Judiciário

O papel das magistradas

O papel das magistradas

 

 

Maria Berenice Dias*

 

 

Se é indispensável o avanço em vários setores e irreversível a conquista de novos espaços, nas estruturas do poder é rarefeita a presença das mulheres. Nenhuma integra o primeiro escalão do Executivo em âmbito federal. Só há uma governadora e 178 prefeitas. Somente seis senadoras têm assento na câmara legislativa maior. E, apesar de, no Judiciário nacional, 36% de seus membros serem magistradas, nenhuma ocupa os Tribunais Superiores e somente duas ostentam o título na jurisdição trabalhista.

 

Na Justiça gaúcha, sou a única desembargadora, e, juntamente com oito juízas de alçada, integramos um número de 262 magistradas de um universo de 1.001 juízes.

 

Apesar de esses dados revelarem traços discriminatórios, é de se reconhecer que crescente é a participação feminina, não só na magistratura, mas nas mais diversas carreiras jurídicas, podendo-se afirmar que está ocorrendo verdadeira feminização da Justiça.

 

Esse fenômeno merece ser visualizado sob mais de um ângulo. Além de analisar-se como a magistrada é vista no âmbito profissional, há que se atentar na sua atuação no contexto jurisdicional, bem como se questionar se exerce o papel de agente modificadora dos padrões machistas vigentes.

 

De primeiro, cabe destacar que, nesse novo contexto, como todas as minorias, desperta a juíza mais atenção, e, mais visada, acaba sua conduta por ser analisada por estereótipos. São vistas como totens e rotuladas como mais severas ou mais condescendentes que seus pares, ou ainda mais ou menos adequadas para jurisdicionar determinadas varas. Essas estratificações dicotômicas pela caracterização do gênero são percepções freqüentemente inconscientes e que registram um conteúdo preconceituoso, pois atitudes por vezes não relevantes, que refoguem à média, ficam mais visíveis e são potencializadas de forma generalizante.

 

Indispensável, por outro lado, investigar se a presença maciça das mulheres na magistratura afeta o contexto das decisões judiciais. Ressalta Silvia Pimentel, na obra que busca perceber o direito sob a ótica das relações de gênero, que “a mulher é julgada tomando-se por parâmetro um comportamento padrão. Na argumentação judicial, é geralmente definida mediante adjetivos como inocência da mulher, honestidade, conduta desgarrada, vida dissoluta, expressões todas elas ligadas exclusivamente ao seu comportamento sexual” (Pimentel, Di Giorgi e Piovesan, in

 

A Figura/Personagem Mulher em Processos de Família, Ed. Fabris, 1.993, Porto Alegre, p. 141). Cabe lembrar que essa adjetivação, no entanto, não é usada com referência ao homem e, quando flexionada no masculino, está ligada exclusivamente à sua postura diante de compromissos econômicos e seu desempenho profissional.

 

É mister refletir-se a respeito dessas questões, mostrando-se evidente a necessidade de que se realizem eventos marcados por uma discriminação positiva, como a 4ª Conferência Bienal Internacional da Associação Internacional das Magistradas, que ocorrerá em Ottawa, Canadá, entre os dias 21 e 24 de maio do corrente ano.

 

É necessário ver a mulher em relação ao Direito a partir do conceito de gênero, não face ao sexo biológico, mas ante as diferenças sociais que se expressam nas relações comportamentais.

 

Sob essa ótica é que se precisa analisar se a inserção feminina na magistratura altera a ideologia dominante, ou seja, se há interferência da condição de gênero do julgador para a implementação dos direitos de igualdade já conquistados pelos movimentos feministas.

 

Segundo Denise Bruno, por sentirem-se incapazes de confrontar o padrão patriarcal, por não terem consciência do mesmo, ou por não estarem dispostas a arcar com as conseqüências de romper com as expectativas patriarcais sobre as mulheres, as juízas, apesar de terem consciência da necessidade de mudanças não rompem com os códigos e padrões legais vigentes (A Mulher e o Direito, palestra proferida no Encontro de Magistradas do Paraná, Foz do Iguaçu, novembro de 1996).

 

Não basta o aumento do número de magistradas para que determinados padrões de comportamento sejam alterados, a ensejar o estabelecimento da igualdade, o fim da discriminação e a eliminação da violência contra a mulher.

 

De qualquer forma, não mais se pode dizer que Judiciário é um substantivo masculino, devendo-se ter sempre presente que Themis, a Deusa da Justiça, é uma mulher.

 

 

* Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM

 

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Como citar e referenciar este artigo:
DIAS, Maria Berenice. O papel das magistradas. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/judiciario/o-papel-das-magistradas/ Acesso em: 29 mar. 2024