. De fato, o Ministério Público não tem ajuizado ações civis públicas na extensão que o art. 129 da CF/88 exige. Contudo, também é bem difícil compreender os motivos pelos quais os munícipes não se organizam por intermédio de entidades civis não governamentais para pleitear judicialmente direitos da coletividade…

 

              Desalentadora é a constatação de que os grandes protagonistas da cena jurídica estatal em Leopoldina não têm mostrado interesse em apresentar dinâmicas novas de mitigação da morosidade, potencialização da eficiência da jurisdição e melhoramento do acesso aos excluídos. Há um inegável distanciamento entre juízes e os jurisdicionados. Sobre isto, cabe salientar o seguinte posicionamento de Volnei Ivo Carlim:

 

              ” Sem dúvida, a população sempre viu os magistrados de forma mística, uma figura quase divina, a ser adorada. Por certo, com o desenvolvimento da sociedade, houve um abrandamento dessa adoração, mas para a opinião pública, notadamente a interiorana, o juiz pode constituir-se ainda num personagem quase místico, e pertencente mesmo a um outro mundo. [04]

 

              Se, de um lado, deve ser visto pesar o desinteresse da sociedade civil em dinamizar a tutela de seus direitos, por outro giro o afastamento entre integrantes da jurisdição estatal e o povo também inibe a conscientização do cidadão comum de iniciativas para proteger seus interesses. Não existem canais institucionais de diálogo entre o povo e o Judiciário e isto não ocorre só em Leopoldina. Atestando esta cruel realidade, Lédio Rosa de Andrade assim se posicionou:

 

              ” Não são poucos os cartazes afixados nos fóruns, informando não atenderem, os juízes de direito e até mesmo os funcionários de cartório, as partes envolvidas, devendo, elas, procurarem o respectivo advogado. O Poder Judiciário, agindo desta forma, nega-se ao diálogo com o povo, considerando as pessoas simples como um incômodo, só pelo fato de desejarem saber e discutir seus direitos. (…) Como resultado de tudo isso, temos uma Justiça lerda, fraca, injusta, sonegadora dos direitos dos cidadãos. Vê-se a burocracia judicial consolidando a miséria na sociedade. Mas a vulgarização dos procedimentos nos faz aceitá-los, suportá-los e até aplicá-los, mesmo sendo injustos e cruéis. Acostuma-se com as injustiças, pois o tanto vê-las e conviver com elas, não mais revoltam, acabam trivializando-as. A morosidade e a ineficiência do Poder Judiciário já foram absorvidas pelos juristas e até mesmo pela população, e sequer causam mal-estar”.

 

              [05]

 

              Dentre outros fatores que justificam a morosidade e a ausência de eficácia da prestação jurisdicional estatal em Leopoldina, merece nota a falta de infra-estrutura tanto da Justiça Comum, quanto do Juizado Especial. O Fórum da cidade é alojado em um prédio velho, com espaços reduzidos, sem possibilidade de reformas para expansão, incapaz de comportar a ampla carga de procura ao Judiciário na contemporaneidade. O Juizado Especial também ocupa um espaço diminuto diante da crescente procura desta instância na Comarca. Além da falta de espaço físico, há a carência de material apropriado de trabalho. Por vezes, até material básico de trabalho (folhas, carimbos, tinta de impressora) passam por instantes de escassez. Nem todos os servidores dispõem de computadores e muitas movimentações processuais ficam na dependência da liberação de algum terminal em uso por outro servidor.

 

              Os próprios funcionários merecem um registro negativo à parte. Há um triste consenso entre advogados, estagiários e outros atores da comunidade jurídica local acerca do despreparo técnico e disciplicência laboral da maioria dos serventuários do Judiciário. Infelizmente, não é possível encontrar eufemismos para abrandar tal constatação.

 

              Similarmente às observações expendidas quando da análise sobre a crise da Justiça em Portugal e no Brasil, note-se que as razões para esta ausência de qualificação dos servidores são várias. Entre outras, vale realçar que a maioria dos servidores atuais não foi selecionada por concurso público. Trata-se de contratados a título precário que, ilegalmente, têm seus contratos prolongados por prazos que superam até mais de uma década. Os critérios de contratação destes servidores “precários” nem sempre são os mais transparentes, nem tampouco os mais benéficos ao interesse público.

 

              O aludido despreparo destes serventuários não se restringe à seara processual. Abrange também a falta de habilidade para criação de mecanismos organizacionais para otimizar o trabalho. Há, em algumas Secretarias Judiciais, uma divisão de trabalho excessivamente compartimentada, de forma que os servidores só são alocados para um tipo de função. Servidores que fazem as movimentações processuais não se misturam com servidores que confeccionam mandados e intimações e estes não se relacionam com servidores que fazem carga dos processos que saem para a Defensoria Pública, o Ministério Público, advogados e o juiz. Não que a especialização de tarefas seja ruim, mas o excesso de especialização nos serviços forenses faz com que as atividades fiquem muito separadas umas das outras, sem que os servidores tenham uma visão global dos andamentos processuais. O servidor mal sabe sua atividade e pouco está interessado no trabalho alheio. A falta de coesão e interligação entre as tarefas gera informações processuais desencontradas, um jogo obtuso de transferência de culpas quando ocorre qualquer problema e, por conseguinte, morosidade…

 

              Para que a descrição em tela não atribua aos serventuários judiciais exagerada responsabilização no que concerne aos males da ineficiência da jurisdição estatal e morosidade, há que se dizer que muitos destes vícios poderiam ser sanados se o Tribunal do Justiça do Estado de Minas Gerais oferecesse, com razoável periodicidade, cursos de capacitação e aprimoramento dos servidores. As raras visitas de juízes corregedores às Comarcas interioranas e as correições anuais determinadas pelo juiz diretor de foro são providências muito tímidas para correção dos defeitos administrativos na prestação dos serviços jurisdicionais.

 

              A morosidade em Leopoldina também pode ser aferida com base em análise de dados sobre ações judiciais ainda em curso. Para ilustrar com mais riqueza este aspecto, foi realizada uma pesquisa em três processos judiciais em curso na Comarca de Leopoldina. Os três processos dizem respeito às ações de indenização por danos morais, ligadas ao rito ordinário (dois são na Justiça Comum e um no Juizado Especial Cível). [06] O rito ordinário não é dos mais céleres, mas por si só não justifica que os processos em comento se arrastem por anos sem qualquer solução.

 

              Os autos de nº 038403022822-3, em curso na Justiça Comum, está “suspenso sine die”. A ação foi distribuída em 05 de setembro de 2003. O processo ficou parado mais de 30 dias aguardando expedição e remessa de mandado de citação para o Oficial de Justiça, dos quais aguardou mais de 20 dias para que a escrivã de Justiça inserisse sua assinatura no mandado. No início de fevereiro de 2004, o processo foi concluso ao juiz para despacho e só retornou para a Secretaria no início de março do mesmo ano. Em setembro de 2004, o processo ficou na Secretaria para novamente ser remetido para despacho judicial. Os autos só foram conclusos para despacho em 31 de janeiro de 2005. A audiência de conciliação só foi realizada em agosto de 2005, quase dois anos após o ajuizamento da ação. A audiência de instrução e julgamento foi designada para outubro de 2005, mas uma série extensa de adiamentos, pedidos de vista, temporadas de paralisação na Secretaria aguardando a expedição de mandados e, por fim, um acordo entre as partes para a suspensão temporária do processo a fim de que se estude uma possibilidade de composição, evitaram o desfecho do feito.

 

              Os autos de nº 038403023715-8 foram distribuídos em 21 de outubro de 2003. Tal qual o processo anteriormente analisado, a primeira demora do processo consistiu na singela expedição e entrega de mandado de citação ao Oficial de Justiça, só concluída em janeiro de 2004. A intimação sobre contestação ofertada pelo réu demorou quase 02 meses. Em 25 de maio de 2004 o andamento processual indicava um inusitado título: “aguarda providência”… Pois bem, o processo, de fato, aguardou providências por um mês, só sendo concluso para o juiz em junho de 2004. Novamente o processo ficou paralisado um mês (de maio a junho de 2004) aguardando publicação de intimação das partes. De agosto de 2004 até 31 de janeiro de 2005 o processo ficou paralisado na Secretaria aguardando conclusão para o juiz. A audiência de conciliação foi designada para maio de 2005, quase 02 anos após a distribuição do processo. Não obtido acordo, a audiência de instrução e julgamento foi designada para agosto de 2005. Novos adiamentos ocorreram e a audiência só foi realizada em outubro de 2005. Desde novembro de 2005 o processo está paralisado na Secretaria e o andamento processual indica que o processo “aguarda providências…”

 

              Mesmo o Juizado Especial Cível em Leopoldina também padece da morosidade. Os autos nº 038405036227-4 foram distribuídos em 10 de maio de 2005. Audiência de conciliação foi designada ainda para maio de 2005. Sem êxito na conciliação, a audiência de instrução e julgamento foi marcada para julho de 2005, mas adiamentos ocorreram e a audiência só foi terminada em janeiro de 2006. Terminada a audiência, foi determinada a conclusão dos autos para o juiz. A conclusão dos autos para o juiz depende da aposição de um simples carimbo da Secretaria. Passados mais de 20 dias da realização da audiência é que os autos foram conclusos para o magistrado que preside o feito.

 

              O descumprimento dos prazos processuais é ostensivo, se se tiver em conta que a movimentação processual em uma Secretaria não deve ultrapassar 48 horas e que os prazos de despachos do juiz são de dois dias e de decisões são de 10 dias.

 

              Para que uma análise sobre a jurisdição estatal em Leopoldina não fique restrita ao apontamento de defeitos, urge evocar como uma das recentes virtudes a instalação na Comarca de Centrais de Conciliação para causas ligadas ao Direito de Família. A iniciativa do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais é uma experiência adotada com sucesso na grande maioria das Comarcas mineiras e com Leopoldina o êxito não foi diferente. Processos tais quais ações de separação judicial, divórcio, alimentos, investigação de paternidade e disputa de guarda de menores podem ser resolvidos através dos trabalhos dos conciliadores, recrutados entre acadêmicos de Direito da Faculdade local. Os conciliadores são supervisionadas por uma Assistente Social e os índices animadores de composição simbolizam o acerto desta opção de resolução de litígios. Em média, 75% dos processos resultam em acordos, os quais, homologados posteriormente por um juiz, evitam que a morosidade e os custos processuais incidam nas ações ligadas ao Direito de Família.

 

              Outro panorama positivo da jurisdição estatal em Leopoldina diz respeito aos Juizados Especiais. Embora padeçam de certas vicissitudes (a análise de um processo em andamento no Juizado Cível demonstrou que a morosidade também atingiu tal microssistema), o Juizado Especial ainda é uma das alternativas mais razoáveis para o bom acesso à Justiça.

 

              Não há como esconder que existem problemas. Os funcionários do Juizado são, em sua maioria, cedidos pela Prefeitura Municipal, por outros órgãos públicos ou estagiários da Faculdade de Direito da cidade. Como se trata de servidores cedidos, há o risco de alta rotatividade, uma vez que as conveniências das instâncias que cedem podem ditar substituições ou reduções. Não há, por conseguinte, tempo hábil para um acurado treinamento dos servidores. Além disto, a infra-estrutura do Juizado não é das mais agradáveis e faltam computadores em número adequado para atividades comezinhas da Secretaria e da Central de Conciliação do Juizado. [07]

 

              Além disso, o Juizado, criado com o escopo de desafogar a Justiça Comum, hoje passa pelos mesmos problemas de excesso de demanda. Em Leopoldina, a questão fica até mais dramática, uma vez que o Juizado recebe mais ações que a Justiça Comum. A explosão da litigiosidade judicial em sociedades capitalistas também atingiu a pobre Leopoldina. Destaque negativo para querelas na seara consumerista, uma vez que concessionárias de serviços de telefonia, luz e água só dão atenção ao consumidor quando acionadas judicialmente. Outra razão para a sobrecarga de serviço é a possibilidade das microempresas acionarem inadimplentes no Juizado. Não que a possibilidade legal de microempresas ajuizarem ação nos Juizados Especiais seja necessariamente negativa, mas o complicado é que os Juizados se transformem em verdadeiro “departamento de cobranças” de empresas, com abarrotamento de pautas de audiência em ações nas quais a recuperação de crédito se dá em função de quantias míseras…

 

              Embora haja previsão na Lei dos Juizados Especiais Estaduais, em Leopoldina não existem os chamados “juízes leigos”, figuras que poderiam, no caso de não ocorrência de acordo entre os litigantes, servir como árbitros facultativamente escolhidos pelas partes para decisão do conflito. O fosso que separa as boas intenções do legislador e a prática dos Juizados se torna cada vez mais notável.

 

              Amenizando tais dificuldades, destaquem-se a boa receptividade e a presteza de servidores, estagiários e da magistrada que preside o Juizado. O atendimento aprazível a advogados e jurisdicionados não é uma marca comum de todas as instâncias estatais do acesso (e, lamentavelmente, desta mazela Leopoldina também padece…). O Juizado é um ambiente mais acolhedor para pessoas pobres, parvas de cultura e receosas por travar contatos com o Poder Judiciário tradicional.

 

              Um exemplo claríssimo desta boa vontade do Juizado na prestação jurisdicional foi a recente instituição do Juizado itinerante, o qual, a princípio, atende a cidade de Recreio, pertencente à Comarca de Leopoldina. De 15 em 15 dias, juíza e um grupo de servidores e estagiários se deslocam até a cidade e realizam atendimentos e audiências na sede da Câmara Municipal da cidade. Interessante é que a idéia para realização de tal atividade não careceu de maiores burocracias, ofícios e demorados convênios. Bastou um pedido informal do Procurador do Município de Recreio à juíza e a idéia foi concretizada.

 

              Outro fator que mitiga as carências do Juizado é o voluntarismo dos estagiários. São mais de 30 estagiários, a maioria sem remuneração, se revezando em atividades nas centrais de conciliação e nas Secretarias Judiciais. Os estagiários atuam no Juizado sem acompanhamento da Faculdade de Direito, que, assim como será adiante melhor relatado em outros pontos de análise do acesso em Leopoldina, tem se mostrado pouco presente em tal atividade.

 

    3.Análise crítica das funções essenciais à Justiça em Leopoldina- MG

 

              Os arts. 127 a 134 da Constituição Federal de 1988 elencam o Ministério Público, o advogado e a Defensoria Pública como figuras que devem ser reputadas como indispensáveis para a administração da Justiça estatal. Assim sendo, indispensável que se faça uma análise de tais entes dentro das conjecturas sobre o acesso em Leopoldina- MG.

 

              3.1. Defensoria Pública

 

              A Defensoria Pública da Comarca de Leopoldina é de uma precariedade tão grande no que tange à infra-estrutura de trabalho que os relatos aqui lançados são incapazes de descrever todo o quadro de abandono desta instituição na Comarca. Não obstante o louvável altruísmo dos Defensores Públicos locais, é impossível que a Defensoria preste serviços sempre razoáveis a seus assistidos ou mesmo que dê conta da extensa demanda que lhe é lançada.

 

              Não há eufemismos para abrandar a idéia de que a Defensoria Pública em comarcas interioranas de Minas Gerais está literalmente abandonada. E isto revela-se algo muito grave, principalmente se houver a consciência de que deveria ocorrer justamente o contrário, isto é, o fortalecimento de tal instituição. Leopoldina é uma cidade pobre e a Defensoria Pública é vital para oferecer aos excluídos oportunidade de vindicarem na jurisdição estatal seus direitos. Referendando tais palavras, cumpre destacar os seguintes dizeres de Elaine Rocha:

 

              “Sem a Defensoria Pública não há acesso à Justiça. Sem acesso à Justiça, o Poder Judiciário não pode dirimir os conflitos de interesses adotando a decisão mais justa para o caso e combatendo o abuso e arbitrariedade. E sem uma decisão justa para os conflitos de interesses não há participação ativa de todos os indivíduos na vida do seu governo e do seu povo. Não há cidadania! Até quando vamos ficar alheios à esta realidade? [08]

 

              Para se ter uma idéia deste abandono, basta ter em mente que a Defensoria conta com 03 computadores, mas um apenas é da própria Defensoria. Os outros computadores são cedidos pelo Poder Judiciário e outro “emprestado” por uma das Defensoras Públicas. A impressora da Defensoria Pública também é emprestada por uma das Defensoras e no dia em que for impossível a mantença da boa vontade desta Defensora não se sabe como as petições da Defensoria Pública de Leopoldina serão feitas..

 

              A ausência de maiores preocupações com a estruturação das Defensorias é certamente um comportamento inconstitucional dos Estados, que ocorre não só em Minas Gerais, mas, lamentavelmente, no país todo. Os Estados são obrigados, em nome da observância do princípio da simetria constitucional, a seguir o modelo de prestação de assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados conforme o traçado fornecido pela Constituição Federal. Para realçar esta obrigação dos Estados Membros, deve-se evocar as sábias lições de José Afonso da Silva:

 

              ” Os Estados não têm faculdade de escolher se instituem e mantêm, ou não, a Defensoria Pública. Trata-se de uma instituição já estabelecida para eles na Constituição Federal, sujeita até mesmo a normas gerais a serem prescritas em lei complementar federal para a sua organização em cada Estado, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes, como vimos, a garantia de inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais”. [09]

 

              Seguindo a narrativa do périplo de misérias da Defensoria Pública em Leopoldina, cabe dizer que as acomodações da Defensoria são caóticas. Trata-se de uma sala de tão somente 14 metros quadrados [10]. Para se ter uma idéia da ausência de espaço, o arquivos de processos fica no banheiro.

 

              A sala da Defensoria não tem ar condicionado, algo previsível diante de seu flagelo estrutural, mas elemento bastante grave em se tratando de Leopoldina, uma cidade com clima muito quente. Em um espaço muito reduzido e quase sempre hiper-lotado, a temperatura elevada torna ainda mais complicada a logística de atendimento daqueles que procuram a Defensoria.

 

              Os Defensores não tem birôs ou divisórias para atendimento, de maneira que não é possível falar em privacidade para casos de segredo de Justiça atendidos na Defensoria.

 

              A “biblioteca” da Defensoria conta com acervo pequeno e obsoleto e a maioria dos livros mais atualizados é de propriedade dos próprios Defensores. No dia em que um dos Defensores sair da Comarca haverá, por certo, redução drástica no pequeno acervo bibliográfico. A Defensoria não dispõe de Internet e nem faz assinatura de revistas e periódicos jurídicos.Desta maneira, é inegável que os Defensores Públicos em Leopoldina ficam bastante limitados no que diz respeito a mecanismos de atualização jurídica.

 

              A Defensoria Pública não tem recursos próprios (em Minas Gerais a Defensoria Pública ainda é vinculada à Secretaria do Estado e Defesa Social, sem deter a verdadeira autonomia que a Emenda Constitucional 45/04 aditou no parágrafo segundo do art. 134 da CF/88) e nem conta com muita ajuda de outros órgão da iniciativa pública e privada. Assim sendo, quando surge algum gasto extra inerente à Defensoria, muitas vezes quem honra a despesa são os próprios Defensores. Quando há, por exemplo, uma danificação em um dos computadores, são os próprios Defensores que arcam com o conserto, bem como são os próprios defensores que adquirem, com seus nada vistosos salários, resmas de papel e tinta para impressão quando tal material não é enviado da Capital do Estado tempestivamente. [11]

 

              Importante apontar, entretanto, de forma louvável, que, mesmo diante destes obstáculos para a prestação de uma adequada atividade, os Defensores Públicos mostram-se figuras esforçadas, humanas e cônscias de sua importância na promoção do acesso em Leopoldina. Como não há Defensores especializados por áreas estanques, eles atuam, indistintamente, em processos cíveis e penais. É uma forma, segundo os próprios Defensores de se manterem atualizados e em perene estudo.

 

              Em verdade, é preciso denunciar que o quadro de desleixo em relação à Defensoria Pública não é um “privilégio” de Leopoldina. Até hoje somente foram realizados 03 concursos públicos para provimento de Defensores públicos nas Comarcas Mineiras. Dos Defensores públicos de Leopoldina, um é egresso do concurso de 1997 e os dois ingressaram na Defensoria no meio do ano de 2005, selecionados em concurso realizado neste ano. Há, portanto, um intervalo exorbitante de 08 anos entre os dois últimos concursos. A Defensoria Pública em Minas Gerais, um Estado com mais de 800 cidades, não conta sequer com 300 defensores.

 

              Os Defensores Públicos da Comarca de Leopoldina tiveram pouco tempo de preparação para ingressar na carreira. Aprovados e empossados, tiveram, no máximo, duas semanas de treinamento. Reclamam os defensores que não são sempre bem atendidos por órgãos públicos e autarquias. Citam, como exemplo, o fato de que, comparando com o Ministério Público, há grande demora na prestação de informações e certidões por outros órgão públicos. Enquanto o Ministério Público costuma receber informações, por exemplo, do INSS e da Receita Federal em 03 dias, os Defensores recebem documentos e informações da mesma natureza em 15 dias…

 

              Os Defensores se dizem gratificados, apesar das dificuldades, com a carreira na Defensoria, mas todos ambicionam aprovação em concurso público para a Magistratura. A resposta para tal anseio é simples. Indagados sobre carências e necessidade de melhorias na Defensoria Pública, os Defensores foram enfáticos ab initio em um ponto: melhoria do salário [12]. Por mais que tal reclamo possa passar para um desavisado a imagem de que os Defensores Públicos da Comarca de Leopoldina são mercernários, isto não se coaduna com a realidade.

 

              Os Defensores entendem que os salários e condições de trabalho devem ser equiparados aos do Ministério Público e da Magistratura para que exista concreta isonomia entre tais atividades. Os Defensores também solicitam mais respeito por parte do Judiciário e dos operadores de Direito em geral. Denunciam, inclusive, que já existiu tempo em que na Comarca de Leopoldina mandados de intimação eram expedidos com a advertência depreciativa de que o intimado providenciasse advogado para comparecer em juízo ” sob pena de ser nomeado Defensor Público”.

 

              Leopoldina é uma cidade de pungente pobreza, então, por óbvio, os Defensores têm um vasto volume de serviço e muitos dos atendimentos nem são precisamente de ordem jurídica. Muitos dos que procuram a Defensoria apenas precisam ser ouvidos, conversar com alguém do staff estatal que demonstre boa atenção, saiba agir tal qual uma espécie de Assistente social ou Psicológo. Em várias ocasiões, os Defensores foram procurados por pessoas que não queriam o ajuizamento de uma ação judicial ou prestação de consultoria jurídica, mas sim apenas uma conversa amistosa e a chance de um desabafo… Desabafar com juízes e promotores é mais difícil do que com a figura mais humilde e cativante do Defensor Público. [13]

 

              Embora não tenham uma estatística organizada, os Defensores estimam prestarem na base de 200 a 300 atendimentos por semana. Em alguns dias formam-se filas enormes na frente da Defensoria Pública de pessoas procurando entendimento. Tais filas são degradantes, uma vez que as pessoas passam várias horas de pé, muitas até conduzindo crianças.

 

              As pessoas que passam pela Defensoria são encaminhadas para triagem, feita pelo servidor administrativo lotado na Defensoria. Há uma “recomendação” de que pessoas com renda superior a 02 salários mínimos só sejam, com efeito, atendidas pela Defensoria, se mostrarem aguda hipossuficiência. Embora a legislação pertinente (Lei 1060/50) não fixe tetos para atuação da Defensoria, a demanda excessiva tem tornado comum tal prática. Os não atendidos pela Defensoria Pública são encaminhados para a OAB ou para a “Casa do Cidadão”, Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Direito local [14] A prova de hipossuficiência para atendimento pela Defensoria é feita com juntada de contracheque ou preencimento de fichas de atendimento nas quais o próprio atendido assevera a veracidade de sua declaração de renda. A Defensoria Pública não atende casos vinculados à Justiça do Trabalho e causas da Justiça Federal.

 

              Os Defensores denunciaram que há tempos atrás sofriam restrições veladas para ajuizamento de ações nas quais o Estado estivesse no pólo passivo. Não havia recomendação por escrito para o não ajuizamento, mas a questão não era “bem vista” pela Cúpula da Secretaria de Justiça em Belo Horizonte- MG. Hoje tais restrições acabaram e a Defensoria tem se notabilizado por conseguir, por exemplo, mandado de segurança para obtenção de remédios aos necessitados na rede pública de saúde.

 

              Há muita desinformação por parte da população em relação ao papel e atuação da Defensoria Pública. A Defensora Pública mais antiga na Comarca narrou que já teve diversas vezes que ir a programas de rádio locais explicar que o Defensor Público também é um advogado. Alguns dos atendidos pela Defensoria ignoravam que o Defensor Público tem formação jurídica.

 

              O descaso do Estado para com a Defensoria Pública tem sido objeto de veemente repúdio. Uma das vozes a se posicionar neste sentido foi Marcelo Adriano Micheloti, que informou o seguinte:

 

              ” Infelizmente, tanto a União, quanto os Estados Membros têm sido omissos no cumprimento do mandamento constitucional de instituir/estruturar condignamente as Defensorias Públicas. Relatório da Organização das Nações Unidades sobre o Judiciário realizado em nosso país no ano de 2004 e divulgado em março deste ano indica que o principal problema no Brasil é a falta de acesso da população marginalizada à Justiça. Insista-se, o maior problema do Judiciário no Brasil é a ausência de Defensorias Públicas, tanto que esse relatório recomendou ao nosso governo a estruturação eficiente da Defensoria Pública. Comentando esse relatório disse o Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Edson Vidigal que ´´o Judiciário no Brasil está mais para os endinheirados´´ “. [15]

 

              A efetivação de um regime que não seja apenas simbolicamente democrático exige a luta pela garantia aos não privilegiados economicamente da tutela de seus direitos. A necessidade de se estabelecer uma Justiça acessível aos carentes significa a coragem de assumir o desafio da inclusão social. A Defensoria Pública, apesar de estar em fase de embrionária e lenta fortificação, mostra-se como uma das alternativas mais salutares para tal enfrentamento.

 

              Fortalecer a Defensoria não reside apenas em conferir a esta instituição autonomia administrativa e orçamentária para melhoramento de sua infra-estrutura, mas também permitir sua maior participação em maiores contendas coletivas. A Defensoria deve superar a feição da defesa individual de direitos e passar a representar processualmente as massas. Uma das maneiras de efetivar isto é lançar uma extensiva e teleológica interpretação sobre o art.5 da Lei 7347/85, a Lei da Ação Civil Pública. Este dispositivo, que indica os legitimados para interpor ação civil pública, não cita literalmente a Defensoria Pública. Contudo. tal artigo, não pode ser interpretado como formador de um rol taxativo de legitimados.

 

              Cumpre lembrar que a Lei 8078/90, qual seja, o Código de Defesa do Consumidor, no art. 82, III, conferiu legitimidade para o ajuizamento de ações coletivas às entidades e órgãos da Administração Pública direta ou indireta, ainda que despidos de personalidade jurídica. Acrescente-se ainda que até a Constituição Federal, se interpretada com um olhar mais pluralista, assinala, sem maiores restrições, no art. 129, parágrafo primeiro, a legitimidade de “terceiros” para propor ação civil pública. Para um bom intérprete do texto constitucional, o termo “terceiros” não simboliza que a ação civil pública reside apenas no Ministério Público e em associações civis com mais de um ano de existência.

 

              Assim sendo, nada impede que a Defensoria Pública, órgão público postado no interesse dos desafortunados, proponha ações civis públicas para defesa de interesses metaindividuais [16].Esta foi também a conclusão a que chegou Cláudia Carvalho Queiroz:

 

              ” Por se tratar de órgão público e ter entre suas funções institucionais o patrocínio da ação civil, bem assim a defesa dos interesses transindividuais, a Defensoria Pública possui plena legitimidade para propositura de ações civis públicas para tutela dos aludidos interesses, a qual, inclusive, prescinde de autorização de qualquer autoridade administrativa superior, notadamente em decorrência da prevalência dos princípios institucionais da autonomia, independência funcional, unidade e indivisibilidade”. [17]

 

              3.2.Ministério Público

 

              Um oásis de infra-estrutura e conforto para o trabalho… Se comparado à Defensoria Pública e à sede da OAB em Leopoldina, o Ministério Público efetivamente merece tal consideração.

 

              Alojado em espaço infinitamente mais amplo que a Defensoria no Fórum da Comarca, o Ministério Público conta com 10 computadores (somados os computadores da Defensoria e da subseção da OAB chega-se à exata metade deste número), com acesso ininterrupto à Internet. O quadro administrativo possui 04 funcionários, todos concursados. A Comarca possui 04 Promotores de Justiça, dois em varas cíveis, um na vara Criminal e um que responde pela maioria das Curadorias. Cada promotor tem sua própria sala, com espaço amplo e aprazível (não seria exagero dizer que a Defensoria Pública “caberia” toda em uma destas salas). O Ministério Público dispõe de 08 estagiários e alguns são remunerados (embora a remuneração não passe de um salário mínimo). O Ministério Público esporadicamente recebe periódicos enviados pela Procuradoria de Justiça e por várias editoras. Os Promotores ainda se gabam de possuir um eficiente serviço de pesquisa jurídica em Belo Horizonte, sendo certo que podem, a qualquer instante, requisitar livros, fazer consultas e solicitar aprofundamentos doutrinários sobre temas controversos. Este serviço funciona com dinamismo, uma vez que os promotores das Comarcas de interior são prontamente atendidos por uma equipe de estudiosos mantida pelo Ministério Público só para este trabalho de suporte.

 

              Em Minas Gerais, o Ministério Público possui autonomia orçamentária e os salários dos Promotores são bem mais convidativos ao ingresso na carreira do que instâncias como a Defensoria Pública. O plano de carreira do Ministério Público é visto como algo muito bom pelos próprios Promotores, razão plausível para a diminuta evasão nos quadros da Instituição.

 

              Diferentemente da Defensoria Pública, o Ministério Público em Leopoldina não precisa de outros recursos e doações de entes públicos e privados. Ainda na desigual comparação com a Defensoria, o Ministério Público apresenta condições muito mais propícias para atendimento de casos de segredo de Justiça, haja vista que as salas dos Promotores podem ser fechadas para atendimentos privativos.

 

              A Resolução nº 51/05 da Procuradoria Geral Adjunta do Ministério Público de Minas Gerais fixou as atribuições de cada Promotor na Comarca. A divisão ficou da seguinte forma:

 

              1º Promotoria de Justiça- atuação junto à 2ª Vara Cível, defesa da saúde, defesa dos deficientes e idosos, atuação nos Juizados Especiais;

 

              2º Promotoria de Justiça- atuação junto à 1ª Vara Cível, defesa da saúde, defesa dos deficientes e idosos, atuação nos Juizados Especiais;

 

              3ª Promotoria de Justiça- tutela das fundações, defesa do patrimônio público, defesa do consumidor, defesa do patrimônio histórico e cultural, defesa da habitação e urbanismo, defesa do meio ambiente, defesa da infância e juventude;

 

              4ª Promotoria de Justiça- atuação em processos criminais, fiscalização externa da atividade policial, defesa da ordem econômica e tributária, defesa dos direitos humanos, apoio comunitário e conflitos agrários.

 

              Com efeito, no papel esta divisão de atribuições dá a impressão de marcante presença do MP na promoção do interesse público na Comarca de Leopoldina. Na prática, infelizmente isto nem sempre ocorre…

 

              Os Promotores não apresentam grande ânimo se indagados sobre permanecer ou não em Leopoldina, tampouco esboçam firmeza em resposta negativa. Em verdade, tem-se a impressão de que os Promotores de Justiça não estão intensamente integrados à vida da cidade, o que talvez justifique a tibieza da instituição em zelar por questões nevrálgicas de lesões a direitos difusos e coletivos na Comarca. [18]

 

              A ausência de uma atuação mais enérgica do Ministério Público em tutelas coletivas talvez não seja privativa de Leopoldina. O Professor José Ribas Vieira, calcando suas observações em ricas pesquisas de campo, já expressou o seguinte:

 

              ” Em outra pesquisa em andamento ‘As categorias de individualismo e coletivo no Direito’, com apoio da Faperj, já denota-se dificuldades de toda uma série de procedimentos processuais para uma aplicação da noção de ‘coletivo’. Tais dificuldades acabam desnorteando um cidadão que, ao procurar uma agência estatal ou não de resolução de conflitos, depara com uma burocratização excessiva de formalismos para proteção de seus direitos em termos coletivos”. [19]

 

              De qualquer maneira, por outro giro, ainda há de positivo um grau moderado de reflexão e crítica dos Promotores diante de sua atuação, de suas possibilidades e da lógica de trabalho da classe. Em Leopoldina há o reclamo por um número maior de Promotores, o que demandaria a realização mais rápida de concursos públicos para o provimento de vagas. Os Promotores também salientam que o quadro administrativo de servidores sempre enfrenta lacunas em razão de aposentadoria e não imediato preenchimento de vagas. Lamentam ainda que sejam realizados poucos encontros regionais entre os Promotores e que isto provoque certo isolamento entre os membros do Ministério Público. Reivindicam também que a Procuradoria de Justiça promova mais cursos de atualização dos Promotores e estimule mais atuações padronizadas e ações conjuntas.

 

              Sobre o Judiciário, os Promotores em Leopoldina não deixam de indicar, com grande desapontamento, a morosidade como fator de perda da credibilidade da Justiça. Neste sentido, afirmam que tentam ser sempre pontuais nos atendimentos de prazos processuais, diretiva que não estaria sendo habilmente seguida por Secretarias Judiciais e Juízes. Aduzem também que, em épocas nas quais há um volume grande de processos para se pronunciarem, eles elencam prioridades e realizam “mutirões” nos quais podem ser ajudados por Promotores de outras Comarcas, dando prioridade aos feitos ligados a incapazes, medidas cautelares, mandado de segurança, questões vinculadas ao direito de saúde.

 

              Uma reclamação repleta de razão dos promotores é a restrição jurisprudencial que o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais tem criado para que o Ministério Público tutele direitos individuais homogêneos em juízo. Ao argumento da ausência de legitimidade do Ministério Público para tal atuação, petições iniciais nas quais se requer medicamento ou internação hospitalar para doentes graves têm sido indeferidas. Diante de tal quadro, questões desta ordem têm sido transferidas para a Defensoria Pública na Comarca de Leopoldina.

 

              Embora exista tal restrição na jurisprudência mineira, respeitáveis doutrinadores balizam a posição do Ministério Público. Ada Pellegrini Grinover , em resposta àqueles que reclamam a falta de previsão expressa na Constituição Federal, aduziu o seguinte:

 

              ” (…) a Constituição de 1988, anterior ao CDC, evidentemente não poderia aludir, no art. 129, III, à categoria dos interesses individuais homogêneos, que só viria a ser criada pelo Código. Mas na dicção constitucional, a ser tomada em sentido amplo, segundo as regras da interpretação extensiva, enquadra-se comodamente a categoria dos interesses individuais, quando coletivamente tratados. (….) A tutela dos direitos transindividuais não significa propriamente defesa de interesse público, nem de interesses privados, pois os interesses privados são vistos e tratados em sua dimensão social e coletiva, sendo de grande importância política a solução jurisdicional de conflitos de massa“. [20]

 

              Aos que procuram o Ministério Público em Leopoldina, uma limitação inexplicável é chocante. O Ministério Público adota o discurso de estar sempre de portas abertas para o cidadão, atendendo a toda hora qualquer pessoa que precise de sua assistência. Em algumas Comarcas, a prática deste discurso é tão veemente que há placas na entrada do Ministério Público com a frase “entre sem bater”. Em Leopoldina, a situação é completamente diferente. Na entrada da sede do MP há uma placa indicando que a entrada no Ministério Público só é permitida “aos funcionários”. Para qualquer pessoa ser atendida, deve bater na porta e esperar de pé um servidor atendê-la e encaminhá-la para atendimento. O atendimento quase nunca é célere e, pasme-se, muitas vezes nem é feito pelo próprio Promotor, mas sim por outro servidor administrativo ou um estagiário que faz uma espécie de “triagem”.

 

              A relação do Ministério Público com a Defensoria Pública, com o Judiciário, com os advogados leopoldinenses e com a Faculdade de Direito local é fria, mas amistosa. Não há relatos de incidentes graves de conflitos entre o MP e os entes acima citados. Contudo, no que tange à Faculdade de Direito o Ministério Público tem uma reclamação parecida com a da subseção da OAB de Leopoldina: a ausência de maior contato e intercâmbio. Não há sequer acompanhamento constante sobre o desempenho dos Acadêmicos da Faculdade que prestam estágio no Ministério Público. Da mesma forma, o Ministério Público diz conhecer pouco a “Casa do Cidadão”, reiterando a ausência de mecanismos de atuação conjunta com o Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade.

 

              3.3. Advogados

 

              A minúscula sala que serve como sede da subseção da OAB na Comarca de Leopoldina- MG, localizada no velho prédio do Fórum da cidade, já demonstra que a palavra “precariedade” será lugar comum também na apresentação desta instituição. A OAB em Leopoldina possui dois computadores (pelo menos são da própria OAB e não “emprestados tais quais os da Defensoria”), mas não possui acesso à Internet. A estrutura administrativa da OAB conta com dois funcionários de carreira (nisto também é “melhor” que a Defensoria Pública).

 

              Distintamente de subseções vizinhas, em Leopoldina a OAB se resume à sua sede no Fórum. Não há mais uma “Casa do Advogado”. O aluguel do imóvel que servia para tal promoção era muito tido como muito caro frente às parcas receitas da subseção e além disto era subutilizado. Os eventos realizados na antiga ” Casa do Advogado” congregavam poucos advogados.

 

              Com o fim da “Casa do Advogado”, a OAB Jovem, entidade que agrega advogados com menos de cinco anos de carreira, ficou sem sede. A ausência de sede tem prejudicado seriamente movimentos reformistas de jovens advogados que colimem aprimorar a estrutura da OAB e a atividade dos advogados na Comarca.

 

              A relação da subseção da OAB de Leopoldina com a Seccional em Belo Horizonte é até tida como amistosa. Há, em um primeiro instante, certo constrangimento dos advogados em criticar qualquer instância da OAB, mas acaba existindo reclamação no sentido de que deveriam ser destinados mais recursos financeiros para a subseção. Não há provimento de verbas sequer para feitura de carimbos dos diretores da OAB e a precariedade financeira chega ao ponto de o telefone da subseção não fazer chamadas para aparelhos celulares…

 

              A aplicação das receitas financeiras da OAB é uma temática que merece maiores comentários. Não é só a subseção de Leopoldina que apresenta queixas neste sentido, mas sim a maioria das subseções do interior de Minas Gerais. É evidente que há necessidade de que se estabeleça algum mecanismo de controle sobre a aplicação das receitas da OAB. Neste sentido, assim se posicionou José Ernesto Manzi:

 

              ” 1.Calcula-se que no Brasil haja 500 mil advogados (210.000 apenas no Estado de São Paulo), com uma anuidade média de R$ 400, 00, ou seja, R$ 2000.000.000, 00. Não se pode tornar livre e fiscalizável apenas interna corporis a aplicação de quantias tão vultosas em nome de uma pretensa independência. Se o Judiciário, segundo a OAB, não perde a independência com o controle externo (que está além de suas contas), porque o mesmo raciocínio não serve para a OAB? Somente com a colocação da autarquia acima dos Poderes da República e da lei (inclusive a Constituição), é que esse raciocínio se justificaria. Também os advogados, que lutam para pagar os impostos, taxas, despesas e a anuidade, teriam maior certeza que o valor da última é apenas o necessário ao exercício das funções institucionais, sendo gasto de forma comedida, planejada e racional”. [21]

 

              A consciência crítica precisa ser mais exercitada pelos advogados. Talvez um bom paradigma para os advogados leopoldinenses, ou, melhor dizendo, para todos advogados em geral, tenha sido externado por virulentos comentários de Fernando Machado da Silva Lima:

 

              ” 2.Quer dizer então, que as nossas anuidades estão sendo inflacionadas, com as despesas do Clube dos Advogados, e até mesmo, talvez, com as despesas da confecção da fantasia da Rainha do Carnaval? Não seria interessante que a OAB/PA divulgasse, alías, o que vem sendo gasto nesse Clube, do valor das nossas anuidades ou, talvez, de algum empréstimo bancário?”. [22]

 

              Outra questão merecedora de descrição minuciosa diz respeito ao não pagamento pelo Estado de Minas Gerais dos honorários de advogados dativos e os reflexos disto em Leopoldina. Há um grande embate entre a OAB, o Poder Judiciário e o Governo do Estado de Minas Gerais no que diz respeito à figura dos advogados dativos, nomeados para atuar em nome de pessoas carentes não atendidas pela Defensoria Pública. Há um convênio entre OAB e o Estado de Minas Gerais para que o Estado remunere tais advogados. O convênio não passou de uma ilusória “carta de intenções”. O Estado de Minas Gerais não tem quitado os honorários advocatícios fixados pelos juízes em prol dos dativos. Assim sendo, várias subseções da OAB, incluindo Leopoldina, têm recomendado a todos os advogados para não acatar as nomeações como dativos. Os advogados têm cumprido à risca tal recomendação, o que tem causado imensa irritação dos juízes da Comarca, a ponto de existirem ameaças por parte dos magistrados em apresentar representações junto à Seccional Mineira da OAB contra causídicos que rejeitam a nomeação como dativos. Eventuais representações neste sentido não devem surtir efeito, uma vez que a Seccional não vê com olhares de reprovação a insurreição das subseções diante da inadimplência do Estado. Neste imbróglio todo, o mais prejudicado, sem sombra de dúvidas, é o cidadão carente que necessita da atuação dos dativos…

 

              A relação da OAB de Leopoldina com a Faculdade de Direito local guarda animosidade branda. Embora alguns advogados da cidade sejam até professores da Faculdade, não há sinergia de forças entre as instituições nas promoções de eventos. As palestras, seminários, ações comunitárias, programas de extensão e de iniciação científica promovidos pela Faculdade não contam com participação da OAB. Nos eventos realizados pela OAB, a ausência de participação da Faculdade também é ostensiva. A subseção da OAB local não deixa de tecer críticas à ausência de acompanhamento mais ostensivo por parte da Faculdade quanto aos Acadêmicos que acabaram de ingressar na OAB como estagiários. Não há sequer representante da Faculdade nas solenidades de entrega de carteiras de estagiário aos Acadêmicos. Outro foco de atrito diz respeito à Casa do Cidadão, o Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade. Alguns advogados são antipáticos ao Núcleo de Prática Jurídica, uma vez que, segundo estes, a Casa do Cidadão retira clientes dos advogados leopoldinenses. Neste sentido, é de bom tom considerar (e nisto advogados sérios e éticos da Comarca concordam) que o mercado para a advocacia em Leopoldina era saturado mesmo antes da existência da Casa do Cidadão e que os clientes atendidos por tal entidade pertencem a um nicho ignorado pela maioria da advocacia, qual seja, os cidadãos paupérrimos, sem potencial para pagar razoáveis honorários. Há até quem diga que muitos dos clientes hoje atendidos pela Casa do Cidadão eram explorados pelos advogados que hoje reclamam do Núcleo de Prática Jurídica, os quais, à custa de honorários irrisórios que maculavam a imagem do advogado na cidade, prestavam serviços jurídicos de baixa qualidade.

 

              Também há certa tensão na relação da OAB em Leopoldina com o Judiciário. Como sói ocorrer, a revolta quanto à morosidade revela-se uma queixa recorrente. Também é difícil o relacionamento entre os advogados leopoldinenses e o serviço das Secretarias Judiciais. Reclamações de grosseria e despreparo dos serventuários no atendimento são freqüentes. Os advogados não têm acesso ao interior das Secretarias e ficam vários minutos em filas nos balcões esperando atendimento. Há um número insuficiente de servidores e tais funcionários são comumente considerados como relapsos e desidiosos com suas funções, ignorando praxes e prazos legalmente fixados. Com isto, não existiria atendimento de prerrogativas mínimas dos advogados, algo que reclamaria uma ação mais forte da OAB no sentido de manejar instrumentos administrativos e judiciais que garantam o exercício dos direitos previstos no Estatuto da OAB. A simples reclamação em corredores do Fórum é estéril diante de tal quadro. Há, sem sombra de dúvidas, comodismo e medo de retaliações por parte da maioria dos advogados.

 

              No que concerne ao cumprimento por parte dos advogados de Leopoldina de preceitos éticos do Estatuto e do Código de Ética da OAB, membros da própria diretoria da subseção de Leopoldina reconhecem o descumprimento por um número expressivo de causídicos de preceitos comezinhos na seara deontológica. As desobediências a mandamentos éticos se dão basicamente em duas ordens: no trato dos advogados entre si e na relação com os clientes.

 

              Poucos são os advogados em Leopoldina que cobram para darem consultas jurídicas. Com isto, é comum prática exótica de “pechincha” de alguns clientes entre advogados. Liberto do pagamento da consulta, alguns clientes submetem seus problemas para apreciação de vários advogados e promove-se um verdadeiro “leilão do menor preço” . O advogado que cobra os menores honorários ou oferece as melhores condições de pagamento leva este perfil de cliente, independentemente do mérito do profissional e da sua real possibilidade de resolução da demanda. Não chega a ser incomum a postura de um advogado, quando procurado, indagar ao cliente se ele já procurou outro advogado, o preço avençado para o trabalho e, com base em tais dados, apresentar proposta que seja menos custosa que a oferta anterior.

 

              Trata-se de um círculo vicioso que acaba sendo alimentado por este tipo de clientela com padrões seletivos questionáveis, ávidos pela política nem sempre eficiente do “bom, bonito e barato”. Para este cliente, o advogado que não é “caro” na cobrança dos honorários, dá “garantia” de vitória judicial e promete resolução do problema em célere tempo, acaba levando vantagem em relação ao causídico menos afeto a pirotecnias e marketing aético para conquistar clientes.

 

              Outro tenebroso “atrativo” de clientes são as posturas de advogados que se predispõem prazerosamente a advogar para litigantes de má-fé. Os abusos vão desde chicanas processuais tradicionais, tais como inventar alegações falaciosas, fraudar documentos, industrializar depoimento de testemunhas, usar de recursos e ardis processuais diversos para procrastinar causas nas quais a derrota é certa até casos escandalosos de fraude à execução, nos quais advogados orientam clientes a frustrar processos executivos retirando bens de sua propriedade, lançando-os no nome de “laranjas”, geralmente parentes, “amigos” ou em nome de conhecidos dos próprios advogados.

 

              Normalmente, o advogado que é leviano com o colega de classe também se mostra nada confiável em seu trato com o cliente. Em Leopoldina, há casos de advogados até suspensos da OAB em razão de terem se apropriado indevidamente de dinheiro de clientes levantado em ações previdenciárias. [23] Também são muitos os casos de advogados que se aproveitam de brechas em procurações judiciais para firmar acordos com a parte ex adversa lesivos a seu cliente. Receber honorários e não comparecer em audiências ou sequer ajuizar ações, abandonar determinadas ações para não litigar contra pessoas influentes na cidade, substabelecer sem autorização, deixar de fixar contrato de honorários e, ao término do serviço, cobrar honorários extorsivos da parte relapsa em firmar por escrito sua avença, se apropriar dos poucos bens de clientes mais pobres em causas nas quais possuem adrede ciência da derrota processual de seu cliente, são também péssimos exemplos recorrentes de práticas abusivas.

 

              O rol de comportamentos abomináveis de advogados antiéticos é extenso, não pode ser taxativamente aqui restrito e não é mazela típica apenas de Leopoldina. Com efeito, é preciso dizer que a subseção de Leopoldina, no que diz respeito a comportamentos que violem a ética profissional, apenas reproduz pecados que lamentavelmente são cometidos em várias outras subseções.

 

              Problemática se revela a pouca disposição dos clientes lesados em reclamar junto à OAB ou buscar judicialmente o ressarcimento de prejuízos ocasionados por um advogado. O advogado, geralmente um profissional liberal, presta serviços que podem ser enquadrados em uma relação de consumo, de maneira que deve, além dos preceitos éticos que norteiam sua atuação, obedecer a ditames do Código de Defesa do Consumidor.

 

              A ausência de uma vida ética por muitos advogados da subseção talvez nem seja causa, mas sim efeito de outra mazela da advocacia leopoldinense: o número diminuto de advogados com robusto substrato jurídico. Novamente é preciso ser justo e dizer que, lamentavelmente, este não é um “privilégio” apenas de Leopoldina…..

 

              A massificação de Faculdades de Direito, muitas sem maiores cautelas na formação de seus alunos, é notoriamente percebida na desvalorização progressiva da figura do advogado. Sem o risco das generalizações indevidas (não se disse aqui que todos os advogados merecem rótulos negativos, nem tampouco que todos os advogados de Leopoldina ensejam tal depreciação), o certo é que o Bacharel de Direito tem em sua mente a idéia de que a estabilidade obtida no concurso público é algo muito mais confortável do que as oscilações e intempéries da carreira de um profissional liberal. Tal concepção remonta os tempos da colonização portuguesa e toda a herança de formalismo e estatização. Também há íntima ligação com o advento das primeiras Escolas de Direito no Brasil, que se destinavam justamente a formar quadros para a Administração Pública. Viver na condição de servidor do Estado é uma “salvação” que liberta o Bacharel de Direito do temor que ele sente de ter que se apoiar em si próprio para todas as circunstâncias, caso ele permaneça na advocacia privada. [24]

 

              Explicitando este quadro, assim se posicionou Roberto Wagner Lima Nogueira:

 

              “1. E quais as conseqüências do complexo de ‘viralatas’ na formação de nossos estudantes em direito? É que os bacharéis em direito logram êxitos nos concursos públicos, portanto, se ‘livram’ do complexo de ‘viralatas’, passam a padecer de outro complexo, corolário do primeiro, o complexo do ‘você sabe com quem está falando’, tão bem cunhado pelo antropólogo Roberto DaMatta. Ou seja, jovens operadores do direito, juízes, promotores etc, que se transformam em detentores de um poder, muitas das vezes ainda exercida em pleno limiar do século XXI, de forma arrogante e até mesmo autoritária. E isto ocorre, porque os juízes e promotores que hoje se titularizam, são frutos de uma universidade que os fortificaram naquele complexo original de ‘viralatas’ que foi ‘superado’ pela aprovação no concurso público. E os que não logram êxitos nos concursos públicos? Estes são uns fracassados que se mantêm com a carapuça do ‘complexo de viralatas’, e padecendo deste complexo, inflam cada vez mais o complexo de ‘superioridade’ dos que foram aprovados nos concursos. A verdade mais singela é que até mesmo alguns dos professores de Direito na atualidade, quando não são titulares de cargos públicos, se sentem também tocados pelo ‘complexo de viralatas’. É a ditadura do cargo público”. [25]

 

              É preciso resgatar um quê de nobreza no exercício da advocacia privada. Porém, justamente os mais interessados em tal busca se omitem. Em Leopoldina, por exemplo, cabe também comentar que a parca presença de advogados em palestras e eventos promovidos pela OAB ou pela Faculdade de Direito da cidade constitui prova do desinteresse em melhoramento acadêmico de parcela considerável dos advogados. Um número não muito extenso de advogados mais comprometidos em se atualizar e prestar um serviço de melhor qualidade (parte deles lecionando na Faculdade de Direito da cidade ou fazendo Pós Graduação Lato Sensu neste educandário) reconhece que a maioria dos advogados leopoldinenses poucos estudam, raramente consultam bons livros, mantêm-se atrelados à ortodoxas práticas e modelos defasados de petições e não apresentam qualquer interesse em modificar tal quadro. [26]

 

              4. As alternativas extra-estatais e os movimentos sociais em Leopoldina- MG

 

              O malogro da jurisdição estatal e das instâncias a ela atreladas, incapazes de atender à demanda lançada e presas a favoritismos ideológicos, é algo claro em Leopoldina. Da mesma forma como a lamentável reprodução desta mazela resta bastante nítida, positivo se revela a reação pró maximização de movimentos sociais e do acesso à Justiça através de instâncias informais, nem sempre reconhecidas pelos organismos oficiais, mas extremamente eficientes naquilo que se propõe a realizar.

 

              O primeiro grande exemplo a ser delineado é o da Pastoral Carcerária e da Infância e da Juventude e o jornal Recomeço. À primeira vista, um desavisado não esperaria muito de um grupo de mulheres de meia idade, já aposentadas, a maioria já com netos, criadas nos altos rigores da tradicional família mineira. Contudo, em tais figuras concentra-se um resíduo importante da sensibilidade, altruísmo e humanismo na promoção de ações inclusivas aos segregados.

 

              O acesso à Justiça tem no seu germe a necessidade de problematizar e apontar fraturas da questão social. Sempre foi alinhavado neste trabalho que a dimensão das calamidades no acesso é mais dramática do que tão somente vicissitudes jurídicas. A desigualdade social, a miséria, a pobreza, também aparecem em Leopoldina como os pontos mais ríspidos no firmamento de óbices para o pleno acesso.

 

              Esperar do Estado, particularmente em Leopoldina, ações concretas no sentido de atacar este mal é desilusão. A crise do Estado representa um fenômeno que age tal como metástase, danificando os tecidos burocráticos de metrópoles e pequenas cidades.

 

              Assim sendo, a reação de entes da sociedade civil na consecução de fins que não são atingidos pelas organizações estatais simboliza não a solução de todos os males (este trabalho não está eivado de UTOPIAS), mas o apontamento de cômodas saídas.

 

              A Pastoral da Infância e da Juventude e Pastoral Carcerária atuam ativamente em Leopoldina por mais de 20 anos. Tal trabalho agrega um grupo pequeno de mulheres (nem sempre é fácil conglobar grandes grupos em atividades filantrópicas de grande alcance- é muito mais fácil a adoção de paternalismos esporádicos, como, por exemplo, a doação de “bons samaritanos” de cestas básicas no Natal…) em comunidades marginalizadas, com pobreza generalizada, ausência de atuação estatal incisiva, crianças com estágios de sub-nutrição assustadores e criminalidade elevada.

 

              Dentre as posturas nobres da Pastoral destaque para a ação de ressocialização e tentativa de mitigar os absurdos pelos quais os presos da Cadeia Pública de Leopoldina são submetidos. Em espaços nos quais não caberiam mais de 20 pessoas, grupos de 80 a 90 presos se “apertam” de maneira que só a geometria da sobrevivência diante do desespero pode explicar…. Nem é preciso tecer maiores comentários sobre as condições de higiene e salubridade em tais espaços…..

 

              Em atuação conjunta com a APAC, a Pastoral proporciona aos presos aulas de artesanato e de materiais de limpeza pessoal e mantimentos alimentícios e já está em fase final de preparativos a promoção de um curso de alfabetização de presos.

 

              A realidade áspera dos encarcerados levou uma das integrantes da Pastoral, a, com recursos próprios, montar o “Recomeço”, um jornal iniciado em 2001, quinzenal, com tiragem aproximada de 150 cópias. O jornal é escrito, em sua maior parte, pelos próprios presos, que fazem emocionantes relatos de suas impressões da vida carcerária, da perspectiva de ressocialização, bem como solicitam ajuda no acompanhamento de suas execuções penais. O jornal é distribuído gratuitamente entre os próprios presos, em igrejas, centros comunitários, escolas e no Fórum.

 

              Há também divulgação do Recomeço em um site da Internet, que conta com mais de 11000 acessos. Muitas pessoas tentam fazer assinatura do jornal, mas sua idealizadora e redatora, em nome da informalidade e da não burocracia, além do temor de ficar sobrecarregada, deliberadamente se opõe à expansão do jornal.

 

              Inicialmente, o jornal foi bem acolhido pelo Judiciário local. A antiga juíza diretora do foro até escrevia para a redação do jornal respondendo, de forma cordata, a reclames de presos.

 

              No entanto, tudo mudou de figura quando o jornal Recomeço publicou bombástico editorial no qual denunciou que, depois da última rebelião, os presos em Leopoldina estavam há 11 meses de “castigo”, sem direito a banho de sol e só podendo receber visitas “na grade”, sem possibilidade de contato com os visitantes. O editorial atacava ainda a ausência de fornecimento de remédios e atendimento médico aos presos

 

              Após a publicação do editorial, tais rigores foram imediatamente abrandados (para um nível ainda muito distante do tratamento que a Lei de Execuções Penais garante aos presos) e o problema inerente à ausência de medicamentos e médico foi resolvido. Entretanto, o atual juiz Diretor do Foro apresentou um termo circunstanciado de ocorrência (TCO) contra a redatora do jornal, ao argumento da ocorrência de “calúnia” e “difamação”.

 

              No que concerne aos menores carentes, a Pastoral da Infância e da Juventude mantém um centro de atendimento no Bairro Bela Vista, uma das zonas mais pobres da cidade. Trata-se do projeto “portas abertas”, que abriga crianças de rua, crianças não matriculadas em escola, crianças expulsas de escola, enfim, toda a modalidade de criança que, aos olhos das autoridades legais e de cabeças conservadoras são enquadrados como “menores infratores”. [27]

 

              O projeto, criado em 2001, recebe o nome de “portas abertas” em função da ausência de burocracias e da informalidade que conduz a iniciativa. Não há registros exatos do número de crianças atendidas. Qualquer criança, de qualquer faixa de cidade, de qualquer bairro, sem pré-matrícula, pode participar. Também não aferição de pontualidade ou exigências maiores acerca de horários e tarefas. A ideologia do programa é que as crianças não se sintam obrigadas a nada e só apresentem aderência se realmente quiserem isto…

 

              O trabalho conta com uma Coordenadora e dois monitores, pessoas do bairro, todas sem relação trabalhista, exercendo voluntariado. Há também vários “professores”, que ministram atividades de dança, artesanato, música e capoeira, todos também voluntários. Além das atividades acima narradas, há programas de reforço escolar e exibição de filmes.

 

              A convivência entre as “crianças problema” é ordeira. Diferente da pecha que recebem nas escolas públicas, na Pastoral as crianças recebem noções precisas de cidadania, amizade, afeto, não violência e convivência pacífica. Em verdade, as crianças são estimuladas a criar espécies de códigos próprios de convivência, de maneira que não exista desarmonia no recinto. Crianças atendidas por atividades deste tipo raramente são enquadradas nos quadros de crianças abandonadas e “menores infratores”, criando-se, portanto, uma nova perspectiva para a temática da criança e do adolescente na cidade

 

              As crianças vão à Pastoral sem camisa, descalças, e podem entrar e sair à hora que bem entenderem (o discurso de “portas abertas” é adotado integralmente). Apesar disto, embora não existem dados bem catalogados, as crianças permanecem no projeto por vários anos e não querem sair.

 

              A iniciativa é tão repleta de êxito que o aumento de crianças procurando a Pastoral tem revelado algumas precariedades do programa. A sede, cedida pela Diocese da Igreja Católica em Leopoldina, é até um espaço amplo, com dois pavimentos, mas nem sempre comporta 70 a 100 crianças, número atingido nos dias em que o lugar está mais lotado. Algumas reformas que o espaço necessitava só foram realizadas com doações de um amigo da idealizadora do projeto, uma pessoa abastada do Rio de Janeiro. Infelizmente, há pouca comoção da sociedade leopoldinense diante das dificuldades de mantença do programa de atendimentos a crianças carentes da Pastoral. O Poder Público não auxilia em nada. Os lanches das crianças são fornecidos pela idealizadora do projeto e através de doações esporádicas de sobras de um dos supermercados da cidade. Até a conta de água e luz da sede, antes quitada pela Diocese, agora sai dos bolsos da idealizadora do projeto.

 

              Merecedor de registro especial no que concerne aos movimentos extra-estatais de promoção do acesso em Leopoldina é a Associação de Proteção e Assistência aos condenados (APAC).

 

              A APAC nasceu no ano de 1972. Estudos e experiências com encarcerados feitas por um grupo de voluntários comandados pelo advogado Mário Ottoboni, em São José dos Campos- MG, institui um método revolucionário e de inegável eficiência no modo de cumprimento de execuções penais. Explicando minuciosamente o sucesso deste método, insta trazer à colação as considerações de Geraldo Francisco Guimarães Júnior:

 

              “Responsáveis pela segurança e demais funções no presídio, os voluntários se orientavam por uma escala de emenda, dividida em três estágios (fechado, semi-aberto e aberto), oportunizando-se ao detento, o qual passou a ser chamado de recuperando, a cada estágio, um acesso maior ao mundo extramuros até alcançar o último, quando se lhe permitia residir em casa e assumir um trabalho externo, obrigando-se apenas a uma apresentação diária à prisão. Tudo isso baseado em alguns pontos básicos, como por exemplo: individualizar o tratamento tal como recomenda a lei; proporcionar assistência material, psicológica, médica, odontológica, jurídica e educacional; utilizar a religião, com liberdade de culto, como principal instrumento para a recuperação pretendida, visando “matar o criminoso e salvar o homem”; oferecer condições para que o preso ajude o próprio preso, aplicar os regimes progressivos nas dependências da mesma unidade, o que facilita a permanência do condenado junto aos familiares ao longo do cumprimento de toda a pena, acompanhado do voluntariado local, assim como sua reintegração na sociedade. O método foi sendo aperfeiçoado e hoje tem alcançado grande repercussão no Brasil e no exterior. Apresentando índices de reincidência inferiores a 5% (no sistema comum a média de reincidência é de 86%), são aproximadamente 100 unidades em todo o território nacional, e várias já foram implantadas em outros países, como as APAC’s de Quito e Guaiaquil no Equador, Córdoba e Concórdia na Argentina, Arequipa no Peru, Texas, Wiora e Kansas nos EUA, e muitas outras estão em fase de implantação como África do Sul, Nova Zelândia, Escócia, etc. Em 1986, a APAC filiou-se à PFI – Prision Fellowslrip International, órgão consultivo da ONU para assuntos penitenciários. Desde então o Método passou a ser divulgado e aplicado com sucesso em todo o mundo. [28]

 

              O método APAC é uma resposta inteligente ao caos que impera no sistema penitenciário brasileiro. A precariedade reinante é uma ofensa perene à dignidade da pessoa humana, um postulado que deveria ser encarado como imperativo categórico no ordenamento jurídico pátrio. Tentando, de forma organizada, elencar alguns dos males que afligem nosso penitenciário, lamentavelmente forma-se o seguinte rol:

 

              – Superlotação de cadeias e presídios;

 

              – Deploráveis condições sanitárias;

 

              – Inadequada alimentação aos presos;

 

              – Falhas na assistência médica;

 

              – Fragilidade de medidas de amparo educacional e profissional;

 

              – Ausência de maior esmero na assistência jurídica aos presos e acompanhamento de seus processos;

 

              – Violência e permanente tensão no ambiente carcerário, gerando terríveis casos de fugas, abusos físicos e sexuais, assassinatos, rebeliões;

 

              – Desmandos e arbitrariedades de carcerários, agentes policiais e diretores de presídios contra os presos e suas famílias.

 

              Diante de tal panorama, impossível imaginar na idéia da prisão exercer qualquer função de recuperação do encarcerado. Com tal realidade, infelizmente é o contrário que se consolida, ou seja, a cadeia se torna uma autêntica “pós-graduação” em criminalidade….

 

              O método APAC foge de tais mazelas fundamentalmente porque se trata de uma iniciativa que só é dinamizada com efetivada participação da comunidade. Ao invés de reclamar do Estado ações que ele não firma como prioridades, a APAC demonstra como a sociedade civil pode fugir de paternalismos e encarar suas mazelas com maturidade, evocando redes de solidarismo que efetivamente sirvam como mecanismo de reinserção dos excluídos no seio social.

 

              Também faz parte da metodologia APAC a conscientização do “recuperando”, o qual inclusive é convidado a integrar ativamente o processo de recuperação, assumindo gradativamente responsabilidades pelo funcionamento do sistema. Com o recuperando ajudando seus companheiros, é óbvio que há mais facilidade de aderência e respeito às exigências de tolerância e aglutinação pacífica que permeiam a APAC.

 

              No método APAC, o trabalho é amplamente incentivado como mecânica de resgate da auto-estima do recuperando e alocação de suas energias no emprego de atividades rentáveis distantes de práticas criminais. Assim como o trabalho tem tal fito, o incentivo ao estudo também se revela extremamente profícuo na meta de valorização do recuperando.

 

              O manejo do sincretismo religioso como caminho para minorar flagelos existenciais do recuperando, a assistência jurídica permanente, o amparo à saúde dos condenados e a reestruturação psico-social de estruturas familiares danificadas são outras medidas que explicam o acerto do método APAC.

 

              Não bastasse isto, o método APAC não conta com subvenções estatais (geralmente é mantido por doações de simpatizantes e voluntários) e acaba representando uma gestão mais eficaz de recursos financeiros. Enquanto um preso custa mensalmente ao Estado na faixa de R$ 1.200, 00, no método APAC, sendo tratado com muito mais conforto e comodidade, tal custo não passa de R$ 350, 00 por preso. [29]

 

              Não obstante tal pujança, as vantagens do método APAC ainda não foram compreendidas e Leopoldina, com um sistema carcerário convencional que vivencia todas as agruras acima apontadas, reflete bem isto.

 

              Em Leopoldina, a APAC “engatinha”… Não tem sequer sede e espera há anos a concretização de promessa da Municipalidade de doar de um imóvel para sediar tal entidade. As atividades da APAC não contam com adesão global dos leopoldinenses, sendo certo que as atividades diuturnas são exercidas por reduzido grupo de cidadãos mais altruístas, a maioria deles estudantes da Faculdade de Direito local, professores e figuras vinculadas à Pastoral Carcerária.

 

              Apesar de tamanhas limitações, a APAC tem realizado um trabalho sério e que, aos poucos, vai colhendo resultados. Embora com poucos integrantes, a APAC leopoldinense é bem articulada e tem conseguido efetivar atividades de acompanhamento dos processos penais e ocupação do tempo ocioso dos presos. Além do ensino de artesanato, uma proveitosa campanha de doação de livros na cidade conseguiu formar uma razoável biblioteca para os presos. Também é digno de elogios a iniciativa de realizar reuniões mensais com famílias de presos, embora tal mobilização não tenha alcançado os objetivos colimados. Os primeiros encontros foram prestigiados, mas, gradativamente os familiares deixaram de se engajar em tais reuniões e não foram poucas as reuniões que deixaram de ser realizadas por ausência absoluta de quórum…

 

              Em Minas Gerais, a APAC conta com incentivo do Tribunal de Justiça do Estado, o qual, através do Projeto “Novos Rumos da Execução Penal”, promove audiências públicas com desembargadores e autoridades municipais para estimular a propagação do método APAC. Uma destas audiências foi realizada no final de 2005 em Leopoldina. Tratou-se de um evento concorrido, no qual intensos discursos de real consolidação do método APAC na cidade foram expostos. Só o tempo dirá se tal evento não passou de mais uma vã promoção panfletária…

 

              Insta, por fim, também discorrer sobre a Faculdade de Direito da cidade como promissora alternativa para promoção extra-estatal do acesso à Justiça.

 

              Inaugurada no ano de 2001, tal Faculdade sofre com a concorrência predatória de cursos de Direito de cidades próximas a Leopoldina. Para se ter uma ligeira idéia de tal panorama, cabe mencionar que Ubá, Cataguases e Muriaé, cidades com distância inferior a 100 Km, também contam com Faculdades de Direito. Juiz de Fora, cidade pólo na região da Zona da Mata mineira, chega ao absurdo de ter 07 Faculdades que oferecem curso de Direito.

 

              A interiorização do ensino jurídico, realizada de forma caótica e obedecendo a vontades políticas não coincidentes com diretrizes educacionais e com o interesse público, pode gerar um quadro de saturação de tal mercado. A conseqüência nefasta disto é que, ao invés de uma maior competitividade e melhor qualificação dos cursos, ocorra justamente o inverso, ou seja, uma deterioração deplorável do ensino de Direito nas Faculdades interioranas. Estima-se que, com o tempo, algumas Faculdades não consigam atingir as metas de lucro colimadas e acabem fechando ou sendo vendidas para grupos com olhares pouco edificantes para o progresso do ensino jurídico.

 

              Diante de tal quadro, a aposta do curso de Direito de Leopoldina é tentar se diferenciar da média com um curso de Direito de excelência, que miscigene, com eficiência, ensino, extensão e pesquisa. Há Faculdades concorrentes à de Leopoldina que, já no vestibular, fazem propagandas do curso de Direito como sendo carreira que “garante salários até de R$ 12.000, 00”, bem como “aprovação célere de seus Bacharéis em concursos públicos”. Contra tal concorrência anti-ética, a Faculdade de Direito de Leopoldina busca propagar a idéia de um curso que dê a seus discentes não só bagagem técnica para a carreira advocatícia ou concursos públicos, mas também engrandecimento humanístico e envolvimento na solução de problemas da comunidade.

 

              Não é à toa que o curso de Direito de Leopoldina, em recente visita de comissão do MEC para inspeção e produção de parecer sobre o reconhecimento do curso, alcançou ótima avaliação e índices elevados na apreciação sobre infra-estrutura, projeto pedagógico e corpo docente da Instituição.

 

              A afirmação de um ensino que congrege vertentes variadas da formação jurídica não é uma promessa ilusória. O curso de Direito de Leopoldina possui sólidos grupos de extensão que mapeiam atividades comunitárias e prestam auxílio em searas ligadas ao meio ambiente, Direito da Criança e do Adolescente, Direito do Consumidor, Direito Urbanístico (há integrantes da Faculdade em comissões que auxiliam em estudos para confecção do Plano Diretor da cidade), o sistema carcerário e o acesso à Justiça. Destaque-se também para o projeto “Cinema Comentado”, que exibe filmes não abarcados pelo circuito comercial com temáticas que perpassam trivialidades e coadunam temáticas jurídicas com discussões filosóficas, sociológicas e antropológicas. Interessante neste projeto é o fato de que os filmes, comentados por professores da Faculdade e convidados especiais, são abertos à comunidade.

 

              O curso de Direito também possui razoável programa de iniciação científica, com pesquisas sólidas de temas voltados à comunidade e a perspectiva de publicações periódicas que divulguem os resultados destes trabalhos.

 

              Em Leopoldina, o Núcleo de Prática Jurídica foge do lugar dos Escritórios Escola de Faculdades de Direito que prestam assistência jurídica acrítica e repetidora dos dogmas e batidos jargões forenses. Estão em andamento projetos de assessoria jurídica para movimentos sociais locais, cursos de aprimoramento em questões empresariais e tributárias para os pequenos empresários da cidade, acompanhamento (em parceria com a APAC) dos processos penais e condições carcerárias dos presos de Leopoldina, simpósios e campanhas propagando a ética na advocacia, combatendo, por conseguinte, comportamentos danosos já apontados no presente estudo. Colima-se também uma perene integração da prática jurídica com a extensão e a iniciação científica, de maneira que casos trabalhados na prática sirvam como paradigma para atividades de mapeamento e pesquisa-ação dos mais graves problemas da cidade.

 

              Todos estes cenários são muito animadores, mas o tom crítico-dialético que acompanhou este trabalho também será adotado em relação à Faculdade de Direito da cidade, sob pena de recairmos em um parcialismo nada favorável para os padrões de seriedade que se buscam nesta empreitada.

 

              Nas entrevistas e visitas ao Ministério Público, OAB, Justiça Comum e Juizado Especial, conforme já narrado, houve unaminidade no apontamento de uma carência da Faculdade na interação com tais entidades e no acompanhamento das atividades dos estagiários. Não que tais órgãos também não tenham culpa neste afastamento (reclamam que não são procurados, mas não há notícia de procurarem a Faculdade para realização de atividades em consórcio), mas é inegável que um estranho elitismo acadêmico dos quadros da Faculdade tem ocasionado este desagradável cisma.

 

              Outro temor diz respeito justamente à premente possibilidade de reconhecimento do curso e a ameaça de que, passado tal estágio, haja uma retração de investimentos da mantenedora na Faculdade de Direito de Leopoldina. Leopoldina é uma cidade pobre e pequena e, embora tenha um curso de Direito de inegável reconhecimento na região, tem também dificuldades de atrair alunos de cidades vizinhas que já possuem cursos de Direito com mensalidades inclusive mais baratas. Com efeito, a Faculdade de Direito vive um dilema: dar continuidade aos bons trabalhos acadêmicos em desenvolvimento ou priorizar a mantença de certa margem de lucro em suas planilhas de custos e receitas….

 

              A mitigação nos investimentos pode afastar bons docentes que integram os quadros da Faculdade. Já há uma dificuldade natural de atrair mestres e doutores de centros maiores, receosos de abandonar suas cidades para percorrem grandes distâncias, enfrentando estradas deterioradas para lecionar em Leopoldina. Diminuir investimentos pode representar a perda de importantes peças para a permanência da multiplicidade de atividades fornecidas por este educandário.

 

              Além de dificuldades internas, a Faculdade talvez tenha como maior desafio o embate com vícios culturais e conservadorismos da própria sociedade leopoldinense. A mentalidade provinciana de autoridades públicas e figuras mais abastadas da cidade não podem ser menosprezados como obstáculos consideráveis na consecução das metas da Faculdade.

 

    4. Conclusão Parcial

 

              O estudo sobre o acesso em Leopoldina se revelou produtivo na medida em que foge do enfoque tradicional e da análise de espaços jurídicos de notoriedade. A pespectiva pluralista e pragmática que procurou se manter neste trabalho norteou nossa opção.Como vimos, Leopoldina tem suas particularidades, seus pontos exóticos, mas, lamentavelmente reproduz muitas das mazelas que marcam a crise da Administração da Justiça no Brasil. Se estudarmos com sensibilidade a história de Leopoldina encontraremos razões para a repetição de tais flagelos. As heranças segregatórias do passado colonial não somem rapidamente. Leopoldina foi a cidade com mais escravos em Minas Gerais durante boa parcela do século XIX e não passou incólume por tal ferida.

 

              Diante desse quadro, cabe refletir. Seguimos as pegadas de Wolkmer e chegamos ao seguinte:

 

              ” (…) o autoconhecimento não é um patamar já dado e voltado para o desejo individutalista, mas se trata de práxis que implica superação cotidiana da ambição e do egocentrismo, assentada numa melhor convivência e numa relação de solidariedade com o “outro”. [30]

 

              A morosidade, a ineficiência, a seletividade e a disciplicência da jurisdição estatal fazem com que a busca por mudanças severas na jurisdição oficial e a adoção mais rica de alternativas informais extra-estatais também se revelem urgentes em Leopoldina.

 

              É preciso mudar hábitos. Vícios que se tornaram comuns na prestação jurisdicional tradicional precisam ser combatidos. A habitualidade destas mazelas não pode se confundir com perpetuidade e excessiva complacência diante da falta de apreço a mandamentos de eficiência, urbanismo e senso crítico que devem orientar a atividade dos atores jurídicos na comunidade leopoldinense.

 

              Uma passagem esclarecedora de ” O Processo”, de Kafka, precisa ser apresentada:

 

              ” Talvez nenhum de nós tenha o coração duro; talvez todos nós apreciemos socorrer os acusados; apenas que como funcionários da justiça muito facilmente assumimos a aparência de ter o coração duro e de não querer ajudar ninguém. Aí está algo que eu lamento muito”. [31]

 

              No que diz respeito à jurisdição estatal, é fundamental que atores jurídicos tradicionais reflitam e tomem consciência do processo cruel no qual estão inseridos, do quão são também culpados (uma culpa não exclusiva, mas nem por isto passível de ser camuflada) e da necessidade de reação diante de tal situação. Não é impossível mitigar o quadro de reprodução dos vícios habituais da jurisdição estatal. O manejo de uma consciência crítica e a vontade de inovar na prestação jurisdicional são comportamentos que só serão implementados se saírem dos discursos e fizerem parte da prática corriqueira das instituições judiciais leopoldinenses.

 

              Juízes, promotores, advogados, membros da comunidade acadêmica leopoldinense devem superar o fosso que os separa da grande população e deflagrar campanhas de conscientização de direitos que retirem a cidade do marasmo e melancolia na qual se encontra.

 

              Paralelamente à esta louvável iniciativa de conscientizar o cidadão comum de seus direitos, o aparato estatal deve procurar mecânicas eficientes de prestar jurisdição. Não basta apenas reclamar do abandono que o Tribunal de Justiça ou a Procuradoria de Justiça relega às Comarcas interioranas. Improvisação, criatividade e novas engenharias de divisão de trabalho precisam ser introduzidas para dar conta de um boom de tutelas de direitos sociais, difusos e coletivos que podem surgir caso o cidadão se aperceba de suas possibilidades jurídicas, comumente não exercidas.

 

              Neste sentido, insta mencionar o seguinte comentário de Maria Victória Benevides:

 

              ” De qualquer forma, querer informação e comunicação sem esforço é ilusório; esse tipo de informação preguiçosa surge como resultado daquele mito dito pós-moderno da publicidade e não da mobilização cívica. O cidadão só poderá participar inteligentemente da vida democrática com esforço. A democracia requer esforço. O autoritarismo, não; nele é tudo mais rápido e bem simples. Mas a democracia é difícil e trabalhosa (….)” [32]

 

              Sendo mais enfático nos comentários sobre o manejo de instrumentos processuais em defesa de interesses difusos e coletivos, não basta apenas reclamar acerca da letargia do Ministério Público nesta atividade. A Defensoria Pública, por exemplo, segundo interpretações legais mais extensivas, também tem legitimidade para interpor ações civis públicas. Além disso, a própria sociedade civil leopoldinense, por intermédio de organizações não governamentais, também possui legitimidade para este fim.

 

              Além deste aprimoramento da jurisdição estatal, é preciso reconhecer a sobrecarga que lhe é lançada e estimular a ação de instituições judiciais mais aptas à conciliação e mediação. Os Juizados Especiais podem exercer tal tarefa e até precisam fazer isto de forma mais intensa para que exerçam de forma fidedigna seu papel e não sejam contaminados pela burocracia e lentidão que são marcas comuns na jurisdição estatal. A adoção em Leopoldina, com apoio da comunidade, de centrais conciliatórias dos Juizados Especiais em bairros pobres e providos de grande população (tais centrais poderiam funcionar em centros comunitários e escolas públicas) sequer exige grandes dotações orçamentárias, mas apenas o implemento inteligente de parceiras. Nada que, com boa vontade e organização, não seja possível de ser obtido.

 

              A Faculdade de Direito também precisa estar inserida nesta empreitada. Suas iniciativas de aproximação com a comunidade e a realização de atividades de extensão, prática jurídica para alunos e iniciação científica devem ser conjugadas com a prestação de ensino jurídico de excelência e formação de quadro de Bacharéis em Direito capaz de elevar a cultura acadêmica da cidade. Se os novéis operadores do Direito, com dinamismo e boa formação começarem a atuar em Leopoldina, certamente os operadores acomodados ou pouco responsáveis terão que rever suas atitudes.

 

              A tão reclamada ausência de parceria entre a Faculdade e as instituições jurídicas estatais na cidade pode ser superada com diálogo e tolerância, postura que mentes altruístas e humildes podem adotar sem maiores óbices.

 

              Destaque-se que Faculdade de Direito não deve se integrar às instâncias oficiais de acesso à Justiça em Leopoldina repetindo os vícios das mesmas. A esfera acadêmica deve se postar crítica a continuísmos e postular a reformulação de padrões gastos da práxis jurídica, incapazes de gerar reflexão e perpetuadores de quadros de exclusão social e ineficiência na prestação jurisdicional estatal.

 

              Cabe, também, à Faculdade de Direito auxiliar nas iniciativas de mediação e conciliação através de seu Núcleo de Prática Jurídica, participando ativamente de convênios que permitam, através de atendimentos itinerantes, o execução destas mecânicas de composição de litígios em bairros e distritos de Leopoldina.

 

              Mesmo a APAC, uma elogiável opção de ressocialização do preso, pode, por igual, atrair investimentos e conseguir sua sede sem depender da imprevisível e demorada boa vontade estatal.

 

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

              CARLIN, Volnei Ivo. O juiz e sua consciência: o que é ser justo?. Jurisprudência catarinense, Florianópolis, v. 12, n. 45, p. 49, jul./set. 1984

 

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              QUEIROZ, Cláudia Carvalho. A legitimidade da Defensoria Pública para a propositura de ação civil pública. Jus navigandi. Teresina. a.10, n. 867, 17. nov.2005. Acesso em 18.nov. 2005

 

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    NOTAS

 

              01 JOSÉ, Oiliam. Abolição em Minas. Belo Horizonte: Itatiaia, 1962, p.54

 

              02 O estudo em tela aponta para o fato de que a cada grupo de 100 empresas em Leopoldina, 98 são microempresas. O setor industrial não possui qualquer relevância em termos de emprego e renda, representando míseros 0, 45% das empresas instaladas no município. Tais dados foram recolhidos em pesquisa disponível no site www.leopoldina.com.br

 

              03 Um período mais agudo ainda de queda da economia leopoldinense foi entre 1985 e 1990, época na qual o PIB da cidade caiu 4, 90%.

 

              04 CARLIM, Ivo. O juiz e sua consciência: o que é ser justo?op.cit.p. 33

 

              05 ANDRADE, Lédio Rosa. Juiz alternativo e Poder Judiciário. op.cit. p. 67

 

              06 Os processos objeto de estudo só terão seus números mencionados. Partes, advogados e o juiz que preside o feito serão omitidos, embora tratem de processos que não correm em segredo de Justiça. Os dados aqui relatados podem ser aferidos após consulta ao site do TJMG (www.tjmg.gov.br). Acesso em 10. dez. 2005

 

              07 Não que seja uma “obrigação”, mas lamenta-se a ausência de sensibilidade da sociedade civil organizada diante das agruras do Juizado. Instâncias como a Associação Comercial e a Câmara de Dirigentes Lojistas da cidade poderiam cooperar com o Juizado.

 

              08ROCHA, Elaine. “Defensor do Rio de Janeiro destaca necessidade de criação de novas defensorias públicas no país. Disponível em www.stj.gov/noticias. Acesso em 19 dez 2005

 

              09SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional positivo. 16 ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 617

 

              10Os três defensores públicos se dividem em espaços muito reduzidos. Conforme uma das defensoras afirmou em tom de brincadeira, a sala da Defensoria é do tamanho de uma cela da cadeia pública. Visto sob esta perspectiva, diz ela, “temos até espaço demais…” Há a previsão da construção de um novo Fórum em Leopoldina no ano que vem, algo que poderia melhorar as condições de acomodação da Defensoria. Ainda assim, lembra uma das defensoras, “com um novo imóvel surgiria outro problema: adquirir novo mobiliário”. O mobiliário atual da Defensoria é velho e ainda assim só foi possível graças a doações da Prefeitura Municipal.

 

              11Os Defensores chegam a narrar que a situação da Defensoria é tão precária que sequer as carteiras funcionais dos novos defensores foram confeccionadas por falta de recursos.

 

              12Alegam os defensores que o concurso para ingresso na Defensoria tem ficado tão difícil como o de ingresso no Ministério Público e na Magistratura. Logo, não entendem a razão para aquilo que reputam como baixo salário e a falta de equiparação com a Magistratura e o MP. Relatam que o salário, hoje, está na faixa de R$ 600, 00 e o grosso da remuneração é firmado em gratificações, que não se incorporam ao salário e podem ser retiradas a qualquer tempo. O salário, acrescido das remunerações, não é ruim para a realidade de Leopoldina, uma cidade de interior, com custo de vida menos elevado, mas é baixo para a vida em grandes cidades e na capital do Estado. A ausência de regulamentação e implementação efetiva da Lei Orgânica da Defensoria faz com que os defensores públicos em Minas Gerais não tenham um subsídio fixado.

 

              13Enfocando a importãncia da Defensoria na prevenção e mediação de conflitos, assim se posiciona Amélia Soares da Rocha: ” Não adianta o egoísta saber privado, formalmente dotado de tranquilidade financeira e materialmente preso a um quarto do pânico da violência cotidiana. Se se quer paz, fortaleça-se a Defensoria Pública”. in ROCHA, Amélia Soares. “Defensoria pública e transformação social”. Jus navigandi, Teresina, a. 8, n. 400, 11 ago. 2004, disponível em www.jus2.uol.com.br/doutrina/texto. Acesso em 19.dez.2005

 

              14Mais adiante, quando os objetos de relato forem a OAB ea Faculdade de Direito da cidade, serão pontos de maiores considerações os advogados dativos nomeados pelo Estado para defenderem os que não têm condições de arcar com honorários de contratação de advogado e o Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade. Dentre as considerações que serão lançadas, uma inquietante dúvida já pode permear os questionamentos sobre tal Instituição. Assim como a Defensoria Pública, a OAB e o Núcleo de Prática Jurídica, diante da excessiva demanda, também criaram critérios para limitação de atendimentos. Daí surge a seguinte pergunta: como ficam os que não são atendidos pela Defensoria ou pelo Núcleo de Prática Jurídica e não têm condições de contratar advogados?

 

              15MICHELOTI, Marcelo Adriano. A inconstitucional Constituição Catarinense no tocante à Defensoria Pública. Jus navigandi. Teresina, a. 10, n. 862, 12 nov. 2005. disponível em www. jus2.uol.com.br/doutrina/texto. Acesso em 19.dez.2005

 

              16A idéia em comento tem também guarida jurisprudencial. Neste sentido, existe o seguinte julgado: ” Direito Constitucional. Ação Civil Pública. Tutela de interesses consumeristas. Legitimidade ad causam do Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública para a propositura da ação. A legitimidade da Defensoria Pública, como órgão público, para a defesa dos direitos dos hipossuficientes é atribuição legal, tendo o Código de Defesa do Consumidor, no seu art. 82, III, ampliado rol de legitimados para a propositura da ação civil pública àqueles especificamente destinados à defesa de interesses e direitos protegidos pelo Código. Constituiria intolerável discriminação negar a legitimidade ativa de órgão estatal- como a Defensoria Pública- as ações coletivas se tal legitimidade é tranquilamente reconhecida a órgãos executivos(como entidades do Poder Legislativo de defesa do consumidor). Provimento do recurso para reconhecer a legitimidade ad causam do apelante” (Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. AC 2003. 001.04832. Rel. Des. Nagib Slaibi Filho. 6 Câmara Cível. Julgado em 26 de agosto de 2003)

 

              17QUEIROZ, Cláudia Carvalho. A legitimidade da Defensoria Pública para a propositura de ação civil pública. Jus navigandi. Teresina. a.10, n. 867, 17. nov.2005. Acesso em 18.nov. 2005

 

              18Merece nota o seguinte comentário de Lédio Rosa de Andrade: ” O Promotor de Justiça age como fiscal da lei, como protetor da sociedade, chancelado pelo Estado ,deixando de notar o seu sitiamente pela classe dominante. in ANDRADE, Lédio Rosa. op.cit. p. 68

 

              19 VIEIRA, José Ribas. O Judiciário e a democratização adiada: alternativas. op.cit.p. 124

 

              20 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado Pelos Autores do Anteprojeto. 8ªed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 771

 

              21 MANZI, José Ernesto. ” Reflexões sobre a advocacia, em seu contexto de indispensabilidade à administração da Justiça”. Jus navigandi, Teresina, a. 8, n. 325, 28. maio. 2004. Disponível em www.jus2.uol.com.br/doutrina/texto. Acesso em 15 jan. 2006

 

              22 LIMA, Fernando Machado da Silva. “O clube da OAB. Exame de Ordem, anuidades e aplicação das receitas da OAB/PA na manutenção do Clube dos Advogados.” Jus Navigandi, Teresina, a.10, n. 923, 12 jan.2006. disponível em www.jus2.uol.com.br/doutrina/texto. Acesso em 15.jan. 2006

 

              23Tão lamentável quanto a existência de advogado desta estirpe é o fato de que, mesmo suspenso, tal advogado continua atuando normalmente. Ocorre aquilo que vulgarmente se denomina “advogar por interposta pessoa”. Um outro advogado, sem restrições em procedimentos disciplinares, assina as petições e assume os casos do advogado suspenso.

 

              24 Consultando Roberto da Matta, assim ele se postou sobre excessivo apego do brasileiro ao emprego público: ” Não é à toa que todo mundo aspira a um ‘emprego público’, sinônimo, muitas vezes, de estupenda remuneração e de nenhum trabalho. Também não é ao acaso que usamos a expressão ‘legal’ para tudo. Entre nós, até fazer amor pode ser ‘legal’. In MATTA, Roberto. Torre de Babel. Rio de Janeiro: Rocco, 1986, p. 86

 

              25 NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. “O advogado, o complexo de viralatas e o ‘você sabe com quem está falando’” ? . Jus navigandi, Teresina, a. 10, n. 923, 12 jan.2006. Disponível em www.jus2.uol.com.br/doutrina/texto. Acesso em 15 jan. 2006

 

              26Outros pontos servem para constatar esta agrura. Não há registro de muitos advogados em Leopoldina que tenham algum tipo de Especialização Lato Sensu (embora a Faculdade de Direito local já esteja oferecendo o segundo curso de Pós- Graduação e várias Faculdades em cidades próximas já ofereçam, há vários anos, oportunidades para especialização em número expressivo). Não há registro de um Mestre ou sequer um Mestrando que esteja filiado à subseção de Leopoldina.

 

              27 A maioria das crianças atendidas por este projeto são filhos de pais separados, mães solteiras que não tiveram os filhos reconhecidos pelos pais. Vivem geralmente com avós ou com tios, uma vez que os pais “se perderam no mundo”, morreram ou estão encarcerados…

 

              28 GUIMARÃES JÚNIOR, Geraldo Francisco. Associação de proteção e assistência aos condenados: solução e esperança para a execução da pena. Jus Navigandi, Teresina, a. 10, n. 882. disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto. Acesso em: 04 fev. 2006.

 

              29 GUIMARÃES JÚNIOR, Geraldo Francisco. Associação de proteção e assistência aos condenados: solução e esperança para a execução da pena.op.cit

 

              30WOLKMER, Antônio Carlos. Direito comunitário alternativo: elementos para um ordenamento teórico-prático. op.cit.p. 94

 

              31KAFKA, Franz. O processo. op.cit.p. 102

 

              32BENEVIDES, Maria Victória. Nós, o povo: reformas políticas para radicalizar a democracia. op.cit.p. 94

 

 

* Advogado; professor de Teoria Geral do Processo, Processo Civil, Direito Civil e Prática Jurídica das Faculdades Doctum – Campus Leopoldina; Coordenador da Iniciação Científica das Faculdades Doctum- Campus Leopoldina; professor de Introdução ao Estudo do Direito e Processo Civil das Faculdades Doctum/Campus Juiz de Fora; Especialista em Direito Civil pela UNIPAC; Mestre em Teoria Geral do Estado e Direito Constitucional pela PUC/RJ; Pesquisador de grupo sobre Acesso à Justiça da PUC/RJ e Viva Rio.

Como citar e referenciar este artigo:
, João Fernando Vieira da Silva. O acesso à justiça na comarca de Leopoldina (MG). Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/judiciario/o-acesso-a-justica-na-comarca-de-leopoldina-mg/ Acesso em: 18 abr. 2024