Judiciário

A justiça é nobre, mas não o são alguns juízes


No dia 15/03/2011 o festejado
prof. Luiz Flávio Gomes, ancorado em pesquisa realizada por Roberta Calix
Coelho Costa, divulgou em seu blog alguns dados sobre a confiabilidade dos brasileiros na Justiça (http://www.blogdolfg.com.br/justica-criminal-seletividade-discriminacao-e-impunidade/corrupcao-64-declararam-que-a-justica-e-pouco-ou-nada-honesta/#comment-4105),
obtidos a partir de duas pesquisas concluindo que: “64% dos entrevistados declararam que a Justiça é pouco ou
nada honesta e 59% alega que o Judiciário recebe influência do poder político
ou dos outros poderes do Estado”
, sendo que a sensação de
impunidade e o tráfico de influência dentro dos Poderes Constituídos, ao que
parece, são as principais causas de corrupção dentro do Poder Judiciário.

Além das respostas
fornecidas pelos entrevistados, a pesquisa contou, ainda, com dados fornecidos
pelo Ministro Gilson Dipp, com base em constatações durante sua gestão no CNJ
entre os anos de 2008 e 2010, sendo que aquele magistrado revelou seu
estarrecimento em relação à quantidade de casos envolvendo corrupção no
Judiciário, os quais imaginava serem fatos isolados.

A pesquisa em questão diz
que os brasileiros não confiam na Justiça, e sobre isso penso seja bom
registrar que as pessoas não devem confundir as instituições com os agentes que
as congregam.

O Poder Judiciário é instituição vital ao bom
funcionamento de qualquer sociedade, e a função de julgar existe desde as suas
formas mais rudimentares e informais até as mais avançadas e
institucionalizadas.

O ser humano é passível de falhas, porquanto é
de sua essência, fato que é objeto de estudos tanto no campo científico quanto
no religioso, e pode ser que nunca seja possível encontrar uma resposta
satisfatória para os comportamentos humanos.

Com vistas nisso, a lei foi o instrumento
de referência desenvolvido pelo Homem para tentar estabelecer comportamentos
uniformes, baseando-se no chamado homem médio, ou seja, aquele dotado do mínimo
ético desejável pela maioria de seus pares para o convívio harmonioso em
sociedade, sendo que essa probidade básica varia conforme a cultura de cada
povo, porém, sempre objetiva-se o bem.

Para integrar a magistratura, exige-se
conhecimentos jurídicos, cultura geral mais ampla possível e um comprometimento
ético e moral verdadeiramente extraordinários do candidato. Os concursos tem se
tornado cada vez mais difíceis, sendo que o CNJ, através da Resolução nº
75/2009, aumentou o rol de conhecimentos que devem ser dominados pelos
candidatos ao cargo de juiz, e que vão além das matérias ditas técnicas. São elas:
Sociologia do Direito, Psicologia Judiciária, Ética e Estatuto Jurídico da
Magistratura Nacional, Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito e da
Política. Dessa forma, o CNJ espera contar com juízes mais aprimorados, tanto
do ponto de vista técnico quanto do humano.

Não há nada de errado com o Poder Judiciário,
enquanto instituição abstratamente considerada. Há, sim, mazelas na conduta de
alguns juízes – indivíduos pedantes, arrogantes, de baixo grau cultural, sem
amor pelo próximo etc.., capazes de arruinar sobrermaneira a vida dos
jurisdicionados.

A gravidade da conduta desviada de alguns
juízes reside no fato de que, por ser conhecedor de todo o sistema jurídico, de
seus detalhes, do que é proibido e permitido, ao menos presumidamente, é que o magistrado
deve proceder do modo mais reto possível. Exatamente por esse fato é que os
magistrados, quando agem em desconformidade com as normas jurídicas e com os
preceitos éticos e morais que devem governar a vida em sociedade, são
merecedores de punições muito mais severas do que a pessoa leiga em matéria
jurídica, e com o mínimo de recursos, registre-se. É como no Direito do
Consumidor, em que este é a parte vulnerável, uma vez que o fornecedor é quem
conhece os meios de produção, a tecnologia que envolve o desenvolvimento de um
produto ou de um serviço, o sistema de distribuição no mercado etc.

Sobre isso, já foi escrito pelo filósofo e
cientista Omar Khayyám, em sua obra Rubáyát:

“Não deixes teu saber magoar os outros,

vence-te,
e a tua cólera, também;

e terás
paz, se em te ferindo a sorte tu gargalhares – sem ferir ninguém.”

Ou seja, o sábio poeta diz nada menos que: não
utilize sua sabedoria para o mal! 

No caso dos juízes, toda a sociedade fica
vulnerável quando um magistrado ou um órgão colegiado falham. Mais ainda se
falharem dolosamente, transitando pelas raias da corrupção, da troca de favores,
e cientes de que estão agindo desviadamente.

Não é proibido ter amizades no Poder Público; ao
contrário, a amizade é algo desejável, necessário e salutar ao ser humano, de
forma a lhe permitir que agregue e desenvolva valores nobres, permitindo,
assim, a construção da, constitucionalmente proclamada, sociedade livre, justa
e solidária. Entretanto, dentro da estrutura do Judiciário algumas
“amizades” possuem outro desiderato, e é por isso que as Corregedorias de
Justiça fazem ouvidos moucos e olhares poucos a alguns magistrados. Quem age
com responsabilidade, nada teme. Mas, infelizmente, a própria cúpula é
contaminada por elementos corruptos, e assim se protegem porque sabem que o
chicote, cedo ou tarde, troca de mão.

A frequência dos casos envolvendo corrupção,
como dito pelo prof. Luiz Flávio Gomes, nos dá a impressão de aparente
isolamento. No entanto, mesmo que sejam casos pontuais, penso que a lição de
Piero Calamandrei se aplica analogicamente:

O
bom juiz põe o mesmo escrúpulo no julgamento de todas as causas, por mais
humildes que sejam. É que sabe que não há grandes e pequenas causas, visto a
injustiça não ser como aqueles venenos a respeito dos quais certa medicina
afirma que, tomadas em grandes doses, matam, mas tomadas em doses pequenas,
curam. A injustiça envenena, mesmo em doses homeopáticas
.”

Dito isso, a corrupção sempre contaminará
as instituições, mesmo que seja detectada em casos isolados.

O problema, na verdade, transita pela esfera
íntima do indivíduo; é problema de “diálogo com o próprio travesseiro”, se é
que o leitor me entende. A questão não é o juiz agir mal por ser conhecedor de
uma estrutura corporativista que o protege, por saber que dificilmente será
apanhado com a boca na botija, que não será punido, mas fazer o certo pelo fato
de ser um depositário da confiança da sociedade e de seu país, e, acima de
tudo, por uma questão de fé, por desejar
viver “de forma que, quando morrermos,
até o agente funerário sinta saudades
”, nos dizeres de Mark Twain.

Aristóteles,
em sua obra Ética a Nicômacos,
balizava:

“As coisas que temos de aprender antes de fazer,
aprendemo-las fazendo-as – por exemplo, os homens se tornam construtores construindo,
e se tornam citaristas tocando cítara, da mesma forma, tornamo-nos justos
praticando atos justos, moderados agindo moderadamente, e corajosos agindo
corajosamente.” 

Não critiquemos o pomar
por conta das laranjas podres.

Advogado. Pós-graduado com especialização em
Direito do Consumidor pela Faculdade de Direito da Universidade Estácio de Sá
de Juiz de Fora. Ocupou o cargo de assessor de juiz da 2a. Vara Cível de Juiz
de Fora-MG. Membro do INJUR – Instituto cultural para a difusão do conhecimento
jurídico. Colaborador permanente da COAD/ADV. Seminarista convidado pelo INPA –
Instituto de Pesquisas aplicadas do Ceará. Autor de artigos e ensaios jurídicos
publicados em mídias especializadas.

Como citar e referenciar este artigo:
GUGLINSKI, Vitor Vilela. A justiça é nobre, mas não o são alguns juízes. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/judiciario/a-justica-e-nobre-mas-nao-o-sao-alguns-juizes/ Acesso em: 20 abr. 2024